Associação da cor/raça aos indicadores de saúde para idosos no Brasil: um estudo baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2008)

Bruno Luciano Carneiro Alves de Oliveira Erika Barbara Abreu Fonseca Thomaz Raimundo Antonio da Silva Sobre os autores

Resumo

Analisaram-se as desigualdades raciais na saúde de 18.684 idosos brasileiros com 65 anos ou mais, incluídos na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2008 (PNAD 2008), que autorreferiram sua cor/raça como branca, parda ou preta. Estimaram-se associações da cor/raça com autoavaliação do estado de saúde, incapacidade funcional e com o número de doenças crônicas em análises de regressão brutas e ajustadas (α = 0,01). Predominaram idosos brancos (56,2%). Na análise ajustada, a cor/raça parda associou-se positivamente com pior estado de saúde autorreferido (RC = 1,11; IC95%: 1,03-1,18) e a preta com o maior número de doenças crônicas (RP = 1,07; IC95%: 1,02-1,13). A cor/raça parda foi fator protetor para incapacidade funcional. Unindo-se pardos e pretos (negros), manteve-se a maior chance de os negros autorreferirem pior estado de saúde (RC = 1,09; IC95%: 1,02-1,16) e menor chance de incapacidade funcional (RC = 0,83; IC95%: 0,76-0,92). A cor/raça negra perdeu associação com o número de doenças crônicas. A cor/raça explicou parte das desigualdades em saúde dos idosos, mas outras variáveis socioeconômicas tiveram efeito mais marcante.

Origem Étnica e Saúde; Desigualdades em Saúde; Idoso


Introdução

A composição racial da crescente população idosa brasileira vem se modificando ao longo dos últimos anos 1 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico 2010: características da população e dos domicílios, resultados do universo. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2011.. Na primeira década do século XXI, a população brasileira com 65 anos ou mais cresceu 29,5%, passando de 9,9 milhões (5,8%) em 2000 para 14,0 milhões (7,4%) em 2010 1 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico 2010: características da população e dos domicílios, resultados do universo. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2011.. Em 2000, predominavam idosos brancos (61,7%) em relação aos idosos pardos (29,5%) e pretos (6,9%) e, em 2010, diminuiu a proporção de idosos brancos (56,8%), aumentando a de pardos (33,8%) e pretos (7,7%) 1 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico 2010: características da população e dos domicílios, resultados do universo. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2011..

No entanto, as recentes mudanças econômicas, políticas e de saúde 2 Victora CG, Barreto ML, Leal MC, Monteiro CA, Schmidt MI, Paim J, et al. Health conditions and health-policy innovations in Brazil: the way forward. Lancet 2011; 377:2042-53. ocorridas no país ainda não eliminaram as desigualdades nas condições de vida e saúde dos grupos raciais de idosos brasileiros 2 Victora CG, Barreto ML, Leal MC, Monteiro CA, Schmidt MI, Paim J, et al. Health conditions and health-policy innovations in Brazil: the way forward. Lancet 2011; 377:2042-53.,3 Araújo EM, Costa MCN, Hogan VK, Araújo TM, Batista A, Oliveira LOA. The use of the race/color variable in public health: possibilities and limitations. Interface Comun Saúde Educ 2010; 5(n. spe):383-94.. O impacto dessas transformações não foi uniforme 4 Rebouças M, Pereira MG. Indicadores de saúde para idosos: comparação entre o Brasil e os Estados Unidos. Rev Panam Salud Pública 2008; 23:237-46.. A presença de desigualdades raciais entre idosos sugere a complexa interação da cor/raça com marcadores de posição soci- al 5 Krieger N. A glossary for social epidemiology. J Epidemiol Community Health 2001; 55:693-700.,6 Clarke P, Smith J. Aging in a cultural context: cross-national differences in disability and the moderating role of personal control among older adults in the United States and England. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci 2011; 66:457-67. e reflete a distribuição desigual de fatores de risco, proteção e de agravos à saúde, que se acumulam ao longo dos vários ciclos de vida até a terceira idade 6 Clarke P, Smith J. Aging in a cultural context: cross-national differences in disability and the moderating role of personal control among older adults in the United States and England. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci 2011; 66:457-67.,7 Zorzin PLG, Wajnman S, Turra CM. Previdência social e desigualdade racial no Brasil. Belo Horizonte: Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional de Minas Gerais, Universidade Federal de Minas Gerais; 2011.. Idosos pardos e pretos, portanto, permanecem em ausência de equidade, em pior situação socioeconômica 2 Victora CG, Barreto ML, Leal MC, Monteiro CA, Schmidt MI, Paim J, et al. Health conditions and health-policy innovations in Brazil: the way forward. Lancet 2011; 377:2042-53.,8 Veras R. Fórum. Envelhecimento populacional e as informações de saúde do PNAD: demandas e desafios contemporâneos. Introdução. Cad Saúde Pública 2007; 23:2463-6. e com elevada necessidade em saúde 9 Campos NOB. Os determinantes das condições de saúde dos idosos do município de São Paulo em uma perspectiva de ciclo de vida [Tese de Doutorado]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2009..

Apesar de vários estudos indicarem que em pessoas de diferentes gradientes sociais e raciais o processo de envelhecimento não ocorre de modo homogêneo e semelhante 2 Victora CG, Barreto ML, Leal MC, Monteiro CA, Schmidt MI, Paim J, et al. Health conditions and health-policy innovations in Brazil: the way forward. Lancet 2011; 377:2042-53.,4 Rebouças M, Pereira MG. Indicadores de saúde para idosos: comparação entre o Brasil e os Estados Unidos. Rev Panam Salud Pública 2008; 23:237-46.,8 Veras R. Fórum. Envelhecimento populacional e as informações de saúde do PNAD: demandas e desafios contemporâneos. Introdução. Cad Saúde Pública 2007; 23:2463-6.,9 Campos NOB. Os determinantes das condições de saúde dos idosos do município de São Paulo em uma perspectiva de ciclo de vida [Tese de Doutorado]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2009.,1010  Spencer SM, Schulz R, Rooks RN, Albert SM, Thorpe Jr. RJ, Brenes GA, et al. Racial differences in self-rated health at similar levels of physical functioning: an examination of health pessimism in the health, aging, and body composition study. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci 2009; 64:87-94.,1111  Thorpe Jr. RJ, Koster A, Kritchevsky SB, Newman AB, Harris T, Ayonayon HN, et al. Race, socioeconomic resources, and late-life mobility and decline: findings from the Health, Aging, and Body Composition study. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2011; 66:1114-23., permanecem dúvidas se as desigualdades em saúde podem ser atribuídas diretamente à cor/raça, independentemente das desigualdades socioeconômicas individuais e contextuais 3 Araújo EM, Costa MCN, Hogan VK, Araújo TM, Batista A, Oliveira LOA. The use of the race/color variable in public health: possibilities and limitations. Interface Comun Saúde Educ 2010; 5(n. spe):383-94.,1111  Thorpe Jr. RJ, Koster A, Kritchevsky SB, Newman AB, Harris T, Ayonayon HN, et al. Race, socioeconomic resources, and late-life mobility and decline: findings from the Health, Aging, and Body Composition study. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2011; 66:1114-23.,1212  Chor D, Lima CRA. Aspectos epidemiológicos das desigualdades raciais em saúde no Brasil. Cad Saúde Pública 2005; 21:1586-94.,1313  Laguardia J. Raça e epidemiologia: as estratégias para construção de diferenças biológicas. Ciênc Saúde Coletiva 2007; 12:253-61..

Em todo o mundo, a avaliação do estado de saúde de idosos é comumente realizada com base em indicadores de condições de saúde e mobilidade física e autonomia 6 Clarke P, Smith J. Aging in a cultural context: cross-national differences in disability and the moderating role of personal control among older adults in the United States and England. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci 2011; 66:457-67.,9 Campos NOB. Os determinantes das condições de saúde dos idosos do município de São Paulo em uma perspectiva de ciclo de vida [Tese de Doutorado]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2009.,1010  Spencer SM, Schulz R, Rooks RN, Albert SM, Thorpe Jr. RJ, Brenes GA, et al. Racial differences in self-rated health at similar levels of physical functioning: an examination of health pessimism in the health, aging, and body composition study. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci 2009; 64:87-94.,1414  Lima-Costa MF, Matos DL, Camargos VP, James M. Tendências em dez anos das condições de saúde de idosos brasileiros: evidências da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (1998, 2003, 2008). Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16:3689-96.,1515  Borim FSA, Barros MBA, Neri AL. Autoavaliação da saúde em idosos: pesquisa de base populacional no Município de Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2012; 28:769-80.. Entre os indicadores amplamente utilizados estão a autoavaliação do estado global de saúde, o número de doenças ou condições crônicas e a capacidade funcional 6 Clarke P, Smith J. Aging in a cultural context: cross-national differences in disability and the moderating role of personal control among older adults in the United States and England. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci 2011; 66:457-67.,9 Campos NOB. Os determinantes das condições de saúde dos idosos do município de São Paulo em uma perspectiva de ciclo de vida [Tese de Doutorado]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2009.,1414  Lima-Costa MF, Matos DL, Camargos VP, James M. Tendências em dez anos das condições de saúde de idosos brasileiros: evidências da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (1998, 2003, 2008). Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16:3689-96.,1515  Borim FSA, Barros MBA, Neri AL. Autoavaliação da saúde em idosos: pesquisa de base populacional no Município de Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2012; 28:769-80.. O primeiro indica a dimensão subjetiva e integrada que os idosos têm da sua própria saúde. O estado funcional revela a dimensão funcional na realização das tarefas cotidianas e o número de doenças crônicas representa a dimensão médica e objetiva da presença de desvios da função fisiológica normal 9 Campos NOB. Os determinantes das condições de saúde dos idosos do município de São Paulo em uma perspectiva de ciclo de vida [Tese de Doutorado]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2009.,1616  Alves LC, Leite IC, Machado CJ. Fatores associados à incapacidade funcional dos idosos no Brasil: análise multinível. Rev Saúde Pública 2010; 44:468-78.,1717  Do DP, Finch BK, Basurto-Davila R, Bird C, Escarce J, Lurie N. Does place explain racial health disparities? Quantifying the contribution of residential context to the black/white health gap in the United States. Soc Sci Med 2008; 67:1258-68..

A associação da cor/raça parda e preta com piores condições de saúde e declínio funcional tem sido pouco investigada entre idosos brasileiros 7 Zorzin PLG, Wajnman S, Turra CM. Previdência social e desigualdade racial no Brasil. Belo Horizonte: Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional de Minas Gerais, Universidade Federal de Minas Gerais; 2011.,9 Campos NOB. Os determinantes das condições de saúde dos idosos do município de São Paulo em uma perspectiva de ciclo de vida [Tese de Doutorado]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2009.,1212  Chor D, Lima CRA. Aspectos epidemiológicos das desigualdades raciais em saúde no Brasil. Cad Saúde Pública 2005; 21:1586-94., e os resultados dessa associação são controversos e conflitantes 1515  Borim FSA, Barros MBA, Neri AL. Autoavaliação da saúde em idosos: pesquisa de base populacional no Município de Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2012; 28:769-80.,1616  Alves LC, Leite IC, Machado CJ. Fatores associados à incapacidade funcional dos idosos no Brasil: análise multinível. Rev Saúde Pública 2010; 44:468-78.. Isso tem limitado a atual compreensão dos impactos das desigualdades raciais nessa fase da vida 7 Zorzin PLG, Wajnman S, Turra CM. Previdência social e desigualdade racial no Brasil. Belo Horizonte: Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional de Minas Gerais, Universidade Federal de Minas Gerais; 2011.,1212  Chor D, Lima CRA. Aspectos epidemiológicos das desigualdades raciais em saúde no Brasil. Cad Saúde Pública 2005; 21:1586-94.. No Brasil, diversos estudos baseados nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) exploram a influência do gênero, renda, escolaridade, faixa etária e contexto social de moradia na saúde de idosos 1414  Lima-Costa MF, Matos DL, Camargos VP, James M. Tendências em dez anos das condições de saúde de idosos brasileiros: evidências da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (1998, 2003, 2008). Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16:3689-96.,1818  Travassos CF, Viacava F, Laguardia J. Os Suplementos Saúde na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) no Brasil. Rev Bras Epidemiol 2008; 11 Suppl 1:98-112.,1919  Rede Interagencial de Informação para a Saúde. Demografia e saúde: contribuição para análise de situação e tendências. Brasília: Organização Pan- Americana da Saúde; 2009., mas a associação entre os indicadores de saúde-doença e incapacidade funcional com a variável cor/raça ainda não foi explorada 1 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico 2010: características da população e dos domicílios, resultados do universo. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2011.,1919  Rede Interagencial de Informação para a Saúde. Demografia e saúde: contribuição para análise de situação e tendências. Brasília: Organização Pan- Americana da Saúde; 2009..

Este estudo teve como objetivo analisar as associações entre cor/raça e os indicadores de saúde em idosos brasileiros, utilizando os dados do suplemento saúde da PNAD de 2008.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal que analisou a relação da cor/raça com indicadores de saúde de idosos brasileiros incluídos na base de dados da PNAD 2020  Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2008., realizada em 2008 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A PNAD é um inquérito domicíliar de base populacional, de abrangência nacional, com o objetivo de obter informações representativas da população brasileira sobre suas características sociodemográficas, educacionais, habitacionais, de trabalho e rendimento. Em 2008, foi aplicado um suplemento sobre saúde, incluindo informações sobre condições de saúde e mobilidade física da amostra 2020  Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2008..

A PNAD utiliza uma amostra probabilística complexa de domicílios de todas as regiões do Brasil, obtida em até três estágios de seleção 2020  Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2008.. No primeiro estágio, é feita a seleção dos municípios, que são classificados em autorrepresentativos, com 100% de probabilidade de pertencer à amostra, e em não autorrepresentativos, com probabilidade de pertencer à amostra proporcional à população residente. No segundo estágio, são selecionados os setores censitários, cuja probabilidade de inclusão é proporcional ao número de domicílios existentes no setor. No último estágio, os domicílios são amostrados em cada setor censitário, sendo investigadas as informações relativas aos domicílios e a todos os seus indivíduos residentes 2020  Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2008..

Foram pesquisadas 391.868 pessoas e 150.591 unidades domiciliares distribuídas por todas as Unidades da Federação. Nessa análise, utilizamos a população idosa com 65 anos ou mais de idade (n = 28.437). Adotou-se como critério de inclusão cor/raça autorreferida 1 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico 2010: características da população e dos domicílios, resultados do universo. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2011.,2020  Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2008.,2121  Silva PLN, Pessoa DGC, Lila MF. Análise estatística de dados da PNAD: incorporando a estrutura do plano amostral. Ciênc Saúde Coletiva 2002; 7:659-70., retirando- se os idosos que tiveram sua cor/raça informada por terceiros, para reduzir a chance de viés de informação e classificação dessa variável e de viés de prevalência dos grupos raciais estudados 1 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico 2010: características da população e dos domicílios, resultados do universo. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2011.,3 Araújo EM, Costa MCN, Hogan VK, Araújo TM, Batista A, Oliveira LOA. The use of the race/color variable in public health: possibilities and limitations. Interface Comun Saúde Educ 2010; 5(n. spe):383-94.. Após a remoção dos idosos que tiveram sua cor/raça informada por outras pessoas (n = 8.752), os de cor/raça amarela (n = 153), indígena (n = 69), sem declaração (n = 15) e os sem informação para renda domiciliar per capita (n = 764), a população final incluída neste estudo foi de 18.684 idosos.

Variáveis estudadas

Os desfechos estudados foram dois indicadores de condição de saúde – a autoavaliação do estado global de saúde (AAS) e o número de doenças e condições crônicas – e um indicador de mobilidade física e autonomia – a capacidade funcional.

A AAS apresenta cinco categorias de resposta: muito boa, boa, regular, ruim e muito ruim. Para o cálculo do número de doenças e condições crônicas foram somadas todas aquelas pesquisadas pela PNAD: artrite/reumatismo, câncer, diabetes, hipertensão, depressão, doença da coluna/dor nas costas, bronquite/asma, tuberculose, doença do coração, doença renal crônica, cirrose e tendinite/tenossinovite.

A incapacidade funcional foi definida pelo grau de dificuldade para realizar a atividade de vida diária (AVD) “alimentar-se, tomar banho ou ir ao banheiro”. Na PNAD, esse indicador tem quatro categorias: não tem dificuldade, tem grande dificuldade, tem pequena dificuldade e não consegue. Neste estudo, o indicador foi organizado em três categorias; nenhuma, alguma (agregando os valores de pequena e grande dificuldade) e total incapacidade funcional.

A variável explicativa principal foi a cor/raça autodeclarada dos idosos categorizada em branca, preta e parda. Na PNAD, os entrevistados são estimulados a referirem sua cor da pele como proxy da raça. Assim, o quesito cor/raça revela com qual grupo racial os indivíduos se identificam 3 Araújo EM, Costa MCN, Hogan VK, Araújo TM, Batista A, Oliveira LOA. The use of the race/color variable in public health: possibilities and limitations. Interface Comun Saúde Educ 2010; 5(n. spe):383-94.,2222  Travassos C, Williams DR. The concept and measurement of race and their relationship to public health: a review focused on Brazil and the United States. Cad Saúde Pública 2004; 20:660-78..

Para esta pesquisa, as covariáveis socioeconômicas, demográficas e de saúde foram: sexo (masculino ou feminino); idade (em anos completos agrupadas em três faixas etárias: 65 a 69, 70 a 79 e ≥ 80 anos); escolaridade (em anos, agrupados em três estratos: 0, 1 a 8 e ≥ 9 anos de estudo); condição de atividade econômica na semana de referência (ativa ou não); papel na família (em três categoriais: pessoa de referência, cônjuge e outros); número de moradores no domicílio (agrupados em três categorias: 1, 2 e ≥ 3 pessoas); localização do domicílio (urbana ou rural); macrorregião de residência em cinco categorias (Norte, Nordeste, Centro-oeste, Sudeste e Sul); posse de plano privado de saúde (sim ou não) e quintil de renda domiciliar per capita [em cinco estratos: 1o (menor), 2o, 3o, 4o e 5o (maior)], e a renda mediana no 1o quintil foi de R$: 207,00 e no 5o quintil foi de R$ 1.572,00.

Análise

Foram estimadas as prevalências e seus intervalos de 95% de confiança (IC95%) para as variáveis socioeconômicas, demográficas e de saúde do estudo segundo a variável cor/raça, considerando o desenho amostral.

Diferenças na distribuição de frequência das variáveis socioeconômicas, demográficas e de saúde nas categorias de cor/raça foram estimadas pelo teste qui-quadrado de Pearson.

Foram construídos dois modelos finais de regressão para cada desfecho. Primeiro considerou-se a cor/raça em três categorias: branca, parda e preta. Posteriormente, testaram-se as associações pela união das categorias parda e preta (negros).

Para estimar as associações entre cor/raça e os desfechos autoavaliação do estado de saúde e incapacidade funcional, utilizaram-se análises de regressão logística ordinal, do tipo modelo de chances proporcionais, obtendo-se razões de chance (RC) e respectivos IC95% 2323  Abreu MNS, Siqueira AL, Caiaffa WT. Regressão logística ordinal em estudos epidemiológicos. Rev Saúde Pública 2009; 43:183-94.,2424  Moraes JR, Moreira JPL, Luiz RR. Efeito do plano amostral em modelo logístico ordinal: uma análise do estado de saúde autorreferido de adultos no Brasil usando a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2008. Cad Saúde Pública 2012; 28:913-24.. Para o número de condições crônicas, estimou-se a razão de prevalência (RP) e IC95% por meio de regressão de Poisson. Optou-se pelo modelo de regressão logística ordinal, do tipo modelo de chances proporcionais, em razão de esse modelo considerar a natureza policotômica ordinal do desfecho em estudo e indicar a probabilidade ou RC acumulada das categorias do desfecho ordinal diferindo entre si 2323  Abreu MNS, Siqueira AL, Caiaffa WT. Regressão logística ordinal em estudos epidemiológicos. Rev Saúde Pública 2009; 43:183-94.,2424  Moraes JR, Moreira JPL, Luiz RR. Efeito do plano amostral em modelo logístico ordinal: uma análise do estado de saúde autorreferido de adultos no Brasil usando a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2008. Cad Saúde Pública 2012; 28:913-24.. Já os modelos de regressão de Poisson têm sido empregados como boa alternativa para obter adequadas estimativas de RP, mesmo em estudos seccionais, quando o desfecho é frequente 2525  Barros AJ, Hirakata VN. Alternatives for logistic regression in cross-sectional studies: an empirical comparison of models that directly estimate the prevalence ratio. BMC Med Res Methodol 2003; 3:21.,2626  Coutinho LMS, Scazufca M, Menezes PR. Métodos para estimar razão de prevalência em estudos de corte transversal. Rev Saúde Pública 2008; 42:992-8..

As variáveis que se apresentaram associadas ao desfecho com valor de p < 0,20 foram selecionadas como potenciais confundidoras. Somente permaneceram no modelo multivariado final as variáveis com valor de p < 0,01.

Todas as análises foram feitas no software Stata versão 10.0 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos), utilizando-se o comando svy (com fatores de ponderação, estratos e unidades primárias de amostragem) que incorpora o efeito do desenho amostral complexo 2121  Silva PLN, Pessoa DGC, Lila MF. Análise estatística de dados da PNAD: incorporando a estrutura do plano amostral. Ciênc Saúde Coletiva 2002; 7:659-70. da PNAD 2008 nas análises realizadas. Utilizou-se o teste t de Wald para testar o ajuste dos modelos. Para o número de condições crônicas, estimou- se o coeficiente de determinação (pseudo R2). Para os outros desfechos, compararam-se os valores observados e os estimados para as categorias do desfecho, calculando-se o percentual de concordância.

Resultados

Entre os 18.684 idosos desta pesquisa, a idade mediana foi de 72 anos (68-77). Verificou-se que 56,2% (IC95%: 55,1-57,2) dos idosos se autodeclararam brancos, 36,3% (IC95%: 35,3-37,3) pardos e 7,5% (IC95%: 7,1-8,0) pretos. Entre todos os idosos analisados, 7,5% (IC95%: 7,0-8,0) autoavaliaram seu estado de saúde como muito bom, 74,4% (IC95%: 73,7-75,2) apresentavam pelo menos uma doença crônica e 14,9% (IC95%: 14,2-15,6) referiram incapacidade funcional.

Para os três grupos raciais investigados, todas as variáveis socioeconômicas, demográficas e de saúde apresentaram diferença estatisticamente significativa (p < 0,001), considerando-se o efeito do desenho (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição das características socioeconômicas, demográficas e de saúde de idosos brasileiros ≥ 65 anos (N = 18.684) que autodeclararam sua cor/raça. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 2008.

Mulheres predominaram nos três grupos raciais avaliados. Observou-se que 40,6% dos idosos pardos e 38,1% dos pretos eram idosos jovens (65-69 anos) e 17,1% dos brancos eram longevos (≥ 80 anos). Nenhum ano de escolaridade foi referido por 50,8% dos idosos pardos e por 50,6% dos idosos pretos. Apenas 7,4% dos idosos pardos e 7,2% dos pretos referiram ≥ 9 anos de estudo. Verificou-se que 27,9% dos idosos pardos, 25% dos pretos e 12,6% dos brancos pertenciam ao menor quintil de renda. Cerca de 30% dos idosos brancos estavam no maior quintil de renda, contra 10,2% nos pardos e 8,8% nos pretos. A proporção de idosos na zona rural do país foi maior entre os pardos (24,9%) e menor entre os brancos (14,5%). Quase 77% dos idosos brancos residiam nas regiões Sul e Sudeste, ao passo que 55% dos idosos pardos e 37% dos pretos viviam nas regiões Norte e Nordeste. A dependência exclusiva do Sistema Único de Saúde (SUS) foi de 85% nos idosos pretos, 83,8% nos pardos e 62,7% nos brancos (Tabela 1).

Neste estudo, a prevalência de autoavaliação do estado de saúde nos idosos brasileiros diferiu de modo estatisticamente significante nos grupos raciais analisados (p < 0,001). A prevalência de autoavaliação de saúde muito boa foi maior entre os brancos, e a ruim e muito ruim foi maior entre pardos e pretos (Tabela 1).

A prevalência da autoavaliação de saúde muito boa nos idosos brasileiros em 2008 também foi maior em mulheres, ativos economicamente, pessoa de referência no domicílio, com plano de saúde, moradores da zona urbana e das regiões Sul e Sudeste. Essa autoavaliação de saúde diminuiu com o aumento da idade e do número de moradores no domicílio, porém aumentou com o aumento da renda e da escolaridade (Tabela 2).

Tabela 2
Prevalência e razões de chances (RC) da autoavaliação de saúde muito boa, boa, regular, ruim e muito ruim entre idosos brasileiros ≥ 65 anos (N = 18.684) que autodeclararam sua cor/raça. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 2008.

Na análise bruta, idosos pardos e pretos tinham maior chance de autorreferirem pior estado de saúde. A chance de autorreferir pior estado de saúde foi 54% maior (RC = 1,54; IC95%: 1,44-1,64) nos pardos e 39% maior (RC = 1,39; IC95%: 1,24-1,57) nos pretos do que nos brancos. Após ajuste pelos fatores de confusão, as razões de chance foram atenuadas, no entanto a cor/raça parda permaneceu positivamente associada à chance de autoavaliar o estado de saúde em pior categoria. O idoso pardo apresentou chance de autorreferir pior estado de saúde 11% maior (RC = 1,11; IC95%: 1,03-1,18) do que os brancos (Tabela 2).

A prevalência de condições crônicas nos idosos brasileiros deste estudo diferiu significantemente nos grupos raciais avaliados (p < 0,001) (Tabela 1). A prevalência foi maior nos idosos pretos (78,6%; IC95%: 76,4-80,6) do que nos brancos (74,9%; IC95%: 73,9-76,0) e pardos (72,9%; IC95%: 71,6-74,0) (Tabela 3). Também foi maior em mulheres, inativos economicamente, com pior escolaridade, cônjuges, residentes da zona urbana, moradores das regiões Sul e Sudeste e com plano de saúde. A prevalência de doenças crônicas aumentou diretamente com a idade e renda domiciliar e diminuiu com o número de moradores no domicílio. Na análise bruta, a cor/raça preta não teve diferença significante (p = 0,266) e a parda foi protetora para o desfecho, com prevalência 8% (RP = 0,92; IC95%: 0,89-0,95) menor de doenças crônicas em relação aos brancos. Após ajuste pelas variáveis de confusão, idosos pretos passaram a apresentar prevalência 7% (RP = 1,07; IC95%: 1,02-1,13) maior de doenças crônicas em relação aos brancos (Tabela 3).

Tabela 3
Prevalência da presença de condições crônicas e razões de prevalências (RP) do número de condições crônicas entre idosos brasileiros ≥ 65 anos (N = 18.684) que autodeclararam sua cor/raça. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 2008.

As prevalências de incapacidade funcional entre idosos brasileiros diferiram significantemente segundo os grupos raciais estudados (p = 0,0175). A prevalência de alguma incapacidade funcional foi maior nos idosos pretos (17%) do que nos brancos (13,8%) e pardos (13,3%) (Tabela 1).

A prevalência do estado funcional preservado entre idosos brasileiros em 2008 também foi maior em homens, ativos economicamente, cônjuges, moradores da zona urbana, da Região Sudeste e com plano de saúde. A proporção de capacidade funcional preservada diminuiu com a escolaridade e com o aumento da idade, contudo aumentou com a renda domiciliar. Na análise bruta, a chance dos idosos avaliarem seu estado funcional nas categorias de declínio funcional associou-se positivamente à cor/raça preta (p < 0,001). A chance de declínio funcional foi 26% maior (RC = 1,26; IC95%: 1,07-1,47) nos idosos pretos do que nos brancos. Não houve diferença significante para os pardos em relação aos brancos (p = 0,741). Após ajuste pelas variáveis de confusão, a RC para a cor/raça preta se modificou e perdeu associação com a pior avaliação do estado funcional (RC = 0,97; IC95%: 0,82-1,15). O idoso pardo teve probabilidade 20% (RC = 0,80; IC95%: 0,73-0,89) menor de evoluir na escala de incapacidade funcional do que o branco (Tabela 4).

Tabela 4
Prevalência e razões de chances (RC) da perda da capacidade funcional e autonomia, nenhuma, alguma e total entre idosos brasileiros ≥ 65 anos (N = 18.684) que autodeclararam sua cor/raça. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 2008.

Ao se avaliar conjuntamente pretos e pardos (negros), observou-se perda da diferença estatisticamente significativa nas prevalências de incapacidade funcional entre brancos e negros (p = 0,612). Para os demais desfechos permaneceram o mesmo valor de p (< 0,001).

A análise bruta revelou que a chance do idoso negro autorreferir pior estado de saúde foi 51% maior (RC = 1,51; IC95%: 1,42-1,61) do que os brancos. Na análise ajustada, essa chance foi atenuada para 9% (RC = 1,09; IC95%: 1,02-1,16). Para o número de condições crônicas, a cor/raça negra apresentou efeito protetor, com prevalência 6% menor (RP = 0,94; IC95%: 0,91-0,97) do que nos brancos. Na análise ajustada, não houve associação estatisticamente significativa com o desfecho (p = 0,132). Para a incapacidade funcional, somente na análise ajustada verificou-se associação da cor/raça negra, sendo 17% menor a chance dos negros referirem declínio funcional em relação aos brancos (Tabela 5).

Tabela 5
Razões de chances (RC) da autoavaliação de saúde muito boa, boa, regular, ruim e muito ruim, razões de prevalências do número de condições crônicas e razões de chances da perda da capacidade funcional e autonomia, nenhuma, alguma e total entre idosos brasileiros ≥ 65 anos (N = 18.684) que autodeclararam sua cor/raça. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 2008.

Todos os modelos se mostraram bem ajustados (p < 0,001). Entretanto, para o número de condições crônicas, o modelo explicou 5,6% da variabilidade do desfecho quando se utilizou duas ou três categorias raciais. Para a autoavaliação do estado de saúde e incapacidade funcional, a concordância entre os valores observados e preditos foi em torno de 27,9% e 52,4%, respectivamente, independentemente de se considerar duas ou três categorias raciais.

Discussão

Os resultados dessa análise sugerem a presença de desigualdades raciais na saúde e nas condições socioeconômicas e demográficas dos idosos brasileiros ≥ 65 anos em 2008. Idosos pardos e pretos comparados aos idosos brancos predominam nos estratos de idade mais jovens (65-69 anos), de elevada dependência exclusiva do SUS, de menor escolaridade, de menor quintil de renda e nas áreas com piores indicadores sociais e de saúde do país.

Entre os idosos avaliados, há diferenças importantes nas estimativas de fatores de risco e proteção, revelando que o envelhecimento entre os pardos e pretos ocorre em contexto de significativas desigualdades. Essas desigualdades decorrem de direitos sociais negados ao longo dos ciclos de vida e que repercutem nas condições gerais de vida na terceira idade 5 Krieger N. A glossary for social epidemiology. J Epidemiol Community Health 2001; 55:693-700.,6 Clarke P, Smith J. Aging in a cultural context: cross-national differences in disability and the moderating role of personal control among older adults in the United States and England. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci 2011; 66:457-67..

Em outros países, as estimativas de idosos negros no pior status socioeconômico também são semelhantes às observadas neste estudo, indicando a sobreposição de idosos negros especialmente entre os pobres e de baixa escolaridade 6 Clarke P, Smith J. Aging in a cultural context: cross-national differences in disability and the moderating role of personal control among older adults in the United States and England. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci 2011; 66:457-67.,2727  Federal Interagency Forum on Aging-related Statistics. Older Americans 2010: key indicators of well-being. Washington DC: US Government Printing Office; 2010.,2828  Howard DH, Sentell T, Gazmararian JA. Impact of health literacy on socioeconomic and racial differences in health in an elderly population. J Gen Intern Med 2006; 21:857-61..

Neste trabalho, os idosos pardos e pretos apresentaram as piores estimativas dos indicadores de saúde investigados, tanto quando comparados aos idosos em geral da nossa pesquisa, quanto em relação aos estimados por Lima-Costa et al. 1414  Lima-Costa MF, Matos DL, Camargos VP, James M. Tendências em dez anos das condições de saúde de idosos brasileiros: evidências da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (1998, 2003, 2008). Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16:3689-96. para a totalidade da população brasileira, utilizando as PNAD de 1998, 2003 e 2008.

Verificou-se que a cor/raça apresentou associação positiva com indicadores amplamente utilizados em inquéritos de saúde no Brasil e no mundo para avaliar e monitorar a saúde de idosos 6 Clarke P, Smith J. Aging in a cultural context: cross-national differences in disability and the moderating role of personal control among older adults in the United States and England. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci 2011; 66:457-67.,1010  Spencer SM, Schulz R, Rooks RN, Albert SM, Thorpe Jr. RJ, Brenes GA, et al. Racial differences in self-rated health at similar levels of physical functioning: an examination of health pessimism in the health, aging, and body composition study. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci 2009; 64:87-94.,1414  Lima-Costa MF, Matos DL, Camargos VP, James M. Tendências em dez anos das condições de saúde de idosos brasileiros: evidências da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (1998, 2003, 2008). Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16:3689-96.,1515  Borim FSA, Barros MBA, Neri AL. Autoavaliação da saúde em idosos: pesquisa de base populacional no Município de Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2012; 28:769-80., em especial, entre os pardos na autoavaliação mais negativa do estado global de saúde e entre os pretos no maior número de condições crônicas. Para manutenção da capacidade funcional, a cor/raça parda mostrou-se como potencial fator protetor. Nos idosos pardos, a chance de autorreferir pior estado de saúde independe das diferenças nos fatores socioeconômicos e demográficos dos sujeitos avaliados. Após análise multivariada, a maior probabilidade de doenças crônicas nos idosos pretos sugere que o efeito da cor/raça preta é influenciado pelos fatores considerados no modelo.

Os efeitos da cor/raça na saúde da população idosa brasileira ainda apresentam divergências entre os estudos 9 Campos NOB. Os determinantes das condições de saúde dos idosos do município de São Paulo em uma perspectiva de ciclo de vida [Tese de Doutorado]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2009.,1515  Borim FSA, Barros MBA, Neri AL. Autoavaliação da saúde em idosos: pesquisa de base populacional no Município de Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2012; 28:769-80.,2929  Fuller-Thomson E, Nuru-Jeter A, Minkler M, Guralnik JM. Black-white disparities in disability among older Americans: further untangling the role of race and socioeconomic status. J Aging Health 2009; 21:677-98.. Alguns apontam que as desigualdades em saúde não podem ser atribuídas diretamente à cor/raça independentemente dos diferenciais socioeconômicos entre os indivíduos e contextos avaliados 3 Araújo EM, Costa MCN, Hogan VK, Araújo TM, Batista A, Oliveira LOA. The use of the race/color variable in public health: possibilities and limitations. Interface Comun Saúde Educ 2010; 5(n. spe):383-94.,1212  Chor D, Lima CRA. Aspectos epidemiológicos das desigualdades raciais em saúde no Brasil. Cad Saúde Pública 2005; 21:1586-94.,1313  Laguardia J. Raça e epidemiologia: as estratégias para construção de diferenças biológicas. Ciênc Saúde Coletiva 2007; 12:253-61.. Por outro lado, outros estudos apontam que essa variável influencia níveis variados de exposição a diferentes riscos individuais e contextuais sobre a saúde ao longo da vida 5 Krieger N. A glossary for social epidemiology. J Epidemiol Community Health 2001; 55:693-700.,1212  Chor D, Lima CRA. Aspectos epidemiológicos das desigualdades raciais em saúde no Brasil. Cad Saúde Pública 2005; 21:1586-94.. Assume papel de variável sociopolítica, que atua por mecanismos interativos e complexos de acordo com o contexto em que os indivíduos vivem 7 Zorzin PLG, Wajnman S, Turra CM. Previdência social e desigualdade racial no Brasil. Belo Horizonte: Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional de Minas Gerais, Universidade Federal de Minas Gerais; 2011.,1212  Chor D, Lima CRA. Aspectos epidemiológicos das desigualdades raciais em saúde no Brasil. Cad Saúde Pública 2005; 21:1586-94.. No entanto, independentemente do efeito direto dessa variável ou em conjunto com os fatores socioeconômicos, na avaliação dos indicadores de saúde considerados neste estudo, não se pode ignorar a relevância da cor/raça na produção de desigualdades na saúde dos idosos brasileiros investigados.

Nesta análise, a prevalência da autoavaliação muito boa ou boa de saúde foi 23,6% menor nos idosos pardos do que nos brancos. Em uma pesquisa de base populacional com 1.432 idosos residentes na cidade de Campinas, São Paulo, a prevalência da autoavaliação excelente ou muito boa nos idosos não brancos foi similar, 25,8% menor do que a encontrada nos brancos 1515  Borim FSA, Barros MBA, Neri AL. Autoavaliação da saúde em idosos: pesquisa de base populacional no Município de Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2012; 28:769-80..

Estudos em outros países também indicam associação da cor/raça com a pior autoavaliação de saúde nos idosos, independente dos fatores socioeconômicos e demográficos 1010  Spencer SM, Schulz R, Rooks RN, Albert SM, Thorpe Jr. RJ, Brenes GA, et al. Racial differences in self-rated health at similar levels of physical functioning: an examination of health pessimism in the health, aging, and body composition study. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci 2009; 64:87-94.,1717  Do DP, Finch BK, Basurto-Davila R, Bird C, Escarce J, Lurie N. Does place explain racial health disparities? Quantifying the contribution of residential context to the black/white health gap in the United States. Soc Sci Med 2008; 67:1258-68.. Todavia, nos estudos com idosos brasileiros, essa associação é questionada ou não é observada, após ajuste por variáveis socioeconômicas e de saúde 1515  Borim FSA, Barros MBA, Neri AL. Autoavaliação da saúde em idosos: pesquisa de base populacional no Município de Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2012; 28:769-80.,3030  Dachs JNW. Determinantes das desigualdades na autoavaliação do estado de saúde no Brasil: análise dos dados da PNAD/1998. Ciênc Saúde Coletiva 2002; 7:641-57.. Nesta pesquisa, verificou-se associação direta entre cor/raça e pior estado de saúde autorreferido. Após ajuste pelos fatores de confusão, a magnitude da associação foi reduzida, mas não eliminou o efeito estatisticamente significante entre os pardos. O idoso pardo tem 11% a mais de chance de autorreferir pior estado de saúde do que o idoso branco.

Uma pesquisa de base populacional com 1.940 idosos do Município de São Paulo, utilizando análise logística ordinal hierarquizada, também encontrou que negros e mulatos autorreferiram pior estado de saúde (RC = 1,27; p < 0,01) do que os brancos 9 Campos NOB. Os determinantes das condições de saúde dos idosos do município de São Paulo em uma perspectiva de ciclo de vida [Tese de Doutorado]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2009.. Em estudo transversal de base populacional realizado em Campinas, após ajuste por sexo e idade, os idosos não brancos apresentaram chance 29% menor de autoavaliarem seu estado de saúde como excelente ou muito bom, o que, semelhante aos nossos resultados, sugere que idosos não brancos avaliam a própria saúde mais negativamente 1515  Borim FSA, Barros MBA, Neri AL. Autoavaliação da saúde em idosos: pesquisa de base populacional no Município de Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2012; 28:769-80..

Uma possível explicação para esse resultado é que os negros têm variações culturais e psicossociais no modo como conceituam esse indicador de saúde, ou mesmo são mais pessimistas sobre a própria saúde do que os brancos 1010  Spencer SM, Schulz R, Rooks RN, Albert SM, Thorpe Jr. RJ, Brenes GA, et al. Racial differences in self-rated health at similar levels of physical functioning: an examination of health pessimism in the health, aging, and body composition study. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci 2009; 64:87-94.,2929  Fuller-Thomson E, Nuru-Jeter A, Minkler M, Guralnik JM. Black-white disparities in disability among older Americans: further untangling the role of race and socioeconomic status. J Aging Health 2009; 21:677-98.. Ao considerarem em sua avaliação as suas piores condições de vida social, experiências de privação material ou de racismo social ao longo da vida, tendem a percebe a própria saúde mais negativamente 7 Zorzin PLG, Wajnman S, Turra CM. Previdência social e desigualdade racial no Brasil. Belo Horizonte: Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional de Minas Gerais, Universidade Federal de Minas Gerais; 2011.,2727  Federal Interagency Forum on Aging-related Statistics. Older Americans 2010: key indicators of well-being. Washington DC: US Government Printing Office; 2010.. Ou seja, os efeitos diretos da raça sobre esse indicador podem decorrer indiretamente dos diferenciais socioeconômicos individuais e contextuais presentes nos negros 1010  Spencer SM, Schulz R, Rooks RN, Albert SM, Thorpe Jr. RJ, Brenes GA, et al. Racial differences in self-rated health at similar levels of physical functioning: an examination of health pessimism in the health, aging, and body composition study. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci 2009; 64:87-94.,2929  Fuller-Thomson E, Nuru-Jeter A, Minkler M, Guralnik JM. Black-white disparities in disability among older Americans: further untangling the role of race and socioeconomic status. J Aging Health 2009; 21:677-98..

Por outro lado, os estudos que não observam associação da cor/raça autorreferida e autoavaliação de saúde de idosos assumem que baixos níveis de renda e escolaridade determinam mais fortemente o estado de saúde do que valores culturais associados à raça 1515  Borim FSA, Barros MBA, Neri AL. Autoavaliação da saúde em idosos: pesquisa de base populacional no Município de Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2012; 28:769-80.,3030  Dachs JNW. Determinantes das desigualdades na autoavaliação do estado de saúde no Brasil: análise dos dados da PNAD/1998. Ciênc Saúde Coletiva 2002; 7:641-57.. Entre brasileiros com vinte anos ou mais, já se observou que tais fatores têm papel mais relevante no estado de saúde autorreferido do que a cor/raça não branca 3131  Pavão ALB, Werneck GL, Campos MR. Autoavaliação do estado de saúde e a associação com fatores sociodemográficos, hábitos de vida e morbidade na população: um inquérito nacional. Cad Saúde Pública 2013; 29:723-34.,3232  Moraes JR, Moreira JPL, Luiz RR. Associação entre o estado de saúde autorreferido de adultos e a área de localização do domicílio: uma análise de regressão logística ordinal usando a PNAD 2008. Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16:3769-80..

Tem-se amplamente reconhecido que em idosos a ocorrência de condições crônicas tornou-se mais comum 2727  Federal Interagency Forum on Aging-related Statistics. Older Americans 2010: key indicators of well-being. Washington DC: US Government Printing Office; 2010.,3333  Barros MBA, César CLG, Carandina L, Torre GD. Desigualdades sociais na prevalência de doenças crônicas no Brasil, PNAD-2003. Ciênc Saúde Coletiva 2006; 11:911-26.,3434  Barros MBA, Francisco PMSB, Zanchetta LM, Cesar CLG. Tendências das desigualdades sociais e demográficas na prevalência de doenças crônicas no Brasil, PNAD: 2003-2008. Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16:3755-68., aumentando a demanda por serviços médicos e sociais 2727  Federal Interagency Forum on Aging-related Statistics. Older Americans 2010: key indicators of well-being. Washington DC: US Government Printing Office; 2010.,3333  Barros MBA, César CLG, Carandina L, Torre GD. Desigualdades sociais na prevalência de doenças crônicas no Brasil, PNAD-2003. Ciênc Saúde Coletiva 2006; 11:911-26.,3434  Barros MBA, Francisco PMSB, Zanchetta LM, Cesar CLG. Tendências das desigualdades sociais e demográficas na prevalência de doenças crônicas no Brasil, PNAD: 2003-2008. Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16:3755-68.. Entre idosos brasileiros, a prevalência de pelo menos uma morbidade crônica também aumentou segundo variáveis socioeconômicas 3434  Barros MBA, Francisco PMSB, Zanchetta LM, Cesar CLG. Tendências das desigualdades sociais e demográficas na prevalência de doenças crônicas no Brasil, PNAD: 2003-2008. Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16:3755-68.,3535  Freitas LRS, Garcia LP. Evolução da prevalência do diabetes e deste associado à hipertensão arterial no Brasil: análise da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, 1998, 2003 e 2008. Epidemiol Serv Saúde 2012; 21:7-19.. Contudo, para os grupos raciais dessa população, tais prevalências ainda são desconhecidas. Neste estudo, verificou-se elevada prevalência de doenças crônicas nos três grupos raciais, mas a prevalência nos idosos pretos foi mais acentuada do que nos outros grupos (Tabela 3).

Em outros países, a variável cor/raça apresenta associação positiva e independente com o número de afecções crônicas entre idosos 2222  Travassos C, Williams DR. The concept and measurement of race and their relationship to public health: a review focused on Brazil and the United States. Cad Saúde Pública 2004; 20:660-78.,2727  Federal Interagency Forum on Aging-related Statistics. Older Americans 2010: key indicators of well-being. Washington DC: US Government Printing Office; 2010.. No Brasil, essa associação, além de ser questionada 3 Araújo EM, Costa MCN, Hogan VK, Araújo TM, Batista A, Oliveira LOA. The use of the race/color variable in public health: possibilities and limitations. Interface Comun Saúde Educ 2010; 5(n. spe):383-94.,1313  Laguardia J. Raça e epidemiologia: as estratégias para construção de diferenças biológicas. Ciênc Saúde Coletiva 2007; 12:253-61., ainda não é conhecida com os dados da PNAD. Nosso estudo revela que o idoso preto apresenta maior número de morbidades crônicas, mesmo após ajuste pelos fatores de confusão. Outros estudos brasileiros também têm verificado diferenças raciais na presença de comorbidades crônicas e estimativas ajustadas de magnitude semelhante para cor/raça preta na população adulta das PNAD 2003 3333  Barros MBA, César CLG, Carandina L, Torre GD. Desigualdades sociais na prevalência de doenças crônicas no Brasil, PNAD-2003. Ciênc Saúde Coletiva 2006; 11:911-26. (RP = 1,04; IC95%: 1,01-1,07) e 2008 3434  Barros MBA, Francisco PMSB, Zanchetta LM, Cesar CLG. Tendências das desigualdades sociais e demográficas na prevalência de doenças crônicas no Brasil, PNAD: 2003-2008. Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16:3755-68. (RP = 1,06; IC95%: 1,05-1,08).

Estudos atribuem esse fato à desigual exposição a fatores de risco entre os grupos raciais ao longo dos ciclos de vida 6 Clarke P, Smith J. Aging in a cultural context: cross-national differences in disability and the moderating role of personal control among older adults in the United States and England. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci 2011; 66:457-67.,7 Zorzin PLG, Wajnman S, Turra CM. Previdência social e desigualdade racial no Brasil. Belo Horizonte: Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional de Minas Gerais, Universidade Federal de Minas Gerais; 2011. em que as características individuais e contextuais influenciam a adoção de comportamentos saudáveis ou prejudiciais à saúde 3636  Dubowitz T, Heron M, Basurto-Davila R, Bird CE, Lurie N, Escarce JJ. Racial/ethnic differences in US health behaviors: a decomposition analysis. Am J Health Behav 2011; 35:290-304.. Esses fatores variam entre os grupos raciais e favorecem a ocorrência de diferenças raciais nas estimativas de doenças crônicas 2727  Federal Interagency Forum on Aging-related Statistics. Older Americans 2010: key indicators of well-being. Washington DC: US Government Printing Office; 2010.,3636  Dubowitz T, Heron M, Basurto-Davila R, Bird CE, Lurie N, Escarce JJ. Racial/ethnic differences in US health behaviors: a decomposition analysis. Am J Health Behav 2011; 35:290-304.. Assim, é possível que o indivíduo preto apresente maior número de condições crônicas quando idoso por conta de essa condição estar associada aos grupos sociais mais vulneráveis 9 Campos NOB. Os determinantes das condições de saúde dos idosos do município de São Paulo em uma perspectiva de ciclo de vida [Tese de Doutorado]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2009.,2727  Federal Interagency Forum on Aging-related Statistics. Older Americans 2010: key indicators of well-being. Washington DC: US Government Printing Office; 2010.,3333  Barros MBA, César CLG, Carandina L, Torre GD. Desigualdades sociais na prevalência de doenças crônicas no Brasil, PNAD-2003. Ciênc Saúde Coletiva 2006; 11:911-26.,3434  Barros MBA, Francisco PMSB, Zanchetta LM, Cesar CLG. Tendências das desigualdades sociais e demográficas na prevalência de doenças crônicas no Brasil, PNAD: 2003-2008. Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16:3755-68.,3535  Freitas LRS, Garcia LP. Evolução da prevalência do diabetes e deste associado à hipertensão arterial no Brasil: análise da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, 1998, 2003 e 2008. Epidemiol Serv Saúde 2012; 21:7-19.,3636  Dubowitz T, Heron M, Basurto-Davila R, Bird CE, Lurie N, Escarce JJ. Racial/ethnic differences in US health behaviors: a decomposition analysis. Am J Health Behav 2011; 35:290-304..

Semelhante a outros estudos, esta pesquisa avalia a incapacidade funcional de idosos pela atividade da vida diária 6 Clarke P, Smith J. Aging in a cultural context: cross-national differences in disability and the moderating role of personal control among older adults in the United States and England. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci 2011; 66:457-67.,9 Campos NOB. Os determinantes das condições de saúde dos idosos do município de São Paulo em uma perspectiva de ciclo de vida [Tese de Doutorado]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2009.,2929  Fuller-Thomson E, Nuru-Jeter A, Minkler M, Guralnik JM. Black-white disparities in disability among older Americans: further untangling the role of race and socioeconomic status. J Aging Health 2009; 21:677-98.,3737  Camargos MCS, Machado CJ, Rodrigues RN. Life expectancy among elderly Brazilians in 2003 according to different levels of functional disability. Cad Saúde Pública 2008; 24:845-52.. Em alguns estudos, o papel explicativo da cor/raça sobre o declínio funcional de idosos é controverso. Nos Estados Unidos, a raça explica o declínio funcional de idosos, mesmo após ajuste pelas variáveis socioeconômicas 2929  Fuller-Thomson E, Nuru-Jeter A, Minkler M, Guralnik JM. Black-white disparities in disability among older Americans: further untangling the role of race and socioeconomic status. J Aging Health 2009; 21:677-98.,3838  Dunlop DD, Song J, Manheim LM, Daviglus ML, Chang RW. Racial/ethnic differences in the development of disability among older adults. Am J Public Health 2007; 97:2209-15.. Porém, na Inglaterra e no Brasil essa associação ainda não foi observada 6 Clarke P, Smith J. Aging in a cultural context: cross-national differences in disability and the moderating role of personal control among older adults in the United States and England. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci 2011; 66:457-67.,9 Campos NOB. Os determinantes das condições de saúde dos idosos do município de São Paulo em uma perspectiva de ciclo de vida [Tese de Doutorado]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2009.,1616  Alves LC, Leite IC, Machado CJ. Fatores associados à incapacidade funcional dos idosos no Brasil: análise multinível. Rev Saúde Pública 2010; 44:468-78.. Nossos achados concordam com os trabalhos que indicam o efeito protetor da cor/raça parda e preta para a manutenção do estado funcional de idosos. Entre esses, destacam-se o estudo com idosos da cidade de São Paulo, em que negros e mulatos tiveram chance 26% menor de referir declínio funcional 9 Campos NOB. Os determinantes das condições de saúde dos idosos do município de São Paulo em uma perspectiva de ciclo de vida [Tese de Doutorado]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2009.; o estudo com a PNAD (2003), em que idosos pretos e pardos tiveram menor chance (0,28, 0,18 a 0,07) de evoluírem nos três níveis de incapacidade 1616  Alves LC, Leite IC, Machado CJ. Fatores associados à incapacidade funcional dos idosos no Brasil: análise multinível. Rev Saúde Pública 2010; 44:468-78. e o estudo com idosos ingleses não brancos que tiveram chance 36% menor de terem limitações funcionais 6 Clarke P, Smith J. Aging in a cultural context: cross-national differences in disability and the moderating role of personal control among older adults in the United States and England. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci 2011; 66:457-67..

Segundo alguns autores, a associação da cor/raça com o declínio funcional não ocorrer na direção esperada deve-se à menor expectativa de vida entre os indivíduos pretos e pardos com piores níveis socioeconômicos 1111  Thorpe Jr. RJ, Koster A, Kritchevsky SB, Newman AB, Harris T, Ayonayon HN, et al. Race, socioeconomic resources, and late-life mobility and decline: findings from the Health, Aging, and Body Composition study. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2011; 66:1114-23.,3939  Bharmal N, Tseng CH, Kaplan R, Wong MD. State-level variations in racial disparities in life expectancy. Health Serv Res 2012; 47:544-55.,4040  Chang CF, Nocetti D, Rubin RM. Healthy life expectancy for selected race and gender subgroups: the case of Tennessee. South Med J 2005; 98:977-84.. Isso leva o grupo atual de idosos negros a ter menor chance de declínio funcional devido à desigual sobrevivência entre os grupos raciais avaliados. Esse fenômeno também foi demonstrado em um estudo longitudinal de base populacional com 2.969 idosos dos Estados Unidos 1111  Thorpe Jr. RJ, Koster A, Kritchevsky SB, Newman AB, Harris T, Ayonayon HN, et al. Race, socioeconomic resources, and late-life mobility and decline: findings from the Health, Aging, and Body Composition study. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2011; 66:1114-23.. Os autores atribuíram ao viés de sobrevivência a perda da associação da raça com o declínio funcional após ajuste pelos fatores socioeconômicos em ambos os sexos 1111  Thorpe Jr. RJ, Koster A, Kritchevsky SB, Newman AB, Harris T, Ayonayon HN, et al. Race, socioeconomic resources, and late-life mobility and decline: findings from the Health, Aging, and Body Composition study. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2011; 66:1114-23..

No Brasil, o padrão de classificação racial combina aspectos fenótipos e socioeconômicos 2222  Travassos C, Williams DR. The concept and measurement of race and their relationship to public health: a review focused on Brazil and the United States. Cad Saúde Pública 2004; 20:660-78.,4141  Maio MC, Monteiro S, Chor D, Faerstein E, Lopes CS. Cor/raça no Estudo Pró-Saúde: resultados comparativos de dois métodos de autoclassificação no Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública 2005; 21:171-80.. Estudos reconhecem que as categorias raciais não são homogêneas, que indivíduos nem sempre pertencem aos grupos raciais de modo definitivo 4141  Maio MC, Monteiro S, Chor D, Faerstein E, Lopes CS. Cor/raça no Estudo Pró-Saúde: resultados comparativos de dois métodos de autoclassificação no Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública 2005; 21:171-80. e que há divergências no sistema classificatório proposto pelo IBGE e pelo movimento negro brasileiro 3 Araújo EM, Costa MCN, Hogan VK, Araújo TM, Batista A, Oliveira LOA. The use of the race/color variable in public health: possibilities and limitations. Interface Comun Saúde Educ 2010; 5(n. spe):383-94.,2222  Travassos C, Williams DR. The concept and measurement of race and their relationship to public health: a review focused on Brazil and the United States. Cad Saúde Pública 2004; 20:660-78.,4242  Muniz JO. Sobre o uso da variável raça-cor em estudos quantitativos. Revista de Sociologia e Política 2010; 36:277-91.. A divergência é gerada pela presença dos pardos, que podem pertencer tanto ao grupo dos brancos quanto ao dos pretos. Essa instabilidade racial é uma das limitações da autoclassificação racial em nosso país 3 Araújo EM, Costa MCN, Hogan VK, Araújo TM, Batista A, Oliveira LOA. The use of the race/color variable in public health: possibilities and limitations. Interface Comun Saúde Educ 2010; 5(n. spe):383-94.,4242  Muniz JO. Sobre o uso da variável raça-cor em estudos quantitativos. Revista de Sociologia e Política 2010; 36:277-91.. O movimento negro brasileiro reivindica a inclusão de pardos e pretos na categoria negra. Embora a classificação binária tenha se tornado amplamente aceita pela mídia, não é unânime entre formuladores de políticas públicas, acadêmicos e pesquisadores 3 Araújo EM, Costa MCN, Hogan VK, Araújo TM, Batista A, Oliveira LOA. The use of the race/color variable in public health: possibilities and limitations. Interface Comun Saúde Educ 2010; 5(n. spe):383-94.,2222  Travassos C, Williams DR. The concept and measurement of race and their relationship to public health: a review focused on Brazil and the United States. Cad Saúde Pública 2004; 20:660-78.,4242  Muniz JO. Sobre o uso da variável raça-cor em estudos quantitativos. Revista de Sociologia e Política 2010; 36:277-91..

Nesta pesquisa, observou-se que na análise ajustada, quando se avaliou conjuntamente pretos e pardos, a cor/raça negra permaneceu associada à autorreferência de pior estado de saúde e à manutenção do estado funcional, mas com magnitudes de associação menores do que as encontradas para os pardos nos dois desfechos de saúde. Todavia, para o número de condições crônicas não se manteve a associação positiva da cor/raça negra com esse desfecho, previamente observada nos pretos. Assim, a avaliação dicotômica parece não modificar a análise das características de saúde diferenciadas entre idosos brancos, pardos e pretos, mas parece induzir à ausência de claras distinções entre vários grupos raciais de idosos brasileiros ou mesmo encobrir desigualdades operadas e criadas entre esses grupos 2222  Travassos C, Williams DR. The concept and measurement of race and their relationship to public health: a review focused on Brazil and the United States. Cad Saúde Pública 2004; 20:660-78.,4242  Muniz JO. Sobre o uso da variável raça-cor em estudos quantitativos. Revista de Sociologia e Política 2010; 36:277-91..

Dentre as limitações desse estudo, destaca- se o intrínseco delineamento transversal, que impossibilita verificar temporalidade e a direção das associações observadas com algumas das variáveis socioeconômicas e demográficas incluídas nos modelos. Para o estudo da associação entre os desfechos avaliados e cor/raça, no entanto, o corte transversal não altera a validade da pesquisa, já que a classificação racial permanece mais estável ao longo da vida.

Deve-se ressaltar que, na análise dos dados da PNAD, é possível a ocorrência de viés de prevalência e de sobrevivência, uma vez que idosos de pior status socioeconômico apresentam menor sobrevida 9 Campos NOB. Os determinantes das condições de saúde dos idosos do município de São Paulo em uma perspectiva de ciclo de vida [Tese de Doutorado]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2009.,1111  Thorpe Jr. RJ, Koster A, Kritchevsky SB, Newman AB, Harris T, Ayonayon HN, et al. Race, socioeconomic resources, and late-life mobility and decline: findings from the Health, Aging, and Body Composition study. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2011; 66:1114-23.,3535  Freitas LRS, Garcia LP. Evolução da prevalência do diabetes e deste associado à hipertensão arterial no Brasil: análise da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, 1998, 2003 e 2008. Epidemiol Serv Saúde 2012; 21:7-19.,3939  Bharmal N, Tseng CH, Kaplan R, Wong MD. State-level variations in racial disparities in life expectancy. Health Serv Res 2012; 47:544-55.,4040  Chang CF, Nocetti D, Rubin RM. Healthy life expectancy for selected race and gender subgroups: the case of Tennessee. South Med J 2005; 98:977-84.. Isso levaria a viés de seleção dos idosos que compõem os grupos raciais mais vulneráveis. Outra limitação seria a influência do tamanho amostral desta pesquisa, o que tornou diferenças entre as estimativas, muitas vezes mínimas, em estatisticamente significante, e exige que esses diferenciais raciais sejam avaliados por sua relevância e significado sociopolítico da questão racial no contexto brasileiro 1313  Laguardia J. Raça e epidemiologia: as estratégias para construção de diferenças biológicas. Ciênc Saúde Coletiva 2007; 12:253-61.,2222  Travassos C, Williams DR. The concept and measurement of race and their relationship to public health: a review focused on Brazil and the United States. Cad Saúde Pública 2004; 20:660-78..

Para alguns autores, as associações significantes estimadas neste estudo podem decorrer de um confudidor não mensurado nos modelos 3 Araújo EM, Costa MCN, Hogan VK, Araújo TM, Batista A, Oliveira LOA. The use of the race/color variable in public health: possibilities and limitations. Interface Comun Saúde Educ 2010; 5(n. spe):383-94.,1313  Laguardia J. Raça e epidemiologia: as estratégias para construção de diferenças biológicas. Ciênc Saúde Coletiva 2007; 12:253-61. e que a associação observada entre as categorias raciais e os desfechos de saúde parece estar influenciada pelas limitações existentes nos termos, conceitos e métodos, recorrentemente citadas como capazes de fragilizar e subestimar os resultados dos estudos com foco racial 3 Araújo EM, Costa MCN, Hogan VK, Araújo TM, Batista A, Oliveira LOA. The use of the race/color variable in public health: possibilities and limitations. Interface Comun Saúde Educ 2010; 5(n. spe):383-94.,1212  Chor D, Lima CRA. Aspectos epidemiológicos das desigualdades raciais em saúde no Brasil. Cad Saúde Pública 2005; 21:1586-94.,1313  Laguardia J. Raça e epidemiologia: as estratégias para construção de diferenças biológicas. Ciênc Saúde Coletiva 2007; 12:253-61..

Entretanto, essas limitações não devem desestimular a reflexão sobre as desigualdades raciais em saúde, pois os resultados deste estudo foram obtidos por uma amostra representativa e probabilística da população idosa de todas as regiões do Brasil. Essa amostra é suficiente para permitir estimativas de boa precisão para tal população 1414  Lima-Costa MF, Matos DL, Camargos VP, James M. Tendências em dez anos das condições de saúde de idosos brasileiros: evidências da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (1998, 2003, 2008). Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16:3689-96.. Neste trabalho, só foram incluídos idosos que autorreferiram sua cor/raça nas categorias recomendadas pelo IBGE 1 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico 2010: características da população e dos domicílios, resultados do universo. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2011., reduzindo a influência de viés de informação na classificação das categorias raciais.

Ademais, deve-se considerar que a análise estatística dos desfechos foi ajustada pelos principais fatores comumente associados aos indicadores de saúde de idosos, utilizando nível de significância mais restrito (α = 0,01), a fim de obter estimativas de maior precisão. Apesar desses cuidados, as estimativas de ajuste dos modelos indicaram que as variáveis estudadas explicam pouco a variação de cada desfecho, sugerindo que outros fatores devam ser considerados na explicação dos desfechos investigados.

Destaca-se a relevância do uso simultâneo de medidas objetivas e subjetivas de saúde nesta pesquisa. Essas medidas sugerem impactos variados da cor/raça sobre as três dimensões de saúde avaliadas, revelando que o efeito dessa variável sobre uma dimensão pode não se refletir necessariamente em outra 1414  Lima-Costa MF, Matos DL, Camargos VP, James M. Tendências em dez anos das condições de saúde de idosos brasileiros: evidências da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (1998, 2003, 2008). Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16:3689-96..

Portanto, os resultados sugerem a presença de desigualdades raciais na saúde e nas condições gerais de vida de idosos brasileiros. Indicam que os idosos pretos e pardos formam um grupo vulnerável e vivenciam o envelhecimento em sobreposição de riscos. A despeito das controvérsias sobre a questão racial no Brasil, a variável cor/raça explicou parcialmente a saúde dos idosos. Entretanto, outras desigualdades socioeconômicas – relacionadas à escolaridade, atividade econômica e renda – tiveram efeito mais importante na saúde dos idosos avaliados. Mesmo assim, essas desigualdades raciais se revelam um desafio para sistemas de saúde baseados em princípios de equidade e inseridos em contexto de rápida transição demográfica e epidemiológica, estimulando-se o uso dessa variável nas análises de saúde de idosos brasileiros.

Agradecimentos

A Luana Giatti pelo auxílio no manejo e uso do banco de dados da PNAD 2008. Aos professores Antônio Augusto, Alcione dos Santos e Luís Eduardo pela revisão crítica e sugestões ao manuscrito original.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul 2014

Histórico

  • Recebido
    21 Mar 2013
  • Revisado
    06 Dez 2013
  • Aceito
    12 Dez 2013
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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