Os Jogos Olímpicos de Londres-2012 11 Till S. Physical activity, a lasting legacy from the 2012 Olympics and paralympics. Rheumatology 2012; 51:1141-2. e os do Rio de Janeiro-2016 22 Dossiê de candidatura do Rio de Janeiro a sede dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016. v. 1. http://www.rio2016.org/sites/default/files/parceiros/dossie_de_candidatura_v1.pdf (acessado em 27/Jul/2013).
http://www.rio2016.org/sites/default/fil... inovaram em seus projetos ao abordarem a questão do legado olímpico. Tal legado compensaria os investimentos bilionários na organização desses megaeventos e teria múltiplas dimensões: sustentabilidade, infraestrutura, empregos, turismo, acessibilidade e promoção da saúde. Especificamente, o legado para a saúde seria gerado por investimentos diretos e indiretos, por meio dos determinantes socioeconômicos relacionados 33 Weed M. How will we know if the London 2012 Olympics and Paralympics benefit health? BMJ 2010; 340:c2202.. O tema tem sido objeto de discussão e críticas, positivas ou negati- vas 11 Till S. Physical activity, a lasting legacy from the 2012 Olympics and paralympics. Rheumatology 2012; 51:1141-2. , 33 Weed M. How will we know if the London 2012 Olympics and Paralympics benefit health? BMJ 2010; 340:c2202.. A pouco menos de três anos para os Jogos do Rio de Janeiro-2016, apesar de existirem projetos que visem à avaliação do impacto econômico e urbano das Olimpíadas 44 Ribeiro LCQ, Santos Junior OA. Projeto Metropolização e Megaeventos: os impactos da Copa do Mundo 2014 e das Olimpíadas 2016. http://web. observatoriodasmetropoles.net/projetomega eventos/index.php?option=com_content&view= article&id=101&Itemid=332 (acessado em 27/Jul/ 2013).
http://web.observatoriodasmetropoles.net... , parece-nos oportuno estimular esse debate no âmbito da saúde pública brasileira.
Uma revisão recente focou o legado olímpico para a saúde com base na perspectiva do aumento dos níveis de atividade física e desportiva entre a população dos países-sede 55 Mahtani KR, Protheroe J, Slight SP, Demarzo MMP, Blakeman T, Barton CA, et al. Can the London 2012 Olympics “inspire a generation” to do more physical or sporting activities? An overview of systematic reviews. BMJ Open 2013; 3(1).pii:e002058.. O estudo, além de apontar a ausência de evidência sobre o tema, indicou algumas estratégias a serem consideradas se quisermos deixar esse legado para a saúde das futuras gerações. Os estudos incluídos indicaram a importância de se construir um “efeito de festival” (múltiplos eventos associados aos Jogos em formato de festival olímpico nacional), o qual pode influenciar positivamente a participação durante as Olimpíadas. Mediante atividades associadas a eventos lúdicos e de promoção de rede social (em contraposição à promoção de esportes de competição), esses eventos podem provocar um aumento efetivo nos níveis de atividade física da população. Em contrapartida, identificou-se que, se a organização dos Jogos, por razões políticas ou administrativas, gerar uma percepção negativa na população, o efeito é o inverso, ou seja, diminui-se a participação no evento, com efeito negativo para os níveis de atividade física e saúde das pessoas 55 Mahtani KR, Protheroe J, Slight SP, Demarzo MMP, Blakeman T, Barton CA, et al. Can the London 2012 Olympics “inspire a generation” to do more physical or sporting activities? An overview of systematic reviews. BMJ Open 2013; 3(1).pii:e002058.. É interessante notar que esse último aspecto foi objeto de preocupação de um editorial publicado pelo jornal Folha de S. Paulo em 2012, assinado por organizações não governamentais envolvidas com o tema do legado olímpico 66 Abrahão J, Grajew O, Moser A, Oliveira R. Tendências/Debates: o legado da Copa e das Olimpíadas. http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/1135849-tendenciasdebates-o-legado-da-copa-e-das-olimpiadas.shtml (acessado em 27/Jul/12013).
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/113... .
A temática apresentada nos faz perguntar se esse legado deve ser objeto dos campos da saúde pública e coletiva brasileira, em especial o legado para a saúde. Editoriais dos principais jornais científicos internacionais, entre eles The Lancet 77 Wellings K, Datta J, Wilkinson P, Petticrew M. The 2012 Olympics: assessing the public health effect. Lancet 2011; 378:1193-5. e o British Medical Journal 33 Weed M. How will we know if the London 2012 Olympics and Paralympics benefit health? BMJ 2010; 340:c2202., abordaram a questão. Há consenso sobre a pertinência e a complexidade do desafio, principalmente em relação a intervenções intersetoriais, implantadas em grandes áreas geográficas, as quais produzem efeitos catalíticos e multiplicadores 77 Wellings K, Datta J, Wilkinson P, Petticrew M. The 2012 Olympics: assessing the public health effect. Lancet 2011; 378:1193-5..
Um inequívoco benefício para a saúde dos brasileiros seria o aumento nos níveis de atividade física da população, tanto em nível local, na cidade-sede do evento, quanto em nível regional e nacional. Esse tipo de legado poderia ser avaliado utilizando-se o VIGITEL 88 Malta DC, Moura EC, Castro AM, Cruz DKA, Morais Neto OL, Monteiro CA. Padrão de atividade física em adultos brasileiros: resultados de um inquérito por entrevistas telefônicas, 2006. Epidemiol Serv Saúde 2009; 18:7-16., nosso sistema de vigilância dos fatores de risco e proteção para as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT). Realizado por inquéritos telefônicos, o sistema poderia gerar séries históricas de dados medidos antes e depois dos Jogos.
Outras variáveis relacionadas ao benefício direto ou indireto à saúde poderiam ser criadas a partir do dossiê da candidatura Rio-2016, que explicita quatro eixos principais para o legado olímpico brasileiro 22 Dossiê de candidatura do Rio de Janeiro a sede dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016. v. 1. http://www.rio2016.org/sites/default/files/parceiros/dossie_de_candidatura_v1.pdf (acessado em 27/Jul/2013).
http://www.rio2016.org/sites/default/fil... : (1) transformação da cidade – inclui a melhora da qualidade do ar por meio do controle mais rigoroso das emissões industriais e do transporte urbano, aprimoramento do transporte público por meio do desenvolvimento do anel de transporte de alta capacidade, melhora na segurança pública, preservação da maior floresta urbana do planeta, entre outros projetos de regeneração da cidade, como a transformação da área portuária; (2) inserção social: habitação, treinamento e emprego – inclui o desenvolvimento de habilidades entre jovens (treinamento de voluntários) e o suporte ao desenvolvimento de produtos locais, ecológica e socialmente sustentáveis; (3) juventude e educação – inclui a expansão do Programa Segundo Tempo, apoiado pela Organização das Nações Unidas (ONU), que incentiva o esporte nas escolas públicas, além de investimentos extras no programa Mais Educação, um programa federal que financia a infraestrutura esportiva também nas escolas públicas; (4) esportes – inclui o apoio financeiro à formação de jovens atletas, o aumento dos investimentos federais em esportes e a ampliação da infraestrutura para a prática esportiva dentro e fora da cidade do Rio de Janeiro, principalmente nas áreas próximas às escolas públicas.
Apesar de não estarem explicitamente citadas no Dossiê Olímpico 22 Dossiê de candidatura do Rio de Janeiro a sede dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016. v. 1. http://www.rio2016.org/sites/default/files/parceiros/dossie_de_candidatura_v1.pdf (acessado em 27/Jul/2013).
http://www.rio2016.org/sites/default/fil... , outras ações, sabidamente custo-efetivas, poderiam ser incentivadas e avaliadas, como a promoção da atividade física no combate às DCNT pelos serviços de atenção primária à saúde, assim como campanhas educativas sobre saúde. Ambas as ações seriam vinculadas às mensagens dos Jogos 99 Tew GA, Copeland RJ, Till SH. Sport and exercise medicine and the Olympic health legacy. BMC Med 2012; 10:74..
As Olimpíadas Rio-2016 podem ser vistas como uma intervenção complexa em saúde, o que torna a avaliação de seu legado uma ação multifacetada 1010 Craig P, Dieppe P, Macintyre S, Michie S, Nazareth I, Petticrew M. Developing and evaluating complex interventions: the new Medical Research Council guidance. BMJ 2008; 337:a1655., embora algumas questões gerais sejam fundamentais 77 Wellings K, Datta J, Wilkinson P, Petticrew M. The 2012 Olympics: assessing the public health effect. Lancet 2011; 378:1193-5.: o desenvolvimento de estudos de custo-efetividade que meçam desfechos de interesse em saúde pública e coletiva, buscando os efeitos adicionais e atribuídos das ações e intervenções vinculadas ao Dossiê Olímpico. Tais resultados devem ser comparados aos dos modelos de cenários “controle”, ou seja, o que teria acontecido se os Jogos Olímpicos não tivessem sido realizados. Uma pergunta importante é se a mesma ação, como a construção de uma piscina olímpica, por exemplo, seria uma prioridade se não houvesse os Jogos 33 Weed M. How will we know if the London 2012 Olympics and Paralympics benefit health? BMJ 2010; 340:c2202. , 1111 Sampson A, Harden A, Tobi P, Renton A. Promoting a healthy legacy for the Olympic Park: findings from a pre-games study. Perspect Public Health 2012; 132:64-5..
Sugere-se, ainda, que se triangulem métodos avaliativos 33 Weed M. How will we know if the London 2012 Olympics and Paralympics benefit health? BMJ 2010; 340:c2202., abordando-se, por um lado, a avaliação de programas específicos vinculados ao projeto olímpico e, por outro, estudos observacionais de larga escala, com pouca ou nenhuma manipulação de cada componente, incluindo a monitorização de indicadores em vários níveis (local, regional, nacional), por meio de diversas fontes de dados e métodos de análise. Um cuidado adicional deve ser levado em conta na seleção dos desfechos a serem medidos. Desfechos de escopo biomédico, como morbidade e mortalidade, não são apropriados para os objetivos de curto e médio prazos. Por sua vez, constructos como “capital social” e “orgulho e engajamento comunitário”, apesar de interessantes do ponto de vista da qualidade de vida, apresentam resultados ambíguos cientificamente. É crucial que, por meio de pesquisa avaliativa, as consequências negativas que possam estar relacionadas aos Jogos Olímpicos sejam avaliadas 77 Wellings K, Datta J, Wilkinson P, Petticrew M. The 2012 Olympics: assessing the public health effect. Lancet 2011; 378:1193-5..
Em conclusão, há ainda escassez de estudos científicos bem delineados que apoiem a noção de que sediar as Olimpíadas leva a um aumento da participação em atividades físicas e desportivas, aumentando os níveis de saúde da população. Vale lembrar que ausência de evidência não quer dizer necessariamente evidência de ausência de benefícios. É consenso que o verdadeiro legado dos Jogos Olímpicos deve ser avaliado por estudos de alta qualidade metodológica, com base em projetos que sejam desenvolvidos antes, durante e após a realização dos eventos. É fundamental que o Brasil monitorize e avalie o impacto dos Jogos do Rio de Janeiro-2016, gerando evidência científica que dê suporte aos formuladores de política locais e nacionais, como também aos organizadores das futuras Olimpíadas. Assim, parece-nos imprescindível que os campos da saúde pública e coletiva sejam protagonistas nesse processo, em especial na avaliação do impacto dos Jogos Olímpicos para a saúde dos brasileiros.
Referências
- 1Till S. Physical activity, a lasting legacy from the 2012 Olympics and paralympics. Rheumatology 2012; 51:1141-2.
- 2Dossiê de candidatura do Rio de Janeiro a sede dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016. v. 1. http://www.rio2016.org/sites/default/files/parceiros/dossie_de_candidatura_v1.pdf (acessado em 27/Jul/2013).
» http://www.rio2016.org/sites/default/files/parceiros/dossie_de_candidatura_v1.pdf - 3Weed M. How will we know if the London 2012 Olympics and Paralympics benefit health? BMJ 2010; 340:c2202.
- 4Ribeiro LCQ, Santos Junior OA. Projeto Metropolização e Megaeventos: os impactos da Copa do Mundo 2014 e das Olimpíadas 2016. http://web. observatoriodasmetropoles.net/projetomega eventos/index.php?option=com_content&view= article&id=101&Itemid=332 (acessado em 27/Jul/ 2013).
» http://web.observatoriodasmetropoles.net/projetomega eventos/index.php?option=com_content&view=article&id=101&Itemid=332 - 5Mahtani KR, Protheroe J, Slight SP, Demarzo MMP, Blakeman T, Barton CA, et al. Can the London 2012 Olympics “inspire a generation” to do more physical or sporting activities? An overview of systematic reviews. BMJ Open 2013; 3(1).pii:e002058.
- 6Abrahão J, Grajew O, Moser A, Oliveira R. Tendências/Debates: o legado da Copa e das Olimpíadas. http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/1135849-tendenciasdebates-o-legado-da-copa-e-das-olimpiadas.shtml (acessado em 27/Jul/12013).
» http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/1135849-tendenciasdebates-o-legado-da-copa-e-das-olimpiadas.shtml - 7Wellings K, Datta J, Wilkinson P, Petticrew M. The 2012 Olympics: assessing the public health effect. Lancet 2011; 378:1193-5.
- 8Malta DC, Moura EC, Castro AM, Cruz DKA, Morais Neto OL, Monteiro CA. Padrão de atividade física em adultos brasileiros: resultados de um inquérito por entrevistas telefônicas, 2006. Epidemiol Serv Saúde 2009; 18:7-16.
- 9Tew GA, Copeland RJ, Till SH. Sport and exercise medicine and the Olympic health legacy. BMC Med 2012; 10:74.
- 10Craig P, Dieppe P, Macintyre S, Michie S, Nazareth I, Petticrew M. Developing and evaluating complex interventions: the new Medical Research Council guidance. BMJ 2008; 337:a1655.
- 11Sampson A, Harden A, Tobi P, Renton A. Promoting a healthy legacy for the Olympic Park: findings from a pre-games study. Perspect Public Health 2012; 132:64-5.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Jan 2014
Histórico
- Recebido
05 Ago 2013 - Revisado
19 Set 2013 - Aceito
27 Set 2013