Tradução e adaptação transcultural do domínio Fadiga do Patient-Reported-Outcomes Measurement Information System (PROMIS) para a língua portuguesa

Portuguese-language translation and cross-cultural adaptation of the Fatigue domain of Patient-Reported-Outcomes Measurement Information System (PROMIS)

Traducción e interculturalidad en el ámbito de la fatiga con la adaptación del Patient-Reported-Outcomes Measurement Information System (PROMIS) en lengua portuguesa

Flávio Sérgio Marques Alves Rogério de Melo Costa Pinto Tânia Maria Silva Mendonça Carlos Henrique Martins da Silva

Resumos

O banco de itens do domínio Fadiga faz parte de um sistema americano desenvolvido para avaliação de resultados relatados pelos pacientes denominado Patient-Reported-Outcomes Measurement Information System (PROMIS). Este estudo teve como objetivo traduzir e adaptar transculturalmente esse banco de itens para a população brasileira por ser uma nova promessa de avaliação da qualidade de vida relacionada à saúde. Os itens deste banco foram traduzidos, utilizando protocolos rigorosos de tradução e retrotradução. A versão traduzida foi pré-testada por vinte brasileiros que responderam a uma breve entrevista cognitiva e retrospectiva a fim de testar as equivalências conceitual, cultural e semântica dos itens. No processo de tradução e retrotradução, apenas três dos 82 itens tiveram de ser reescritos devido ao conteúdo culturalmente inadequado. No pré-teste, apenas quatro itens necessitaram ser reescritos, mas sem alteração conceitual e semântica. Os resultados demonstram que a versão traduzida desse banco de itens é conceitual, cultural e semanticamente equivalente à sua versão original.

Fadiga; Qualidade de Vida; Tradução


The items bank of the Fatigue domain is part of an American system developed for evaluation of results reported by patients, called Patient-Reported-Outcomes Measurement Information System (PROMIS). This study aimed to translate and cross-culturally adapt this item bank for the Brazilian population, as a promising new tool for evaluating health-related quality of life. The items in this bank were translated using rigorous translation and back-translation protocols. The translated version was pre-tested in twenty Brazilians with a brief cognitive and retrospective interview in order to test the items’ conceptual, cultural, and semantic equivalences. In the translation and back-translation process, only three of the 82 items had to be reworded due to the culturally inadequate content. In the pretest, only four items needed to be reworded, but without conceptual and semantic alterations. The results showed that the translated version of this item bank is conceptually, culturally, and semantically equivalent to the original version.

Fatigue; Quality of Life; Translating


El banco de ítems del dominio fatiga forma parte de un sistema estadounidense, desarrollado para la evaluación de los resultados reportados por los pacientes denominados Patient-Reported-Outcomes Measurement Information System (PROMIS). Este estudio tuvo como objetivo traducir y adaptar interculturalmente el banco de ítems para que fuera sometido a la perspectiva brasileña, al tratarse de una prometedora nueva evaluación de la calidad de vida, relacionada con la salud. Los elementos en el banco se transforman utilizando un estricto protocolo de traducción y re-traducción. Sobre la versión traducida se realizaron pre-pruebas en 20 brasileños que respondieron a una breve entrevista cognitiva y retrospectiva, con el fin de probar la equivalencia conceptual, cultural y semántica de los ítems. En el proceso de traducción y re-traducción sólo tres de los 82 ítems tuvieron que ser rescritos. En la pre-prueba se mostró que sólo cuatro elementos son necesarios volver a escribirlos, pero sin cambio conceptual y semántico. Los resultados muestran que esta versión traducida es conceptual, cultural y semánticamente equivalente a la versión original.

Fatigue; Calidad de Vida; Traducción


Introdução

Avaliações de intervenções realizadas em pacientes com doenças crônicas por meio de seus próprios relatos (Patient-Reported Outcomes – PROs) são de grande valia por serem responsáveis por alterações na qualidade de vida desses pacientes 1. Fries JF, Bruce B, Cella D. The promise of PROMIS: using item response theory to improve assessment of patient-reported outcomes. Clin Exp Rheumatol 2005; 23(5 Suppl 39):S53-7..

Uma nova metodologia visando melhorar a avaliação dos PROs, o Patient-Reported-Outcome Measurement Information System (PROMIS) foi desenvolvida pelo National Institute of Health, norte-americano (PROMIS Cooperative Group. Unpublished manual for the Patient Reported Outcomes Measurement Information System – PROMIS. http://www.nihpromis.org, acessado em 11/Mai/2013). Esse sistema teve como desafio o desenvolvimento de um grande banco de itens retirados de instrumentos clássicos e concentrados em domínios de avaliação física e psicossocial 2. Cell D, Gershon R, Lai J-S, Choi S. The future of outcomes measurement: item banking, tailored short-forms, and computerized adaptive assessment. Qual Life Res 2007; 16:133-41., com a vantagem de o paciente responder a um número mínimo de itens por meio dos modelos da Teoria de Resposta ao Item (TRI) e do Teste Adaptativo Computadorizado (CAT), sendo aplicado com a utilização do software Assessment Center (PROMIS Network. http://www.nihpromis.org/software/assessmentcenter?As pxAutoDetectCookieSupport=1, Silver Spring, Estados Unidos) disponibilizado em computador 2. Cell D, Gershon R, Lai J-S, Choi S. The future of outcomes measurement: item banking, tailored short-forms, and computerized adaptive assessment. Qual Life Res 2007; 16:133-41., além de resultar em respostas e informações mais precisas.

Um dos bancos de itens do PROMIS é o sintoma Fadiga 3. Mota DDCF, Cruz DALM, Pimenta CAM. Fadiga: uma análise do conceito. Acta Paul Enferm 2005; 18:285-93., sendo este de difícil definição e etiologia multifatorial. É um sintoma subjetivo de sensação desagradável de cansaço que dificilmente é aliviado com medidas usuais para restauração de energia, e que promove impacto negativo nos aspectos físicos, psíquicos e emocionais das pessoas, comprometendo sua qualidade de vida relacionada à saúde. A duração e intensidade desse sintoma são variáveis entre as pessoas e reduz, em diferentes graus, sua habilidade para executar as atividades de vida diária, além de reduzir a capacidade profissional e de socialização 3. Mota DDCF, Cruz DALM, Pimenta CAM. Fadiga: uma análise do conceito. Acta Paul Enferm 2005; 18:285-93.. O objetivo desse estudo foi traduzir e adaptar transculturalmente, para a língua portuguesa, o banco de itens Fadiga do PROMIS, uma vez que sua versão original está no inglês americano e, portanto, para ser utilizado no Brasil é necessário realizar esse processo.

Métodos

Estudo de tradução e adaptação transcultural de acordo com a metodologia 4. Eremenco SL, Cella D, Arnold BJ. A comprehensive method for the translation and cross-cultural validation of health status questionnaires. Eval Health Prof 2005; 28:212-32. proposta pelos administradores do PROMIS com as etapas representadas na Figura 1.

Figura 1
Etapas de tradução e adaptação transcultural do Patient-Reported-Outcomes Measurement Information System (PROMIS).

Instrumento

Banco de itens composto por 82 itens divididos em duas dimensões: 47 itens para avaliação do impacto da fadiga (em atividades físicas, mentais e sociais) e 35 que avaliam a experiência com a fadiga quanto à sua intensidade, frequência e duração.

Tradução e adaptação transcultural

Por orientação dos administradores do PROMIS, durante o processo de tradução foi mantida a universalização da tradução a fim de que ela pudesse ser utilizada nos países que falam a língua portuguesa.

O processo de tradução de adaptação transcultural 4. Eremenco SL, Cella D, Arnold BJ. A comprehensive method for the translation and cross-cultural validation of health status questionnaires. Eval Health Prof 2005; 28:212-32. do domínio Fadiga do PROMIS envolveu as seguintes etapas:

  1. a) Tradução inicial: realizada por dois tradutores profissionais em linguística;

  2. b) Reconciliação: realizada por um tradutor especialista em linguística que teve como objetivo resolver discrepâncias relacionadas à definição dos itens;

  3. c) Retrotradução: a versão reconciliada foi traduzida para a língua original, o inglês por um tradutor profissional que não teve contato com a versão original;

  4. d) Comparação entre a retrotradução e a escala original: a versão retrotraduzida foi enviada aos administradores do PROMIS a fim de identificar traduções inapropriadas e ambíguas e avaliar a equivalência conceitual e semântica em relação à versão original;

  5. e) Revisores independentes: os itens retrotraduzidos foram encaminhados a quatro revisores independentes, sendo três brasileiros da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e um português, bilíngues, profissionais em linguística, não envolvidos nos estágios anteriores, para análise e possíveis colaborações;

  6. f) Processo final de revisão: após o término da revisão, o relatório foi reencaminhado aos administradores do PROMIS para aprovação da versão traduzida;

  7. g) Pré-teste: o conceito de fadiga foi apresentado aos participantes conforme orientações das definições dos itens propostas pelos administradores do PROMIS. A versão pré-final dos itens foi aplicada a vinte respondentes com idade entre 20 e 60 anos, recrutados no Hospital das Clínicas da UFU. Cada item foi respondido por cinco pessoas que responderam também a entrevistas cognitivas e retrospectivas relacionadas às dificuldades de entendimento dos itens 5. Acquadro C, Conway K, Hareendran A, Aaronson N. Literature review of methods to translate health-related quality of life questionnaires for use in multinational clinical trials. Value Health 2008; 11:509-21.,6. Hak T, Veer KVD, Jansen H. The Three-Step Test-Interview (TSTI): an observation-based method for pretesting self-completion questionnaires. Surv Res Methods 2008; 2:143-50.. Dos respondentes, 14 (70%) eram mulheres; 5%, do total possuíam até oito anos de escolaridade; 55%, até 11 anos e 40%, no mínimo 13 anos de escolaridade;

  8. h) Definição final do item traduzido: os itens foram enviados aos administradores do PROMIS para análise e definição da versão final.

Resultados

Ocorreram divergências nas traduções de alguns itens. Inicialmente, os administradores do PROMIS e o revisor de Portugal optaram pela exclusão do pronome pessoal de tratamento “você” nos itens, o que gerou discordância com os revisores brasileiros. Ao final, houve um consenso geral por sua manutenção.

No item 3 “How often did you have to push yourself to get things done because of your fatigue?”, houve divergência na tradução de “to push yourself” que passou de “impulsionar a si mesmo” e “se pressionar” para “se esforçar”. Da mesma forma, o termo “to get things done” passou de “para fazer as coisas” para “para conseguir fazer as coisas”. O revisor brasileiro sugeriu adaptar esse termo para “terminar as coisas”, o que não foi aceito pelos administradores do PROMIS, pois coincidiria com a tradução de “to do/make things”, conflitando com a tradução do item 14 “Com que frequência você teve dificuldade em terminar coisas por causa da fadiga?”. O consenso entre os revisores para a tradução de “to push yourself” e “to get things done” foi “se esforçar” e “para conseguir fazer as coisas”, respectivamente.

O termo “to do errands”, do item 11 “How often were you too tired to do errands?”, foi traduzido e reconciliado como “fazer seus afazeres”. Foi sugerido pelo revisor brasileiro que se utilizasse como tradução para o termo “errands”, “tarefas fora de casa” que foi aceito pelos outros revisores. Já o termo “too tired” foi traduzido como “tão cansado(a)”, “demasiadamente cansado(a)” e reconciliado como “cansado(a) demais”. A tradução “cansado(a) demais” foi aceita como tradução de “too tired”.

O item 25 “How hard was it for you to carry on a conversation because of your fatigue?”, inicialmente foi traduzido como “Qual foi a dificuldade para você puxar conversar com as pessoas devido a sua fadiga?” e “Quão difícil era para você continuar uma conversa por causa de sua fadiga?” e, ao final, como “Quão difícil foi para você continuar uma conversa por causa de sua fadiga?”. A expressão “quão difícil” foi revisada. Os administradores do PROMIS sugeriram um ajuste para “até que ponto você teve dificuldade” que foi aceito pelos revisores do Brasil e de Portugal. Ainda nesse item, a expressão reconciliada como “continuar uma conversa” foi revisada e adaptada para “manter uma conversa” e finalizou como “Até que ponto você teve dificuldade em manter uma conversa...”.

No pré-teste, quatro itens sofreram adaptações culturais devido à dificuldade de entendimento por parte dos respondentes, mantendo suas equivalências conceitual, cultural e semântica dos itens. As adaptações transculturais desses itens tiveram aprovação do administrador do PROMIS e do revisor de Portugal. No item 53, 60% dos respondentes tiveram dificuldades em entender o termo “exaurido(a)/esvaído(a)”, assim como no item 58 em que outros 60% apresentaram dificuldades no entendimento do item. Esses itens sofreram adaptações transculturais e semânticas. Nos itens 54 e 74, 100% dos respondentes não responderam de acordo com a definição dos itens para o termo abatido(a).

O banco de itens Fadiga do PROMIS traduzido e adaptado para a língua portuguesa está apresentado na Figura 2.

Figura 1
Tradução final do banco de itens do Patient-Reported-Outcome Measurement Information System – Fatigue (PROMIS – Fadiga).

Discussão

Nesse estudo, durante o processo de tradução e adaptação transcultural e revisão dos itens, a busca pelas equivalências conceitual, cultural e semântica gerou discussão somente em três dos 82 itens que necessitaram ser adaptados transculturalmente para contemplar termos ou expressões que são mais usuais para população de língua portuguesa.

De acordo com os revisores de Portugal e do PROMIS, o uso do pronome pessoal de tratamento “você” nas frases não é usual em Portugal e por isso poderia ser suprimido para garantir a universalidade dos itens. O revisor brasileiro se posicionou contrariamente, alegando que os itens poderiam gerar interpretações dúbias com as conjugações dos verbos, uma vez que poderiam ser confundidos com os pronomes pessoais “ele, ela ou o próprio pronome de tratamento você” 7. Cunha C, Cintra L. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Lexikon; 2007.. Por fim, ficou definida a manutenção desse pronome nos itens.

Após o pré-teste, os termos abatido(a) e exaurido(a)/esvaído(a) necessitaram de ajustes devido às dificuldades de entendimento dos participantes. Nas adaptações, optou-se por termos mais usuais como “lento(a) e esgotado(a) física e emocionalmente”, mantendo, assim, a equivalência conceitual, cultural e semântica, assim como sua clareza, compreensão e aceitabilidade. A dificuldade de compreensão de algumas palavras durante a fase de pré-teste não pôde ser atribuída ao nível de escolaridade dos respondentes, mas sim devido à baixa frequência do uso desses termos no cotidiano da população brasileira.

O banco de itens Fadiga do PROMIS está em fase de validação para a população brasileira e cada item está sendo testado quanto à sua validade e, pela análise de Rasch para comprovação da unidimensionalidade, independência local e funcionamento diferencial dos itens (DIF), a fim de confirmar o conteúdo semântico, linguístico, conceitual e cultural dos itens. A consideração da possibilidade da universalização da tradução desse banco de itens para todos os países que compõem a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, conforme preconizado pelos administradores do PROMIS poderá ser resolvida no processo de adaptação transcultural do banco de itens Fadiga do PROMIS para cada um desses países.

O objetivo proposto foi alcançado de forma satisfatória com a manutenção das equivalências conceitual, cultural e semântica dos itens.

Agradecimentos

À FAPEMIG pelo financiamento disponibilizado para a compra desse banco de itens. Ao CNPq pela bolsa de iniciação científica disponibilizada para a realização da tradução e adaptação transcultural desse banco de itens.

Referências

  • 1
    Fries JF, Bruce B, Cella D. The promise of PROMIS: using item response theory to improve assessment of patient-reported outcomes. Clin Exp Rheumatol 2005; 23(5 Suppl 39):S53-7.
  • 2
    Cell D, Gershon R, Lai J-S, Choi S. The future of outcomes measurement: item banking, tailored short-forms, and computerized adaptive assessment. Qual Life Res 2007; 16:133-41.
  • 3
    Mota DDCF, Cruz DALM, Pimenta CAM. Fadiga: uma análise do conceito. Acta Paul Enferm 2005; 18:285-93.
  • 4
    Eremenco SL, Cella D, Arnold BJ. A comprehensive method for the translation and cross-cultural validation of health status questionnaires. Eval Health Prof 2005; 28:212-32.
  • 5
    Acquadro C, Conway K, Hareendran A, Aaronson N. Literature review of methods to translate health-related quality of life questionnaires for use in multinational clinical trials. Value Health 2008; 11:509-21.
  • 6
    Hak T, Veer KVD, Jansen H. The Three-Step Test-Interview (TSTI): an observation-based method for pretesting self-completion questionnaires. Surv Res Methods 2008; 2:143-50.
  • 7
    Cunha C, Cintra L. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Lexikon; 2007.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Maio 2014

Histórico

  • Recebido
    23 Maio 2013
  • Aceito
    28 Jan 2014
  • Aceito
    10 Fev 2014
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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