Resumos
O objetivo do estudo foi avaliar a associação entre suporte ventilatório no período neonatal e doenças respiratórias até os seis anos de idade. Estudo de coorte de nascimentos de base populacional. A exposição principal foi o suporte ventilatório ao nascimento, definido como o uso de pressão contínua positiva nasal (CPAPn) e/ou ventilação mecânica (VM) por mais de três horas, desde o momento da hospitalização ao nascimento até os 28 dias. Os desfechos foram chiado no peito nos últimos 12 meses, diagnóstico médico de asma alguma vez na vida e episódio de pneumonia ocorrido até os seis anos de idade. Foram realizadas análises brutas e ajustadas para potenciais variáveis de confusão, usando regressão de Poisson. Foram analisadas 3.624 crianças. O uso de CPAPn e VM ou unicamente VM esteve associado com maior frequência de diagnóstico médico de asma, mesmo após ajuste para características maternas e das crianças (RP = 2,24; IC95%: 1,27-3,99). Os resultados do presente estudo alertam para as complicações respiratórias, em médio prazo, decorrentes do suporte ventilatório realizado no período neonatal.
Suporte Ventilatório Interativo; Pneumonia; Asma; Saúde da Criança
El objetivo del estudio fue evaluar la asociación entre el soporte ventilatorio durante el período neonatal y las enfermedades respiratorias durante los seis primeros años de vida. Se trata de un estudio de cohorte de nacimiento con base poblacional. La exposición principal, soporte ventilatorio al nacimiento, fue definida como el uso de presión positiva nasal (CPAPn) y/o ventilación mecánica (VM) durante más de tres horas, desde la hospitalización al nacimiento, hasta los 28 días de vida. Los resultados analizados fueron: broncoespasmo en los últimos doce meses, diagnóstico médico de asma - realizado alguna vez en la vida- y episodio de neumonía ocurrido hasta los seis años de edad. Se realizaron análisis brutos y ajustados para potenciales variables de confusión, usando la regresión de Poisson. Fueron estudiados 3.624 niños. El uso de soporte ventilatorio estuvo asociado con una mayor frecuencia de diagnóstico médico de asma, incluso tras ajustar las características maternas y de los niños (RP = 2,24; IC95%: 1,27-3,99). Los resultados alertan sobre las complicaciones respiratorias a medio plazo tras el soporte ventilatorio realizado en el período neonatal.
Soporte Ventilatorio Interativo; Pneumonía; Asma; Salud del Niño
Introdução
À medida que a mortalidade infantil diminui no mundo, fundamentalmente devido a uma diminuição constante da mortalidade pós-neonatal, a mortalidade neonatal se constitui no componente mais importante da mortalidade infantil 11 . UN Children’s Fund/World Health Organization. Countdown to 2015 maternal, newborn & child survival. Building a future for women and children: the 2012 report. Washington DC: World Health Organization; 2012.. No Brasil, a prematuridade é a principal causa de óbito neonatal e de 70% das mortes ocorridas no primeiro dia de vida 22 . Victora CG, Aquino EM, do Carmo Leal M, Monteiro CA, Barros FC, Szwarcwald CL. Maternal and child health in Brazil: progress and challenges. Lancet 2011; 377:1863-76. , 33 . Departamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, organizador. Saúde Brasil 2011: uma análise da situação de saúde e a vigilância da saúde da mulher. v. 1. Brasília: Ministério da Saúde; 2012..
Nas últimas décadas, estudos mostraram melhoria nas taxas de sobrevida nos recém-nascidos pré-termo 44 . Ishii N, Kono Y, Yonemoto N, Kusuda S, Fujimura M. Outcomes of infants born at 22 and 23 weeks’ gestation. Pediatrics 2013; 132:62-71. , 55 . Lawn JE, Blencowe H, Oza S, You D, Lee AC, Waiswa P, et al. Every newborn: progress, priorities, and potential beyond survival. Lancet 2014; 384:189-205. , 66 . Field DJ, Dorling JS, Manktelow BN, Draper ES. Survival of extremely premature babies in a geographically defined population: prospective cohort study of 1994-9 compared with 2000-5. BMJ 2008; 336:1221-3.. A Rede Brasileira de Pesquisas Neonatais reportou melhoria na sobrevida dos recém-nascidos pré-termo extremos e daqueles com muito baixo peso ao nascer (< 1.500g) no ano de 2012, em relação aos resultados apresentados em 2008. Como exemplo, a sobrevida de recém-nascidos na faixa de peso de 400-499g, que foi quase inexistente em 2008, aumentou para 7,4% em 2012; por sua vez, neste mesmo ano, a sobrevida de recém-nascidos com peso ao nascer de 1.250-1.499g foi de 94,3% 77 . Rede Brasileira de Pesquisas Neonatais. Relatório anual 2013. http://www.redeneonatal.fiocruz.br/images/stories/relatorios/rbpn2013.pdf (acessado em 24/Ago/2014).
http://www.redeneonatal.fiocruz.br/image... . No entanto, a prematuridade, além de contribuir para a mortalidade, é responsável pela elevada morbidade dos sobreviventes, seja pela presença de complicações agudas, seja a longo prazo, com importantes sequelas no desenvolvimento físico e intelectual 8,9,10.
Do ponto de vista respiratório, devido à imaturidade pulmonar, os recém-nascidos prematuros apresentam, com frequência, síndrome de desconforto respiratório, apneias e infecções, requerendo a utilização prolongada de oxigênio e/ou suporte ventilatório. A associação entre suporte ventilatório e uso prolongado de oxigênio no período neonatal, especialmente em recém-nascidos prematuros de idade gestacional inferior a 30 semanas, está relacionada ao aparecimento de displasia bronco-pulmonar 1111 . Rebello CM, Mascaretti RS. A “nova” displasia broncopulmonar. Sistema de educação médica continuada a distância. Programa de atualização em neonatologia. http://www.artmedpanamericana.com.br/file.php/1/biblioteca/SEMCAD/PRORN/ciclo%201/rnc1m2-03.pdf (acessado em 24/Ago/2014).
http://www.artmedpanamericana.com.br/fil... , 1212 . Carvalho CG, Silveira RC, Procianoy RS. Ventilator-induced lung injury in preterm infants. Rev Bras Ter Intensiva 2013; 25:319-26.. Diversos estudos também observaram que recém-nascidos prematuros submetidos a ventilação mecânica no período neonatal apresentaram maior risco de desenvolver doenças respiratórias, como asma e pneumonia, nos primeiros anos de vida, quando comparados com aqueles que não fizeram uso do procedimento 1313 . Fauroux B, Gouyon JB, Roze JC, Guillermet-Fromentin C, Glorieux I, Adamon L, et al. Respiratory morbidity of preterm infants of less than 33 weeks gestation without bronchopulmonary dysplasia: a 12-month follow-up of the CASTOR study cohort. Epidemiol Infect 2014; 142:1362-74. , 1414 . Stevens TP, Dylag A, Panthagani I, Pryhuber G, Halterman J. Effect of cumulative oxygen exposure on respiratory symptoms during infancy among VLBW infants without bronchopulmonary dysplasia. Pediatr Pulmonol 2010; 45:371-9. , 1515 . Friedrich L, Corso AL, Jones MH. Prognóstico pulmonar em prematuros. J Pediatr (Rio J.) 2005; 81(1 Suppl):S79-88. , 1616 . de Mello RR, Dutra MV, Lopes JM. Morbidade respiratória no primeiro ano de vida de prematuros egressos de uma unidade pública de tratamento intensivo neonatal. J Pediatr (Rio J.) 2004; 80:503-10. , 1717 . Chalfun G, Mello RR, Dutra MVP, Andreozzi VL, Silva KS. Fatores associados à morbidade respiratória entre 12 e 36 meses de vida de crianças nascidas de muito baixo peso oriundas de uma UTI neonatal pública. Cad Saúde Pública 2009; 25:1399-408.. No período neonatal, foi verificada, ainda, associação entre ventilação mecânica e alterações dos parâmetros da função pulmonar (espirometria) aos 8-9 anos 1818 . Kotecha SJ, Watkins WJ, Paranjothy S, Dunstan FD, Henderson AJ, Kotecha S. Effect of late preterm birth on longitudinal lung spirometry in school age children and adolescents. Thorax 2012; 67:54-61., assim como maior chance de apresentar asma durante a infância e vida adulta 1919 . Gibson AM, Doyle LW. Respiratory outcomes for the tiniest or most immature infants. Semin Fetal Neonatal Med 2014; 19:105-11. , 2020 . Greenough A. Long-term pulmonary outcome in the preterm infant. Neonatology 2008; 93:324-7. , 2121 . Kotecha S, Kotecha SJ. Long term respiratory outcomes of perinatal lung disease. Semin Fetal Neonatal Med 2012; 17:65-6..
Embora existam, na literatura, estudos realizados em países como o Reino Unido e Estados Unidos sobre as consequências, a médio e longo prazo, do uso de suporte ventilatório no período neonatal, ainda há escassez de resultados sobre esses problemas entre crianças provenientes de países de renda média e baixa. Portanto, o presente estudo teve como objetivo principal avaliar a associação entre suporte ventilatório no período neonatal e doenças respiratórias aos seis anos de idade, nas crianças pertencentes à Coorte de Nascimentos de 2004 da cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil.
Métodos
Fonte de dados
No ano de 2004, foi iniciado um estudo de coorte de nascimentos na cidade de Pelotas, cuja população estimada era de 340 mil habitantes. A maioria dos moradores residia na área urbana (93%), e a cidade contava com cinco maternidades e duas unidades de terapia intensiva (UTI) neonatal. Nasceram vivas 4.263 crianças, cujas mães residiam no município, sendo 4.231 incluídas no estudo (taxa de perdas de 0,8%). Menos de 1% dos partos ocorreu fora do ambiente hospitalar.
Os recém-nascidos foram avaliados na maternidade logo após o nascimento; na mesma ocasião, um questionário foi aplicado às mães, a fim de se obterem informações socioeconômicas da família, atendimento pré-natal e utilização de serviços de saúde. As crianças pertences à coorte foram acompanhadas em média (desvio-padrão) aos 3,0 (0,1), 11,9 (0,2), 23,9 (0,4), 49,5 (1,7) e 82,2 (4,0) meses de vida. O número de crianças identificadas (incluídas as crianças que morreram e foram reconhecidas como pertencentes à coorte) nestas idades foram, respectivamente, 3.985, 3.907, 3.869, 3.799 e 3.722, com taxas de resposta que variam entre 90% e 96%. A Figura 1 apresenta o fluxograma da coorte de 2004, destacando as mortes, recusas e perdas ocorridas ao longo do estudo. Todos os acompanhamentos foram realizados em casa, com exceção do último, que foi feito em uma clínica especialmente montada para esse fim. Informações detalhadas sobre a metodologia do estudo de Coorte de Nascimento de Pelotas de 2004 foram publicadas previamente 2222 . Santos IS, Barros AJ, Matijasevich A, Zanini R, Chrestani Cesar MA, Camargo-Figuera FA, et al. Cohort profile update: 2004 Pelotas (Brazil) birth cohort study. Body composition, mental health and genetic assessment at 6 years follow-up. Int J Epidemiol 2014; 43:1437-1437a-f..
Desfechos
Os desfechos do estudo foram presença de chiado no peito nos últimos 12 meses (entre cinco e seis anos de idade), diagnóstico médico de asma alguma vez na vida e episódio de pneumonia ocorrido entre a alta hospitalar ao nascimento e os seis anos de idade.
A variável “chiado no peito nos últimos doze meses” foi definida com base no questionário ISAAC (International Study of Allergy and Asthma in Childhood) 2323 . Worldwide variation in prevalence of symptoms of asthma, allergic rhinoconjunctivitis, and atopic eczema: ISAAC. The International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) Steering Committee. Lancet 1998; 351:1225-32. , 2424 . Asher MI, Keil U, Anderson HR, Beasley R, Crane J, Martinez F, et al. International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC): rationale and methods. Eur Respir J 1995; 8:483-91.; a presença do problema foi coletada no acompanhamento dos seis anos por meio da seguinte pergunta: “a <criança> teve chiado no peito nos últimos doze meses?”. Para se obter informação sobre diagnóstico médico de asma, perguntou-se para a mãe ou responsável no acompanhamento dos seis anos o seguinte: “alguma vez o médico disse que a <criança> tinha asma?”. A variável de desfecho pneumonia foi avaliada em cada acompanhamento mediante a pergunta: “a <criança> teve pontada ou pneumonia até agora?”. Neste desfecho, o termo “pontada” foi considerado como sinônimo de “pneumonia”.
Exposição principal
A variável de exposição principal foi o “suporte ventilatório ao nascimento”, registrado nos prontuários hospitalares. O suporte ventilatório foi definido como o uso de pressão contínua positiva nasal (CPAPn) e/ou ventilação mecânica (VM) por mais de três horas, desde o momento da hospitalização ao nascimento até os 28 dias de vida. Esta variável foi categorizada em “uso de CPAPn unicamente”, “CPAPn junto com VM ou VM unicamente” e “sem suporte ventilatório”.
Potenciais variáveis de confusão
Variáveis maternas
Características socioeconômicas e demográficas
A renda familiar do mês anterior ao nascimento da criança foi informada em reais e padronizada em salários mínimos. Escolaridade (anos completos de educação formal), idade (anos completos), estado civil, paridade e cor da pele (classificada conforme a observação da entrevistadora) maternos foram avaliados no momento do parto.
Características da gravidez
Foi investigado o momento em que ocorreu a primeira consulta pré-natal. O tabagismo durante a gravidez baseou-se em autorrelato, sendo considerada fumante a mulher que consumiu pelo menos um cigarro por dia, em qualquer trimestre da gravidez. Perguntou-se para a mãe se teve infecção urinária na gravidez. O uso de corticoide antes do parto também foi investigado. O tipo de parto foi classificado como vaginal (induzido ou não) e cesariana.
Variáveis da criança
Informação coletada ao nascimento
A idade gestacional dos recém-nascidos foi avaliada pela data da última menstruação anotada no cartão da gestante ou referida pela mãe (nesta ordem de prioridade). Caso a data fosse desconhecida ou inconsistente, foi avaliada pela ultrassonografia realizada antes de 20 semanas de gestação; caso não houvesse laudo de ultrassonografia, o recém-nascido foi avaliado pelo método de Dubowitz, procedimento realizado com a maioria dos recém-nascidos.
O peso ao nascer foi aferido usando balanças eletrônicas pediátricas com precisão de 10g. Foi coletada informação sobre gemelaridade, sexo e pontuação de Apgar no quinto minuto de vida, realizada pelo pediatra ou profissional que atendeu o recém-nascido.
Análise estatística
As análises descritivas incluíram o cálculo de distribuições de frequência para desfechos e exposições categóricas. Os desfechos dicotômicos foram relacionados com as variáveis de exposição categóricas usando-se tabelas de contingência; foram estimadas as razões de prevalências com respectivos intervalos de 95% de confiança (IC95%). Os testes estatísticos basearam-se no teste de qui-quadrado.
As análises multivariadas foram realizadas usando regressão de Poisson com variância robusta, com resultados expressos em razões de prevalências (RP) e seus respectivos IC95%. Na análise multivariada, ingressaram, unicamente, potenciais fatores de confusão da associação entre suporte ventilatório ao nascimento e cada um dos três desfechos estudados. As variáveis de confusão foram definidas como aquelas que apresentavam associação com a exposição principal e o desfecho (por exemplo, chiado no peito) com um valor de p < 0,20, sem estarem na cadeia causal entre a exposição e o desfecho. Foram investigadas quais variáveis de exposição poderiam atuar como fatores de confusão para cada uma das associações estudadas. Todas as análises foram realizadas usando o programa estatístico Stata, versão 12.1 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos).
Questões éticas
Os protocolos de todos os acompanhamentos realizados pelo estudo da Coorte de Nascimentos de Pelotas de 2004 foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa Médica da Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Pelotas. O protocolo do presente estudo também foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina, assim como pelos comitês do Hospital Universitário São Francisco de Paula (Universidade Católica de Pelotas) e do Hospital Escola (Universidade Federal de Pelotas).
Resultados
Das 4.231 crianças participantes da Coorte de Nascimentos de Pelotas de 2004, 254 (6%) foram hospitalizadas ao nascimento em UTI neonatal e, destas, 121 (47,6 %) necessitaram de suporte ventilatório ao nascimento. Dentre as 254 crianças hospitalizadas, 37 (14,6%) faleceram no período neonatal, oito (3,1%), no período pós-neonatal, e quatro (1,6%), entre o primeiro e o sexto ano de vida. Daquelas que não foram hospitalizadas em UTI neonatal ao nascimento, dez (0,3%) faleceram no período neonatal, 22 (0,6%), no período pós-neonatal, e 14 (0,3%), entre o primeiro e o sexto ano de vida. No presente estudo, foram analisadas 3.624 crianças (85,7% da coorte original), cujas informações sobre os desfechos em estudo encontravam-se disponíveis.
Após exclusão das 95 crianças que faleceram nos primeiros seis anos de acompanhamento da coorte de Pelotas de 2004, as 3.624 incluídas nesta pesquisa foram comparadas com as 512 (387 perdas, 27 recusas e 98 crianças com informações incompletas) para as quais não estavam disponíveis os desfechos do estudo. A perda de informação para os desfechos estudados foi mais frequente entre crianças de mães com maior número de filhos prévios (Tabela 1).
Das 3.624 crianças incluídas no presente estudo, 3.553 (98%) não receberam suporte ventilatório ao nascimento, 32 (0,9%) receberam somente CPAPn e 39 (1,1%) receberam CPAPn e VM ou VM unicamente. No total, 22,4% (n = 812) apresentaram chiado no peito nos últimos 12 meses (entre cinco e seis anos de idade), 18,8% (n = 680) já haviam recebido diagnóstico médico de asma e 20,8% (n = 752) tiveram pneumonia entre a alta hospitalar após o nascimento e os seis anos de idade. A Figura 2 descreve a associação entre utilização de suporte ventilatório ao nascimento e frequência dos desfechos investigados até os seis anos de idade. As crianças que precisaram de CPAPn e VM ou VM unicamente apresentaram as frequências mais elevadas de pneumonia após a alta hospitalar ao nascimento, chiado no peito entre cinco e seis anos de idade e diagnóstico médico de asma (41%, 43,6% e 48,7%, respectivamente).
Associação entre tipo de suporte ventilatório ao nascimento (nenhum suporte; CPAPn unicamente; e CPAPn junto com VM ou VM unicamente) e doenças respiratórias aos 6 anos de idade. Coorte de Nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, 2004.
A Tabela 2 apresenta a distribuição dos desfechos pneumonia, chiado no peito e asma, conforme as características maternas. As crianças de famílias mais pobres e de mães com menor escolaridade, com cor da pele preta ou mista, multíparas e que relataram infecção urinária durante a gravidez apresentaram maiores prevalências de pneumonia e asma. Os filhos de mães com idade inferior a 20 anos apresentaram maiores prevalências de pneumonia e chiado no peito. Crianças de mães que fumaram durante a gravidez apresentaram com maior frequência pneumonia, chiado no peito e diagnóstico médico de asma. Não foram observadas diferenças para pneumonia, chiado no peito ou asma em relação ao tipo de parto e uso pré-natal de corticoides. Em relação às características das crianças (Tabela 3), os meninos apresentaram maiores prevalências de chiado no peito e asma do que as meninas. Pneumonia e asma foram doenças mais frequentes entre crianças que nasceram pré-termo ou com baixo peso ao nascer.
A Tabela 4 apresenta o efeito bruto e ajustado da associação entre suporte ventilatório ao nascimento e cada um dos desfechos estudados. Na análise bruta, observou-se que os recém-nascidos expostos ao suporte ventilatório no nascimento (CPAPn junto com VM ou VM unicamente) apresentaram quase duas vezes mais prevalência de pneumonia e chiado no peito e quase três vezes mais prevalência de diagnóstico médico de asma, quando comparados àqueles que não utilizaram suporte ventilatório no período neonatal. Após ajuste para potenciais variáveis de confusão, a associação entre suporte ventilatório e diagnóstico médico de asma praticamente não apresentou modificação em relação ao modelo bruto, e as associações entre suporte ventilatório e pneumonia e chiado deixaram de ser significativas.
Discussão
O presente estudo foi realizado em uma coorte de 4.231 recém-nascidos, dos quais 6% hospitalizaram-se em UTI neonatal ao nascimento; destes, quase metade requereu algum modo de suporte ventilatório durante a estada hospitalar. O uso de suporte ventilatório (CPAPn e VM ou unicamente VM) esteve associado com maior prevalência de diagnóstico médico de asma avaliado aos seis anos de vida, mesmo após ajuste para uma série de variáveis maternas e da criança.
A prevalência de nascimentos pré-termo tem mostrado tendências crescentes em muitos países, mesmo entre aqueles de renda alta 2525 . Lawn JE, Gravett MG, Nunes TM, Rubens CE, Stanton C, Group GR. Global report on preterm birth and stillbirth (1 of 7): definitions, description of the burden and opportunities to improve data. BMC Pregnancy Childbirth 2010; 10 Suppl 1:S1.. Um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), do ano de 2012, estima que mais de 10% do total dos nascimentos do mundo são prematuros. Além disso, o relatório aponta o Brasil como o décimo país do mundo com maior número absoluto de nascimentos pré-termo 11 . UN Children’s Fund/World Health Organization. Countdown to 2015 maternal, newborn & child survival. Building a future for women and children: the 2012 report. Washington DC: World Health Organization; 2012.. Essa alta prevalência de prematuridade tem importantes repercussões sociais e econômicas, a curto e a longo prazos. Inúmeros desafios afrontam a neonatologia, tanto no tratamento agudo das patologias que sofrem esses recém-nascidos, como na prevenção de sequelas a longo prazo. Embora o ideal seja prevenir a prematuridade a qualquer custo, poucas medidas foram associadas com reduções significativas dos nascimentos pré-termo em nível populacional 2626 . Barros FC, Bhutta ZA, Batra M, Hansen TN, Victora CG, Rubens CE, et al. Global report on preterm birth and stillbirth (3 of 7): evidence for effectiveness of interventions. BMC Pregnancy Childbirth 2010; 10 Suppl 1:S3..
A formação anatômica e fisiológica do pulmão no período pré-natal e pós-natal do recém- nascido depende de uma complexa rede de fatores que regulam o desenvolvimento vascular e a diferenciação das vias aéreas 2727 . Ranganathan S. Lung development, lung growth and the future of respiratory medicine. Eur Respir J 2010; 36:716-7. , 2828 . Burri PH. Structural aspects of postnatal lung development – alveolar formation and growth. Biol Neonate 2006; 89:313-22. , 2929 . Askin DF, Diehl-Jones W. Pathogenesis and prevention of chronic lung disease in the neonate. Crit Care Nurs Clin North Am 2009; 21:11-25. , 3030 . Turner BS, Bradshaw W, Brandon D. Neonatal lung remodeling: structural, inflammatory, and ventilator-induced injury. J Perinat Neonatal Nurs 2005; 19:362-76.. Esse processo de maturação broncoalveolar e vascular do pulmão pode ser alterado a qualquer momento, levando a complicações crônicas, que começam no período neonatal (doença pulmonar crônica neonatal) ou mais adiante no ciclo vital. Alguns fatores reconhecidos no desenvolvimento desses problemas são a prematuridade, o uso de oxigênio suplementar, o uso de suporte ventilatório, a presença de infecção, o início tardio de nutrição enteral e a persistência do canal arterial 1212 . Carvalho CG, Silveira RC, Procianoy RS. Ventilator-induced lung injury in preterm infants. Rev Bras Ter Intensiva 2013; 25:319-26. , 3131 . Abman SH. Bronchopulmonary dysplasia. New York: Informa Healthcare USA Inc.; 2010..
O uso de ventilação mecânica no período neonatal poderia causar alterações das vias respiratórias, principalmente através do barotrauma e volutrauma, atelectotrauma e biotrauma. Esse tipo de ventilação também induz a liberação de mediadores pró e anti-inflamatórios (IL-1, IL-6, IL-10 e TNF-α), produzindo lesão às células do epitélio e do endotélio pulmonar, o que pode levar a edema alveolar e alteração morfológica da estrutura broncoalveolar. Essas lesões produzidas num período precoce da vida podem ser irreversíveis, mesmo após a maturação pulmonar e o remodelamento das vias aéreas em etapas posteriores 3030 . Turner BS, Bradshaw W, Brandon D. Neonatal lung remodeling: structural, inflammatory, and ventilator-induced injury. J Perinat Neonatal Nurs 2005; 19:362-76. , 3131 . Abman SH. Bronchopulmonary dysplasia. New York: Informa Healthcare USA Inc.; 2010. , 3232 . Nardelli LM, Garcia C, Pássaro CP, Rocco PR. Entendendo os mecanismos determinantes da lesão pulmonar induzida pela ventilação mecânica. Rev Bras Ter Intensiva 2007; 19:469-74..
Estudos prévios observaram associação entre uso de suporte ventilatório no período neonatal e consequências respiratórias a médio e longo prazos.
Kotecha et al. 1818 . Kotecha SJ, Watkins WJ, Paranjothy S, Dunstan FD, Henderson AJ, Kotecha S. Effect of late preterm birth on longitudinal lung spirometry in school age children and adolescents. Thorax 2012; 67:54-61. estudaram 13.961 recém-nascidos pertencentes à coorte de nascimentos de ALSPAC (Avon Longitudinal Study of Parents and Children), da Inglaterra. Os autores relataram que o uso de ventilação mecânica esteve associado com alteração no índice da função pulmonar na idade de 8-9 anos.
Vrijlandt et al. 3333 . Vrijlandt EJ, Gerritsen J, Boezen HM, Duiverman EJ; Dutch POPS-19 Collaborative Study Group. Gender differences in respiratory symptoms in 19-year-old adults born preterm. Respir Res 2005; 6:117. estudaram, na Holanda, 690 crianças que nasceram prematuras no ano de 1983, avaliando-as posteriormente, no ano de 2002. Observaram que as nascidas com idade gestacional inferior a 32 semanas e/ou peso inferior a 1.500g e que usaram suporte ventilatório por tempo superior a 28 dias apresentaram cinco vezes mais chance de dispneia aos 19 anos de idade, do que aquelas que usaram suporte ventilatório por tempo inferior a 28 dias.
Konefal et al. 3434 . Konefal H, Czeszynska Maria B, Sardesai S, Durand M, Miazgowski T. Pulmonary function in school-aged children with mild to moderate infant respiratory distress syndrome requiring nasal continuous positive airway pressure. Ginekol Pol 2010; 81:768-73., num estudo prospectivo com 50 recém-nascidos que usaram CPAPn no período neonatal, observaram maior incidência de laringite nos primeiros seis anos e maior incidência de bronquite e pneumonia nos primeiros dois anos de vida, porém sem alteração da função pulmonar, quando comparados aos recém- nascidos que não usaram CPAPn. No presente estudo, o uso exclusivo de CPAPn no período neonatal não esteve associado com maior prevalência de pneumonia, chiado ou diagnóstico de asma em nenhum dos modelos analisados.
Grischkan et al. 3535 . Grischkan J, Storfer-Isser A, Rosen CL, Larkin EK, Kirchner HL, South A, et al. Variation in childhood asthma among former preterm infants. J Pediatr 2004; 144:321-6., numa coorte de nascimentos nos Estados Unidos, com 241 recém-nascidos prematuros, observaram que aqueles que foram expostos à ventilação mecânica no período neonatal apresentaram maior chance de asma entre os oito e onze anos, quando comparados com os que não precisaram desse tipo de suporte ventilatório. Na mesma linha que a investigação de Grischkan et al., o estudo realizado com as crianças pertencentes à Coorte de Nascimentos de 2004 de Pelotas evidenciou maior prevalência de asma entre os indivíduos que requereram ventilação mecânica no período neonatal. No entanto, as magnitudes de efeito observadas na presente pesquisa não foram tão elevadas, o que pode se dever a uma maior variação amostral no estudo de Grischkan et al., secundária a um pequeno tamanho amostral, evidenciado pelo amplo IC95% da investigação norte-americana. Por outro lado, o presente estudo incluiu informação de todos os recém-nascidos, pré-termo ou não, apresentando medidas de associação mais conservadoras do que aquelas relatadas nos estudos que incluíram unicamente crianças de alto risco.
As principais vantagens da presente investigação são as de ser um estudo longitudinal de base populacional, com alta taxa de seguimento e com informações coletadas de forma prospectiva, minimizando o viés de memória e permitindo identificar a temporalidade das associações, ainda pouco estudadas em países de renda média ou baixa. Dentre as limitações, a principal está relacionada à falta de informação sobre a fração respiratória de oxigênio, assim como à falta de dados sobre a duração e os parâmetros de suporte respiratório administrado às crianças. Na presença dessas informações, seria possível estudar relações dose-resposta e fortalecer o mecanismo causal das associações encontradas.
Outra limitação refere-se à forma como foram coletados os desfechos do estudo. A coleta da informação sobre o desfecho “chiado no peito” mediante questionário preenchido pelos pais pode haver gerado viés de informação. Os pais podem ter feito referência a outros ruídos, os causados por obstrução nasal, por exemplo, como sendo “chiado”. Uma vez que, em nosso estudo, não foi indagada a realização de ausculta pulmonar por médico ou prescrição de medicação broncodilatadora, é possível que tenha ocorrido superestimação do verdadeiro número de crianças com sibilâncias. Esse desfecho (que inclui um recordatório de 12 meses) pode também estar afetado pelo viés de memória, caso a criança tenha apresentado algum “chiado” sem repercussão ou com pequena repercussão clínica, e a mãe ou responsável haver esquecido o problema, podendo existir subestimação da frequência de sibilâncias nas crianças.
Um problema de ordem metodológica pode ter se repercutido no desfecho “pontada ou pneumonia” relatada pela mãe, já que não se tinha informação que permitisse incluir no desfecho unicamente as pneumonias diagnosticadas por médico. Esse problema pode ser fonte de viés de informação em nosso estudo e contribuir para a superestimação da real frequência de pneumonia nas crianças da coorte.
Finalmente, uma limitação que merece ser destacada é a presença de aproximadamente 14% de perdas ao longo dos seis anos da pesquisa. Embora as crianças perdidas fossem semelhantes, em quase todas as características, àquelas com informações disponíveis para os desfechos estudados, o viés de seleção não pode ser descartado.
Os resultados do presente estudo alertam para as complicações respiratórias, a médio prazo, geradas pelo suporte ventilatório realizado no período neonatal. A hiper-reatividade brônquica/asma é uma enfermidade crônica que, dependendo da gravidade, pode ocasionar importantes restrições na vida dos indivíduos afetados, com custos importantes para a família e a sociedade 3636 . Wang LY, Zhong Y, Wheeler L. Direct and indirect costs of asthma in school-age children. Prev Chronic Dis 2005; 2:A11. , 3737 . Fletcher JM, Green JC, Neidell MJ. Long term effects of childhood asthma on adult health. J Health Econ 2010; 29:377-87.. O aumento da prematuridade no Brasil, que leva a uma maior necessidade de atendimento especializado, aponta para a necessidade de serviços de assistência adequados aos recém- nascidos e a implementação de protocolos de atendimento neonatal que minimizem os riscos de complicações e sequelas dos tratamentos a longo prazo.
Agradecimentos
Somos extremamente gratos às famílias dos participantes do estudo de Coorte de Nascimento de Pelotas do ano de 2004 e a toda a equipe de pesquisa. O acompanhamento, por seis anos, da coorte de Pelotas de 2004 foi apoiado pela Wellcome Trust, CNPq e a FAPERGS. Fases prévias do estudo foram apoiadas pelo PRONEX/CNPq, o Ministério da Saúde do Brasil, a Organização Mundial da Saúde e a Pastoral da Criança.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Jul 2015
Histórico
- Recebido
03 Jun 2014 - Revisado
18 Nov 2014 - Aceito
08 Dez 2014