RESENHAS BOOK REVIEWS

 

 

Vitor Jorge dos Santos JúniorI; Marcos BagrichevskyII

IPrograma de Pós-graduação em Educação Física, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Brasil. vitor.vjsj@dpf.gov.br
IIPrograma de Pós-graduação em Educação Física, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Brasil. marcos_bagrichevsky@yahoo.com.br

 

 

COMO E POR QUE AS DESIGUALDADES SOCIAIS FAZEM MAL À SAÚDE? Barata RB. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2009. 120 p.

ISBN: 978-85-7541-184-1

O livro Como e Por Que as Desigualdades Sociais Fazem Mal à Saúde, publicado em 2009, é um dos títulos que compõem a interessante coleção Temas em Saúde da Editora Fiocruz. A signatária da obra, Rita Barata (conhecida autora de vários trabalhos de referência na Saúde Coletiva, mais especificamente no campo da Epidemiologia Social) consegue desenvolver linguagem acessível sem abrir mão de uma exposição conceitual relevante e objetiva que circunscreve esse livro-síntese.

Constituído por seis capítulos, o trabalho enfatiza em linhas gerais que o enfrentamento das desigualdades sociais em saúde não se dá apenas com (nem pode ser reduzido a) levantamento e análise quantitativa/epidemiológica dos inúmeros aspectos que interferem na capacidade do indivíduo (e das populações) de ser(em) e manter(em)-se sadio(as). Defende, como alternativa, uma conciliação entre o mapeamento de fatores quantificáveis e a observância dos aspectos subjetivos existentes por trás de cada determinante da saúde-doença; argumenta também que a superação da complexa problemática das iniquidades em saúde envolve um conjunto de políticas e processos de transformação social que transcendem a capacidade de ação do setor saúde. Tais características, por si só, já tornam a obra um valioso espaço de reflexão e de questionamento aos cânones rigorosos da epidemiologia contemporânea e sua aplicabilidade investigativa (insuficiente) no contexto em questão.

No eixo central de análise são discutidas as desigualdades sociais em saúde relacionadas principalmente "à posição" de classe, renda, gênero e etnia, capitulados de forma sequencial no livro. Nesse sentido, há pretensão de oferecer ao leitor um enfoque explicativo didático quanto à participação dessas variáveis (de maneira isolada e em conjunto) e, quanto à importância de se desenvolver indicadores apropriados para tentar capturar os fenômenos sociais e suas repercussões sobre o processo saúde-doença; discute-se também, a dificuldade/necessidade de construção de técnicas de análise estatística que possibilitem uma representação mais fiel da realidade que envolve inúmeros aspectos intervenientes sobre o processo saúde-doença dos sujeitos e a sua (hipotética) estrutura hierárquica, sendo esse esforço, segundo a autora, o grande desafio para os pesquisadores da área.

No primeiro capítulo o foco principal recai sobre as teorias das desigualdades sociais em saúde. Recorre-se a elas para evidenciar as iniquidades como dimensões multideterminadas. São mencionadas: a teoria estruturalista, que dá ênfase na estrutura econômica da sociedade; a teoria psicossocial, que enfoca a desvantagem social como fonte de estresse e desencadeamento de doenças; a teoria da determinação social adotada na América Latina e no Brasil, cuja importância maior é dada ao modo de vida; e ainda a teoria ecossocial que considera de igual valor, aspectos biológicos, sociais e psíquicos. Também são tecidas críticas às correntes que enfatizam apenas as diferenças biológicas entre indivíduos e entre populações e, negligenciam os aspectos políticos que participam da constituição das iniquidades em saúde, diretamente vinculadas às formas de organização societária.

O segundo capítulo trata da questão de classes sociais (segundo a tradição marxista) e examina sua influência sobre o processo saúde-adoecimento das pessoas segundo a "posição social" que cada sujeito ocupa nessa estratificação (marcadamente definida pelas diferenças econômicas intra e interpopulacionais, mas também jurídicas, políticas, ideológicas e de poder). E defende que as pesquisas epidemiológicas devem servir para a identificação dos grupos sociais precarizados, cujos vínculos estruturais determinam diretamente as condições insalubres de vida das famílias e de seus membros. Identifica ainda que ao se utilizarem (nas categorizações de classes sociais) variáveis como escolaridade, ocupação profissional (trabalho) e condições de vida em um espaço geográfico específico, obtém-se um valioso indicador do processo saúde-doença nas populações, que pode espelhar tanto a morbimortalidade quanto o acesso e utilização dos serviços de saúde.

O paradoxo existente nas relações entre riqueza e saúde é o mote de análise do terceiro capítulo no qual a autora demonstra, com muita propriedade, que a máxima "quanto mais rico um país mais saudável sua população" está muito longe de ser verdade absoluta. Aponta que a coesão social em nações mais equânimes (e, portanto, com menores níveis de desigualdades na distribuição da renda per capita) exerce maior influência sobre a saúde de uma população do que sua riqueza absoluta (invariavelmente medida pelos setores econômicos somente através do PIB). A autora sugere que tais desigualdades no Brasil são percebidas, não apenas entre unidades federativas, mas entre municípios e no interior deles. Apesar de tal análise ser crucial para a elaboração de programas e políticas voltados para a promoção da saúde, nem sempre tem alcançado o devido destaque na formulação de propostas da esfera pública, nos três níveis de governo.

A abordagem do quarto capítulo destaca a etnia e a discriminação/racismo como importantes categorias de análise no estudo das desigualdades sociais, bem como seus reflexos na distribuição da estrutura de poder e na utilização dos serviços de saúde, no interior de uma dada sociedade. Rita Barata alerta que qualquer teoria explicativa sobre as desigualdades sociais e iniquidades em saúde deve ser considerada incompleta e insuficiente, se forem ignorados os aspectos relacionados ao pertencimento étnico e à posição social dos grupos étnicos marginalizados.

Já o quinto capítulo discorre sobre as relações entre gênero e saúde e suas particularidades. Discute o conceito de gênero nas diversas áreas de estudo nas quais é empregado, desenvolve crítica quanto ao uso do termo "sexo" como sinônimo de gênero em pesquisas no campo da saúde e enfatiza a necessidade de se analisar as problemáticas investigativas das iniquidades sócio-sanitárias com um enfoque para além do simples estabelecimento de diferenças entre masculino e feminino (direcionando o olhar principalmente para as implicações que o estado de saúde, o acesso e utilização dos serviços de saúde sofrem em virtude, tanto das relações de gênero, quanto pelas distinções biológicas de sexo). Um bom exemplo desse aspecto último materializa-se nos resultados de estudos que indicam maior índice de mortalidade dos homens (quando comparados às mulheres) em todas as faixas etárias, na maioria das populações, fato geralmente explicado pela diferença de exposição a fatores de risco por parte dos homens. Como não existem fundamentos exclusivamente biológicos que justifiquem essa diferença, é razoável admitir que independentemente do sexo, tais diferenças podem ser produto de fatores relacionados ao gênero, que englobam desde a divisão do tipo de trabalho entre homens e mulheres, passando pelo molde cultural dos papéis masculinos e femininos na sociedade, até os modos de vida determinados pela inserção social de cada sujeito.

O último capítulo busca estabelecer uma síntese contextualizada do tema central, abarcando, além dos aspectos colocados em relevo nos capítulos anteriores, uma perspectiva de análise que toma como pano de fundo as políticas públicas e sua responsabilidade na formulação de estratégias de enfrentamento das iniquidades em saúde e de criação de uma perspectiva existencial mais justa e equânime para os diferentes grupos sociais, principalmente aqueles historicamente marcados por menores oportunidades de uma vida digna. A autora consegue demonstrar que o pertencimento a classes sociais menos privilegiadas não só limita a posse das pessoas a recursos materiais, como também influencia suas concepções de mundo e escalas de valores, condições estas que, indiscutivelmente, repercutem na precarização das condições de saúde.

A obra é bem-vinda por toda coerência crítica apresentada, fato que torna sua leitura quesito obrigatório para aqueles que transitam no campo investigativo a partir de uma perspectiva contra-hegemônica.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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