ARTIGO ARTICLE

 

Sono, trabalho e estudo: duração do sono em estudantes trabalhadores e não trabalhadores

 

Sleep, work, and study: sleep duration in working and non-working students

 

 

Érico Felden PereiraI; Maria Perpeto Socorro Leite BernardoII; Vânia D'AlmeidaIII; Fernando Mazzilli LouzadaIV

IDepartamento de Educação Física, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil
IIDepartamento de Pediatria, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, Brasil
IIIDepartamento de Biociências, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, Brasil
IVDepartamento de Fisiologia, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo objetivou investigar a duração do sono e fatores associados em escolares trabalhadores e não trabalhadores. Foram coletadas informações sobre o padrão do ciclo vigília/sono de 863 adolescentes de 10 a 19 anos em escolas de São Paulo, Brasil. Análises ajustadas foram aplicadas para comparação da duração do sono entre trabalhadores e não trabalhadores. O porcentual de adolescentes trabalhadores foi de 18,4% e 52% dos jovens que trabalhavam apresentaram oito ou menos horas de sono. A prevalência de baixa duração do sono foi maior nos trabalhadores dos sexos masculino (p = 0,017) e feminino (p < 0,001). Os estudantes trabalhadores apresentaram menor duração do sono mesmo com ajuste pela classe socioeconômica (p < 0,001). Apesar de existirem mais trabalhadores no turno da noite, no modelo ajustado pelo sexo e nível socioeconômico, os estudantes trabalhadores do turno da tarde apresentaram maior prevalência de baixa duração do sono (RP = 2,53; IC95%: 1,68-4,12).

Sono; Privação do Sono; Trabalho; Adolescente


ABSTRACT

The aim of this study was to investigate the duration of sleep and associated factors in working and non-working students. Data were analyzed on the sleep-wake cycle in 863 teenage students in São Paulo, Brazil. Adjusted analyses were performed to compare sleep duration in working and non-working students. 18.4% of the group worked, and 52% of the working students slept eight hours or less per night. Prevalence of short sleep duration was higher in working students of both sexes (males, p = 0.017; females, p < 0.001). Working students showed short sleep duration in the analysis adjusted for socioeconomic status, but short sleep was more frequent in older adolescents (p = 0.004) and in lower (p = 0.001) and middle (p = 0.011) socioeconomic classes. Although more working students were in night school, in the model adjusted for gender and socioeconomic status, working students in afternoon courses showed higher prevalence of short sleep duration (PR = 2.53; 95%CI: 1.68-4.12).

Sleep; Sleep Deprivation; Work; Adolescent


 

 

Introdução

Um grande número de adolescentes com duração do sono aquém de suas necessidades, especialmente nos grandes centros urbanos, tem sido identificado 1,2,3. A redução de sono na adolescência está associada tanto a fatores maturacionais 4 como socioambientais 5. Fatores como os horários escolares 6, hábitos alimentares inadequados 2, comportamentos sedentários como o baixo nível de atividade física e grande tempo em frente à TV e computador 7 e, especialmente a inserção no mundo do trabalho 8, contribuem para que a duração do sono na adolescência seja reduzida.

Em pesquisa nacional no Brasil 9 foi verificada uma importante redução no percentual de crianças e adolescentes que trabalhavam na última década. Apesar disso, 10,8% dos jovens de 5 a 17 anos apresentam algum tipo de ocupação (30,5% com carga horária de trabalho de, pelo menos, 40 horas semanais), o que corresponde a 4,8 milhões de pessoas. A situação socioeconômica é uma das principais causas desse fenômeno, sendo que as famílias com baixa renda são as que apresentam um maior número de jovens trabalhando. O trabalho na infância e adolescência é associado ao abandono da escola e mesmo a não inserção nela, consumo de drogas e dificuldades de aprendizagem. Além disso, os adolescentes têm mais chances de se envolverem em situações de risco no trabalho do que os adultos 10,11,12.

O trabalho é um importante sincronizador social do ciclo vigília/sono nos adolescentes 3,8,11,13. Em um estudo 8 foi identificada uma média de duração do sono de 7,1h para jovens trabalhadores ao passo que os não trabalhadores apresentaram uma média de 8,6h (p < 0,01) nos dias com aula. No estudo de Teixeira et al. 8 também foi identificado que o trabalho é um importante fator para o aumento da sonolência diurna excessiva entre os adolescentes.

Apesar desses resultados, a literatura é restrita na apresentação de interação de fatores e análises da duração do sono de estudantes trabalhadores e não trabalhadores com ajustes por fatores de confusão como sexo, nível socioeconômico, carga de trabalho diária e turno escolar, o que poderia permitir uma melhor compreensão da relação trabalho e sono na infância e adolescência, bem como embasar propostas de medidas de intervenção na saúde do escolar mais pontuais. Assim, objetivou-se neste estudo investigar a duração do sono e fatores associados em estudantes trabalhadores e não trabalhadores.

 

Método

A amostra foi formada por 863 estudantes de duas escolas da cidade de São Paulo, Brasil, de área urbana, sendo uma escola central (escola A) e outra da periferia (escola B). Foram incluídos os estudantes dos sexos masculino e feminino das quatro últimas séries do Ensino Fundamental e das duas primeiras do Ensino Médio. Os estudantes foram convidados a responder os questionários de forma voluntária, sendo considerados como amostra os alunos com idades de 10 a 19 anos, que estavam presentes em sala de aula no momento das coletas, aceitaram e preencheram adequadamente os instrumentos de pesquisa. As escolas foram escolhidas de forma intencional em função da participação das mesmas em outras pesquisas relacionadas, por oferecerem tanto Ensino Fundamental como Médio e estarem localizadas uma no centro e outra em região periférica, fornecendo assim informações mais precisas sobre a realidade investigada na área urbana da cidade de São Paulo.

Procedimentos

Os participantes responderam a um questionário de hábitos de sono e a um de avaliação socioeconômica. Os questionários foram aplicados dentro da sala de aula, depois do consentimento ter sido obtido das autoridades escolares. Após uma breve explicação sobre o objetivo do estudo, os estudantes levaram entre 15 e 30 minutos para responder aos questionários.

Avaliações

Os comportamentos relacionados ao sono foram coletados por meio de um questionário 14 com questões sobre a existência de algum problema de saúde e a ocorrência de um possível distúrbio de sono, hábitos de sono e sesta, turno escolar, se estavam trabalhando no momento da pesquisa e qual a carga diária de trabalho em horas. Seguimos neste estudo a definição de trabalhadores utilizada por Fischer et al. 11, sendo incluídos no grupo de trabalhadores aqueles alunos que referiram trabalhar considerando atividades sistemáticas, nas quais há obrigatoriedade de desenvolver tarefas, em horários e períodos pré-determinados, independentemente de vínculo empregatício. A duração do sono foi identificada levando-se em conta os horários de dormir e acordar durante os dias com e sem aula. Considerou-se como baixa duração do sono aqueles estudantes com oito ou menos horas de sono nos dias com aula 1. O nível socioeconômico foi avaliado seguindo as recomendações propostas pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP. Critério de classificação econômica Brasil, 2003. http://www.abep.org.br, acessado em 20/Mai/2005), que considera a posse de bens móveis e o grau de escolaridade do chefe da família, classificando os alunos nas classes A1, A2, B1, B2, C, D e E. Para este estudo, considerou-se classe alta (A1, A2, B1 e B2), média (C) e baixa (D e E).

Análise dos dados

As diferenças nas frequências de trabalhadores tendo em conta que as categorias de análise foram examinadas pelo teste do qui-quadrado. As diferenças entre a duração do sono considerando idade, escolas, gênero, classes sociais e sesta foram analisadas por meio do teste Kruskal-Wallis, sendo complementado pelo teste de comparações múltiplas de Dunn, quando se observou diferença estatisticamente significante. A análise da homogeneidade das variâncias da duração do sono entre jovens trabalhadores e não trabalhadores foi realizada usando-se o teste de Levene. A variável duração do sono foi analisada em sua forma contínua (duração do sono em horas) e categorizada (baixa duração do sono, considerando como ponto de corte oito horas diárias de sono). Optou-se por analisar essa variável de duas formas, pois, embora seja importante estabelecer os pontos de corte para que sejam utilizados em recomendações para grandes grupos como, por exemplo, em escolas, uma redução nas horas de sono pode ou não levar a uma qualidade baixa de sono. Com o objetivo de analisar as variáveis associadas à duração de sono de oito ou menos horas, entre jovens trabalhadores e não trabalhadores, controlando possíveis fatores de confusão, foi utilizada a regressão de Poisson 15. Foram analisados quatro modelos: modelo 1 (ajustado pelo sexo); 2 (ajustado pelo sexo e nível socioeconômico); 3 (agrupamento dos fatores trabalho e carga horária ajustado pelo sexo e pelo nível socioeconômico) e modelo 4 (agrupamento dos fatores trabalho e turno escolar ajustado pelo sexo e pelo nível socioeconômico). Adotou-se, em todas as análises estatísticas, um nível de probabilidade de significância de 5%.

Preceitos éticos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (CEP nº. 0857/04). Os alunos foram convidados a responder aos questionários de forma voluntária. Formaram a amostra aqueles estudantes que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo que no caso dos alunos menores de idade este termo foi assinado pelos pais ou responsáveis.

 

Resultados

O percentual de estudantes trabalhadores foi de 18,4% (21,2% dos rapazes e 16% das moças). A idade média desses estudantes foi de 15,99 (1,64) anos e dos jovens não trabalhadores de 14,14 (2,04) anos apresentando diferença significativa entre os grupos (p < 0,001). A idade média do grupo geral foi de 14,72 (2,10) anos. A carga horária diária média dos estudantes trabalhadores foi de 6,76 (2,39) horas e a semanal de 33,80 (11,97) horas. A frequência de jovens trabalhadores foi maior nas faixas etárias mais avançadas, no sexo masculino, na escola A, entre os alunos com menor duração do sono durante os dias com aula e no turno da noite (Tabela 1). As cargas diárias de trabalho para o sexo masculino encontradas foram de 6,90 (2,44), 7,82 (2,49) e 5,11 (2,08), respectivamente, para as classes baixa, média e alta. Para o sexo feminino a carga horária de trabalho diária foi de 6,44 (2,13); 6,57 (2,23) e 7,10 (2,64), respectivamente, para as classes socioeconômicas baixa, média e alta. Considerando-se o sexo masculino observamos diferenças nas cargas de trabalho diárias entre as classes (p = 0,023), sendo que a classe alta apresentou menor carga diária de trabalho que as demais (p < 0,005). No grupo feminino não foram observadas diferenças na carga diária de trabalho (p = 0,845). Não encontramos correlações significativas entre a carga de trabalho diária e a duração do sono tanto nos dias com aula como nos dias sem aula para ambos os sexos.

As variâncias da duração do sono nos dias com aula foram homogêneas entre trabalhadores e não trabalhadores no grupo masculino (F = 0,312; p = 0,577) e no grupo feminino (F = 1,519; p = 0,218). A duração do sono durante os dias da semana para o grupo geral foi de 8,27 (1,84) horas para os trabalhadores e de 8,94 (1,86) para os não trabalhadores (p < 0,001). Nos finais de semana a duração do sono foi inferior no grupo de trabalhadores (9,36h no grupo de trabalhadores e 9,66h no grupo de não trabalhadores), mas identificou-se diferença significativa apenas na comparação entre trabalhadores e não trabalhadores para o sexo feminino (p = 0,026). Entre os estudantes de 18 e 19 anos (p = 0,004), das classes socioeconômicas média (p = 0,011) e baixa (p = 0,001) e que não possuem o hábito da sesta (p = 0,001) foi verificada uma duração do sono menor nos jovens que trabalham (Tabela 2). Apesar disso, diferenças na duração do sono entre os alunos que possuem sempre o hábito da sesta e aqueles que nunca apresentam este hábito foram observadas apenas nos estudantes não trabalhadores (p < 0,001), já nos trabalhadores estas médias não apresentaram diferenças (p = 0,181).

A prevalência de baixa duração do sono foi de 36,2% no grupo de não trabalhadores e de 52% no grupo de trabalhadores. A prevalência de baixa duração do sono no grupo de trabalhadores foi maior tanto nos rapazes (p = 0,017) quanto para moças (p = 0,006) (Figura 1). Analisando-se a carga horária de trabalho entre moças e rapazes também não foram encontradas diferenças significativas (p = 0,272). No entanto, os rapazes apresentaram o início das suas atividades de trabalho em um horário mais cedo do dia que as moças (p = 0,002), sendo que em média os rapazes começam a trabalhar às 9,39h (3,11) e as moças às 10,87h (3,04). O horário de dormir na comparação entre trabalhadores e não trabalhadores no decorrer da adolescência apresentou uma tendência de crescimento superior no grupo de trabalhadores (Figura 2).

Foram calculados quatro modelos para investigar a associação entre trabalho e baixa duração do sono (Tabela 3). No modelo 1 identificou-se que os jovens trabalhadores, com ajuste por sexo, apresentaram uma prevalência 1,44 vez maior de baixa duração do sono (p < 0,001). No 2, com ajuste pela classe socioeconômica, os trabalhadores apresentaram prevalência 1,45 vez maior de baixa duração do sono (p < 0,001). No 3, no agrupamento dos fatores trabalho e carga de trabalho diária, ajustado por sexo e nível socioeconômico, as prevalências de baixa duração do sono foram iguais nos grupos considerando até 4h ou mais de 4h diárias (p = 0,816). No modelo 4, no qual foi analisado o agrupamento dos fatores trabalho e turno escolar, ajustado por sexo e nível socioeconômico, os jovens trabalhadores que estudam no turno da tarde apresentam maiores prevalências de baixa duração do sono (p < 0,001).

 

Discussão

Dentre os fatores socioambientais associados à redução de sono na adolescência, o trabalho exerce importante papel na expressão do ciclo vigília/sono nessa fase de vida. Observou-se neste estudo que mais da metade dos estudantes trabalhadores investigados apresentou baixa duração do sono. A redução na duração do sono na adolescência, enquanto resultado da interação entre fatores maturacionais e socioambientais 5, pode levar a um aumento da sonolência diurna excessiva 16, dificuldades de aprendizagem 17 e na performance cognitiva 18, a um aumento do risco de acidentes 19 e de excesso de peso corporal 20.

O percentual de estudantes trabalhadores identificados neste estudo (18,4%) foi semelhante a levantamentos nacionais e, conforme esperado, esteve mais concentrado no turno escolar da noite. Da mesma forma, a maior frequência de trabalhadores na fase final da puberdade e no sexo masculino foi coerente com dados da literatura em análise com amostra semelhante 21, e mostra uma importante fase de transição na vida dos estudantes que vão se inserindo no mercado de trabalho no decorrer da adolescência e continuam seus estudos na educação básica de forma concomitante.

A duração do sono dos jovens trabalhadores (8,27h) foi semelhante à observada no estudo de Teixeira et al. 8 considerando a mesma faixa etária, mas superior à encontrada por Vinha et al. 22 que identificaram uma duração de 7,40h de sono em um grupo de adolescentes trabalhadores. Embora não esteja claro na literatura uma quantidade de sono diária ideal, na adolescência, uma recomendação possível é que os jovens durmam, pelo menos, nove horas por noite 3,23. Jovens trabalhadores podem apresentar redução de duas ou mais horas de sono por dia, o que pode levar a uma importante redução da atenção 8.

No estudo de Machado et al. 24, com universitárias, foi observada uma duração média de sono bastante inferior à encontrada neste estudo. A duração média do sono identificada nas adolescentes trabalhadoras foi de 6,7h nos dias com aula, o que era compensado com uma duração superior nos finais de semana, o que também não foi observado no estudo com os estudantes trabalhadores de São Paulo, no qual os jovens que trabalhavam continuavam dormindo menos nos finais de semana quando comparados aos não trabalhadores. Essas diferenças remetem a duas possibilidades de análise. O aumento significativo de horas de sono nos finais de semana, como compensação aos débitos de sono nos dias úteis, provavelmente pode estar associado ao nível de privação de sono e não apenas ao fato de se estar trabalhando e, além disto, que os jovens com horários mais rígidos durante a semana podem apresentar maior regularidade no padrão de sono durante toda a semana 25.

Quando o trabalho é investigado enquanto fator importante na determinação de desfechos em saúde, a análise de variáveis socioeconômicas como a classe social e a renda são determinantes.

Ao contrário de levantamentos nacionais 9 não foi identificado, neste estudo, um menor porcentual de jovens trabalhadores nas classes baixas, embora os estudantes do sexo masculino da classe baixa apresentassem uma carga de trabalho maior mostrando que, possivelmente, exista em uma mesma escola uma complexidade de ocupações e situações de inserção do adolescente no mundo do trabalho.

Diferentemente do esperado não foi identificada maior prevalência de estudantes com baixa duração do sono no turno escolar da noite, existindo um maior percentual de estudantes trabalhadores com baixa duração do sono no turno escolar da tarde. Além da indicação de que a influência do trabalho no sono pode ocorrer com estudantes de todos os turnos, este resultado pode remeter a possíveis fatores que devem ser analisados em futuros estudos, como o horário de trabalho e o trabalho noturno, o fato de muitas escolas concentrarem o início do Ensino Médio no turno da tarde, coincidindo com o período de inserção de muitos jovens no mercado de trabalho, e, também, às possíveis atividades extracurriculares que os alunos que estudam à tarde e trabalham à noite possam efetuar no período da manhã. Além disso, conforme discutido por Teixeira et al. 8, quando os jovens sabem que não terão aula pela manhã se permitem um maior número de atividades sociais à noite o que pode atrasar seu sono.

O hábito da sesta apresentou-se como variável importante na redução da duração do sono noturno somente no grupo de estudantes não trabalhadores. A sesta, em função dos mecanismos homeostáticos de regulação do sono, poderia atrasar o início do sono noturno 26. Além de um número restrito de estudantes que trabalham e apresentam o hábito da sesta, estes, em função dos horários regulares de trabalho, podem apresentar uma duração pequena da sesta e não o suficiente para influenciar na duração do sono noturno, o que deve ser confirmado com estudos que controlem a duração da sesta em adolescentes que trabalham.

Apesar de a carga horária de trabalho poder ser considerada como um fator mediador tendo em conta a variável trabalho, optou-se por analisar também um modelo ajustado por esta variável, em função da importância de se estabelecer com mais clareza a influência tanto do trabalho como da carga de trabalho no caso dos estudantes (modelo 3). No estudo de Fisher et al. 11 foi observado que os estudantes que trabalhavam seis ou mais horas diárias apresentavam uma pior situação considerando a redução das horas de sono. Já no nosso estudo, independentemente da carga horária diária de trabalho, as prevalências de baixa duração do sono foram altas, não existindo diferenças destas prevalências. Comparando meio turno ou mais horas de trabalho diárias e o modelo, neste caso, não apresentou mais significância.

Ações em saúde do escolar com foco em educação do sono devem priorizar os grupos de adolescentes trabalhadores independentemente da carga horária de trabalho. Considerando os jovens trabalhadores, a associação com baixa duração do sono tendeu a aumentar com a idade, o que é identificado também na adolescência em geral. Assim, medidas educativas na promoção de hábitos saudáveis de sono e organização dos horários escolares podem ser mais importantes nas séries finais da educação básica. Os estudantes das classes baixas trabalhavam mais horas, mas não apresentaram menor duração do sono do que os demais, o que pode ser influência da alta prevalência de baixa duração do sono considerando todo o grupo investigado. O turno da noite deve também ser prioridade nas ações em educação do sono por concentrar o maior número de trabalhadores, mas não por apresentar pior situação na análise da duração do sono.

As principais limitações apontadas neste estudo referem-se à forma de avaliação da duração do sono que, devido ao grande número de sujeitos avaliados, não utilizou-se de diários de sono e/ou actimetria, e ao não acompanhamento do comportamento do sono em diferentes momentos no decorrer do ano letivo. O pequeno número de alunos nas classes baixas pode ter dificultado a identificação de diferenças na duração de sono entre as classes sociais, o que deve ser analisado em futuros estudos. Além disso, embora a literatura em geral apresente os pontos de corte para baixa duração do sono em seis horas para adultos e oito horas para adolescentes, o ponto de corte ideal para a categorização da baixa duração do sono em adolescentes ainda necessita de maiores investigações, especialmente levando-se em conta que existem diferenças individuais na necessidade de horas de sono.

 

Conclusão

Estudantes trabalhadores de 10 a 19 anos apresentaram menor duração do sono que estudantes não trabalhadores. O turno da noite concentrou o maior número de estudantes trabalhadores, mas a maior prevalência de baixa duração do sono foi identificada entre os alunos que trabalham e estudam no turno da tarde. Estudantes das classes socioeconômicas mais baixas trabalham mais horas por dia, mas a influência do trabalho na redução do sono ocorreu em todas as classes econômicas. A redução do sono nos alunos trabalhadores se manteve significativa mesmo após ajustes por sexo e nível socioeconômico.

 

Colaboradores

E. F. Pereira, M. P. S. L. Bernardo, V. D'Almeida e F. M. Louzada participaram da concepção do projeto e da análise e interpretação dos dados, redigiram o artigo em conjunto e aprovaram sua versão final.

 

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Correspondência:
E. F. Pereira
Departamento de Educação Física
Universidade Federal do Paraná
Rua Santo Antonio 270
São José dos Pinhais, PR 83070-170, Brasil
ericofelden@gmail.com

Recebido em 20/Out/2010
Versão final reapresentada em 11/Mar/2011
Aprovado em 18/Mar/2011

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