EDITORIAL
A epidemia de HIV/AIDS no Brasil: três décadas
Célia Landmann SzwarcwaldI; Euclides Ayres de CastilhoII
IInstituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. celials@cict.fiocruz.br
IIFaculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil. castil@usp.br
A política governamental brasileira de resposta à AIDS, pautada na oferta universal e gratuita de antirretrovirais e medicamentos para doenças oportunistas por meio do sistema público de saúde, foi muito questionada, especialmente no início de sua implantação, na década de 90. O sucesso do programa é, hoje, reconhecido mundialmente, não só por este componente, mas também por ser um programa interministerial em diálogo permanente com os movimentos sociais e com a comunidade científica. O acesso universal à terapia antirretroviral (TARV) resultou em uma redução significativa nas taxas de morbidade e mortalidade.
São muitas as dificuldades, todavia, para manter a sustentabilidade das ações a longo prazo. Além das questões orçamentárias, o cuidado das pessoas vivendo com HIV/AIDS envolve grandes desafios. Adicionalmente, os esforços preventivos precisam ser intensificados. Passados trinta anos desde os primeiros casos de AIDS no Brasil, os jovens convivem, atualmente, com uma doença que tem tratamento específico, sem ter experimentado a alta letalidade que marcou o início da epidemia. Por outro lado, com o aumento da sobrevida, a qualidade de vida das pessoas vivendo com HIV/AIDS adquiriu relevância crescente.
O presente Suplemento, patrocinado pelo Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, reúne trabalhos que discutem aspectos relacionados à epidemia de HIV/AIDS após a consolidação do acesso universal à TARV no Brasil.
Dois artigos mostram os grandes avanços alcançados no aumento da sobrevida, tanto em adultos, como em crianças. Apesar do sucesso indiscutível, resultados de um estudo caso-controle, aqui apresentado, mostram que muitos dos fatores associados às mortes por AIDS poderiam ser prevenidos.
Quanto aos aspectos relacionados à qualidade de vida, o artigo que apresenta resultados de uma pesquisa entre pacientes em TARV mostra uma grande proporção destes com percepção boa da própria saúde, embora preocupações com o futuro e sintomas de depressão sejam ainda problemas a serem superados.
No que se refere à adesão à TARV, um artigo propõe três formas diferentes de medir ade-são. Todas são apropriadas para o seu monitoramento pelas unidades de saúde, permitindo a identificação precoce de pacientes com risco de falhas nos esquemas terapêuticos.
Do ponto de vista epidemiológico, os dois trabalhos que apresentam resultados de pesquisas de vigilância comportamental sugerem problemas na adoção de práticas sexuais seguras. O primeiro, realizado com base em informações coletadas em inquérito domiciliar, mostra a maior vulnerabilidade da mulher, em vários aspectos. A outra pesquisa, entre conscritos militares, indica, por sua vez, redução no uso regular de preservativo.
Um estudo que teve como objetivo principal avaliar as estratégias do Ministério da Saúde para estimular as respostas municipais à epidemia de HIV/AIDS comprova que as estratégias, de fato, contribuíram para os avanços alcançados.
Em relação aos aspectos metodológicos, dois artigos apresentam técnicas de amostragem probabilística apropriadas para populações sob maior risco ao HIV e discutem a sua aplicação no país. Outro artigo apresenta uma revisão de métodos sorológicos utilizados para a estimação da incidência de HIV valendo-se de dados de estudos transversais.
Atualmente, a estimação da incidência de HIV em diferentes grupos da população brasileira é fundamental para a compreensão da dinâmica recente da epidemia, possibilitando subsidiar o desenvolvimento de estratégias de prevenção, monitorar intervenções em curso, e avaliar o impacto da terapia universal.