Impacto da atualização de profissionais de saúde sobre as práticas de amamentação e alimentação complementar

The impact of health workers’ training on breastfeeding and complementary feeding practices

Impacto de la formación de los profesionales de la salud en la práctica de la lactancia materna y la alimentación complementaria

Márcia Regina Vítolo Maria Laura Louzada Fernanda Rauber Patrícia Grechi Cíntia Mendes Gama Sobre os autores

Resumos

O objetivo foi avaliar o impacto da atualização de profissionais de saúde em relação aos Dez Passos da Alimentação Saudável para Crianças Menores de Dois Anos sobre as práticas alimentares no primeiro ano de vida. Participaram do estudo unidades básicas de saúde (UBS) do Município de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, randomizadas em controle (n = 11) e intervenção (n = 9). Unidades de saúde que possuem serviço de saúde comunitária como Estratégia Saúde da Família (ESF) foram incluídas como um cluster de intervenção (n = 12). As práticas alimentares das crianças incluídas no estudo foram avaliadas quando elas tinham 6 (n = 918) e 12 meses (n = 799) de idade. Os resultados mostraram que o tempo médio de duração do aleitamento materno exclusivo foi significativamente maior nos dois grupos que receberam a intervenção (2,56 ± 1,91 mês nas US-ESF e 2,32 ± 1,63 mês nas UBS-intervenção) comparados às UBS-controle (1,91 ± 1,60 meses). Houve impacto positivo na qualidade da alimentação complementar das crianças atendidas nos serviços de saúde que participaram da intervenção, especialmente naqueles com ESF.

Aleitamento Materno; Serviços de Saúde da Criança; Estudos de Intervenção


This study aimed to evaluate the impact on feeding practices for infants (< 1 year of age) resulting from update training for health workers in the Ten Steps to Healthy Feeding of Children Under Two. Health Care Centers (HCC) in Porto Alegre, Rio Grande do Sul State, Brazil, were randomized into a control group (n = 11) and an intervention group (n = 9). Health centers organized according to Brazil’s Family Health Program (FHP) were included as an intervention cluster (n = 12). Infant feeding practices were evaluated at the health centers at 6 months (n = 918) and again at 12 months of age (n = 799). The results showed that mean duration of exclusive breastfeeding was significantly longer in the two groups that received the intervention (2.56 ± 1.91 months in the FHP intervention and 2.32 ± 1.63 months in the HCC intervention) compared to the HCC control group (1.91 ± 1.60 months). There was a positive impact on the quality of complementary feeding of infants treated at the health centers that participated in the intervention, especially those with the FHP.

Breast Feeding; Child Health Services; Intervention Studies


El objetivo fue evaluar el impacto de la actualización de los profesionales de la salud, en relación con los diez pasos de la alimentación saludable en niños con menos de dos años, dentro de las prácticas de alimentación durante el primer año de vida. Participaron en el estudio las unidades básicas de salud (UBS) de Porto Alegre, Río Grande do Sul, Brasil, distribuidas aleatoriamente en control (n = 11) e intervención (n = 9). Las unidades de salud con Estrategia de Salud de la Familia (ESF) fueron incluidas como un clúster de intervención (n = 12). Las prácticas alimentarias de los niños, cuyo seguimiento se realizó en los servicios de salud fueron evaluadas a los seis meses (n = 918) y, luego, a los 12 meses (n = 799). Los resultados mostraron que el tiempo medio de duración de la lactancia materna exclusiva fue considerablemente mayor en los dos grupos que recibieron la intervención (2,56 ± 1,91 meses en las US-ESF; 2,32 ± 1,63 meses en las UBS-intervención), comparados con las UBS-control (1,91 ± 1,60 meses). Hubo un impacto positivo en la calidad de la alimentación complementaria de los niños atendidos en los servicios de salud que participaron en la intervención, especialmente, en aquellos con ESF.

Lactancia Materna; Servicios de Salud del Niño; Estudios de Intervención


Introdução

O aleitamento materno e a alimentação complementar saudável, baseada na adequada introdução de alimentos considerando a consistência, a qualidade e a quantidade adequadas e no consumo diário de frutas, verduras e legumes, constituem-se práticas alimentares essenciais para a promoção da saúde em crianças menores de dois anos 1. World Health Organization. Global nutrition policy review: what does it take to scale up nutrition action? Geneva: World Health Organization; 2013.,2. Departamento de Atenção Básica, Ministério da Saúde. Estratégia amamenta e alimenta Brasil. http://dab.saude.gov.br/portaldab/amamenta (acessado em 20/Out/2013).
http://dab.saude.gov.br/portaldab/amamen...
, e há evidências de que os efeitos dos benefícios dessas práticas se estendem até a vida adulta 3. Plagemann A, Harder T. Breast feeding and the risk of obesity and related metabolic diseases in the child. Metab Syndr Relat Disord 2005; 3:222-32.,4. Horta BL, Bahl R, Martinez JC, Victora CG. Evidence on the long-term effects of breastfeeding: systematic review and meta-analyses. Geneva: World Health Organization; 2007.,5. Lanigan J, Singhal A. Early nutrition and long-term health: a practical approach. Proc Nutr Soc 2009; 68:422-9.,6. Fall CH, Borja JB, Osmond C, Richter L, Bhargava SK, Martorell R, et al. Infant-feeding patterns and cardiovascular risk factors in young adulthood: data from five cohorts in low- and middle-income countries. Int J Epidemiol 2001; 40:47-62..

Embora os resultados mostrem melhora significativa da situação de amamentação na última década 7. Caminha MFC, Batista Filho M, Serva VB, Arruda IKG, Figueiroa JN, Lira PIC. Tendências temporais e fatores associados à duração do aleitamento materno em Pernambuco. Rev Saúde Pública 2010; 44:240-8.,8. Venâncio SI, Escuder MML, Saldiva SRDM, Giugliani ERJ. A prática do aleitamento materno nas capitais brasileiras e Distrito Federal: situação atual e avanços. J Pediatr (Rio J.) 2010; 86:317-24.,9. Victora CG, Matijasevich A, Santos IS, Barros AJ, Horta BL, Barros FC. Breastfeeding and feeding patterns in three birth cohorts in Southern Brazil: trends and differentials. Cad Saúde Pública 2008; 24 Suppl 3:S409-16., é necessário promover o aleitamento materno exclusivo e maior duração do aleitamento materno por meio de estratégias e ações vinculadas ao âmbito da atenção primária à saúde. Em relação à alimentação complementar, estudos, em nosso meio, em diferentes regiões do país, observaram que a alimentação complementar é de baixa qualidade, além de apresentar consumo frequente de leite de vaca, farinhas, achocolatados, açúcar, salgadinhos, refrigerantes e doces, entre crianças menores de dois anos 1010 . Caetano MC, Ortiz TT, da Silva SG, de Souza FI, Sarni RO. Complementary feeding: inappropriate practices in infants. J Pediatr (Rio J.) 2010; 86:196-201.,1111 . Garcia MT, Granado FS, Cardoso MA. Alimentação complementar e estado nutricional de crianças menores de dois anos atendidas no Programa Saúde da Família em Acrelândia, Acre, Amazônia Ocidental Brasileira. Cad Saúde Pública 2011; 27:305-16.,1212 . Oliveira LPM, Assis AM, Pinheiro SM, Prado MS, Barreto ML. Alimentação complementar nos primeiros dois anos de vida. Rev Nutr 2005; 18:459-69.,1313 . Sousa FGM, Araújo TL. Padrão alimentar de crianças de 6 a 24 meses em área rural do Maranhão. Acta Paul Enferm 2005; 18:172-7.,1414 . Modesto SP, Devincenzi MU, Sigulem DM. Práticas alimentares e estado nutricional de crianças no segundo semestre de vida atendidas na rede pública de saúde. Rev Nutr 2007; 20:405-15.,1515 . Arantes CIS, Oliveira MM, Vieira TCR, Beijo LA, Gradim CVV, Goyatá LT. Aleitamento materno e práticas alimentares de crianças menores de seis meses em Alfenas, Minas Gerais. Rev Nutr 2011; 24:421-9.,1616 . Toloni MHA, Longo-Silva G, Goulart RMM, Taddei JAA. Introdução de alimentos industrializados e de alimentos de uso tradicional na dieta de crianças de creches públicas no município de São Paulo. Rev Nutr 2011; 24:61-70.. Dados nacionais obtidos pela última Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde mostram que além da elevada frequência de crianças que consumiam alimentos de baixo valor nutricional, foi demonstrada também baixa frequência de crianças consumindo diariamente frutas, verduras e carnes 1717 . Bortolini GA, Gubert MB, Santos LPM. Consumo alimentar entre crianças brasileiras com idade de 6 a 59 meses. Cad Saúde Pública 2012; 28:1759-71.. Essa situação desfavorável em relação às práticas alimentares nos primeiros anos de vida também foi relatada recentemente nos Estados Unidos, pelo Feeding Infants and Toddlers Study (FIT) 1818 . Siega-Riz AM, Deming DM, Reidy KC, Fox MK, Condon E, Briefel RR. Food consumption patterns of infants and toddlers: where are we now? J Am Diet Assoc 2010; 110(12 Suppl):S38-51..

Entretanto, no Brasil, há poucos estudos que investigaram o impacto de estratégias de intervenção nas práticas alimentares no primeiro ano de vida, além de diferirem quanto às estratégias e modelos aplicados 1919 . Barros FC, Halpern R, Victora CG, Teixeira AM, Béria JU. Promoção da amamentação em localidade urbana da Região Sul do Brasil: estudo de intervenção randomizado. Rev Saúde Pública 1994; 28:277-83.,2020 . Santos I, Victora CG, Martines J, Gonçalves H, Gigante DP, Valle NJ, et al. Nutrition counseling increases weight gain among Brazilian children. J Nutr 2001; 131:2866-73.,2121 . Vítolo MR, Bortolini GA, Feldens CA, Drachler ML. Impactos da implementação dos dez passos da alimentação saudável para crianças: ensaio de campo randomizado. Cad Saúde Pública 2005; 21:1448-57.,2222 . Coutinho SB, Lira PIC, Lima MC, Ashworth A. Comparison of the effect of two systems for the promotion of exclusive breastfeeding. Lancet 2005; 366:1094-100.,2323 . Coutinho SB, Lira PI, Lima MC, Frias PG, Eickmann SH, Ashworth A. Promotion of exclusive breast-feeding at scale within routine health services: impact of breast-feeding counselling training for community health workers in Recife, Brazil. Public Health Nutr 2013; 11:1-8.. Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi avaliar o impacto da atualização de profissionais de unidades de saúde em relação aos Dez Passos da Alimentação Saudável para Crianças Menores de Dois Anos, diretrizes alimentares do Ministério da Saúde 2424 . Ministério da Saúde. Dez passos para uma alimentação saudável: guia alimentar para menores de dois anos. Brasília: Ministério da Saúde; 2002. sobre as práticas alimentares de crianças no primeiro ano de vida.

Métodos

Estudo iniciado no ano de 2006 e realizado no Município de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, que possui população estimada de 1.436.123 habitantes. As unidades básica de saúde (UBS) da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre que possuem serviços convencionais (sem agentes de saúde na equipe) foram alocadas aleatoriamente em grupos intervenção e controle. Paralelamente, foram incluídos como um cluster de intervenção os centros do Grupo Hospitalar Conceição, que possuem serviço de saúde comunitária como a Estratégia Saúde da Família (ESF). Assim, participaram do estudo 20 UBS e 12 unidades de saúde com ESF (US-ESF) e os desfechos foram avaliados em mães e crianças usuárias dos seus serviços.

O cálculo da amostra foi realizado tendo o objetivo principal do estudo maior (aumento da duração do aleitamento materno exclusivo no grupo UBS-intervenção em relação às UBS- controle) e considerou frequência de aleitamento materno exclusivo até os quatro meses de 40% no grupo intervenção e de 25% no grupo controle 2121 . Vítolo MR, Bortolini GA, Feldens CA, Drachler ML. Impactos da implementação dos dez passos da alimentação saudável para crianças: ensaio de campo randomizado. Cad Saúde Pública 2005; 21:1448-57., poder de 90%, nível de 95% de confiança e coeficiente de correlação de cluster de 1,5, o que determinou a avaliação de 300 pares de mãe-bebê em cada grupo. Levando em conta uma previsão de perdas de 20%, estimou-se o recrutamento de 720 indivíduos para que o número amostral fosse atingido.

Recrutamento e definição dos grupos

As UBS que apresentaram mais de 100 atendimentos de crianças menores de um ano de idade no ano de 2006 e que não mantinham convênios com outras instituições de saúde ou empresas foram selecionadas para participar do estudo. As UBS do município com ESF foram excluídas por ainda não estarem completamente estruturadas. Considerando o número de atendimento de cada unidade, estimou-se que 16 UBS seriam necessárias para atingir o número amostral requerido (n = 720) em um período de até seis meses de recrutamento. Das 56 UBS da cidade, 31 foram consideradas elegíveis para participar do estudo. Os nomes das UBS elegíveis foram inseridos em um envelope preto e, para cada uma das oito gerências distritais de saúde do município, foram sorteadas duas UBS, uma para o grupo intervenção e a outra para o grupo controle. Após o início do recrutamento dos indivíduos da amostra, quatro UBS adicionais foram selecionadas e alocadas aleatoriamente para os dois grupos com o objetivo de atingir o número amostral inicialmente previsto (n = 720). Vinte UBS, sendo nove do grupo intervenção (UBS-intervenção) e 11 do grupo controle (UBS-controle), participaram do estudo.

Em relação às US-ESF, foram selecionadas todas aquelas unidades que integram o Grupo Hospitalar Conceição. O estudo foi inicialmente planejado para randomizar as US-ESF nos grupos intervenção e controle. Entretanto, todas as 12 unidades receberam a intervenção por causa da ocorrência semanal de reuniões entre os coordenadores de equipes para planejamento de formação continuada dos profissionais.

O estudo contou, portanto, com três grupos: UBS-controle, UBS-intervenção e US-ESF com intervenção. Todos os centros foram visitados para esclarecimentos dos procedimentos do estudo e obtenção do consentimento pelos gestores de cada unidade de saúde.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Prefeitura Municipal de Porto Alegre e pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Grupo Hospitalar Conceição. O estudo foi registrado na página eletrônica do Clinical Trials (http://www.clinicaltrials.gov) sob o identificador NCT00635518.

Intervenção

Os profissionais de saúde dos dois grupos que receberam a intervenção participaram do programa de formação continuada em serviço para atualização quanto ao guia Dez Passos para uma Alimentação Saudável para Crianças Brasileiras Menores de Dois Anos 2424 . Ministério da Saúde. Dez passos para uma alimentação saudável: guia alimentar para menores de dois anos. Brasília: Ministério da Saúde; 2002.. Esse guia foi elaborado pelo Ministério da Saúde e tem por objetivo integrar estratégias que subsidiem os profissionais de saúde a promoverem práticas alimentares saudáveis para as crianças menores de dois anos; estratégias que priorizam aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses de vida e alimentação complementar em quantidade e qualidade suficientes ao adequado crescimento e desenvolvimento da criança. A atualização teve duração de aproximadamente uma hora e foi realizada durante uma das reuniões sistemáticas de equipe pelo pesquisador responsável pelo estudo em que se discutiram as diretrizes alimentares do guia, utilizando como recurso materiais educativos elaborados especificamente para tal fim.

As equipes de profissionais que participaram da intervenção receberam o manual técnico do programa, desenvolvido pelo Ministério da Saúde 2424 . Ministério da Saúde. Dez passos para uma alimentação saudável: guia alimentar para menores de dois anos. Brasília: Ministério da Saúde; 2002., bem como um manual de bolso, elaborado especialmente para o estudo, o qual continha informações bem objetivas das práticas alimentares recomendadas pelas diretrizes nacionais. Cada centro de saúde recebeu material educativo para ser dado às mães de crianças com idade menor de seis meses, em quantidade compatível com a demanda por um período de seis meses. Esse material continha informações objetivas e acessíveis às mães sobre a importância de não ofertar outros líquidos e alimentos além do leite materno antes dos seis meses, da importância de introduzir carnes para prevenir a anemia, da oferta de frutas e verduras diariamente, da consistência adequada das papas, da higienização no preparo dos alimentos, da não substituição das papas por lanches ou guloseimas e exemplos de composições de alimentos para as refeições. Dois cartazes coloridos, confeccionados em material plástico durável continham: a) informações sobre esquema de introdução da alimentação complementar, com número de refeições e composição de papas salgadas, incluindo carne; b) fotos coloridas e bem visíveis de alimentos que não devem ser oferecidos às crianças menores de dois anos, incluindo café, bolachas recheadas, gelatina, balas, refrigerante, queijo petit suisse.

As UBS do grupo controle não participaram do programa de atualização e não receberam os materiais informativos. O estudo não interferiu nas estratégias ou rotinas desses locais.

Recrutamento dos indivíduos

Durante o período de atualização dos profissionais, entrevistadores compareceram a todos os centros de saúde participantes do estudo para identificação de gestantes cadastradas nesses locais e que estivessem no último trimestre de gestação, potenciais mães que receberiam as orientações dos profissionais de saúde durante o primeiro ano de vida de seus bebês. As gestantes foram informadas sobre os procedimentos do estudo e as que concordaram em participar assinaram o termo de consentimento informado. Nesse momento, as gestantes responderam questionário contendo dados referentes à idade, escolaridade e ocupação materna, estrutura e renda familiar e data provável do parto. Foram obtidos endereço e contato telefônico para posterior realização de visita domiciliar. As gestantes diagnosticadas como HIV positivas não foram consideradas elegíveis para o estudo.

Avaliação dos desfechos

Realizou-se visita domiciliar às mulheres participantes para coleta de dados quando as crianças completavam seis meses. Dados em relação à data de nascimento, sexo, peso e comprimento ao nascer foram coletados da caderneta da criança. Informações relacionadas à alimentação das crianças durante os primeiros seis meses de vida foram coletadas por meio de questionário estruturado com questões sobre tempo de aleitamento materno, bem como a idade de início do consumo de alimentos – água, chá, outros líquidos, outros leites e alimentos sólidos – pelas crianças. Aleitamento materno exclusivo (AME) foi definido como o uso de aleitamento materno como único alimento, sem o consumo de chá, água, outros líquidos ou sólidos, sendo exceção medicamentos e suplementos vitamínicos e minerais 2828 . World Health Organization. Indicators for assessing breastfeeding practices. Geneva: World Health Organization; 1991.. As mães forneceram informações sobre a frequência de consumo pela criança, na semana anterior à entrevista, de frutas (categorizada em menor e maior ou igual a sete dias na semana), leguminosas e carnes (categorizados em menor e maior ou igual a quatro dias na semana) e fígado (categorizado em menor e maior ou igual a um dia na semana) e sobre o consumo de alimentos não recomendados, que posteriormente foram agrupados para as análises – açúcar de adição ou mel, café, bebidas adoçadas (refrigerante, suco artificial ou achocolatado), carnes processadas (presunto, mortadela, salame, salsicha ou linguiça), doces (bala/pirulito, bolacha doce, bolacha recheada, chocolate, gelatina, queijo petit suisse ou sorvete), salgadinho tipo chips. Para os alimentos não recomendados, considerou-se o consumo alguma vez durante os seis primeiros meses de vida.

No período em que as crianças completaram 12 meses, as mães foram novamente visitadas para coleta de dados. Os dados alimentares das crianças durante o primeiro ano de vida foram coletados por meio de questionário com a finalidade de verificar o tempo de aleitamento materno (AM) e as práticas alimentares. As mães novamente forneceram informações sobre a frequência de consumo pela criança de frutas, leguminosas, carnes e fígado, na semana anterior à entrevista, e sobre o consumo de alimentos não recomendados alguma vez durante o primeiro ano de vida.

Os dados das crianças foram originalmente planejados para serem coletados quando as crianças completassem 6 e 12 meses de idade. No entanto, por conta de problemas logísticos (ausência da mãe no domicílio ou doença da criança), a coleta de dados abrangeu crianças de 6 a 9 meses, na primeira etapa e de 12 a 15 meses na segunda etapa.

Após a coleta de dados, a confirmação dos dados foi realizada por intermédio de ligações telefônicas em 5% dos questionários sorteados aleatoriamente. Os entrevistadores, estudantes de graduação e pós-graduação em nutrição, não estavam envolvidos nos processos de randomização e intervenção e receberam capacitação teórica e prática com duração média de oito horas para realização da coleta de dados.

Análise de dados

Os dados foram submetidos à dupla digitação e validados no programa Epi Info versão 6.4 (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados Unidos) e as análises estatísticas foram realizadas no programa SPSS versão 16.0 (SPPS Inc., Chicago, Estados Unidos).

Análises de frequência foram realizadas para descrição das variáveis categóricas e média e desvio-padrão para variáveis contínuas. Utilizou-se análise de variância – ANOVA de uma via – com a aplicação do teste de Tukey para análises múltiplas para comparação dos tempos médios de duração do aleitamento materno exclusivo entre os grupos.

Realizou-se análise de sobrevivência para comparação das taxas de cessação do AME e AM entre os grupos. Entendeu-se interrupção de AME a introdução de qualquer outro líquido (como água, chá, suco, leite não materno) ou alimentos semissólidos ou sólidos e interrupção do AM a não oferta de leite materno à criança. Foram elaboradas curvas de sobrevivência do tempo de cessação do AME e do AM, estratificadas de acordo com o grupo. Usou-se a regressão de Cox para comparação entre as curvas dos grupos, ajustando-se para renda per capita mensal, escolaridade, ocupação e idade materna; considerando-se como variáveis dependentes o tempo em meses em que cada criança recebeu leite materno exclusivo e leite materno. Foram expressos hazard ratio (HZ) e respectivos intervalos de 95% de confiança (IC95%) para estimar o tamanho das diferenças dos grupos em relação aos desfechos. Em todas as comparações, foi considerado um alfa crítico de 0,05. Os pressupostos dos riscos proporcionais foram verificados para cada modelo de Cox segundo o método de Therneau & Grambsch 2929 . Therneau TM, Grambsch PM. Modeling survivor data: extending the Cox model. New York: Springer; 2000., no software Stata versão 11.0 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos), e observou-se que esse pressuposto foi cumprido.

As práticas de alimentação complementar e o consumo de alimentos não recomendados foram avaliados por regressão de Poisson, avaliando-se as práticas alimentares como desfechos e o grupo como exposição, controlado para escolaridade, ocupação e idade materna, renda per capita mensal e para a correlação intragrupo (unidades de saúde referentes a cada criança).

Resultados

Mil e quarenta e quatro gestantes foram recrutadas nos centros de saúde selecionados, sendo 355 no grupo de UBS que não receberam o programa de atualização (UBS-controle), 360 no grupo de UBS que receberam o programa de atualização (UBS-intervenção) e 329 no grupo de US-ESF que receberam a intervenção (Figura 1). No período 6 a 9, foram avaliadas 918 crianças. A média de idade foi de 6,4 meses (mediana 6,2) entre as crianças do grupo UBS-controle, 6,4 meses (mediana 6,3) entre aquelas do grupo UBS-intervenção e 6,7 meses (mediana 6,5) entre aquelas do grupo US-ESF. No período 12 a 15 meses, avaliaram-se 799 crianças. A média de idade foi de 12,4 meses (mediana 12,3) entre as crianças do grupo UBS-controle, 12,4 meses (mediana 12,2) entre aquelas do grupo UBS-intervenção e 12,9 meses (mediana 12,6) entre aquelas do grupo US-ESF. O principal motivo das perdas durante o seguimento foi a não localização das famílias (Figura 1). Não houve diferenças entre as gestantes que foram perdidas no seguimento do estudo e aquelas que se mantiveram nos dois momentos da coleta de dados relação à renda mensal, à escolaridade materna e à idade da mãe no nascimento da criança.

Figura 1
Fluxograma do estudo.

As características socioeconômicas e demográficas das crianças e famílias estão apresentadas na Tabela 1. A maioria das mães morava com marido ou companheiro (78,2%), não trabalhava fora (62,4%) e era primípara (54,2%). Mais de 70% das mulheres possuíam escolaridade superior a oito anos e somente uma declarou não saber ler. A renda mensal familiar foi inferior a 1.500 Reais em 71,2% das famílias e a renda per capita média foi de 365,2 ± 316,3 Reais (mediana 283,3).

Tabela 1
Características das crianças e das famílias, de acordo com os grupos de unidades de saúde estudados. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.

Do total de crianças avaliadas, 663 (72,2%) deixaram de receber AME antes dos quatro meses e 875 (95,3%), antes dos seis meses. Encontrou-se que o tempo médio de duração do AME foi significativamente maior nos dois grupos que receberam a intervenção (US-ESF e UBS-intervenção), quando comparados às UBS-controle (2,56 ± 1,91 meses vs. 1,91 ± 1,60 meses; p < 0,01 e 2,32 ± 1,63 meses vs. 1,91 ± 1,60 meses; p = 0,01). O tempo médio de duração do AME dos grupos de US-ESF e UBS-intervenção, que receberam o programa de atualização, não diferiram significativamente entre si (2,56 ± 1,91 meses vs. 2,32 ± 1,63 meses; p = 0,20). A prevalência de crianças amamentadas exclusivamente até o 4o mês foi de 20% para as UBS-controle, 27% para as UBS-intervenção e 36,1% para as US-ESF. Ao se obterem os dados de AME até o sexto mês, foram verificadas prevalências de 3,2%, 3,1% e 8,1%, respectivamente. Para a idade de 12 meses,observou-se que 46,7%, 49,1% e 49,2% das crianças estavam sendo amamentadas nas UBS-controle, UBS-intervenção e US-ESF, respectivamente.

A curva de sobrevivência (Figura 2) mostra diferenças entre as taxas de cessação de aleitamento materno exclusivo entre os grupos após ajuste para renda per capita mensal, escolaridade, ocupação e idade materna. As taxas de cessação do AME mostraram-se significativamente menores no grupo de US-ESF em relação ao grupo de UBS-controle que não recebeu o programa de atualização (HR = 0,76; IC95%: 0,64-0,91; p = 0,003). Entre as UBS, o grupo UBS-intervenção apresentou menor taxa de cessação de AME em relação ao grupo UBS-controle, porém não foi estatisticamente significante (HR = 0,88; IC95%: 0,74-1,03; p = 0,123). Não houve diferenças significativas entre os grupos em relação às taxas de cessação do AM até 12 meses (Figura 2).

Figura 2
Curva de sobrevivência do tempo de cessação do aleitamento materno exclusivo (AME) (2a) e curva de sobrevivência do tempo de cessação do aleitamento materno (AM) (2b) ajustadas para renda, ocupação, escolaridade e idade materna.

Os dados referentes à alimentação complementar, oferecida na última semana antes da entrevista, podem ser lidos na Tabela 2. No período de 6 a 9 meses, as práticas alimentares relacionadas ao consumo maior ou igual a quatro dias na semana de carne e maior ou igual a um dia na semana de fígado, foram mais frequentes entre as crianças participantes das unidades de saúde que foram submetidas ao programa de intervenção (UBS-intervenção e US-ESF) quando comparadas àquelas do grupo controle (UBS-controle). Observou-se maior prevalência de crianças que receberam fígado entre as usuárias das US-ESF. Para a faixa etária de 6 a 9 meses, a prevalência de crianças que consumiram frutas diariamente foi significantemente maior para o grupo de US-ESF quando comparado às UBS-controle, contudo, para essa mesma prática alimentar no período de 12 a 15 meses, a superioridade do impacto foi maior para as US-ESF quando comparadas com as UBS-intervenção e UBS-controle. Na faixa etária de 12 a 15 meses, constatou-se maior prevalência de crianças com consumo de leguminosas na última semana para o grupo US-ESF em relação ao grupo UBS-intervenção.

Tabela 2
Distribuição percentual das crianças que consumiram alimentos recomendados de acordo com os serviços de saúde dos grupos intervenção e controle. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil *,**.

Os resultados relativos ao consumo de alimentos não recomendados durante o primeiro ano de vida estão apresentados na Tabela 3. Houve menores prevalências de crianças que consumiram bebidas adoçadas até completarem seis meses nos dois grupos que foram submetidas ao programa de intervenção (UBS-intervenção e US-ESF) quando comparadas às do grupo controle (UBS-controle), mas, entre aquelas, a menor prevalência foi observada para as US-ESF. As prevalências de crianças que consumiram açúcar de adição ou mel e salgadinhos foram estatisticamente menores no grupo de US-ESF quando comparadas às do grupo controle (UBS-controle). No período anterior aos seis meses de vida, as prevalências de crianças que receberam café foram menores nas unidades de saúde que receberam intervenção (UBS-intervenção e US-ESF), porém só atingiu valor estatístico entre as UBS-intervenção e UBS-controle. Para o período de 12 meses, as prevalências de crianças que consumiram café até essa faixa etária foram menores somente para o grupo US-ESF.

Tabela 3
Distribuição percentual das crianças que consumiram alimentos não recomendados de acordo com os serviços de saúde dos grupos intervenção e controle. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil *,**.

Discussão

Os resultados deste estudo adicionam evidência quanto à importância dos serviços de sáude na promoção do AM e da qualidade da alimentação complementar. Foi possível detectar que a interrupção precoce do AME nos primeiros seis meses foi menor entre as crianças atendidas nos dois serviços que receberam a intervenção. Nenhuma diferença foi encontrada entre os três grupos na cessação do AM até o final do primeiro ano de vida. As justificativas para esses resultados permeiam as seguintes hipóteses: a primeira se relaciona à ênfase que os profissionais de saúde deram para o AME nos primeiros seis meses de vida – destaca-se que o “passo um” das diretrizes alimentares para crianças menores de um ano, no Brasil, descreve estratégias para melhorar essa prática, e elas foram priorizadas no manual de bolso que foi entregue aos profissionais de saúde que participaram do grupo intervenção –; a segunda hipótese está relacionada à menor adesão da mãe à puericultura no segundo semestre de vida, impedindo ações mais efetivas dos profissionais de saúde em relação à promoção do AM.

Chama a atenção o fato de que os dados de prevalência de crianças em AME até o quarto mês de vida das UBS-controle (20,7%) são muito semelhante aos dados da II Pesquisa Nacional de Aleitamento Materno que mostrou prevalência de 21,7% para Porto Alegre 2626 . Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. II pesquisa de prevalência de aleitamento materno nas capitais brasileiras e Distrito Federal. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. (Série C. Projetos, Programas e Relatórios)., o que sugere que a intervenção, utilizando as estratégias dos “dez passos”, promoveu melhora dos dados. Por outro lado, as prevalências de amamentação aos 12 meses de idade nos três grupos de unidades de saúde avaliados foram semelhantes aos resultados encontrados para Porto Alegre na pesquisa acima mencionada, conduzida nas capitais brasileiras 2626 . Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. II pesquisa de prevalência de aleitamento materno nas capitais brasileiras e Distrito Federal. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. (Série C. Projetos, Programas e Relatórios).. Estudo em nosso meio, com grupo populacional semelhante, mostrou que 53,2% da mães não levaram seus filhos regularmente ao serviço de saúde no primeiro ano de vida, e ao responderem quanto aos motivos para essa falta de adesão à puericultura, 66% relataram considerar desnecessário 2727 . Vítolo MR, Gama CM, Campagnolo PDB. Frequência de utilização do serviço público de puericultura e fatores associados. J Pediatr (Rio J.) 2010; 86:80-4.. Apesar de o referido estudo não ter mostrado as frequências de acompanhamento entre primeiro e segundo semestre de vida, ele é norteador da hipótese de que é essencial rever as estratégias para aumentar a inserção das mães na rotina de acompanhamento de seus filhos para a puericultura nos serviços de saúde nos dois primeiros anos de vida. Enfatiza-se também que o melhor desempenho das US-ESF na promoção do AME pode ser reflexo das ações dos agentes de saúde, já que estudos mostraram que visitas domiciliares ou ações de agentes de saúde são mais efetivas para melhorar os índices de amamentação 2121 . Vítolo MR, Bortolini GA, Feldens CA, Drachler ML. Impactos da implementação dos dez passos da alimentação saudável para crianças: ensaio de campo randomizado. Cad Saúde Pública 2005; 21:1448-57.,2222 . Coutinho SB, Lira PIC, Lima MC, Ashworth A. Comparison of the effect of two systems for the promotion of exclusive breastfeeding. Lancet 2005; 366:1094-100.,2323 . Coutinho SB, Lira PI, Lima MC, Frias PG, Eickmann SH, Ashworth A. Promotion of exclusive breast-feeding at scale within routine health services: impact of breast-feeding counselling training for community health workers in Recife, Brazil. Public Health Nutr 2013; 11:1-8.,3030 . Bhandari N, Mazumder S, Bahl R, Martines J, Black RE, Bhan MK, et al. An educational intervention to promote appropriate complementary feeding practices and physical growth in infants and young children in rural Haryana, India. J Nutr 2004; 134:2342-8..

Quanto à qualidade da alimentação complementar, destaca-se que, apesar de o consumo alimentar estar aquém do recomendado nas duas faixas etárias estudas, nas crianças de 6 a 9 meses, nos dois grupos de unidades de saúde intervenção, verificou-se impacto positivo na prevalência de lactentes que receberam frutas, carnes e fígado com frequência adequada na última semana. Esse resultado reflete as prioridades das práticas alimentares preconizadas na atualização realizada aos profissionais de saúde com base na diretriz nacional para crianças menores de dois anos 2424 . Ministério da Saúde. Dez passos para uma alimentação saudável: guia alimentar para menores de dois anos. Brasília: Ministério da Saúde; 2002., considerando a elevada prevalência de anemia entre crianças de 6 a 24 meses 3131 . Bortolini GA, Vitolo MR. Impacto de orientação dietética sistemática no primeiro ano de vida nas prevalências de anemia e deficiência de ferro aos 12-16 meses. J Pediatr 2012; 88:33-9. e a importância de se fornecer ferro de alta biodisponibilidade quando da introdução da alimentação complementar 3232 . Institute of Medicine. Dietary reference intakes for vitamin A, vitamin K, arsenic, boron, chromium, copper, iodine, iron, manganese, molybdenum, nickel, silicon, vanadium, and zinc. Washington DC: National Academic Press; 2001.. Estudos de intervenção que incluíram indivíduos com faixa etária semelhante à das crianças desse estudo também demonstraram que as mães de baixa condição socioeconômica, quando orientadas, melhoram a oferta de fontes proteicas na alimentação complementar 2020 . Santos I, Victora CG, Martines J, Gonçalves H, Gigante DP, Valle NJ, et al. Nutrition counseling increases weight gain among Brazilian children. J Nutr 2001; 131:2866-73.,2121 . Vítolo MR, Bortolini GA, Feldens CA, Drachler ML. Impactos da implementação dos dez passos da alimentação saudável para crianças: ensaio de campo randomizado. Cad Saúde Pública 2005; 21:1448-57.,3333 . Shi L, Zhang J, Wang Y, Caulfield LE, Guyer B. Effectiveness of an educational intervention on complementary feeding practices and growth in rural China: a cluster randomised controlled trial. Public Health Nutr 2010; 13:556-65.. No período de 12 a 15 meses, o impacto ficou restrito ao consumo de frutas no grupo de US-ESF. Tal resultado poderia ser justificado pela melhores condições socioeconômicas e especialmente de escolaridade materna da população atendida por esses serviços, porém o ajuste para renda, escolaridade e ocupação materna sugere que a intervenção foi mais efetiva nesse serviço, considerando essa variável.

Com relação ao impacto no consumo de alimentos não recomendados, encontrou-se menor prevalência de crianças que receberam açúcar, bebidas adoçadas e café antes do seis meses vinculadas às UBS-intervenção e US-ESF que foram submetidas ao programa de atualização. Menor prevalência de crianças que consumiram salgadinhos foi observada apenas para as US-ESF. No entanto, para o período antes dos 12 meses não houve diferenças nas práticas alimentares relacionadas aos alimentos anteriormente mencionados. Esses resultados sugerem que as crianças, ao completarem o primeiro ano de vida, estão mais vulneráveis às práticas alimentares não saudáveis e consequentemente ao desenvolvimento precoce da obesidade. Estudo anterior, que avaliou o impacto da implementação dos Dez Passos da Alimentação Saudável para Crianças Menores de Dois Anos por meio de visitas domicilíares no primeiro ano de vida, mostrou redução significativa na prevalência de crianças que receberam alimentos não recomendados na faixa etária de 12 a 16 meses, cujas mães receberam as orientações alimentares 2121 . Vítolo MR, Bortolini GA, Feldens CA, Drachler ML. Impactos da implementação dos dez passos da alimentação saudável para crianças: ensaio de campo randomizado. Cad Saúde Pública 2005; 21:1448-57.,3434 . Vitolo MR, Bortolini GA, Campagnolo PD, Hoffman DJ. Maternal dietary counseling reduces consumption of energy-dense foods among infants: a randomized controlled trial. J Nutr Educ Behav 2012; 44:140-7.. A comparação dos resultados entre os dois estudos recomenda desenvolver estratégias mais efetivas, inseridas na atenção primária, que garantam mudanças nas práticas alimentares vigentes das crianças menores de dois anos. A exposição a alimentos com alta densidade de açúcar e sódio nos primeiros anos aumenta a preferência por esses nutrientes ao longo da vida, revelando que as preferências alimentares são formadas já nos primeiros anos de vida 3535 . Manios Y, Kourlaba G, Kondaki K, Grammatikaki E, Birbilis M, Oikonomou E, et al. Diet quality of preschoolers in Greece based on the Healthy Eating Index: the GENESIS study. J Am Diet Assoc 2009; 109:616-23.,3636 . Kranz S, Findeis JL, Shrestha SS. Use of the Revised Children’s Diet Quality Index to assess preschooler’s diet quality, its sociodemographic predictors, and its association with body weight status. J Pediatr (Rio J.) 2008; 84:26-34.. O consumo de alimentos com alto teor de açúcar foi associado à diminuição da qualidade geral da dieta 3737 . Kranz S, Smiciklas-Wright H, Siega-Riz AM, Mitchell D. Adverse effect of high added sugar consumption on dietary intake in American preschoolers. J Pediatr 2005; 146:105-11., à ingestão insuficiente de micronutrientes 3737 . Kranz S, Smiciklas-Wright H, Siega-Riz AM, Mitchell D. Adverse effect of high added sugar consumption on dietary intake in American preschoolers. J Pediatr 2005; 146:105-11.,3838 . Brekke K, Odijki JV, Ludvigsson J. Predictors and dietary consequences of frequent intake of high-sugar, low-nutrient foods in 1-year-old children participating in the ABIS study. Br J Nutr 2007; 97:176-81. e ao desenvolvimento de cárie 3939 . Ludwig DS, Peterson KE, Gortmaker SL. Relation between consumption of sugar-sweetened drinks and childhood obesity: a prospective, observational analysis. Lancet 2001; 357:505-8. e excesso de peso 4040 . Dubois L, Farmer A, Girard M, Peterson K. Regular sugar-sweetened beverage consumption between meals increases risk of overweight among preschool-aged children. J Am Diet Assoc 2007; 107:924-34.,4141 . Stunkard AJ, Berkowitz RL, Schoeller D, Maislin G, Stallings VA. Predictors of body size in the first 2 y of life: a high-risk study of human obesity. Int J Obes Relat Metab Disord 2004; 28:503-13.,4242 . Feldens CA, Giugliani ER, Vigo A, Vítolo MR. Early feeding practices and severe early childhood caries in four-year-old children from southern Brazil: a birth cohort study. Caries Res 2010; 44:445-52.. Logo, os primeiros mil dias de vida, período entre a concepção e os dois anos de idade, são fundamentais para o crescimento e o desenvolvimento saudáveis da criança 1. World Health Organization. Global nutrition policy review: what does it take to scale up nutrition action? Geneva: World Health Organization; 2013.. Esse período é considerado a janela da oportunidade para promoção da saúde e prevenção de doenças futuras na vida adulta 4343 . Victora CG, de Onis M, Hallal PC, Blössner M, Shrimpton R. Worldwide timing of growth faltering: revisiting implications for interventions. Pediatrics 2010; 125:e473-80..

Uma das limitações deste estudo foi a ausência de grupo controle entre as unidades de saúde que integram o Grupo Hospitalar Conceição (US-ESF), restringindo, assim, a avaliação do impacto da intervenção nesse grupo especifico. O sistema de gestão da referida instituição integra a ação das 12 unidades de saúde com reuniões semanais entre os coordenadores, além da mobilidade dos residentes e doutorandos entre as unidades de saúde. Em consequência, entendeu-se que haveria contaminação das informações transmitidas no grupo intervenção. Foi possível observar, também, que a comunidade atendida pelas equipes de US-ESF, apresentou os melhores parâmetros socioeconômicos, o que pode ter interferido no impacto da intervenção para tal grupo específico. Ressalta-se, contudo, que, para as análises comparativas, fez-se o ajuste para a renda, escolaridade e ocupação materna, variáveis conhecidamente relevantes na determinação de práticas alimentares. Outra limitação que requer comentário é o estudo não ter avaliado a relação causa-efeito das ações dos profissionais de saúde, uma vez que os dados dos desfechos não foram obtidos diretamente após os atendimentos das crianças nos serviços de saúde. Destaca-se, entretanto, que o estudo foi planejado para investigar as práticas alimentares da população assistida na área de abrangência das unidades de saúde sem interferir na rotina dos serviços e da logística dos atendimentos de puericultura.

Estudos em diferentes países com situação de desenvolvimento socioeconômico semelhante à do Brasil mostram que a capacitação de profissionais de saúde é eficaz para mudar, positivamente, as atitudes e práticas maternas quanto ao AM e alimentação complementar 3030 . Bhandari N, Mazumder S, Bahl R, Martines J, Black RE, Bhan MK, et al. An educational intervention to promote appropriate complementary feeding practices and physical growth in infants and young children in rural Haryana, India. J Nutr 2004; 134:2342-8.,4444 . Penny ME, Creed-Kanashiro HM, Robert RC, Narro MR, Caulfield LE, Black RE. Effectiveness of an educational intervention delivered through the health services to improve nutrition in young children: a cluster-randomised controlled trial. Lancet 2005; 365:1863-72.,4545 . Vazir S, Engle P, Balakrishna N, Griffiths PL, Johnson SL, Creed-Kanashiro H, et al. Cluster-randomized trial on complementary and responsive feeding education to caregivers found improved dietary intake, growth and development among rural indian toddlers. Matern Child Nutr 2013; 9:99-117.,4646 . Zaman S, Ashraf RN, Martines J. Training in complementary feeding counseling of Healthcare workers and its influence on maternal behaviours and child growth: a cluster-randomized controlled trial in Lahore, Pakistan. J Health Popu Nutr 2008; 26:210-22.. Estudo em nosso meio demonstrou que capacitação para médicos de unidades de saúde melhorou a qualidade das orientações alimentares às mães, já que aquelas que foram atendidas por médicos do grupo intervenção lembraram mais das orientações recebidas 4747 . Pelto GH, Santos I, Gonçalves H, Victora C, Martines J, Habicht JP. Nutrition counseling training changes physician behavior and improves caregiver knowledge acquisition. J Nutr 2004; 134:357-62..

Os resultados deste estudo permitem concluir que a proposta de atualização dos Dez Passos da Alimentação Saudável para Crianças Menores de Dois Anos entre profissionais de saúde dos serviços de atenção primária na cidade de Porto Alegre pode ser uma estratégia para aumentar a prevalência de crianças amamentadas exclusivamente nos primeiros seis meses de vida, além de melhorar as práticas relacionadas à alimentação complementar na faixa etária de 6 a 9 meses. Todavia, são necessários estudos que priorizem intervenções para melhorar a qualidade da alimentação das crianças a partir do segundo semestre de vida até os dois anos de idade e que investiguem os fatores que interferem no impacto das ações no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) porque as limitações do presente estudo não permitiram elucidar todos os mecanismos envolvidos nesse processo.

Agradecimentos

Este estudo contou com o apoio financeiro do Ministério da Saúde (termo de Portaria no 577/200) e da FAPERGS (PPSUS/2006/1537-7).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2014

Histórico

  • Recebido
    31 Out 2013
  • Revisado
    10 Jan 2014
  • Aceito
    22 Jan 2014
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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