RESENHAS BOOK REVIEWS
Romeu Gomes
Instituto Fernandes Figueira, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. romeu@iff.fiocruz.br
AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E A EXPERIÊNCIA COM O DIABETES: UM ENFOQUE SOCIOANTROPOLÓGICO. Barsaglini RA. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2011. 248p. (Coleção Antropologia & Saúde).
ISBN: 978-85-7541-208-4
Seja no âmbito nacional, seja no internacional, as representações sociais constituem uma categoria analítica recorrente no campo dos estudos da doença. Byron Good 1, em sua clássica obra de antropologia médica, observa que há, pelo menos, quatro abordagens no trato das representações da doença que podem se complementar: tradição empirista (baseada em crenças do senso comum); antropologia cognitivista (foco nos aspectos formais e semânticos); abordagem interpretativa (centrada nos significados culturalmente constituídos); e abordagem crítica (foco nas questões políticas e econômicas relacionadas à produção/reprodução de significados socialmente compartilhados e experiências coletivas).
Junto ao fato de as representações serem foco de inúmeros estudos 2,3,4,5 sobre a doença, há críticas acerca do uso desta categoria analítica. Alguns usos dessa categoria são criticados porque: carecem de um maior aprofundamento epistemológico; não contextualizam aspectos estruturados e estruturantes; e reduzem a doença a representações sem levar em conta a experiência dos adoecidos.
Fazendo um destaque acerca das categorias representações e experiência da enfermidade, observam-se - pelo menos - três posicionamentos explícitos ou implícitos na discussão sobre o assunto. Um desses posicionamentos é tratar uma das categorias como se fosse excludente da outra. Nesse sentido, por exemplo, investigar a representação da enfermidade envolveria desconsiderar a experiência dos sujeitos enfermos. Outro posicionamento investigativo encontrado em parte da produção do conhecimento das ciências sociais em saúde é o de abordar essas duas categorias analíticas como se uma fosse oposta à outra. Assim, linhas argumentativas voltadas para a defesa de uma delas servem de argumentação para o ataque à outra. Por último, destaca-se o posicionamento de investigar as representações e a experiência da enfermidade com base na lógica da complementaridade. Em outras palavras, potencializa-se a compreensão da enfermidade na medida em que se investiga tanto o polo representativo quanto o da experiência dos sujeitos enfermos.
Essa discussão pode ter significativo avanço com o lançamento do livro As Representações Sociais e a Experiência com o Diabetes: Um Enfoque Socioantropológico. Pelo título da obra, observa-se que se trata de mais uma iniciativa que se filia ao vasto acervo na área da Antropologia e Saúde, voltado para as representações sociais e a experiência de doenças, que tanto trazem inúmeras contribuições no que se refere à compreensão das enfermidades quanto no que se relaciona aos caminhos investigativos para se chegar a esta compreensão.
Ao lado das doenças cardiovasculares e da hipertensão arterial, o diabetes figura como um dos principais problemas do quadro sanitário brasileiro. Sua alta prevalência e sua crescente incidência nas populações brasileiras e mundiais demandam intervenções individuais e coletivas. Ao eleger essa doença crônica como foco da discussão, a obra em questão já pode ser considerada como uma relevante discussão. Entretanto, o ganho que se obtém com esta publicação vai além dessa constatação.
O diferencial é que este estudo é um dos poucos que investem com maestria na articulação entre o polo representacional e o da experiência das enfermidades, potencializando-se assim por meio da lógica da complementaridade a compreensão da enfermidade. Nessa articulação, as dimensões subjetivas e objetivas refletidas nos sentidos atribuídos ao diabetes e nas formas concretas de se lidar com o adoecimento por ele provocado constituem a pauta da discussão da autora. Para isso, ela lança mão de uma abordagem a qual denomina de construtivista integradora, entendendo que a realidade social se constitui, de um lado, por ações interacionais e interpretativas dos sujeitos sociais e, de outro, por aspectos socioestruturais. Nessa abordagem, tanto há uma relativização da determinação social como da autonomia/liberdade do indivíduo. A discussão ancora-se em pesquisa documental, entrevista, relato oral e observação em campo de natureza etnográfica. Com essa ancoragem procurou-se focalizar elementos estruturais, contextuais, simbólicos e biográficos presentes nas representações sociais e na experiência do diabetes.
A obra estrutura-se em seis artigos, com os seguintes focos acerca desse assunto: (1) a literatura socioantropológica; (2) a abordagem construtivista utilizada no estudo; (3) o saber biomédico e prática; (4) a perspectiva dos profissionais de saúde; (5) a perspectiva dos adoecidos; e (6) estudos de casos sobre as representações sociais e a experiência.
A linguagem empregada pela autora é digna de menção. De um lado, ela consegue promover a fluência do texto de forma a produzir uma compreensão dos conceitos, dos seus procedimentos e de seus achados. Por outro, apesar da simplicidade da linguagem, ela consegue tratar o assunto com a densidade que ele merece.
Sua leitura pode, dentre outras contribuições, subsidiar o estabelecimento de boas práticas voltadas tanto para o diabetes como para o adoecimento crônico. Pode trazer referências para que os serviços melhor se organizem para atender aos cronicamente adoecidos. Pode ainda fornecer elementos para uma atualização profissional no sentido de melhor lidar com a cronicidade da doença. Enfim, trata-se de um lançamento importante para o campo da saúde pública.
1. Good BJ. Medicine, rationality and experience: an anthropological perspective. Cambridge: Cambridge University Press; 1994.
2. Alves PC, Rabelo MC. Repensando os estudos sobre representações e práticas em saúde/doença. In: Alves PC, Rabelo MC, organizadores. Antropologia da saúde: traçando identidades e explorando fronteiras. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/Editora Relume-Dumará; 1998. (Antropologia e Saúde).
3. Cardoso MHCA, Gomes R. Representações sociais e história: referenciais teórico-metodológicos para o campo da saúde coletiva. Cad Saúde Pública 2000; 16:499-506.
4. Gomes R, Mendonça EA, Pontes ML. As representações sociais e a experiência da doença. Cad Saúde Pública 2002; 18:1207-14.
5. Herzlich C. A problemática da representação social e sua utilidade no campo da doença. Physis (Rio J.) 1991; 1:23-36.