Resumos
O objetivo deste trabalho foi determinar a validade das medidas de autopercepção como indicador de necessidades de tratamentos odontológicos em adultos e idosos. A amostra foi composta por indivíduos que participaram da Pesquisa Nacional de Saúde Bucal e da Pesquisa sobre as Condições de Saúde Bucal da População Mineira. A autopercepção da necessidade de tratamento dentário e de prótese total foi comparada com a necessidade determinada a partir do exame odontológico, considerado padrão-ouro. A qualidade das medidas foi avaliada por meio da sensibilidade, da especificidade e de valores preditivos. A sensibilidade variou de 51% a 90%, enquanto a especificidade ficou entre 56% e 90%. Os valores preditivos positivos foram de 11% a 95%, e os negativos, de 23% a 99%. A autopercepção de necessidade de tratamento dentário em adultos e de necessidade de próteses totais em idosos apresentou valores aceitáveis de validade. Por outro lado, a autopercepção da necessidade de tratamento por idosos e da necessidade de próteses totais por adultos não foi considerada útil devido a seu baixo desempenho.
Autoavaliação Diagnóstica; Assistência Odontológica; Inquéritos de Saúde Bucal; Validade dos Testes
This study aimed to determine the validity of self-rated measures as an indicator of dental treatment needs in adults and the elderly. The sample consisted of individuals that participated in the National Oral Health Survey and the Survey on Oral Health Conditions in Minas Gerais State. Self-rated needs for dental treatment and total prostheses were compared to need based on dental examination, defined as the gold standard. The quality of measures was assessed by sensitivity, specificity, and predictive values. Sensitivity varied from 51% to 90%, and specificity from 56% to 90%. Positive predictive values were 11% to 95% and negative predictive values were 23% to 99%. Self-rated need for dental treatment in adults and for total prostheses in the elderly showed acceptable validity. Meanwhile, self-rated need for dental treatment in the elderly and for total prostheses in adults were not considered useful, due to their low performance.
Diagnostic Self Evaluation; Dental Care; Dental Health Surveys; Validity of Tests
El objetivo de este estudio fue determinar la validez de las medidas de autopercepción como un indicador de necesidades de tratamiento dental en adultos y ancianos. La muestra se compone de personas que participaron en la Encuesta Nacional de Salud Oral y la investigación sobre el estado de salud oral de la población de Minas Gerais. Se evaluó la necesidad autopercibida para tratamiento dental y dentaduras. Estos fueron comparados con la necesidad evaluada en un examen dental, considerado el estándar de oro. La calidad de las medidas se evaluó por la sensibilidad, especificidad y valores predictivos. La sensibilidad varió de un 51% a un 90% y la especificidad de un 56% a un 90%. Los valores predictivos positivos fueron de un 11% a un 95% y los negativos de un 23% a un 99%. La autopercepción de necesidad de tratamiento dental en adultos y necesidad de dentaduras en ancianos mostraron niveles aceptables de validez. Por otro lado, la autopercepción de la necesidad de tratamiento dental de los ancianos y la necesidad de prótesis dentales para adultos no se consideraron útiles, debido a su bajo rendimiento.
Autoevaluación Diagnóstica; Atención Odolntológica; Encuestas de Salud Bucal; Validez de las Pruebas
Introdução
A utilização da epidemiologia para subsidiar o planejamento das ações e políticas de saúde bucal é um dos pressupostos para a reorientação do modelo de atenção à saúde bucal no Brasil 11. Roncalli AG, Silva NN, Nascimento AC, Freitas CHSM, Casoti E, Peres KG, et al. Aspectos metodológicos do Projeto SBBrasil 2010 de interesse para inquéritos nacionais de saúde. Cad Saúde Pública 2012; 28 Suppl:S40-57.,22. Andrade FR, Narvai PC. Inquéritos populacionais como instrumentos de gestão e os modelos de atenção à saúde. Rev Saúde Pública 2013; 47 Suppl 3:154-60.. Tradicionalmente, a necessidade normativa, definida por Bradshaw 33. Bradshaw J. A taxonomy of social need. In: Maclachlan F, editor. Problems and progress in medical care: essays on current research. London: Oxford University Press; 1972. p. 71-82.como aquela determinada por profissionais e baseada em um padrão preestabelecido, é a mais utilizada em estudos epidemiológicos com foco em agravos bucais. Entretanto, realizar o retrato epidemiológico de uma população por meio de exames odontológicos demanda conhecimento técnico e exige a utilização de recursos humanos, materiais e financeiros frequentemente limitados 44. Axelsson G, Helgadóttir S. Comparison of oral health data from self-administered questionnaire and clinical examination. Community Dent Oral Epidemiol 1995; 23:365-8.,55. Ankola A, Balappanavar A, Hebbal M, Kakodkar P, Nagesh L, Sardana V. Questionnaire vs. clinical surveys: the right choice? A cross-sectional comparative study. Indian J Dent Res 2011; 22:494-9..
Por outro lado, questionários ou entrevistas permitem que se conheça a necessidade subjetiva 33. Bradshaw J. A taxonomy of social need. In: Maclachlan F, editor. Problems and progress in medical care: essays on current research. London: Oxford University Press; 1972. p. 71-82. dos indivíduos e são amplamente utilizados a fim de se identificar a autopercepção de saúde ou de necessidades de tratamento 66. Jones JA, Spiro A, Miller DR, Garcia RI, Kressin NR. Need for dental care in older veterans: assessment of patient-based measures. J Am Geriatr Soc 2002; 50:163-8.,77. Vale EB, Mendes ACG, Moreira RS. Autopercepção da saúde bucal entre adultos na região Nordeste do Brasil. Rev Saúde Pública 2013; 47 Suppl 3:98-108.. Tais instrumentos são alternativas reconhecidamente mais simples e econômicas aos exames odontológicos em estudos de grande porte 88. Gilbert AD, Nuttall NM. Self-reporting of periodontal health status. Br Dent J 1999; 186:241-4.,99. Joshipura KJ, Pitiphat W, Douglass CW. Validation of self-reported periodontal measures among health professionals. J Public Health Dent 2002; 62:115-21.,1010. Eke PI, Dye B. Assessment of self-report measures for predicting population prevalence of periodontitis. J Periodontol 2009; 80:1371-9.,1111. Liu H, Maida CA, Spolsky VW, Shen J, Li H, Zhou X, et al. Calibration of self-reported oral health to clinically determined standards. Community Dent Oral Epidemiol 2010; 38:527-39.,1212. Passos ADC, Ruffino-Neto A. Características dos instrumentos de medida. In: Franco LJ, Passos ADC, organizadores. Fundamentos de epidemiologia. 2a Ed. Barueri: Edições Manole; 2011. p. 149-65. e estão presentes nas mais recentes pesquisas de base populacional 1313. Ramos RQ, Bastos JL, Peres MA. Validade diagnóstica de agravos bucais autorreferidos em inquéritos populacionais: revisão da literatura. Rev Bras Epidemiol 2013; 16:716-28..
Embora não seja utilizada em detrimento do exame profissional para avaliações individuais 1414. Cascaes AM, Leão AT, Locker D. Impacto das condições de saúde bucal na qualidade de vida. In: Antunes JLF, Peres MA, organizadores. Epidemiologia da saúde bucal. 2ª Ed. São Paulo: Editora Santos; 2013. p. 437-58., a autopercepção é utilizada como um importante indicador para complementar as informações obtidas pelas medidas clínicas 1515. Locker D, Slade G. Association between clinical and subjective indicators of oral health status in an older adult population. Gerodontology 1994; 11:108-14.,1616. Locker D, Jokovic A. Using subjective oral health status indicators to screen for dental care needs in older adults. Community Dent Oral Epidemiol 1996; 24:398-402.,1717. Silva SRC, Fernandes RAC. Autopercepção das condições de saúde bucal por idosos. Rev Saúde Pública 2001; 35:349-55.. Nesse sentido, a autopercepção de necessidades de tratamento tem sido estudada como desfecho de interesse por alguns autores 1818. Heft MW, Gilbert GH, Shelton BJ, Duncan RP. Relationship of dental status, sociodemographic status, and oral symptoms to perceived need for dental care. Community Dent Oral Epidemiol 2003; 31:351-60.,1919. Martins AMEBL, Barreto SM, Pordeus IA. Fatores relacionados à autopercepção da necessidade de tratamento odontológico entre idosos. Rev Saúde Pública 2008; 42:487-96.,2020. Moreira RS, Nico LS, Souza MLR. Fatores associados à necessidade subjetiva de tratamento odontológico em idosos brasileiros. Cad Saúde Pública 2009; 25:2661-71., cujos trabalhos visam à identificação de fatores que a influenciam. Todavia, esses estudos têm o foco voltado para o autorrelato em si, e não para sua utilidade como possível instrumento epidemiológico de planejamento dos serviços de atenção à saúde bucal.
Alguns estudos evidenciaram a validade da autopercepção de condições de saúde bucal tais como o autorrelato do número de dentes remanescentes 2121. Pitiphat W, Garcia RI, Douglass CW, Joshipura KJ. Validation of self-reported oral health measures. J Public Health Dent 2002; 62:122-8. ou perdidos 2222. Gilbert GH, Chavers LS, Shelton BJ. Comparison of two methods os estimating 48-month tooth loss incidence. J Public Health Dent 2002; 62:163-9., presença ou ausência de cáries, doença periodontal e problemas da articulação temporomandibular 2323. Pinelli C, Loffredo LCM. Reproducibility and validity of self-perceived oral health conditions. Clin Oral Invest 2007; 11:431-7., e uso de próteses 44. Axelsson G, Helgadóttir S. Comparison of oral health data from self-administered questionnaire and clinical examination. Community Dent Oral Epidemiol 1995; 23:365-8.. No entanto, poucos estudos 2424. Robinson PG, Nadanovsky P, Sheiham A. Can questionnaires replace clinical surveys to assess dental treatment needs of adults? J Public Health Dent 1998; 58:250-3. exploraram a validade da autopercepção de necessidade de tratamento, especialmente, em populações de países em desenvolvimento. Dessa forma, é fundamental determinar, em contextos nacionais, a viabilidade de utilização desses instrumentos mais simples e econômicos de levantamento das necessidades de tratamento da população 1313. Ramos RQ, Bastos JL, Peres MA. Validade diagnóstica de agravos bucais autorreferidos em inquéritos populacionais: revisão da literatura. Rev Bras Epidemiol 2013; 16:716-28. como ferramentas de planejamento, direcionamento de recursos e gestão dos serviços de saúde bucal.
A validade de um instrumento se refere a sua capacidade de identificar corretamente as proporções de pessoas com e sem a presença de um determinado agravo, representadas respectivamente pela sensibilidade e especificidade 2525. Altman DG, Bland JM. Diagnostic tests 1: sensitivity and specificity. BMJ 1994; 308:1552.. De forma complementar, a utilidade está relacionada à aplicação do instrumento em um contexto específico, permitindo identificar, por meio dos valores preditivos, a probabilidade do teste em fornecer um diagnóstico correto quanto à presença ou ausência da condição pesquisada2626. Altman DG, Bland JM. Diagnostic tests 2: predictive values. BMJ 1994; 309:102..
O presente estudo foi realizado com o objetivo de determinar a validade e a utilidade da autopercepção como indicador de necessidades de tratamentos odontológicos em adultos e idosos do Brasil e do Estado de Minas Gerais.
Métodos
As amostras deste estudo foram compostas por indivíduos pertencentes às faixas etárias de 35 a 44 anos (adultos) e de 65 a 74 anos (idosos) que participaram daPesquisa Nacional de Saúde Bucal (SBBrasil 2010) e daPesquisa sobre as Condições de Saúde Bucal da População Mineira(SBMinas Gerais 2012).
A amostra do SBBrasil 2010 foi desenhada para ser representativa para o país como um todo, cada uma de suas macrorregiões, capitais estaduais e para o conjunto de cidades do interior de cada macrorregião 11. Roncalli AG, Silva NN, Nascimento AC, Freitas CHSM, Casoti E, Peres KG, et al. Aspectos metodológicos do Projeto SBBrasil 2010 de interesse para inquéritos nacionais de saúde. Cad Saúde Pública 2012; 28 Suppl:S40-57.,2727. Departamento de Atenção Básica, Coordenação Geral de Saúde Bucal, Secretaria de Atenção à Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. SB Brasil 2010. Pesquisa Nacional de Saúde Bucal: resultados principais. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.. O SBMinas Gerais foi uma pesquisa de base estadual, realizada com o objetivo de complementar os dados coletados pelo SBBrasil 2010, tornando-os representativos do Estado de Minas Gerais e para cada um dos dois domínios de municípios do interior, separados de acordo com o indicador construído a partir do Índice de Necessidades em Saúde e do Índice de Porte Econômico 2828. Diretoria de Saúde Bucal, Superintendência de Redes de Atenção à Saúde, Subsecretaria de Políticas e Ações de Saúde, Secretaria de Estado de Saúde. SB Minas Gerais. Pesquisa das Condições de Saúde Bucal da População Mineira: resultados principais. Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Saúde; 2013..
A amostra do SBBrasil 2010 utilizada neste estudo foi composta por 17.073 indivíduos, sendo 9.564 adultos e 7.509 idosos 2727. Departamento de Atenção Básica, Coordenação Geral de Saúde Bucal, Secretaria de Atenção à Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. SB Brasil 2010. Pesquisa Nacional de Saúde Bucal: resultados principais. Brasília: Ministério da Saúde; 2012., e a amostra do SBMinas Gerais, por 2.374 pessoas, dentre as quais, 1.182 eram adultos, e 1.192, idosos 2828. Diretoria de Saúde Bucal, Superintendência de Redes de Atenção à Saúde, Subsecretaria de Políticas e Ações de Saúde, Secretaria de Estado de Saúde. SB Minas Gerais. Pesquisa das Condições de Saúde Bucal da População Mineira: resultados principais. Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Saúde; 2013..
A autopercepção da necessidade de tratamento odontológico foi coletada, nas duas pesquisas, por meio das seguintes perguntas: (1) “O(A) Sr(a). acha que necessita de tratamento dentário atualmente?”; (2) “O(A) Sr(a). considera que necessita usar prótese total (dentadura) ou trocar a que está usando atualmente?”. As duas perguntas apresentavam três possíveis respostas (não; sim; não sabe/não respondeu), das quais, apenas as duas primeiras foram consideradas na análise.
A necessidade normativa de tratamento dentário foi representada pela presença de, pelo menos, uma das seguintes condições: cárie dentária de coroa ou raiz, alteração periodontal (cálculo ou bolsa periodontal) e necessidade de uso de algum tipo de prótese dentária.
Para a prótese total, foi avaliada a necessidade de instalação de alguma prótese total superior e/ou inferior ou a substituição de próteses já existentes.
Os exames das condições bucais foram realizados de acordo com os critérios estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para a realização de estudos epidemiológicos em saúde bucal 2929. World Health Organization. Oral health surveys: basic methods. 4th Ed. Geneva: World Health Organization; 1997.. As condições clínicas foram consideradas como padrão-ouro, conforme adotado por outros estudos 66. Jones JA, Spiro A, Miller DR, Garcia RI, Kressin NR. Need for dental care in older veterans: assessment of patient-based measures. J Am Geriatr Soc 2002; 50:163-8.,2323. Pinelli C, Loffredo LCM. Reproducibility and validity of self-perceived oral health conditions. Clin Oral Invest 2007; 11:431-7.,2424. Robinson PG, Nadanovsky P, Sheiham A. Can questionnaires replace clinical surveys to assess dental treatment needs of adults? J Public Health Dent 1998; 58:250-3.,3030. Vered Y, Sgan-Cohen HD. Self-perceived and clinically diagnosed dental and periodontal health status among young adults and their implications for epidemiological surveys. BMC Oral Health 2003; 3:3..
O teste de McNemar 3131. Pagano M, Gauvreau K. Tabelas de contingência. In:Pagano M, Gauvreau K, organizadores. Princípios de bioestatística. 2a Ed. São Paulo: Thomson Learning; 2006. p. 310-2. foi utilizado para verificar se houve diferença significativa na prevalência da necessidade normativa e da autopercepção dentro de cada faixa etária e para cada um dos dois tipos de necessidade de tratamento.
A validade das medidas de autopercepção foi determinada a partir da sensibilidade e especificidade 2525. Altman DG, Bland JM. Diagnostic tests 1: sensitivity and specificity. BMJ 1994; 308:1552., enquanto a utilidade foi avaliada por meio dos valores preditivos 2626. Altman DG, Bland JM. Diagnostic tests 2: predictive values. BMJ 1994; 309:102.. As análises foram feitas separadamente para adultos e idosos em cada um dos dois inquéritos.
Foi utilizado o programa estatístico R, versão 3.0.0 (The R Foundation for Statistical Computing, Viena, Áustria; http://www.r-project.org). Considerando o delineamento complexo do SBBrasil 2010 e do SBMinas Gerais, os parâmetros de amostragem foram incluídos nos cálculos das estimativas pontuais e nos respectivos intervalos de confiança por meio do pacote survey.
O Projeto SBBrasil 2010 foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Ministério da Saúde, sendo aprovado e tendo recebido registro na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde sob o número 15.498, em 7 de janeiro de 20102727. Departamento de Atenção Básica, Coordenação Geral de Saúde Bucal, Secretaria de Atenção à Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. SB Brasil 2010. Pesquisa Nacional de Saúde Bucal: resultados principais. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.. O SBMinas Gerais foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e recebeu parecer pela aprovação em 28 de março de 2012, registrado sob o no 9.173 2828. Diretoria de Saúde Bucal, Superintendência de Redes de Atenção à Saúde, Subsecretaria de Políticas e Ações de Saúde, Secretaria de Estado de Saúde. SB Minas Gerais. Pesquisa das Condições de Saúde Bucal da População Mineira: resultados principais. Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Saúde; 2013..
Resultados
Do total de adultos e idosos examinados no SBBrasil 2010, 9.358 adultos e 7.326 idosos possuíam dados válidos para as necessidades de tratamento dentário, e 9.281 adultos e 7.333 idosos, para prótese total. No SBMinas Gerais, foram 1.162 adultos e 1.163 idosos para as medidas de tratamento dentário e 1.158 adultos e 1.161 idosos para prótese total. A proporção de indivíduos excluídos das amostras por não terem respondido às perguntas não ultrapassou 3% em nenhum dos grupos.
Na Tabela 1, estão descritas as características sociodemográficas das amostras válidas. A maioria dos participantes era do sexo feminino e estava nas faixas etárias mais novas (35-39 anos ou 65-69 anos). A distribuição por idade das amostras é semelhante à encontrada nas populações de origem, por outro lado, há uma sub-representação do sexo masculino em ambas as faixas etárias.
Na população adulta, houve maior proporção de pessoas com 8 ou mais anos de escolaridade, enquanto, entre os idosos, a maior proporção foi de pessoas com 3 anos ou menos de estudo. A composição de renda foi semelhante entre adultos e idosos brasileiros, porém, em Minas Gerais, percebe-se maior proporção de adultos na faixa superior de renda em comparação aos idosos.
A necessidade normativa de tratamento dentário foi alta nas duas faixas etárias. Em adultos, alcançou 91% (89,6-92,3) dos brasileiros e 85,5% (82,7-88,3) dos mineiros. No caso dos idosos, 79% (74,7-83,3) dos brasileiros e 70,2% (66-74,4) dos mineiros possuíam alguma necessidade normativa (Figura 1).
Para a prótese total, a necessidade normativa foi baixa para adultos dos dois inquéritos, com 5,6% (4,4-6,8) para os brasileiros e 3,4% (1,9-3,9) para os mineiros. Em idosos, a prevalência desse agravo chegou a 46% (40,2-51,8) no SBBrasil 2010 e a 45,9% (41,3-50,5) no SBMinas Gerais 2012 (Figura 2).
No tocante à comparação entre as necessidades normativas e a autopercepção, observou-se padrão semelhante entre a amostra brasileira e a mineira, conforme ilustrado nas Figuras 1 e 2. A necessidade normativa de tratamento dentário foi maior do que a autopercebida nas duas faixas etárias, evidenciando uma subestimação por parte dos entrevistados, mais pronunciada no caso dos idosos. Por outro lado, os adultos superestimaram a necessidade de prótese total uma vez que a necessidade normativa foi significativamente menor do que a autopercebida. Nos idosos, também se verifica a superestimação, embora menos drástica. Para todos os grupos comparados, a diferença entre necessidade normativa e autopercepção foi significativa de acordo com o teste de McNemar (p < 0,01).
Os valores de sensibilidade, especificidade e valores preditivos positivos e negativos de cada uma das medidas de autopercepção estão apresentados na Tabela 2, juntamente com os respectivos intervalos de 95% de confiança. A estratificação por grupo etário mostrou diferenças quanto à validade das medidas para adultos e idosos, e observou-se o mesmo padrão de resultados entre o SBBrasil 2010 e o SBMinas Gerais 2012.
Os valores de sensibilidade foram maiores do que os da especificidade para todas as medidas, com exceção da autopercepção da necessidade de tratamento dentário na população de idosos. Os valores preditivos positivos foram maiores do que os negativos para a necessidade de tratamento dentário em ambas as faixas etárias, enquanto, para a prótese total, ocorreu o inverso (Tabela 2).
Discussão
Os resultados desse estudo mostraram que os indicadores de validade e de utilidade das diferentes medidas de autopercepção relacionadas à saúde bucal apresentaram um padrão semelhante de desempenho nas duas amostras testadas. A sensibilidade foi alta para todas as medidas subjetivas, exceto para a necessidade de tratamento dentário em idosos, a qual, por sua vez, apresentou o melhor desempenho quanto à especificidade. Os valores preditivos positivos foram altos, exceto para a necessidade de prótese total em adultos. Por outro lado, a necessidade de prótese total em ambas as faixas etárias apresentaram valores preditivos negativos altos, o mesmo não ocorrendo com a necessidade de tratamento dentário.
A análise da literatura mostra que não há consenso quanto aos critérios ou limites predefinidos para determinar se um instrumento é adequado para ser aplicado baseando-se em valores de validade 1313. Ramos RQ, Bastos JL, Peres MA. Validade diagnóstica de agravos bucais autorreferidos em inquéritos populacionais: revisão da literatura. Rev Bras Epidemiol 2013; 16:716-28.,3232. Blicher B, Joshipura K, Eke P. Validation of self-reported periodontal disease: a systematic review. J Dent Res 2005; 84:881-90.,3333. Almeida Filho N, Rouquayrol MZ. Diagnóstico em epidemiologia. In: Almeida Filho N, Rouquayrol MZ, organizadores. Introdução à epidemiologia. 4a Ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan; 2006. p. 86-106..
Blicher et al. 3232. Blicher B, Joshipura K, Eke P. Validation of self-reported periodontal disease: a systematic review. J Dent Res 2005; 84:881-90., em uma revisão de artigos sobre validade do autorrelato de condições periodontais, propuseram, de forma arbitrária, que as medidas teriam boa validade caso a soma entre sensibilidade e especificidade fosse superior a 120%. Partindo desse critério, todas as medidas subjetivas do presente artigo teriam validade adequada. Todavia, esse parâmetro não distingue entre a sensibilidade e a especificidade, o que gera um problema na avaliação, uma vez que permite que medidas com alta sensibilidade e baixa especificidade, ou o contrário, sejam consideradas válidas.
Ramos et al. 1313. Ramos RQ, Bastos JL, Peres MA. Validade diagnóstica de agravos bucais autorreferidos em inquéritos populacionais: revisão da literatura. Rev Bras Epidemiol 2013; 16:716-28. utilizaram um critério mais restritivo, no qual, a sensibilidade deve ser maior ou igual a 80%, e, cumprida essa prerrogativa, a soma entre sensibilidade e especificidade deve ser de, no mínimo, 160%. Partindo desse ponto de vista, nenhuma das medidas subjetivas analisadas neste estudo seria considerada válida.
A despeito desses critérios, para a utilização em inquéritos epidemiológicos de larga escala, propriedades como simplicidade, aceitabilidade e custo do instrumento aplicado podem ser tão importantes quanto os valores de validade em si 3434. Sackett DL, Holland WW. Controversy in the detection of disease. Lancet 1975; 306:357-9..
Do ponto de vista do levantamento das necessidades para o planejamento de serviços, são necessários instrumentos com altos valores de sensibilidade e especificidade, objetivando potencializar sua capacidade de captar a real distribuição da doença na população. Ademais, o conhecimento dessas medidas permite a estimação da prevalência real de um agravo 3535. Klein CH, Costa EA. Os erros de classificação e os resultados de estudos epidemiológicos. Cad Saúde Pública 1987; 3:236-49.. Além disso, a utilidade de cada medida de autopercepção, quando aplicada por meio de questionários em uma população, pode ser avaliada por meio dos valores preditivos.
A necessidade autopercebida de tratamento dentário em adultos apresentou valores altos de sensibilidade nas duas amostras, embora o mesmo desempenho não tenha sido observado quanto à especificidade. Ainda que as diferenças entre a forma de aferição das medidas de autorrelato e das condições clínicas de saúde bucal dificultem a comparação entre estudos, algumas considerações podem ser feitas. Robinson et al.2424. Robinson PG, Nadanovsky P, Sheiham A. Can questionnaires replace clinical surveys to assess dental treatment needs of adults? J Public Health Dent 1998; 58:250-3., em uma avaliação de adultos residentes em Londres, observaram que a sensibilidade (76%) para autopercepção da necessidade de tratamento (restaurações, extrações ou próteses) em adultos também foi maior do que a especificidade (50%), sendo os valores próximos aos do presente estudo.
A alta sensibilidade e o alto valor preditivo positivo indicam que essa medida pode ser adequadamente utilizada para identificar a proporção de adultos que necessitam de tratamento dentário em uma população. Os valores preditivos encontrados não se assemelham ao estudo de Robinson et al. 2424. Robinson PG, Nadanovsky P, Sheiham A. Can questionnaires replace clinical surveys to assess dental treatment needs of adults? J Public Health Dent 1998; 58:250-3., haja vista a menor prevalência de necessidades normativas observada naquele contexto e a possível influência de fatores culturais na autopercepção 1313. Ramos RQ, Bastos JL, Peres MA. Validade diagnóstica de agravos bucais autorreferidos em inquéritos populacionais: revisão da literatura. Rev Bras Epidemiol 2013; 16:716-28., resultando em um menor valor preditivo positivo (67%) e maior valor preditivo negativo (60%) quando comparados com o presente trabalho.
Essa mesma pergunta feita a idosos apresentou baixa sensibilidade e alta especificidade e subestimou a prevalência normativa em, aproximadamente, 30 pontos percentuais. Esse resultado contraindica o seu uso para fins de levantamento da proporção de idosos que necessitam de tratamento dentário em uma população, pois identificaria apenas por volta de 50% dos idosos que têm essa necessidade, o que prejudicaria o planejamento do serviço baseado nesse tipo de instrumento. A maior especificidade quando comparada à sensibilidade em idosos corrobora outras evidências 1616. Locker D, Jokovic A. Using subjective oral health status indicators to screen for dental care needs in older adults. Community Dent Oral Epidemiol 1996; 24:398-402.,3636. Smith JM, Sheiham A. Dental treatment needs and demands of an elderly population in England. Community Dent Oral Epidemiol 1980; 8:360-4., nas quais, a sensibilidade foi pouco maior do que 40%, e a especificidade foi de 83,7% no trabalho de Locker & Jokovic 1616. Locker D, Jokovic A. Using subjective oral health status indicators to screen for dental care needs in older adults. Community Dent Oral Epidemiol 1996; 24:398-402., cujos valores preditivos foram condizentes com o presente estudo. A baixa sensibilidade dessa medida entre os idosos e a subestimação identificada vão ao encontro dos achados de outros autores que demonstraram que a maioria dos indivíduos nessa faixa etária apresenta autoavaliação de saúde bucal como boa, embora essa percepção não esteja associada a medidas clínicas de necessidade de tratamento 3737. Andrade FB, Lebrão ML, Santos JLF, Duarte YAO, Teixeira DSC. Factors related to poor self-perceived oral health among community-dwelling elderly individuals in São Paulo, Brazil. Cad Saúde Pública 2012; 28:1965-75..
A autopercepção da necessidade de próteses totais pode ser adequadamente utilizada como instrumento válido para os idosos. A alta sensibilidade indica que a medida é capaz de identificar corretamente por volta de 80% dos idosos que necessitam usar ou trocar próteses totais. Além disso, os altos valores preditivos positivos e negativos apontam a utilidade da medida, pois poucos idosos são erroneamente classificados, o que se reflete na pequena distância entre a necessidade normativa e a autopercepção em idosos, conforme apresentado na Figura 2. O bom desempenho da necessidade de prótese total em idosos é condizente com a literatura, que indica a existência de associação entre a qualidade técnica adequada de próteses totais e a satisfação dos usuários com relação a elas3838. Costa APS, Machado FCA, Pereira ALBP, Carreiro AFP, Ferreira MAF. Qualidade técnica e satisfação relacionadas às próteses totais. Ciênc Saúde Coletiva 2013; 18:453-60..
No tocante à necessidade de prótese total na população adulta, a autopercepção superestimou a prevalência de necessidade normativa em torno de 30 pontos percentuais. A despeito dos valores de sensibilidade e especificidade encontrados, a baixa prevalência da necessidade normativa desse tipo de reabilitação nessa faixa etária levou a um valor preditivo positivo por volta de 10%. Esse resultado indica que a medida não possui utilidade para fins de planejamento dos serviços de saúde bucal haja vista a grande proporção de falsos-positivos que será coletada.
Embora a alta superestimação encontrada possa indicar que parte considerável da população na faixa etária de 35 a 44 anos acredite necessitar de próteses totais, uma hipótese mais parcimoniosa é a incapacidade dessas pessoas em entender a pergunta ou discernir entre os vários tipos de próteses odontológicas existentes, respondendo afirmativamente à pergunta mesmo na presença de uma dentição ainda funcional e passível de reabilitação por aparelhos parciais.
Essa consideração também deve ser observada com relação à autopercepção da necessidade de tratamento dentário, em especial no caso dos idosos, dada a baixa sensibilidade encontrada. Como a pergunta do questionário foi abrangente e não especificou o tipo de tratamento de interesse, para a análise dos dados optou-se por comparar as respostas a essa pergunta com qualquer tipo de necessidade normativa existente. Dessa forma, é possível, por exemplo, que parte dos entrevistados tenha considerado que o termo “tratamento dentário” se referia apenas à necessidade de intervenções nos dentes em decorrência de lesões cariosas, desconsiderando a presença de restaurações defeituosas, agravos periodontais ou as necessidades de substituições protéticas unitárias ou múltiplas.
Diante disso, ressalta-se a importância de se trabalhar com perguntas e respostas bem elaboradas que não deixem dúvida quanto ao que se está querendo medir. Pinelli & Loffredo 2323. Pinelli C, Loffredo LCM. Reproducibility and validity of self-perceived oral health conditions. Clin Oral Invest 2007; 11:431-7. avaliaram, individualmente, a autopercepção para cárie, periodontias e problemas das articulações temporomandibulares, utilizando perguntas de múltipla escolha com 3 ou 4 opções de resposta, as quais descreviam exemplos de situações cotidianas que indicavam a presença ou ausência de problemas. Os autores encontraram sensibilidade e especificidade, de 85% e 100% para cárie, 100% e 43% para doença periodontal e 100% e 80% para desordens temporomandibulares.
O presente estudo evidencia que a idade é um importante fator a ser considerado na determinação da validade e da utilidade da autopercepção, corroborando outros achados que demonstram que o desempenho de medidas subjetivas possui dependência com o contexto socioeconômico e cultural dos indivíduos pesquisados 1313. Ramos RQ, Bastos JL, Peres MA. Validade diagnóstica de agravos bucais autorreferidos em inquéritos populacionais: revisão da literatura. Rev Bras Epidemiol 2013; 16:716-28.. A diferença no padrão de escolaridade entre adultos e idosos pode ser um dos fatores que influenciaram os resultados encontrados. Não se observaram diferenças no contexto brasileiro e no mineiro, possivelmente devido às características demográficas semelhantes nas amostras dos dois inquéritos (Tabela 1).
Entre os pontos fortes do presente estudo, pode-se destacar a utilização de dados de dois grandes inquéritos de saúde bucal recentes, os quais, devido à comparabilidade das metodologias empregadas e da qualidade das medidas clínicas de saúde bucal, permitem a comparação entre os resultados visando à avaliação do comportamento e da estabilidade das medidas de autopercepção testadas. Entretanto, vale salientar que a utilização de questionários implica em alguma imprecisão e, considerando-se que os inquéritos não foram pensados com o objetivo específico de se avaliar a validade e a utilidade das medidas de autopercepção, é possível que algum viés de informação esteja presente em virtude da forma com as perguntas foram feitas e interpretadas pelos entrevistadores e entrevistados. Além disso, embora as distribuições por sexo nas amostras sejam diferentes das respectivas populações de origem, não há evidências de que isso seja um problema para a validade interna do estudo, uma vez que o sexo não é um dos fatores associados à autopercepção das necessidades de tratamento 1818. Heft MW, Gilbert GH, Shelton BJ, Duncan RP. Relationship of dental status, sociodemographic status, and oral symptoms to perceived need for dental care. Community Dent Oral Epidemiol 2003; 31:351-60.,1919. Martins AMEBL, Barreto SM, Pordeus IA. Fatores relacionados à autopercepção da necessidade de tratamento odontológico entre idosos. Rev Saúde Pública 2008; 42:487-96.,2020. Moreira RS, Nico LS, Souza MLR. Fatores associados à necessidade subjetiva de tratamento odontológico em idosos brasileiros. Cad Saúde Pública 2009; 25:2661-71..
É importante salientar que os valores preditivos são influenciados pela prevalência do agravo pesquisado na população 2626. Altman DG, Bland JM. Diagnostic tests 2: predictive values. BMJ 1994; 309:102.. Assim, os altos valores preditivos positivos encontrados neste estudo decorrem, em parte, das respectivas altas prevalências das necessidades normativas e, portanto, deve-se reavaliar o desempenho da autopercepção nos casos em que a prevalência do agravo seja consideravelmente menor do que a encontrada no SBBrasil 2010 e no SBMinas Gerais 2012.
Considerando a diferença identificada entre o que foi normativamente necessário e a autopercepção dos indivíduos examinados, destaca-se a necessidade de se estudar quais características de adultos e idosos influenciam a concordância entre as necessidades normativas e a autopercepção de tratamentos odontológicos. A identificação dos fatores associados às concordâncias pode auxiliar na construção de perguntas mais claras e melhor elaboradas para serem utilizadas em questionários ou entrevistas em inquéritos futuros.
A partir dos resultados encontrados, pode-se concluir que a autopercepção da necessidade de tratamento dentário por adultos e da necessidade de próteses totais por idosos pode ser utilizada, para fins de planejamento dos serviços de atenção à saúde bucal, em substituição ao exame odontológico em levantamentos que visem estimar a proporção de indivíduos que apresenta essas necessidades, especialmente em contextos nos quais os recursos são limitados. Por outro lado, a necessidade de tratamento dentário em idosos e autopercepção da necessidade de prótese total em adultos não se apresentaram como medidas úteis. Além disso, os resultados deste estudo podem auxiliar os gestores de saúde a estimar a prevalência real das necessidades de tratamentos odontológicos em uma população a partir da correção das proporções levantadas por meio de questionários ou entrevistas que utilizem as perguntas avaliadas 3535. Klein CH, Costa EA. Os erros de classificação e os resultados de estudos epidemiológicos. Cad Saúde Pública 1987; 3:236-49..
Agradecimentos
À Coordenação Nacional de Saúde Bucal/Ministério da Saúde pela cessão e envio do banco de dados do SBBrasil 2010. À Diretoria de Saúde Bucal/Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais pela cessão e envio do banco de dados do SBMinas Gerais 2012. Ao CNPq pela bolsa de produtividade concedida a C. C. César.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Ago 2015
Histórico
- Recebido
06 Out 2014 - Revisado
12 Jan 2015 - Aceito
05 Fev 2015