Comportamentos de risco para transtornos alimentares e sintomas depressivos: um estudo com jovens do sexo feminino de Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil

Leonardo de Sousa Fortes Juliana Fernandes Filgueiras Maria Elisa Caputo Ferreira Sobre os autores

Resumo

O objetivo foi analisar a relação dos sintomas depressivos com os comportamentos de risco para transtornos alimentares em adolescentes do sexo feminino. Participaram 371 jovens com idade entre 12 e 16 anos de Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. Utilizaram-se o Eating Attitudes Test (EAT-26) e o Major Depression Inventory (MDI) para avaliar os comportamentos de risco para transtornos alimentares e os sintomas depressivos, respectivamente. O modelo de regressão linear evidenciou que 18% dos scores do EAT-26 foram influenciados pelo MDI (F(1, 370) = 14,18; p = 0,001). Ademais, os achados indicaram associação estatisticamente significativa entre os sintomas depressivos e os comportamentos de risco para transtornos alimentares (χ2 = 14,71; Wald = 12,90; p = 0,001). Concluiu- se que os sintomas depressivos estiveram relacionados aos comportamentos de risco para transtornos alimentares em adolescentes do sexo feminino. Logo, as jovens com algum nível de depressão demonstraram maior tendência em adotarem os comportamentos de risco para transtornos alimentares como hábito cotidiano.

Transtornos Alimentares; Depressão; Adolescente


Introdução

A autoindução de vômitos, a restrição alimentar, o uso de laxantes e/ou diuréticos são alguns exemplos de comportamentos de risco para transtornos alimentares 1Alves E, Vasconcelos FAG, Calvo MCM, Neves J. Prevalência de sintomas de anorexia nervosa e insatisfação com a imagem corporal em adolescentes do sexo feminino do Município de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24:503-12.. Os comportamentos de risco para transtornos alimentares são considerados condutas prejudiciais à saúde 2Fortes LS, Conti MA, Ferreira MEC. Relação entre comportamentos de risco para transtornos alimentares e processo maturacional em jovens atletas. Rev Bras Ativ Fís Saúde 2012; 17:383-95.,3Schulte SJ, Thomas J. Relationship between eating pathology, body dissatisfaction and depressive symptoms among male and female adolescents in the United Arab Emirates. Eat Behav 2013; 14: 157-60.. Evidências indicam prevalência de comportamentos de risco para transtornos alimentares variando de 15% a 25% na população mundial 4Knoph C, Holle AV, Zerwas S, Torgersen L, Tambs K, Stoltenberg C, et al. Course and predictors of maternal eating disorders in the postpartum period. Int J Eat Disord 2013; 46:355-68.,5Rodgers R, Cabrol H, Paxton SJ. An exploration of the tripartite influence model of body dissatisfaction and disordered eating among Australian and French college women. Body Image 2011; 8: 208-15., e essa prevalência parece ser maior em adolescentes 1Alves E, Vasconcelos FAG, Calvo MCM, Neves J. Prevalência de sintomas de anorexia nervosa e insatisfação com a imagem corporal em adolescentes do sexo feminino do Município de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24:503-12.,6Fortes LS, Almeida SS, Ferreira MEC. Processo maturacional, insatisfação corporal e comportamento alimentar inadequado em jovens atletas. Rev Nutr 2012; 5:575-86., principalmente do sexo feminino 7Scherer FC, Martins CR, Pelegrini A, Matheus SC, Petroski EL. Imagem corporal em adolescentes: associação com a maturação sexual e sintomas de transtornos alimentares. J Bras Psiquiatr 2010; 59:198-202.,8Martins CR, Pelegrini A, Matheus SC, Petroski EL. Insatisfação com a imagem corporal e a relação com estado nutricional, adiposidade corporal e sintomas de anorexia e bulimia em adolescentes. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul 2010; 32:19-23..

A adolescência, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) 9World Health Organization. Development of a WHO growth reference for school-aged children and adolescents. Bull World Health Organ 2007; 85:660-7., compreende a fase dos 10 aos 19 anos de idade. Nessa etapa, a jovem passa por diversas alterações psicológicas e físicas 6Fortes LS, Almeida SS, Ferreira MEC. Processo maturacional, insatisfação corporal e comportamento alimentar inadequado em jovens atletas. Rev Nutr 2012; 5:575-86.. Existem fatores biológicos e hereditários que podem se associar aos comportamentos de risco para transtornos alimentares em adolescentes. Dentre os biológicos, pode-se citar: codificação genética e sistema serotoninérgico 2Fortes LS, Conti MA, Ferreira MEC. Relação entre comportamentos de risco para transtornos alimentares e processo maturacional em jovens atletas. Rev Bras Ativ Fís Saúde 2012; 17:383-95.,4Knoph C, Holle AV, Zerwas S, Torgersen L, Tambs K, Stoltenberg C, et al. Course and predictors of maternal eating disorders in the postpartum period. Int J Eat Disord 2013; 46:355-68.. Assim, jovens com determinados genes e/ou com elevada secreção de serotonina podem ter a vulnerabilidade para os comportamentos de risco para transtornos alimentares. Concernente aos fatores hereditários, destaca-se: pais que adotam os comportamentos de risco para transtornos alimentares cotidianamente 5Rodgers R, Cabrol H, Paxton SJ. An exploration of the tripartite influence model of body dissatisfaction and disordered eating among Australian and French college women. Body Image 2011; 8: 208-15.. Nesse sentido, filhas de pais com comportamentos de risco para transtornos alimentares estão susceptíveis à adoção dos comportamentos de risco para transtornos alimentares. Ainda existem fatores culturais que podem ter estreita relação com os comportamentos de risco para transtornos alimentares. A mídia tem enfatizado a magreza como aspecto morfológico associado à aceitação social 1010 Gondoli DM, Corning AF, Salafia EHB, Bucchianeri MM, Fitzsimmons EE. Heterosocial involvement, peer pressure for thinness, and body dissatisfaction among young adolescent girls. Body Image 2011; 8:143-8.. Sendo assim, o sexo feminino costuma enaltecer a aparência física direcionada à magreza, sendo que, para muitas meninas, essa estética corporal é inatingível 1212 Miranda VPN, Conti MA, Bastos R, Ferreira MEC. Body dissatisfaction in Brazilian adolescents in small towns of Minas Gerais. J Bras Psiquiatr 2011; 60:190-7.. Estudos nesse sentido apontam que a busca pelo corpo idealizado parece acometer, com maior facilidade, as adolescentes, que passam a perseguir a morfologia imposta pelos meios de comunicação de massa (televisão, revistas e cinema) 5Rodgers R, Cabrol H, Paxton SJ. An exploration of the tripartite influence model of body dissatisfaction and disordered eating among Australian and French college women. Body Image 2011; 8: 208-15.,1313 Caqueo-Urizar A, Ferrer-Garcia M, Toro J, Gutierrez-Maldonado J, Penaloza C, Cuadros-Sosa Y, et al. Associations between sociocultural pressures to be thin, body distress, and eating disorder symptomatology among Chilean adolescent girls. Body Image 2011; 8:78-81., o que gera a insatisfação corporal 1010 Gondoli DM, Corning AF, Salafia EHB, Bucchianeri MM, Fitzsimmons EE. Heterosocial involvement, peer pressure for thinness, and body dissatisfaction among young adolescent girls. Body Image 2011; 8:143-8.. Autores recomendam controlar estatisticamente a magnitude da insatisfação corporal em investigações com pretensão de relacionar os comportamentos de risco para transtornos alimentares com outros fatores. Cabe ressaltar, sobretudo, que o fracasso em reduzir o peso corporal e atingir a estética magra pode deixar as adolescentes vulneráveis à depressão.

A depressão, por sua vez, configura-se como um estado alterado do humor, envolvendo tristeza, perda da capacidade de sentir prazer e, ainda, alterações cognitivas, motoras e somáticas, sendo que tais fatores interferem no funcionamento social do indivíduo 1414 Parcias S, Rosario BP, Sakae T, Monte F, Guimarães ACA, Xavier AJ. Validação da versão em português do Inventário de Depressão Maior. J Bras Psiquiatr 2011; 60:164-70.,1515 Kinyanda E, Kizza R, Abbo C, Ndyanabangi S, Levin J. Prevalence and risk factors of depression in childhood and adolescence as seen in 4 districts of north-eastern Uganda. BMC Int Health Hum Rights 2013; 13:1-10.. De acordo com Schulte & Thomas 3Schulte SJ, Thomas J. Relationship between eating pathology, body dissatisfaction and depressive symptoms among male and female adolescents in the United Arab Emirates. Eat Behav 2013; 14: 157-60., a depressão pode estar relacionada aos comportamentos de risco para transtornos alimentares. Esses autores sugerem os sintomas depressivos como possíveis preditores dos comportamentos de risco para transtornos alimentares. Embora existam evidências empíricas concernentes à relação entre sintomas depressivos e comportamentos de risco para transtornos alimentares 3Schulte SJ, Thomas J. Relationship between eating pathology, body dissatisfaction and depressive symptoms among male and female adolescents in the United Arab Emirates. Eat Behav 2013; 14: 157-60.,4Knoph C, Holle AV, Zerwas S, Torgersen L, Tambs K, Stoltenberg C, et al. Course and predictors of maternal eating disorders in the postpartum period. Int J Eat Disord 2013; 46:355-68., após a busca de alguns descritores (“depression”, “eating disorders” e “eating behaviors”) nos principais sites de artigos científicos (SciELO, Scopus, Web of Science e MEDLINE), não foram identificadas pesquisas com adolescentes brasileiros do sexo feminino. Dessa forma, fica evidente a necessidade de se desenvolver estudo com essa população. Diante do exposto, o objetivo da investigação foi analisar a relação dos sintomas depressivos com os comportamentos de risco para transtornos alimentares em adolescentes do sexo feminino.

Por conseguinte, foram formuladas hipóteses: (1) os sintomas depressivos possuem relação positiva com os comportamentos de risco para transtornos alimentares em jovens do sexo feminino; (2) meninas com elevada magnitude de sintomas depressivos estão mais susceptíveis aos comportamentos de risco para transtornos alimentares e; (3) a insatisfação corporal relaciona- se positivamente com os sintomas depressivos e comportamentos de risco para transtornos alimentares em adolescentes do sexo feminino.

Métodos

Participantes

Trata-se de estudo transversal, de base escolar, realizado no ano de 2012, na cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil, com adolescentes do sexo feminino na faixa etária entre 12 e 16 anos.

Segundo informações da Secretaria de Educação de Juiz de Fora, a população de adolescentes do sexo feminino com idade entre 12 e 16 anos, matriculadas nas escolas do município em 2011, era de aproximadamente 35 mil jovens. Desse modo, realizou-se cálculo amostral utilizando os seguintes critérios, seguindo as recomendações de Alves et al. 1Alves E, Vasconcelos FAG, Calvo MCM, Neves J. Prevalência de sintomas de anorexia nervosa e insatisfação com a imagem corporal em adolescentes do sexo feminino do Município de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24:503-12.: prevalência de 30% para comportamentos de risco para transtornos alimentares segundo achados de Scherer et al. 7Scherer FC, Martins CR, Pelegrini A, Matheus SC, Petroski EL. Imagem corporal em adolescentes: associação com a maturação sexual e sintomas de transtornos alimentares. J Bras Psiquiatr 2010; 59:198-202. e Martins et al. 8Martins CR, Pelegrini A, Matheus SC, Petroski EL. Insatisfação com a imagem corporal e a relação com estado nutricional, adiposidade corporal e sintomas de anorexia e bulimia em adolescentes. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul 2010; 32:19-23., intervalo de 95% de confiança, 5% de erro amostral e 1,4 para efeito de desenho, totalizando 318 escolares que deveriam ser avaliadas para obter amostra adequada para proceder análises estatísticas.

A amostra proporcional foi estratificada segundo a inserção das escolas nas regiões sociogeográficas do Município de Juiz de Fora (norte, sul e centro) e o tipo de vinculação administrativa (pública e privada) e, em seguida, distribuída no ensino fundamental e médio. A seleção ocorreu aleatoriamente, por meio de sorteio simples, em duas etapas. Realizou-se, primeiro, o sorteio das escolas em cada região e, posteriormente, o sorteio das adolescentes nessas unidades. As escolas foram selecionadas valendo-se da relação fornecida pelo setor de estatística da Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais. A amostra final da pesquisa foi distribuída em seis pontos diferentes de coleta (escolas) e constituída por adolescentes do sexo feminino selecionadas aleatoriamente e que estivessem presentes nas escolas nos dias da coleta.

Foram incluídas na pesquisa somente as jovens que estavam regularmente matriculadas no ensino fundamental ou médio, na cidade de Juiz de Fora, no ano de 2012. Assim, a população elegível do estudo foi de 389 meninas.

Instrumentos

Para avaliar os comportamentos de risco para transtornos alimentares, foi aplicado o Eating Attitudes Test (EAT-26), validado por Bighetti et al. 1616 Bighetti F, Santos CB, Santos JE, Ribeiro RPP. Tradução e avaliação do Eating Attitudes Test em adolescentes do sexo feminino de Ribeirão Preto, São Paulo. J Bras Psiquiatr 2004; 53:339-46. para meninas adolescentes brasileiras. O questionário é composto por 26 questões que buscam avaliar a recusa patológica a alimentos com alto teor calórico, a preocupação com a aparência física, episódios de compulsão alimentar, comportamentos purgativos para perda/controle de peso corporal, o autocontrole em relação à comida e as forças ambientais/sociais estimulantes à ingestão alimentar. A avaliada tem seis opções de resposta em cada item que variam de 0 (poucas vezes, quase nunca e nunca) a 3 (sempre). A única questão que apresenta pontuação em ordem reversa é a 25. O escore do EAT-26 é feito pela soma de seus itens. Quando o total é maior ou igual a 21, a presença de transtornos de conduta alimentar é positiva (EAT+). No estudo de validação, Bighetti et al. 1616 Bighetti F, Santos CB, Santos JE, Ribeiro RPP. Tradução e avaliação do Eating Attitudes Test em adolescentes do sexo feminino de Ribeirão Preto, São Paulo. J Bras Psiquiatr 2004; 53:339-46. evidenciaram consistência interna de 0,82. Para a presente amostra, encontrou-se valor para a consistência interna de 0,87, avaliada pelo alfa de Cronbach.

Os sintomas depressivos foram avaliados pelo Major Depression Inventory (MDI), traduzido e adaptado para a língua portuguesa por Parcias et al. 1414 Parcias S, Rosario BP, Sakae T, Monte F, Guimarães ACA, Xavier AJ. Validação da versão em português do Inventário de Depressão Maior. J Bras Psiquiatr 2011; 60:164-70.. O MDI inclui os 10 sintomas de depressão da 10a Classificação Internacional de Doenças (CID-10) 1717 Nubila HBVD, Buchalla CM. O papel das classificações da OMS - CID e CIF nas definições de deficiência e incapacidade. Rev Bras Epidemiol 2008; 11:324-35., assim como avalia a severidade dos sintomas depressivos. Ele é classificado como instrumento de rastreio curto, podendo ser aplicado em diferentes contextos de pesquisa e saúde mental. Os itens 8 e 10 do MDI apresentam subitens “a” e “b”, considerando-se a maior pontuação entre eles. Quanto maior o escore, maior é a magnitude dos sintomas depressivos. Os escores podem variar de 0 a 50, sendo que o corte de 16 indica risco de depressão (MDI+). No estudo de adaptação transcultural do MDI 1414 Parcias S, Rosario BP, Sakae T, Monte F, Guimarães ACA, Xavier AJ. Validação da versão em português do Inventário de Depressão Maior. J Bras Psiquiatr 2011; 60:164-70., os autores identificaram consistência interna de 0,91. Na presente investigação, evidenciou-se alfa de Cronbach equivalente a 0,89, representativo de uma boa consistência interna.

A insatisfação corporal foi avaliada pelo Body Shape Questionnaire (BSQ). O BSQ é um instrumento de autopreenchimento composto por 34 perguntas no formato de escala do tipo Likert, de pontos, variando de 1 (nunca) até 6 (sempre), que busca avaliar a frequência de preocupação ou descontentamento que a jovem possui com o peso e a aparência física, ou seja, sua insatisfação corporal. Quanto maior o escore, maior é a depreciação que a avaliada tem com a sua aparência corporal. A pontuação final do BSQ ainda permite a categorização em: < 80 (livre de insatisfação corporal); ≥ 80 e < 110 (leve insatisfação); ≥ 110 e < 140 (moderada insatisfação) e ≥ 140 (grave insatisfação corporal). Esse questionário foi validado para a população adolescente brasileira 1818 Conti MA, Cordás TA, Latorre MRDO. Estudo de validade e confiabilidade da versão brasileira do Body Shape Questionnaire (BSQ) para adolescentes. Rev Bras Saúde Matern Infant 2009; 9:331-8., mostrando boas propriedades psicométricas. Para a presente amostra, foi calculada a consistência interna pelo alfa de Cronbach, obtendo-se valor satisfatório de 0,96. Levando em consideração que a insatisfação corporal pode influenciar os comportamentos de risco para transtornos alimentares 7Scherer FC, Martins CR, Pelegrini A, Matheus SC, Petroski EL. Imagem corporal em adolescentes: associação com a maturação sexual e sintomas de transtornos alimentares. J Bras Psiquiatr 2010; 59:198-202., optou-se por controlar os escores do BSQ em algumas análises dos dados.

A massa corporal foi mensurada por meio de uma balança digital portátil da marca Tanita (modelo BC-601; São Paulo, Brasil), com precisão de 100g e capacidade máxima de 200kg. Utilizou- se estadiômetro portátil com precisão de 0,1cm e altura máxima de 2,20m da marca Welmy (modelo et-276; Santa Bárbara do Oeste, Brasil) para mensurar a estatura das adolescentes. Em seguida, o índice de massa corporal [IMC = massa corporal (kg)/estatura (m2)] foi calculado. O escore z do IMC foi usado como indicador de estado nutricional. A classificação do escore z do IMC obedeceu aos critérios da OMS 9World Health Organization. Development of a WHO growth reference for school-aged children and adolescents. Bull World Health Organ 2007; 85:660-7., que propõe a classificação em baixo peso, eutrofia, sobrepeso e obeso, de acordo com os escores z (-2, +1 e +2) em função da idade cronológica. Em razão de evidências científicas demonstrarem relação do IMC com os comportamentos de risco para transtornos alimentares 5Rodgers R, Cabrol H, Paxton SJ. An exploration of the tripartite influence model of body dissatisfaction and disordered eating among Australian and French college women. Body Image 2011; 8: 208-15.,7Scherer FC, Martins CR, Pelegrini A, Matheus SC, Petroski EL. Imagem corporal em adolescentes: associação com a maturação sexual e sintomas de transtornos alimentares. J Bras Psiquiatr 2010; 59:198-202., decidiu-se controlar o IMC em algumas análises estatísticas.

Procedimentos

Os diretores de dez escolas (cinco privadas e cinco públicas) foram convidados a participar da pesquisa, sendo informados sobre os objetivos e procedimentos. No entanto, somente seis diretores (três instituições privadas e três públicas) concordaram em liberar as alunas para participação nas coletas. Após a autorização das direções das escolas, foram realizadas reuniões com cada uma das turmas a fim de explicar os objetivos e procedimentos necessários para inclusão das escolares no estudo. Foi entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) às adolescentes, pedindo a elas que o devolvessem devidamente assinado pelos responsáveis na semana seguinte, em caso de assentimento de sua participação voluntária. Salienta-se que as participantes também assinaram um TCLE em concordância com a sua participação na pesquisa.

A pesquisa foi realizada em dois momentos. Primeiro, as alunas responderam aos instrumentos (EAT-26, MDI e BSQ). Essa etapa foi realizada em grupo, por um único pesquisador que padronizou as explicações verbais. Em seguida, as alunas foram conduzidas para outra sala, trajando uniforme para a aula de Educação Física e descalças. Nesse segundo momento, foram mensurados dados antropométricos de forma individual, não sendo permitida a entrada de mais de uma aluna ao mesmo tempo.

Este estudo obteve aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora (protocolo 2282.022.2011), de acordo com a Resolução no 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Análise estatística

Conduziu-se o teste Kolmogorov Smirnov para avaliar a distribuição da variável dependente do estudo (EAT-26). Em razão da não violação paramétrica, utilizaram-se medidas de tendência central (média), dispersão (desvio padrão, erro padrão, mínimo e máximo) e frequência relativa para descrever as variáveis da investigação. A regressão linear simples foi utilizada para avaliar a relação do MDI com os escores do EAT-26, controlando as pontuações do BSQ. Esse mesmo teste foi utilizado para analisar a relação dos escores do BSQ com o MDI e o EAT-26. Ademais, conduziu-se a regressão logística binária para analisar a associação das classificações dicotômicas da MDI e do EAT-26. A análise univariada de covariância (ANCOVA) foi utilizada para comparar os escores do EAT-26 em função das classificações dicotômicas do MDI. Esse mesmo teste foi conduzido para comparar os escores do EAT-26 e MDI em razão das classificações de estado nutricional. Utilizou-se o teste post-hoc de Bonferroni para identificar possíveis diferenças entre os grupos. Por fim, foi calculado o tamanho do efeito, representado pela sigla “d”, para evidenciar a importância das diferenças do ponto de vista prático. Cabe salientar que, em todas as análises, os escores do BSQ e/ou o IMC foram controlados. Todos os dados foram tratados no software SPSS 17.0 (SPSS Inc., Chicago, Estados Unidos), adotando-se nível de significân- cia de 5%.

Resultados

Da população de 389 meninas consideradas elegíveis para o estudo, 18 (4,62%) se recusaram a responder aos questionários, totalizando uma população final de estudo de 371 adolescentes.

Os resultados indicaram que 21,7% e 20,3% das adolescentes demonstraram comportamentos de risco para transtornos alimentares (EAT+) e sintomas depressivos (MDI+), respectivamente. Além disso, foi evidenciada prevalência de 28% para sobrepeso/obesidade. Os dados descritivos de todas as variáveis do presente estudo podem ser visualizados na Tabela 1.

Tabela 1
Valores descritivos das variáveis do estudo.

O modelo de regressão linear evidenciou que 18% dos escores do EAT-26 foram influenciados pelo MDI (F(1, 370) = 14,18; p = 0,001). Em adição, os achados evidenciaram relação de 24% e 41% dos escores do MDI (F(1, 370) = 17,02; p = 0,01) e do EAT-26 (F(1, 370) = 64,95; p = 0,001), respectivamente, que foram explicados pelo BSQ.

O modelo de regressão logística, por sua vez, apontou associação estatisticamente significativa entre os sintomas depressivos (MDI+) e os comportamentos de risco para transtornos alimentares (EAT+) (χ2 = 14,71; Wald = 12,90; p = 0,001). As jovens com escores iguais ou maiores a 16 no MDI demonstraram 1,16 vez mais chances para os comportamentos de risco para transtornos alimentares (EAT+) quando comparadas às adolescentes com escores inferiores.

A ANCOVA apontou diferença estatisticamente significativa dos escores do EAT-26 em função das classificações do MDI (F(1, 369) = 13,60; p = 0,01; d = 0,5). As adolescentes com sintomas depressivos (MDI+) demonstraram maior frequência de comportamento de risco para transtornos alimentares quando comparadas às jovens com escore menor que 16 no MDI.

Os achados apontaram diferenças nos escores do EAT-26 em função das classificações do estado nutricional (F(3, 367) = 29,45; p = 0,001; d = 0,6). As jovens com sobrepeso e obesidade demonstraram maior frequência de comportamentos de risco para transtornos alimentares quando comparadas às eutróficas e às de baixo peso corporal. Do mesmo modo, a análise de ANCOVA indicou diferenças nas pontuações do MDI em razão do estado nutricional (F(3, 367) = 19,33; p = 0,01; d = 0,5). As adolescentes com sobrepeso e obesidade indicaram maior frequência de comportamentos de risco para transtornos alimentares em comparação às eutróficas e às baixo peso corporal.

Discussão

O objetivo do estudo foi analisar a relação dos sintomas depressivos com os comportamentos de risco para transtornos alimentares em adolescentes do sexo feminino. Alguns autores têm sugerido que os sintomas depressivos podem induzir comportamentos deletérios à saúde 3Schulte SJ, Thomas J. Relationship between eating pathology, body dissatisfaction and depressive symptoms among male and female adolescents in the United Arab Emirates. Eat Behav 2013; 14: 157-60. (autoindução de vômitos, uso de laxantes/diuréticos e exercício físico extenuante). Nesse sentido, os comportamentos de risco para transtornos alimentares poderiam ter relação com os sintomas depressivos. Os achados da presente pesquisa, de forma geral, demonstraram que os sintomas depressivos estiveram relacionados com os comportamentos de risco para transtornos alimentares em adolescentes do sexo feminino, estando de acordo com as hipóteses do estudo.

A prevalência de comportamentos de risco para transtornos alimentares em adolescentes do sexo feminino tem aumentado 3Schulte SJ, Thomas J. Relationship between eating pathology, body dissatisfaction and depressive symptoms among male and female adolescents in the United Arab Emirates. Eat Behav 2013; 14: 157-60.. Estudos nacionais, nos últimos anos, têm encontrado prevalência variando entre 20% e 30% 7Scherer FC, Martins CR, Pelegrini A, Matheus SC, Petroski EL. Imagem corporal em adolescentes: associação com a maturação sexual e sintomas de transtornos alimentares. J Bras Psiquiatr 2010; 59:198-202.,8Martins CR, Pelegrini A, Matheus SC, Petroski EL. Insatisfação com a imagem corporal e a relação com estado nutricional, adiposidade corporal e sintomas de anorexia e bulimia em adolescentes. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul 2010; 32:19-23.,1919 Leal GVS, Philippi ST, Polacow VO, Cordás TA, Alvarenga MS. O que é comportamento de risco para transtornos alimentares em adolescentes? J Bras Psiquiatr 2013; 62:62-75.,2020 Fortes LS, Amaral ACS, Almeida SS, Ferreira MEC. Efeitos de diversos fatores sobre o comportamento alimentar de adolescentes. Ciênc Saúde Coletiva 2013; 18:3301-10., corroborando os resultados da presente investigação. Pesquisadores sugerem que a mídia talvez seja a principal responsável por essa realidade 5Rodgers R, Cabrol H, Paxton SJ. An exploration of the tripartite influence model of body dissatisfaction and disordered eating among Australian and French college women. Body Image 2011; 8: 208-15.,1010 Gondoli DM, Corning AF, Salafia EHB, Bucchianeri MM, Fitzsimmons EE. Heterosocial involvement, peer pressure for thinness, and body dissatisfaction among young adolescent girls. Body Image 2011; 8:143-8.. Evidências apontam que o desejo de reduzir o peso corporal e de se adequar aos padrões morfológicos socialmente aceitos levam as meninas a adotarem alguns comportamentos de risco para transtornos alimentares 6Fortes LS, Almeida SS, Ferreira MEC. Processo maturacional, insatisfação corporal e comportamento alimentar inadequado em jovens atletas. Rev Nutr 2012; 5:575-86.,1313 Caqueo-Urizar A, Ferrer-Garcia M, Toro J, Gutierrez-Maldonado J, Penaloza C, Cuadros-Sosa Y, et al. Associations between sociocultural pressures to be thin, body distress, and eating disorder symptomatology among Chilean adolescent girls. Body Image 2011; 8:78-81.. Embora os aspectos culturais estejam em evidência nas investigações sobre riscos para os comportamentos de risco para transtornos alimentares 5Rodgers R, Cabrol H, Paxton SJ. An exploration of the tripartite influence model of body dissatisfaction and disordered eating among Australian and French college women. Body Image 2011; 8: 208-15.,1313 Caqueo-Urizar A, Ferrer-Garcia M, Toro J, Gutierrez-Maldonado J, Penaloza C, Cuadros-Sosa Y, et al. Associations between sociocultural pressures to be thin, body distress, and eating disorder symptomatology among Chilean adolescent girls. Body Image 2011; 8:78-81., vale ressaltar, no entanto, que outros fatores também podem gerar susceptibilidade para os comportamentos de risco para transtornos alimentares em adolescentes, tais como a codificação genética, o sistema serotoninérgico e pais com riscos de transtornos alimentares.

Pesquisas demonstram que a prevalência de sintomas depressivos tem aumentado na população feminina 2121 Almeida SS, Zanatta DP, Rezende FF. Imagem corporal, ansiedade e depressão em pacientes obesos submetidos à cirurgia bariátrica. Estud Psicol (Natal) 2012; 17:153-60.,2222 Matos MIR, Aranha LS, Faria AN, Ferreira SRG, Bacaltchuck J, Zanella MT. Binge eating disorder, anxiety, depression and body image in grade III obesity patients. Rev Bras Psiquiatr 2002; 24:165-9.. Achados evidenciaram prevalência por volta dos 15% 3Schulte SJ, Thomas J. Relationship between eating pathology, body dissatisfaction and depressive symptoms among male and female adolescents in the United Arab Emirates. Eat Behav 2013; 14: 157-60.,1515 Kinyanda E, Kizza R, Abbo C, Ndyanabangi S, Levin J. Prevalence and risk factors of depression in childhood and adolescence as seen in 4 districts of north-eastern Uganda. BMC Int Health Hum Rights 2013; 13:1-10., valor próximo ao encontrado neste estudo. O único estudo que utilizou o MDI como instrumento avaliativo dos sintomas depressivos em adolescentes 2323 Chen J, Li X, Natsuaki MN, Leve LD, Harold GT. Genetic and environmental influences on depressive symptoms in Chinese adolescents. Behav Genet 2014; 44:36-44. evidenciou prevalência de 31%. Salienta-se, todavia, que os sintomas depressivos são fortemente associados a vários fatores, a saber: obesidade 2121 Almeida SS, Zanatta DP, Rezende FF. Imagem corporal, ansiedade e depressão em pacientes obesos submetidos à cirurgia bariátrica. Estud Psicol (Natal) 2012; 17:153-60., codificação genética 2323 Chen J, Li X, Natsuaki MN, Leve LD, Harold GT. Genetic and environmental influences on depressive symptoms in Chinese adolescents. Behav Genet 2014; 44:36-44., trauma familiar 2424 Brière FN, Rohde P, Shaw H, Stice E. Moderators of two indicated cognitive-behavioral depression prevention approaches for adolescents in a school-based effectiveness trial. Behav Res Ther 2014; 53:55-62., qualidade de vida 2525 Durmaz Y, Alayli G, Canbaz S, Zahiroglu Y, Bilgici A, Ilhanli I, et al. Prevalence of juvenile fibromyalgia syndrome in an urban population of Turkish adolescents: impact on depressive symptoms, quality of life and school performance. Chin Med J (Engl) 2013; 126:3705-11. e insatisfação corporal 2121 Almeida SS, Zanatta DP, Rezende FF. Imagem corporal, ansiedade e depressão em pacientes obesos submetidos à cirurgia bariátrica. Estud Psicol (Natal) 2012; 17:153-60..

Os sentimentos de desânimo, baixa autoconfiança, tristeza e falta de apetite são considerados alguns dos sintomas de depressão 1414 Parcias S, Rosario BP, Sakae T, Monte F, Guimarães ACA, Xavier AJ. Validação da versão em português do Inventário de Depressão Maior. J Bras Psiquiatr 2011; 60:164-70.. Parece que esses sentimentos podem induzir a adoção de comportamentos de risco para transtornos alimentares 3Schulte SJ, Thomas J. Relationship between eating pathology, body dissatisfaction and depressive symptoms among male and female adolescents in the United Arab Emirates. Eat Behav 2013; 14: 157-60.. De fato, os achados da presente investigação evidenciaram que 18% da variância dos comportamentos de risco para transtornos alimentares foram explicados pelos sintomas depressivos. Nesse sentido, as adolescentes que vivenciem periodicamente sentimentos depressivos poderão adotar os comportamentos de risco para transtornos alimentares como medida alternativa em busca da redução da magnitude dos sintomas depressivos. Todavia, cabe salientar que, embora as jovens possam reduzir esses sentimentos após episódios de comportamentos de risco para transtornos alimentares, esses, por sua vez, podem promover efeitos deletérios à saúde, tais como a diminuição da secreção do hormônio do crescimento, a redução da densidade mineral óssea e os problemas cardiovasculares 2Fortes LS, Conti MA, Ferreira MEC. Relação entre comportamentos de risco para transtornos alimentares e processo maturacional em jovens atletas. Rev Bras Ativ Fís Saúde 2012; 17:383-95..

Outro ponto importante a ser discutido é a possível interpretação de um item do EAT-26, mais especificamente, a questão 23 (“Faço regimes para emagrecer”). Considerando que a resposta mais frequente tenha sido o item 23 e que o “fazer regime” não necessariamente remete à restrição alimentar típica de um transtorno alimentar, a relação entre sintomas depressivos e comportamentos de risco para transtornos alimentares deve ser interpretada com cautela. Ressalta-se que as dietas são extremamente populares hoje, e que o entendimento que cada jovem tem sobre “fazer dieta” é diverso. Nesse sentido, as adolescentes fazem dieta de forma epidêmica. Deve-se considerar ainda que a mídia, inclusive, vende o “fazer dieta” como forma de alcançar “bem-estar e autoestima”.

É importante destacar também que a etiologia dos comportamentos de risco para transtornos alimentares é multifatorial. Logo, outros aspectos além dos sintomas depressivos podem se relacionar aos comportamentos de risco para transtornos alimentares em adolescentes do sexo feminino, por exemplo, aspectos interpessoais (perfeccionismo e autoestima) 1010 Gondoli DM, Corning AF, Salafia EHB, Bucchianeri MM, Fitzsimmons EE. Heterosocial involvement, peer pressure for thinness, and body dissatisfaction among young adolescent girls. Body Image 2011; 8:143-8., morfológicos (IMC e gordura corporal) 8Martins CR, Pelegrini A, Matheus SC, Petroski EL. Insatisfação com a imagem corporal e a relação com estado nutricional, adiposidade corporal e sintomas de anorexia e bulimia em adolescentes. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul 2010; 32:19-23. e sociodemográficos (etnia e sexo) 5Rodgers R, Cabrol H, Paxton SJ. An exploration of the tripartite influence model of body dissatisfaction and disordered eating among Australian and French college women. Body Image 2011; 8: 208-15.. Evidências têm demonstrado insistentemente que as jovens com sobrepeso/obesidade são mais acometidas pelos comportamentos de risco para transtornos alimenta- res 8Martins CR, Pelegrini A, Matheus SC, Petroski EL. Insatisfação com a imagem corporal e a relação com estado nutricional, adiposidade corporal e sintomas de anorexia e bulimia em adolescentes. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul 2010; 32:19-23.,2626 Fortes LS, Morgado FFR, Ferreira MEC. Fatores associados ao comportamento alimentar inadequado em adolescentes escolares. Rev Psiquiatr Clín 2013; 40:59-64.. Vale destacar que quase 30% das adolescentes do presente estudo estavam com sobrepeso/obesidade, o que pode ser considerado um problema de saúde pública segundo alguns autores 8Martins CR, Pelegrini A, Matheus SC, Petroski EL. Insatisfação com a imagem corporal e a relação com estado nutricional, adiposidade corporal e sintomas de anorexia e bulimia em adolescentes. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul 2010; 32:19-23.. Ademais, os resultados do presente estudo evidenciaram maior frequência de comportamentos de risco para transtornos alimentares entre as adolescentes com sobrepeso/obesidade, corroborando outros achados 8Martins CR, Pelegrini A, Matheus SC, Petroski EL. Insatisfação com a imagem corporal e a relação com estado nutricional, adiposidade corporal e sintomas de anorexia e bulimia em adolescentes. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul 2010; 32:19-23.,2626 Fortes LS, Morgado FFR, Ferreira MEC. Fatores associados ao comportamento alimentar inadequado em adolescentes escolares. Rev Psiquiatr Clín 2013; 40:59-64.. Nesse sentido, as jovens com excesso de gordura corporal parecem adotar a restrição alimentar, a autoindução de vômitos e os comportamentos purgativos com o intuito de reduzir o peso corporal e de se enquadrarem nas normas estéticas socialmente estabelecidas 1010 Gondoli DM, Corning AF, Salafia EHB, Bucchianeri MM, Fitzsimmons EE. Heterosocial involvement, peer pressure for thinness, and body dissatisfaction among young adolescent girls. Body Image 2011; 8:143-8.,1212 Miranda VPN, Conti MA, Bastos R, Ferreira MEC. Body dissatisfaction in Brazilian adolescents in small towns of Minas Gerais. J Bras Psiquiatr 2011; 60:190-7..

Os resultados da presente pesquisa demonstraram relação estatisticamente significativa entre a insatisfação corporal e os sintomas depressivos. Outras evidências científicas corroboram esse achado 3Schulte SJ, Thomas J. Relationship between eating pathology, body dissatisfaction and depressive symptoms among male and female adolescents in the United Arab Emirates. Eat Behav 2013; 14: 157-60.,1515 Kinyanda E, Kizza R, Abbo C, Ndyanabangi S, Levin J. Prevalence and risk factors of depression in childhood and adolescence as seen in 4 districts of north-eastern Uganda. BMC Int Health Hum Rights 2013; 13:1-10.. De fato, a preocupação com o peso e a aparência física pode acarretar sentimentos de desânimo, baixa autoconfiança e tristeza. Do mesmo modo, o presente estudo apontou relação estatisticamente significativa entre a insatisfação corporal e os comportamentos de risco para transtornos alimentares. Dessa forma, a preocupação com o peso e a aparência física parece deixar as adolescentes mais vulneráveis à adoção de restrição alimentar e de comportamentos purgativos como a autoindução de vômitos e o uso de laxantes/diuréticos, o que também foi demonstrado em outros estudos 1Alves E, Vasconcelos FAG, Calvo MCM, Neves J. Prevalência de sintomas de anorexia nervosa e insatisfação com a imagem corporal em adolescentes do sexo feminino do Município de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24:503-12.,5Rodgers R, Cabrol H, Paxton SJ. An exploration of the tripartite influence model of body dissatisfaction and disordered eating among Australian and French college women. Body Image 2011; 8: 208-15.,8Martins CR, Pelegrini A, Matheus SC, Petroski EL. Insatisfação com a imagem corporal e a relação com estado nutricional, adiposidade corporal e sintomas de anorexia e bulimia em adolescentes. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul 2010; 32:19-23.,2020 Fortes LS, Amaral ACS, Almeida SS, Ferreira MEC. Efeitos de diversos fatores sobre o comportamento alimentar de adolescentes. Ciênc Saúde Coletiva 2013; 18:3301-10.,2626 Fortes LS, Morgado FFR, Ferreira MEC. Fatores associados ao comportamento alimentar inadequado em adolescentes escolares. Rev Psiquiatr Clín 2013; 40:59-64..

Evidências sugerem que o sexo feminino é mais acometido pelos sintomas depressivos 2121 Almeida SS, Zanatta DP, Rezende FF. Imagem corporal, ansiedade e depressão em pacientes obesos submetidos à cirurgia bariátrica. Estud Psicol (Natal) 2012; 17:153-60.,2222 Matos MIR, Aranha LS, Faria AN, Ferreira SRG, Bacaltchuck J, Zanella MT. Binge eating disorder, anxiety, depression and body image in grade III obesity patients. Rev Bras Psiquiatr 2002; 24:165-9.. Segundo Almeida et al. 2121 Almeida SS, Zanatta DP, Rezende FF. Imagem corporal, ansiedade e depressão em pacientes obesos submetidos à cirurgia bariátrica. Estud Psicol (Natal) 2012; 17:153-60., os sujeitos com nível de depressão elevado costumam demonstrar alta frequência de comportamentos de risco para transtornos alimentares. Ademais, a literatura científica tem discutido a respeito da susceptibilidade das adolescentes em adotar os comportamentos de risco para transtornos alimentares em razão do estado emocional apresentado 3Schulte SJ, Thomas J. Relationship between eating pathology, body dissatisfaction and depressive symptoms among male and female adolescents in the United Arab Emirates. Eat Behav 2013; 14: 157-60.. Desse modo, as jovens depressivas poderão vir a utilizar os comportamentos de risco para transtornos alimentares como estratégia de enfrentamento aos sentimentos negativos. Corroborando esse raciocínio, os resultados evidenciaram que as adolescentes com algum nível de depressão (MDI+) tinham 1,16 vez mais chances de utilizarem os comportamentos de risco para transtornos alimentares em relação às jovens com baixa frequência de sintomas depressivos. Em adição, os achados da ANCOVA indicaram que as meninas com algum nível de depressão (MDI+) demonstraram maior frequência de comportamentos de risco para transtornos alimentares quando comparadas às jovens com escores inferiores a 16 no MDI. Talvez, os comportamentos de risco para transtornos alimentares sejam estratégias de enfrentamento (coping) que algumas adolescentes utilizam para reduzir a magnitude do estresse, mais especificamente, os sentimentos depressivos. Dessa maneira, considerando que muitas adolescentes passam por situações em sua vida que as tornam mais susceptíveis aos sintomas depressivos 3Schulte SJ, Thomas J. Relationship between eating pathology, body dissatisfaction and depressive symptoms among male and female adolescents in the United Arab Emirates. Eat Behav 2013; 14: 157-60., algumas podem utilizar diversas estratégias de coping para enfrentar o estímulo estressor 2626 Fortes LS, Morgado FFR, Ferreira MEC. Fatores associados ao comportamento alimentar inadequado em adolescentes escolares. Rev Psiquiatr Clín 2013; 40:59-64., a saber: ouvir música, criar pensamentos otimistas ou utilizar comportamentos para reduzir o peso corporal, por exemplo, os comportamentos de risco para transtornos alimentares. Todavia, investigações científicas necessitam ser desenvolvidas para evidenciar se os comportamentos de risco para transtornos alimentares, de fato, são utilizados por adolescentes como estratégias de coping para diminuir a magnitude de sentimentos negativos.

Embora o presente estudo tenha identificado resultados relevantes para a literatura científica, ele apresentou limitações que merecem ser descritas. A principal delas foi a utilização de ferramentas autorreportadas como instrumentos de avaliação. Pesquisadores salientam que os avaliados podem não responder com fidedignidade aos questionários, visto que as respostas são subjetivas e, por isso, passíveis de serem burladas 2626 Fortes LS, Morgado FFR, Ferreira MEC. Fatores associados ao comportamento alimentar inadequado em adolescentes escolares. Rev Psiquiatr Clín 2013; 40:59-64.. Em contrapartida, Miranda et al. 1212 Miranda VPN, Conti MA, Bastos R, Ferreira MEC. Body dissatisfaction in Brazilian adolescents in small towns of Minas Gerais. J Bras Psiquiatr 2011; 60:190-7. ressaltam que, em pesquisas com grandes amostras, a anamnese realizada com ferramentas de fácil aplicabilidade, como é o caso dos questionários, talvez seja o método mais viável a ser utilizado. Acrescentando, o MDI não foi validado para a população-alvo deste estudo, o que representa uma limitação importante. Entretanto, a elevada consistência interna desse instrumento entre as adolescentes participantes desta investigação (alfa de Cronbach = 0,89) dão indícios de boa qualidade psicométrica da escala também entre essa população. Outra limitação foi o delineamento do tipo transversal. Sendo assim, não foi possível realizar inferência de causalidade. Isso significa que não se tem como avaliar o grau de intensidade e a direção das associações encontradas entre o desfecho do estudo e a variável independente. Entretanto, por ser pioneiro na avaliação da relação dos sintomas depressivos com os comportamentos de risco para transtornos alimentares entre jovens brasileiras, acredita-se que a presente pesquisa tenha apresentado resultados que contemplam parte da lacuna do conhecimento da área e que, portanto, merecem ser discutidos em futuros estudos.

Os achados permitiram concluir que os sintomas depressivos estiveram relacionados aos comportamentos de risco para transtornos alimentares em adolescentes do sexo feminino. Logo, as jovens com sintomas depressivos demonstraram maior tendência em adotarem os comportamentos de risco para transtornos alimentares.

Sugere-se que programas psicológicos de prevenção sejam implementados em escolas na cidade de Juiz de Fora, com o propósito de diminuir a prevalência de sentimentos humorais negativos e, indiretamente, reduzir a frequência de comportamentos de risco para transtornos alimentares nas adolescentes. Além disso, adolescentes rastreadas com riscos para a depressão ou transtornos alimentares poderiam ser encaminhadas para unidades de apoio psiquiátrico.

Por fim, recomenda-se a realização de investigações que busquem identificar outros fatores que possam ter relação com os comportamentos de risco para transtornos alimentares. Ademais, pesquisas envolvendo os adolescentes do sexo masculino também são necessárias.

Agradecimentos

Às participantes pela participação voluntária na pesquisa. Ao Laboratório de Estudos do Corpo da Universidade Federal de Juiz de Fora pelo empréstimo do material para a coleta de dados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov 2014

Histórico

  • Recebido
    12 Nov 2013
  • Revisado
    19 Maio 2014
  • Aceito
    04 Jun 2014
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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