Resumo
O objetivo deste trabalho foi analisar o impacto da vacinação contra o Streptococcus pneumoniae na morbidade e mortalidade por meningite pneumocócica em crianças ≤ 2 anos, no Brasil, entre 2007-2012. Este é um estudo descritivo com análise ecológica, utilizando dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Foram definidos os períodos pré-vacinal (2007-2009) e pós-vacinal (2011-2012) para comparar as taxas de incidência e mortalidade. Foram identificados 1.311 casos e 430 óbitos no período do estudo. A taxa de incidência diminuiu de 3,70/100.000 no ano de 2007 para 1,84/100.000 em 2012, e a mortalidade reduziu de 1,30/100.000 para 0,40/100.000, o que significa uma redução de 50% e 69%, respectivamente, com maior impacto identificado na faixa etária de 6 a 11 meses. Os resultados indicam uma diminuição nos indicadores de morbidade e mortalidade de meningite pneumocócica, observados dois anos após a introdução da vacina pneumocócica conjugada 10-valente, sugerindo sua efetividade.
Streptococcus pneumoniae; Meningite; Vacinas
Introdução
O Streptococcus pneumoniae (pneumococo) é um dos principais agentes etiológicos de pneumonia bacteriana, septicemia e meningite em crianças de todo o mundo, responsável por aproximadamente 800 mil mortes, anualmente, entre as crianças menores de cinco anos de idade 11. World Health Organization. Pneumococcal conjugate vaccine for childhood immunization: WHO position paper. Wkly Epidemiol Rec 2007; 82:93-104.,22. O'Brien KL, Wolfson LJ, Watt JP, Henkle E, Deloria-Knoll M, McCall N, et al. Burden of disease caused by Streptococcus pneumoniae in children younger than 5 years: global estimates. Lancet 2009; 374:893-902.,33. Initiative for Vaccine Research, Department of Immunization, Vaccines and Biologicals. Proceedings of the Sixth Global Vaccine Research Forum and Parallel Satellite Symposia. Geneva: WHO Press; 2006.. No Brasil, a meningite pneumocócica é a segunda causa mais frequente de meningite bacteriana 44. Andrade ALSS, Pimenta FC, Brandileone MCC, Laval CA, Guerra ML, Andrade JG, et al. Genetic relationship between Streptococcus pneumoniae isolates from nasopharyngeal and cerebrospinal fluid of two infants with pneumococcal meningitis. J Clin Microbiol 2003; 41:3970-2., principalmente em lactentes menores de 1 ano 55. Berezin EN, Carvalho LH, Lopes CR, Sanajotta AT, Brandileone MC, Menegatti S, et al. Meningite pneumocócica em crianças: achados clínicos, sorotipos mais frequentes e prognóstico. J Pediatr (Rio J.) 2002; 78:19-23.. Segundo dados obtidos no SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), a incidência média anual de 2001 e 2010 em crianças menores de cinco anos e menores de um ano foi de 1,09 e 8,62 casos/100 mil habitantes e a letalidade média foi de 33,6% e 31,3%, respectivamente. A meningite bacteriana é uma doença de notificação compulsória no Brasil, desde 1975.
O avanço da imunogenicidade e a eficácia das vacinas antipneumocócicas, introduzidas desde 1983, colocou em evidência a sua importância no controle e prevenção das doenças pneumocócicas como a primeira causa de mortes evitáveis pela vacinação 66. Centers for Diseae Control and Prevention. Vaccine preventable deaths and the Global Immunization Vision and Strategy, 2006-2015. MMWR Morb Mortal Wkly Rep 2006; 55:511-5.. O desempenho global da primeira vacina pneumocócica conjugada, incluindo sete sorotipos (PCV7) contra a doença pneumocócica invasiva, é considerado satisfatório, como demonstrado em estudos em que sua eficácia foi de 80% contra a doença pneumocócica invasiva, causada pelos sete sorotipos vacinais em nível mundial 77. Lucero MG, Dulalia VE, Nillos LT, Williams G, Parreno RA, Nohynek H, et al. Pneumococcal conjugate vaccines for preventing vaccine-type invasive pneumococcal disease and X-ray defined pneumonia in children less than two years of age. Cochrane Database Syst Rev 2009; (4):CD004977.. Na Austrália, Europa e América do Norte, o impacto da PCV7 na doença pneumocócica invasiva geral foi uma redução que variou de 17% na Espanha 8 8. Barricarte A, Gil-Setas A, Torroba L, Castilla J, Petit A, Polo I, et al. Enfermedad neumocócica invasiva en la población menor de 5 años de edad de Navarra (2000-2005): impacto de la vacuna conjugada. Med Clin (Barc), 2007; 129:41-5.a 80% nos Estados Unidos 99. Atkinson W, Hamborsky J, McIntyre L, Stanton A, Wolfe C. Epidemiology and prevention of vaccine-preventable diseases. 10th Ed. Washington DC: Public Health Foundation; 2008., com uma taxa média de redução de 45% 1010. Myint TTH, Madhava H, Balmer P, Christopoulou D, Attal S, Menegas D, et al. The impact of 7-valent pneumococcal conjugate vaccine on invasive pneumococcal disease: a literature review. Adv Ther 2013; 30:127-51.. As reduções da doença pneumocócica invasiva causadas pelos 7 sorotipos em todas as idades e associadas à vacinação infantil variaram de 1% na Holanda 1111. Rodenburg GD, de Greeff SC, Jansen AGCS, de Melker HE, Schouls LM, Hak E, et al. Effects of pneumococcal conjugate vaccine 2 years after its introduction, the Netherlands. Emerg Infect Dis 2010; 16:816-23. a 94% nos Estados Unidos 1212. Pilishvili T, Lexau C, Farley MM, Hadler J, Harrison LH, Bennett NM, et al. Sustained reductions in invasive pneumococcal disease in the era of conjugate vaccine. J Infect Dis 2010; 201:32-41., com uma taxa média de redução de 65,5% 1010. Myint TTH, Madhava H, Balmer P, Christopoulou D, Attal S, Menegas D, et al. The impact of 7-valent pneumococcal conjugate vaccine on invasive pneumococcal disease: a literature review. Adv Ther 2013; 30:127-51..
No Brasil, a vacina pneumocócica conjugada 10-valente (PCV10) foi introduzida no calendário de vacinação da criança, do Programa Nacional de Imunização (PNI/MS) em 2010, sendo recomendadas três doses, aos dois, quatro e seis meses de idade, e um reforço entre 12 e 15 meses 1313. Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Guia de vigilância epidemiológica. 7ª Ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2010. (Série A. Normas e Manuais Técnicos).. A aprovação da PCV10 inicialmente foi baseada nos estudos de eficácia da PCV7, conforme recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) 1414. World Health Organization. Expert Committee on Biological Standardization. Recommendations to assure the quality, safety and efficacy of pneumococcal conjugate vaccines. Geneva: Wolrd Health Organization; 2009.. Mesmo com a tendência de redução da meningite pneumocócica nos últimos anos no Brasil 1515. Azevedo LCP, Toscano CM, Bierrenbach AL. Bacterial meningitis in Brazil: baseline epidemiologic assessment of the decade prior to the introduction of pneumococcal and meningococcal vaccines. PLoS One 2013; 8:e64524., a introdução da PCV10 trouxe perspectivas para o controle da doença pneumocócica, destacando o país como o precursor na implantação desta vacina no Serviço Público de Saúde.
Nesse cenário, estudos que contribuam com análises do desempenho da PCV10 são fundamentais para avaliar o impacto dessa intervenção. Este trabalho teve como objetivos descrever os casos de meningite pneumocócica em crianças menores ou com dois anos de idade, e comparar os coeficientes de incidência e mortalidade no período pré e pós-implantação da vacina PCV10, buscando assim, contribuir com subsídios para ações de vigilância da meningite e fortalecimento das políticas públicas de saúde do país.
Método
Foi realizado um estudo descritivo dos casos de meningite pneumocócica e uma análise ecológica das taxas de incidência e de mortalidade da doença no período imediatamente pré e pós-implantação da vacina PCV10. Os casos de meningite pneumocócica, incluídos no estudo, foram aqueles ocorridos em crianças com idade menor ou igual a dois anos, registrados no SINAN e confirmados por critério laboratorial específico, que incluem o isolamento do S. pneumoniae em cultura, a reação de aglutinação por látex ou a reação em cadeia polimerase (PCR).
A introdução da vacina PCV10 ocorreu de forma heterogênea nas Unidades da Federação no ano de 2010, portanto este ano foi excluído das análises estatísticas. Assim, definiu-se como período pré-vacinal os três anos anteriores ao ano de implantação da vacina (2007-2009), e o período pós-vacinal incluiu os anos de 2011 e 2012.
Para o cálculo das taxas de incidência e mortalidade de meningite pneumocócica foram utilizadas as estimativas populacionais informadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE. http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/listabl.asp?c=1552&z=cdo=7, acessado em 22/Jan/2014; http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2012/microdados.shtm, acessado em 22/Jan/2014). Para a estratificação da população de menores de um ano, informada pelo IBGE, em menores e maiores de seis meses, foi utilizada a proporção de menores de seis meses, de acordo com o banco de dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivo (SINASC), para cada ano incluído no estudo (http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sinasc/dados/nov_indice.htm, acessado em 22/Jan/2014).
Os casos de meningite pneumocócica foram descritos segundo faixa etária, sexo, sinais e sintomas, critério de confirmação, evolução, Unidade da Federação e região de residência, conforme registrados na ficha de notificação. Os dados sobre o estado vacinal não foram incluídos por apresentarem completitude insatisfatória.
Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (CEP/FS-UNB, parecer nº 171/711).
Resultados
Foram incluídos no estudo 1.311 casos de meningite pneumocócica ocorridos em crianças de até dois anos de idade e notificados no SINAN entre os anos de 2007 e 2012. Foram excluídos 79 casos (5%) por não haver confirmação por critério laboratorial específico. Os 269 casos (16%) notificados em 2010 também foram excluídos da análise por se tratar do ano de implantação da PCV10.
Dos 1.311 casos de meningite pneumocócica, 60% (n = 785) ocorreram em crianças do sexo masculino. A faixa etária de menores de um ano representou o grupo de maior proporção de casos, com concentração nos menores de seis meses no período pós-vacinal (Tabela 1).
Os sinais e sintomas mais descritos em todos os anos do estudo foram febre, vômito e convulsão. Com relação aos critérios de confirmação, 69% (n = 906) dos casos foram confirmados por cultura, 27% (n = 357) por Látex e 4% (n = 48) por PCR. A cultura foi o principal critério de confirmação em todos os anos do estudo, havendo aumento da proporção de casos confirmados por látex e PCR no período pós-vacinal (Tabela 1).
Aproximadamente 30% dos casos de meningite pneumocócica evoluíram para o óbito, anualmente, no período do estudo, entretanto, no segundo ano do período pós-vacinal esta proporção reduziu para 22% (Tabela 1).
As maiores proporções de casos, considerando todo o período de estudo, ocorreram nas regiões Sudeste e Sul, com 59% e 16%, respectivamente. As maiores taxas de incidência também foram observadas nos estados dessas regiões. Sendo que, as maiores reduções nessas taxas, comparando o ano de 2012 com o de 2007, ocorreram nos estados de Minas Gerais e Santa Catarina, ambos com redução de 65% (Tabela 2).
Observa-se na Tabela 3 que a maioria do número de casos de meningite pneumocócica ocorreu, proporcionalmente, no ano de 2007, com cerca de 30% dos casos no período do estudo, mantendo-se relativamente estável nos anos de 2008 e 2009. Os dois anos do período pós-vacinal apresentaram a menor proporção de casos, com uma redução de 14,6% em 2011 e 11,6% em 2012, representando uma redução no número absoluto de casos de 58%, comparando 2007 com 2012. As maiores taxas de incidência e de mortalidade foram observadas entre os menores de um ano de idade, em todo o período do estudo (Tabela 3).
O trabalho demonstrou que houve redução de 50% na taxa de incidência e de 69% na de mortalidade por meningite pneumocócica, comparando os anos de 2012 e 2007. As crianças com idade entre seis meses completos e menores de um ano foram as que apresentaram maiores reduções nas taxas: 73% na incidência e 85% na mortalidade (Tabela 3).
As reduções das taxas, identificadas neste trabalho após dois anos de utilização da PCV10, apresentaram uma cobertura vacinal, segundo dados do PNI, de 73% em 2011 e 89% em 2012.
Discussão
Após a introdução da vacina pneumocócica conjugada 10-valente no Brasil, houve uma redução do número de casos e incidência de meningite pneumocócica nas crianças menores de 2 anos, no ano de 2012. A redução da taxa de incidência da meningite pneumocócica foi expressiva na população do estudo, principalmente no segundo ano do período pós-vacinal quando comparado com o ano de 2007. Esses resultados assemelham-se com os registrados na América do Norte e Austrália, onde a incidência da doença pneumocócica invasiva, incluindo a meningite, caiu 56%-69% nas crianças menores de 2 anos, após a introdução da PCV7 1616. Whitney CG, Farley MM, Hadler J, Harrison LH, Bennett NM, Lynfield R, et al. Decline in invasive pneumococcal disease after the introduction of protein-polysaccharide conjugate vaccine. N Engl J Med 2003; 348:1737-46.,1717. Kellner JD, Church DL, MacDonald J, Tyrrell GJ, Scheifele D. Progress in the prevention of pneumococcal infection. CMAJ 2005; 173:1149-51.,1818. Roche P, Krause V, Cook H, Bartlett M, Coleman D, Davis C, et al. Invasive pneumococcal disease in Australia, 2005. Commun Dis Intell Q Rep 2007; 31:86-100.,1919. Hsu K, Pelton S, Karumuri S, Heisey-Grove D, Klein J. Population based surveillance for childhood invasive pneumococcal disease in the era of conjugate vaccine. Pediatr Infect Dis J 2005; 24:17-23.,2020. Black S, Shinefield H, Baxter R, Austrian R, Bracken L, Hansen J, et al. Postlicensure surveillance for pneumococcal invasive disease after use of heptavalent pneumococcal conjugate vaccine in Northern California Kaiser Permanente. Pediatr Infect Dis J 2004; 23:485-9.,2121. Poehling KA, Talbot TR, Griffin MR, Craig AS, Whitney CG, Zell E. Invasive pneumococcal disease among infants before and after introduction of pneumococcal conjugate vaccine. JAMA 2006; 295:1668-74.,2222. Kaplan SL, Mason Jr. EO, Wald ER, Schutze GE, Bradley JS, Tan TQ, et al. Decrease of invasive pneumococcal infections in children among 8 children's hospitals in the United States after the introduction of the 7-valent pneumococcal conjugate vaccine. Pediatrics, 2004; 113:443-9.,2323. Hsu HE, Shutt KA, Moore MR, Beall BW, Bennett NM, Craig AS, et al. Effect of pneumococcal conjugate vaccine on pneumococcal meningitis. N Engl J Med 2009; 360:244-56.. Na Europa, para a mesma faixa etária, a redução foi de 82% após a utilização da PCV7 2424. Dubos F, Marechal I, Husson MO, Courouble C, Aurel M, Martinot A. Decline in pneumococcal meningitis after the introduction of the heptavalent-pneumococcal conjugate vaccine in northern France. Arch Dis Child 2007; 92:1009-12..
No Brasil, a maior incidência de meningite pneumocócica atinge as crianças menores de dois anos de idade 1515. Azevedo LCP, Toscano CM, Bierrenbach AL. Bacterial meningitis in Brazil: baseline epidemiologic assessment of the decade prior to the introduction of pneumococcal and meningococcal vaccines. PLoS One 2013; 8:e64524.. A maior redução da taxa de incidência de meningite pneumocócica foi observada na faixa etária de 6 a 11 meses. Esse resultado coincide com um estudo de base populacional realizado no Brasil, em 2012, relacionado à doença pneumocócica invasiva e pneumonias 2525. Carter RJF. Infants too young to receive pneumococcal conjugate vaccine benefit from herd immunity. Thorax 2006; 61:610.. Outro resultado observado foi a redução na incidência da meningite pneumocócica no segundo ano pós-vacinal nas crianças menores de seis meses, semelhante ao relatado no estudo realizado nos Estados Unidos, em 2006, que registrou, após quatro anos de utilização da PCV7, uma queda de 40% na doença pneumocócica invasiva em lactentes de 0 a 90 dias 2121. Poehling KA, Talbot TR, Griffin MR, Craig AS, Whitney CG, Zell E. Invasive pneumococcal disease among infants before and after introduction of pneumococcal conjugate vaccine. JAMA 2006; 295:1668-74.,2525. Carter RJF. Infants too young to receive pneumococcal conjugate vaccine benefit from herd immunity. Thorax 2006; 61:610..
Os resultados encontrados neste trabalho sugerem o benefício da PCV10 na redução da incidência de meningite pneumocócica, uma vez que a literatura atual faz referência ao impacto da vacina PCV7 utilizada em outros países, que possui diferenças na composição em relação à PCV10, esta com a adição de mais três sorotipos: 1, 5 e 7F. Na Finlândia, resultados de ensaio clínico randomizado identificaram a eficácia da PCV10 de 92% e 100% para esquemas vacinais de 2+1 e 3+1 doses, respectivamente 2626. Palmu AA, Jokinen J, Borys D, Nieminen H, Ruokokoski E, Siira L, et al. Effectiveness of the ten-valent pneumococcal Haemophilus influenzae protein D conjugate vaccine (PHiD-CV10) against invasive pneumococcal disease: a cluster randomised trial. Lancet 2013; 381:214-22.. Em Quebec, Canadá, a PCV7 foi substituída pela PCV10 após 5 anos de uso; dados registraram uma incidência de DPI menor nas crianças vacinadas com a PCV10, comparados com a PCV7 2727. De Wals P, Lefebvre B, Defay F, Deceuninck G, Boulianne N. Invasive pneumococcal diseases in birth cohorts vaccinated with PCV-7 and/or PHiD-CV in the province of Quebec, Canada. Vaccine 2012; 30:6416-20.. Cabe destacar que nos dados de vigilância utilizados neste estudo não foram identificados os sorotipos de pneumococo, que possibilitaria avaliar o impacto específico da vacina sobre os sorotipos vacinais, configurando-se como uma limitação. O impacto da vacina sobre a incidência de meningite pneumocócica depende da prevalência dos sorotipos circulantes na população, da cobertura vacinal e do tempo decorrido após a introdução. Apesar de não ter sido o objetivo deste trabalho discutir as diferenças dos coeficientes de incidência e mortalidade de meningite pneumocócica por unidade federada, vale ressaltar que quatro estados (Distrito Federal, Ceará, Rio de Janeiro e São Paulo) implantaram esquemas vacinais diferentes do preconizado pelo PNI, quanto à idade de aplicação das doses.
Estudo realizado em Salvador, Brasil, registrou uma estimativa de cobertura da PCV10 de 77% nas crianças menores de 2 anos de idade 2828. Menezes APO, Campos LC, Santos MS, Azevedo J, Santos RCN, Carvalho MGS, et. al. Serotype distribution and antimicrobial resistance of Streptococcus pneumoniae prior to introduction of the 10-valent pneumococcal conjugate vaccine in Brazil, 2000-2007. Vaccine 2011; 29:1139-44.; outro, realizado em Goiânia, sugeriu uma cobertura de 80% nas crianças de 28 dias a 36 meses 2929. Andrade AL, Oliveira R, Vieira MA, Minamisava R, Pessoa Jr. V, Brandileone MCC, et al. Population-based surveillance for invasive pneumococcal disease and pneumonia in infants and young children in Goiânia, Brazil. Vaccine 2012; 30:1901-9.. As reduções nas taxas identificadas neste trabalho, após dois anos de utilização da PCV10, devem ser atribuídas à introdução da vacina, assemelhando-se ao estudo realizado nos Estados Unidos, que, após cinco anos de uso da PCV7, registrou uma redução de 64% na incidência da meningite pneumocócica nos menores de dois anos 2323. Hsu HE, Shutt KA, Moore MR, Beall BW, Bennett NM, Craig AS, et al. Effect of pneumococcal conjugate vaccine on pneumococcal meningitis. N Engl J Med 2009; 360:244-56..
Pesquisas realizadas na França, Inglaterra e País de Gales demonstraram que, somente após dois anos de utilização da PCV7 e com uma cobertura vacinal maior ou igual a 75%, houve uma redução de 30%-65% na incidência da doença pneumocócica invasiva de todos os sorotipos; a Alemanha, a Noruega e a Dinamarca, com apenas um ano de vacinação, registraram uma redução da doença pneumocócica invasiva que variou de 45-57%. Assim, a redução na Europa foi sistematicamente menor que nos Estados Unidos, onde a incidência de doença pneumocócica invasiva em crianças menores de 2 anos diminuiu 69% após somente 1 ano de utilização da vacina 16 16. Whitney CG, Farley MM, Hadler J, Harrison LH, Bennett NM, Lynfield R, et al. Decline in invasive pneumococcal disease after the introduction of protein-polysaccharide conjugate vaccine. N Engl J Med 2003; 348:1737-46. e 76% nos menores de 5 anos de idade, após sete anos da introdução da PCV7 1212. Pilishvili T, Lexau C, Farley MM, Hadler J, Harrison LH, Bennett NM, et al. Sustained reductions in invasive pneumococcal disease in the era of conjugate vaccine. J Infect Dis 2010; 201:32-41.. Em Calgary, no Canadá, os resultados encontrados em crianças menores de 2 anos foram semelhantes: a incidência de doença pneumocócica invasiva geral reduziu 69,9%, e para os sorotipos PCV7 a redução foi de 88,7% 1717. Kellner JD, Church DL, MacDonald J, Tyrrell GJ, Scheifele D. Progress in the prevention of pneumococcal infection. CMAJ 2005; 173:1149-51..
Quanto à mortalidade, os resultados do presente estudo demonstram uma queda consistente no número de óbitos quando comparados os períodos pré e pós-implantação da PCV10, com uma redução no número absoluto e na taxa de mortalidade, sendo mais expressiva na faixa etária de 6 a 11 meses de idade e, no segundo ano pós-vacinação, nas crianças menores de 6 meses, configurando provavelmente uma proteção indireta ou de rebanho, conforme descrito em estudos anteriores 2121. Poehling KA, Talbot TR, Griffin MR, Craig AS, Whitney CG, Zell E. Invasive pneumococcal disease among infants before and after introduction of pneumococcal conjugate vaccine. JAMA 2006; 295:1668-74..
Os resultados de redução do número de óbitos e taxa de mortalidade corroboram com os apresentados por Hicks et al. 3030. Hicks LA, Harrison LH, Flannery B, Hadler JL, Schaffner W, Craig AS, et al. Incidence of pneumococcal disease due to nonpneumococcal conjugate vaccine (PCV7) serotypes in the United States during the era of widespread PCV7 vaccination, 1998-2004. J Infect Dis 2007; 196:1346-54., que registraram, nos Estados Unidos, uma queda na mortalidade em crianças menores de 2 anos por doença pneumocócica invasiva sorotipos vacinais, e com outros estudos que relataram reduções de 62,5% e 57,1% na mortalidade por doença pneumocócica invasiva geral em crianças elegíveis para a vacinação 1212. Pilishvili T, Lexau C, Farley MM, Hadler J, Harrison LH, Bennett NM, et al. Sustained reductions in invasive pneumococcal disease in the era of conjugate vaccine. J Infect Dis 2010; 201:32-41.,3131. Pulido M, Sorvillo F. Declining invasive pneumococcal disease mortality in the United States, 1990-2005. Vaccine 2010; 28:889-92.. Um estudo em Gâmbia, utilizando a vacina pneumocócica 9-valente (PCV9), registrou uma redução de 16% na mortalidade infantil, e também na África do Sul com resultados semelhantes 3232. Klugman KP, Madhi SA, Huebner RE, Kohberger R, Mbelle N, Pierce N, et al. A trial of a 9-valent pneumococcal conjugate vaccine in children with and those without HIV infection. N Engl J Med 2003; 349:1341-8..
Com relação à letalidade, os achados deste estudo vão ao encontro de registros de Berezin et al. 3333. Berezin EN, Carvalho LH, Lopes CR, Sanajotta AT, Brandileone MC, Menegatti S, et al. Meningite pneumocócica em crianças: achados clínicos, sorotipos mais frequentes e prognóstico. J Pediatr (Rio J.) 2002; 78:19-23., de uma letalidade de 20% para a meningite pneumocócica, e com os resultados apresentados por Menezes et al. 2828. Menezes APO, Campos LC, Santos MS, Azevedo J, Santos RCN, Carvalho MGS, et. al. Serotype distribution and antimicrobial resistance of Streptococcus pneumoniae prior to introduction of the 10-valent pneumococcal conjugate vaccine in Brazil, 2000-2007. Vaccine 2011; 29:1139-44., em menores de 15 anos, de 28,6% e 41,9% nos menores de 5 anos. Apesar do impacto identificado na doença pneumocócica e mesmo com os avanços na assistência, a taxa de letalidade é variável entre adultos 3434. Weisfelt M, van de Beek D, Spanjaard L, Reitsma JB, de Gans J. Clinical features, complications, and outcome in adults with pneumococcal meningitis: a prospective case series. Lancet Neurol 2006; 5:123-9. e crianças 3535. Schuchat A, Robinson K, Wenger JD, Harrison LH, Farley M, Reingold AL, et al. Bacterial meningitis in the United States in 1995. N Engl J Med 1997; 337:970-6.,3636. Haddy RI, Perry K, Chacko CE, Helton WBBS, Bowling MG, Looney SW, et al. Comparison of incidence of invasive Streptococcus pneumoniae disease among children before and after introduction of conjugated pneumococcal vaccine. Pediatr Infect Dis J 2005; 24:320-3., sendo que, na meningite, a alteração observada é de 16% a 37% em crianças e de 1% a 3% em adultos 3737. Lynch 3(rd) JP, Zhanel GG. Streptococcus pneumoniae: epidemiology, risk factors, and strategies for prevention. Semin Respir Crit Care Med 2009; 30:189-209., coerente com as estimativas de 8 e 12% que não têm se modificado em 20 anos, apesar do progresso no diagnóstico e tratamento 3838. Swartz MN. Bacterial meningitis: a view of the past 90 years. N Engl J Med 2004; 351:1826-8.,3939. Perrocheau A, Doyle A, Bernillon P, Varon E, de La Roque F, Cohen R, et al. Estimation du nombre total de mèningites à pneumocoque de l'enfant, par la méthode capture-recapture à 3 sources, France, 2001-2002. Bull Epidemiol Hebd 2006; 2-3:16-18..
Quanto ao gênero, estudo realizado nos Estados Unidos registrou que a proporção de casos de meningite pneumocócica foi maior no sexo masculino do que no feminino 4040. Hsu HE, Shutt KA, Moore MR, Beall BW, Bennett NM, Craig AS, et al. Effect of pneumococcal conjugate vaccine on pneumococcal meningitis. N Engl J Med 2009; 360:244-56.. No Brasil, os resultados identificados em diferentes estudos são semelhantes 1515. Azevedo LCP, Toscano CM, Bierrenbach AL. Bacterial meningitis in Brazil: baseline epidemiologic assessment of the decade prior to the introduction of pneumococcal and meningococcal vaccines. PLoS One 2013; 8:e64524.,2828. Menezes APO, Campos LC, Santos MS, Azevedo J, Santos RCN, Carvalho MGS, et. al. Serotype distribution and antimicrobial resistance of Streptococcus pneumoniae prior to introduction of the 10-valent pneumococcal conjugate vaccine in Brazil, 2000-2007. Vaccine 2011; 29:1139-44.,41 41. Afonso ET, Minamisava R, Bierrenbach AL, Escalante JJC, Alencar AP, Domingues CM, et al. Effect of 10-valent pneumococcal vaccine on pneumonia among children, Brazil. Emerg Infect Dis 2013; 19:589-97.e compatíveis com os achados deste trabalho.
A utilização de dados secundários em análises epidemiológicas pode gerar limitações, sendo passível de vieses, desde a captação de casos até a digitação dos dados em um sistema. Além disso, análises ecológicas não têm a indicação de determinar causalidade, uma vez que outras mudanças ocorridas no mesmo tempo em que houve a implantação da vacina não estão controladas e demonstradas no estudo, indicando a necessidade de trabalhos futuros para a solidificação dos achados. Contudo, os resultados deste estudo representam importantes evidências que apontam para o impacto da vacina PCV10 na redução da meningite pneumocócica no Brasil.
Por fim, podemos dizer que os resultados obtidos no presente estudo demonstram que dois anos após a introdução da P
Agradecimentos
Agradecemos à Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, pela disponibilização da base de dados e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pela bolsa de estudo.
Referências bibliográficas
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Fev 2015
Histórico
- Recebido
26 Set 2013 - Revisado
02 Ago 2014 - Aceito
18 Ago 2014