CATEGORIA VIDA - REFLEXÕES PARA UMA NOVA BIOLOGIA. Czeresnia D. São Paulo: Editora Unesp/Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2012. 135p. ISBN: 978-85-393-0240-6 (Editora Unesp)

Marilia Teresinha de Sousa Machado
2012

O estudo da vida para além da Biologia

O livro Categoria Vida - Reflexões para uma Nova Biologia pode ser encontrado nas prateleiras de filosofia, medicina ou biologia. Essa categorização tem origem no perfil de sua autora. Dina Czeresnia é médica e pesquisadora e professora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouga (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Tem se dedicado à pesquisa dos fundamentos conceituais da epidemiologia, às teorias de doença e à promoção da saúde, sempre procurando, em um viés filosófico, o alicerce para o entendimento de questões relativas à vida. Trata-se de uma publicação para quem se interessa por questões filosóficas relacionadas à vida e pode ser classificada como uma obra do campo da filosofia da ciência.

O título do livro induz a uma correta ideia sobre a sua temática. É um livro que desperta o leitor para os modernos desafios da ciência. O objetivo é demonstrar que existe a necessidade de diálogo entre a biologia, a física e a filosofia, além de outras ciências, para o entendimento do fenômeno da vida. A obra transita por uma construção interdisciplinar e constrói conhecimentos de uma filosofia da biologia analisando a visão do homem como um ser transversal e os conceitos de vida inseridos nesta transversalidade. Para demonstrar essa construção de conceitos, a autora tece um debate com as contribuições de autores como Foucault, Nietzsche, Canguilhem, Penrose, Schrödinger, Morin, Jonas e Arendt.

A autora sustenta que a vida deve ser o motivo comum de empenho de todas as formas de conhecimento. Assim, o papel da biologia passa a ser, ao mesmo tempo, central por ser a ciência que estuda a vida, e periférico por não ser a única ciência que estuda a vida. Essa ideia é compartilhada pelo pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, que assina o prefácio da obra. Para ele, o cerne do livro se baseia na ideia de que existe uma necessidade de mudar a forma de perceber o homem em relação ao universo.

Para desfiar as suas ideias sobre como o homem tem transformado suas relações com o conhecimento, a autora dividiu o livro em seis capítulos. Trata-se de uma coletânea de artigos sobre medicina, saúde pública e epidemiologia, publicados em periódicos nacionais. Os capítulos seguem uma lógica de análise: iniciam com aspectos gerais sobre saúde e doença e afunilam para questões sobre o envolvimento da biologia e de outras ciências na percepção do fenômeno da vida. A autora apresenta os problemas relacionados à compreensão da vida e vai tecendo as articulações necessárias para contextualizar e entender o fenômeno dentro de um leque interdisciplinar.

O primeiro capítulo analisa o conceito de risco epidemiológico, inserido na sociedade de risco. A autora reconhece que, na atualidade, o saber científico tem como objetivo o cálculo de riscos e a orientação de escolhas no campo da saúde pública. Muitas dessas escolhas vão interferir na cultura e na forma de como as pessoas vão se relacionar com a morte, na vivência da alteridade e na disseminação da individualidade.

As questões sobre individualidade e alteridade são retomadas no segundo capítulo, bem como as diferentes representações que saúde e doença apresentam na cultura ocidental. Essas questões circundam o conhecimento sobre como a concepção de doença apresenta um caráter reducionista e fragmentário nos campos de conhecimento biológico, psíquico e social. Para a autora, a abordagem atual da doença apresenta uma supremacia da esfera biológica. Nesse enfoque hegemônico não há espaço para a apreciação dos aspectos psíquicos e sociais do adoecer.

Como uma forma de suplantar a abordagem reducionista biológica, o capítulo 3 remonta à filosofia pré-socrática, recuperando o conceito de physis, que compreende "a totalidade de tudo aquilo que era, é e será", e o pensamento de Hipócrates, que concebe o fenômeno da doença como "o desequilíbrio de uma harmonia da natureza, apreendida como totalidade". Existe um valor em reconhecer que a natureza não deve se dissociar da construção humana. São questionadas ainda a racionalidade moderna, a desconexão entre corpo e espaço e dualidades como natureza e cultura, corpo e alma, biologia e sociedade, sujeito e objeto.

A admiração da autora pelo médico e filósofo francês Georges Canguilhem fica evidente no capítulo 4. Nesse capítulo, ela comenta o caráter filosófico das ciências da vida com base na ótica de Canguilhem, que defende que é necessário partir do próprio ser vivo para compreender a vida. Para o filósofo, a vida é irredutível à análise e à decomposição da lógica e da matemática, e não é indiferente às condições nas quais ela é possível. Esses fatores conferem às ciências da vida uma "normatividade biológica" que lhes oferece um caráter de especificidade em relação às ciências da natureza.

No capítulo 5, a autora retoma a dualidade corpo e mente em diferentes níveis. Para tanto, intercala as suas análises com as abordagens de diferentes autores que discutem a questão da cognição. O leitor é aproximado da percepção de pensadores. Não que esta seja uma estratégia facilitadora da leitura para os iniciantes na temática. Além de toda a análise sobre os estudos desses pensadores, o livro é uma fonte de transcrições de trechos de suas obras. Assim, é possível conhecer um pouco do estilo desses clássicos da biologia, da física e da filosofia e se familiarizar com as suas ideologias e pensamentos. A autora retoma o conceito de normatividade biológica de Canguilhem, segundo o qual um organismo uni ou pluricelular exerce um relativo "discernimento" a respeito do que é favorável ou prejudicial à sua preservação. Para ele, a vida humana estaria enraizada na vida de uma célula, sendo o homem apenas a ampliação de uma propriedade biológica básica. Aborda o pensamento provocativo de Morin acerca da lógica evolutiva entre os indivíduos-sujeito humano e bacteriano; e trata, ainda, da cota especulativa de Penrose de que a ação do cérebro seria de ordem física, mas não simulável em computador. A leitura do capítulo surpreende pela ideia provocadora de que a função cognitiva humana seria decorrência evolutiva de uma propriedade elementar presente em uma célula, ou seja, se existe mente humana, por que não seria possível existir uma mente celular?

Na busca pela articulação entre as grandes questões atuais envolvendo a biologia e a física, a autora retoma as ideias de físicos como Schrödinger e Bohr, que escreveram sobre a relação entre estas duas ciências. A física clássica e a física quântica seriam capazes de funcionar como alicerces para a compreensão da dualidade corpo e mente, objetividade e subjetividade, e compreensão dos fenômenos da vida com base nas condições de observação. Assim, a autora questiona qual é o limite do conhecimento, uma vez que a capacidade de observação humana vem sendo ampliada. Dessa forma, a autora conclui que, ao mesmo tempo, o homem se aproxima da realidade verdadeira e pode construir outras realidades permeadas por essas novas condições de observação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2015
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br