Resumos
O objetivo do trabalho foi avaliar o desempenho da atenção primária à saúde (APS) em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, utilizando o questionário PCATool entre enfermeiros das equipes de saúde da família e gerentes. O escore total da APS foi 0,75 (bom); o primeiro contato (0,95), a longitudinalidade (0,83), a integralidade (0,83) e a coordenação (0,78) apresentaram melhor desempenho. O enfoque familiar, a orientação comunitária e o acesso receberam as piores pontuações (0,68, 0,56 e 0,45). Os fatores associados (p < 0,05) à melhor performance da APS foram: disponibilidade de equipamentos e outros insumos (RP ajustada = 1,57), formação dos profissionais em saúde da família (RP = 1,44), presença do médico por mais de 30 horas semanais (RP = 1,42) e quatro ou mais equipes por unidade básica de saúde (RP = 1,09). Os resultados revelaram a importância de fatores estruturais (sistemas logísticos adequados, formação da equipe em saúde da família) e organizacionais (médico em tempo integral, número de equipes da Estratégia Saúde da Família por unidades básicas de saúde) na performance da APS e na melhoria da qualidade.
Avaliação de Serviços de Saúde; Atenção Primária à Saúde; Saúde da Família; Qualidade da Assistência à Saúde
The aim of this study was to evaluate the performance of primary health care (PHC) in Belo Horizonte, Minas Gerais State, Brazil, using the Portuguese-language version of the Primary Health Care Assessment Tool among nurses and managers of family health teams. Total PHC score was 0.75 (good). The dimensions first contact (0.95), longitudinality (0.83), comprehensiveness (0.83), and coordination (0.78) performed the best. Family approach, community orientation, and access received the lowest scores (0.68, 0.56, and 0.45, respectively). Better PHC performance was associated with the following factors (p < 0.05): availability of health care equipment and other inputs (adjusted PR = 1.57), education and training for family health teams (PR = 1.44), a physician on duty for more than 30 hours per week (PR = 1.42), and presence of four or more teams per primary care unit (PR = 1.09). The results show the importance of structural and organizational factors for PHC performance and suggest that permanent evaluation can identify aspects that require quality improvement.
Health Services Evaluation; Primary Health Care; Family Health; Quality of Health Care
El objetivo de este estudio fue evaluar el desempeño de la Atención Primaria de Salud (APS) en Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, el uso de la versión portuguesa de la Herramienta de Evaluación de la Atención Primaria de Salud entre las enfermeras y administradores de equipos de salud familiar. La puntuación total de la APS fue de 0,75 (bueno). La dimensiones de primer contacto (0.95), la longitudinalidad (0.83), la amplitud (0,83) y la coordinación (0.78) habían obtenido mejores resultados. El enfoque familiar, orientación comunitaria y acceso recibieron las puntuaciones más bajas (0,68, 0,56 y 0,45). Los factores asociados PHC mejor rendimiento (p < 0,05) incluyen: disponibilidad de dispositivos de salud y otros insumos (RPajustado = 1,57), la educación y la formación de equipos de salud familiar (RP = 1,44), médico en el lugar durante más de 30 horas por semana (RP = 1,42) y la presencia de cuatro o más equipos por cada Unidad de Salud (RP = 1,09). Los resultados revelaron la importancia de los factores estructurales y organizativos sobre el desempeño de la APS.
Evaluación de Servicios de Salud; Atención Primaria de Salud; Salud de la Familia; Calidad de la Atención de Salud
Introdução
A Atenção Primária à Saúde (APS) é a porta de entrada do sistema de saúde e local do cuidado contínuo e integral ao indivíduo no contexto da família e da comunidade11. Starfield B, Shi L, Macinko J. Contribution of primary care to health systems and health. Milbank Q 2005; 83:457-502.. Trata-se de uma estratégia para organizar os Sistemas de Saúde, visando o acesso universal e sua maior efetividade 22. Organização Panamericana da Saúde. Renovação da atenção primária em saúde das américas. Washington DC: Organização Panamericana da Saúde; 2007.. No Brasil, a expansão da APS vem ocorrendo por meio da Estratégia Saúde da Família (ESF) desde sua implantação em 1994 33. Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet 2011; 377:1778-97.. Investigações têm mostrado que essa estratégia é efetiva para reduzir a mortalidade infantil 44. Macinko J, Guanais FC, de Fátima M, de Souza M. Evaluation of the impact of the Family Health Program on infant mortality in Brazil, 1990-2002. J Epidemiol Community Health 2006; 60:13-9.,55. Aquino R, de Oliveira NF, Barreto ML. Impact of the family health program on infant mortality in Brazilian municipalities. Am J Public Health 2009; 99:87-93., as hospitalizações por condições sensíveis à APS 66. Dourado I, Oliveira VB, Aquino R, Bonolo P, Lima-Costa MF, Medina MG, et al. Trends in primary health care-sensitive conditions in Brazil: the role of the Family Health Program (Project ICSAP-Brazil). Med Care 2011; 49:577-84.,77. Macinko J, Dourado I, Aquino R, Bonolo PF, Lima-Costa MF, Medina MG, et al. Major expansion of primary care in Brazil linked to decline in unnecessary hospitalization. Health Aff (Millwood) 2010; 29:2149-60.,88. Macinko J, de Oliveira VB, Turci MA, Guanais FC, Bonolo PF, Lima-Costa MF. The influence of primary care and hospital supply on ambulatory care-sensitive hospitalizations among adults in Brazil, 1999-2007. Am J Public Health 2011; 101:1963-70.,99. Mendonça CS, Harzheim E, Duncan BB, Nunes LN, Leyh W. Trends in hospitalizations for primary care sensitive conditions following the implementation of Family Health Teams in Belo Horizonte, Brazil. Health Policy Plan 2012; 27:348-55. e as iniquidades na utilização dos serviços 1010. Turci MA, Lima-Costa MF, Proietti FA, Cesar CC, Macinko J. Intraurban differences in the use of ambulatory health services in a large brazilian city. J Urban Health 2010; 87:994-1006.,1111. Macinko J, Lima-Costa MF. Horizontal equity in health care utilization in Brazil, 1998-2008. Int J Equity Health 2012; 21:33..
Starfield 1212. Starfield B. Atenção Primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura/Ministério da Saúde; 2002. define que a APS possui cinco atributos nucleares: o acesso, o primeiro contato, a longitudinalidade, a integralidade e a coordenação. O enfoque familiar, a orientação comunitária e a competência cultural são considerados atributos derivados. Essas características combinadas são exclusivas da APS.
Na última década, estudos foram conduzidos no Brasil para avaliar o desempenho da APS. Tanto os resultados de estudos conduzidos entre usuários 1313. Elias PE, Ferreira CW, Alves MCG, Cohn A, Kishima V, Escrivão Junior A, et al. Atenção Básica em Saúde: comparação entre PSF e UBS por estrato de exclusão social no município de São Paulo. Ciênc Saúde Coletiva 2006; 11:633-41,1414. Leão CDA, Caldeira AP. Avaliação da associação entre qualificação de médicos e enfermeiros em atenção primária em saúde e qualidade da atenção. Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16:4415-23. e profissionais de saúde 1515. Castro RCL, Knauth DR, Harzheim E, Hauser L, Duncan BB. Avaliação da qualidade da atenção primária pelos profissionais de saúde: comparação entre diferentes tipos de serviços. Cad Saúde Pública 2012; 28:1772-84. quanto estudos epidemiológicos de base populacional 1616. Facchini LA, Piccini RX, Tomasi E, Thumé E, Silveira DS, Siqueira FV, et al. Desempenho do PSF no Sul e no Nordeste do Brasil: avaliação institucional e epidemiológica da Atenção Básica à Saúde. Ciênc Saúde Coletiva 2006; 11:669-81.,1717. Macinko J, Lima Costa MF. Access to, use of and satisfaction with health services among adults enrolled in Brazil’s Family Health Strategy: evidence from the 2008 National Household Survey. Trop Med Int Health 2012; 17:36-42.,1818. Lima-Costa MF, Turci MA, Macinko J. Estratégia Saúde da Família em comparação com outras fontes de atenção: indicadores de uso e qualidade dos serviços de saúde em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública 2013; 29:1370-80. mostraram melhor desempenho da ESF em comparação à assistência ambulatorial tradicional no que se refere aos atributos citados. Por outro lado, existem poucas investigações examinando características organizacionais dos serviços de saúde associadas ao desempenho da APS no Brasil. Investigações conduzidas entre médicos e enfermeiros das equipes das ESF nos municípios de Porto Alegre, Rio Grande do Sul 1515. Castro RCL, Knauth DR, Harzheim E, Hauser L, Duncan BB. Avaliação da qualidade da atenção primária pelos profissionais de saúde: comparação entre diferentes tipos de serviços. Cad Saúde Pública 2012; 28:1772-84. e de Curitiba, Paraná 1919. Chomatas, ERV. Avaliação da presença e extensão dos atributos da atenção primária na rede básica de saúde do município de Curitiba no ano de 2008 [Dissertação de Mestrado]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2009. mostraram associação positiva entre a formação em medicina de família e/ou enfermagem comunitária e o bom desempenho dessa estratégia na avaliação desses profissionais. Na literatura consultada, não encontramos estudos examinando a influência da infraestrutura e dos fatores organizacionais no desempenho da APS em nosso meio.
O presente trabalho foi conduzido no Município de Belo Horizonte (Minas Gerais, Brasil) com o objetivo geral de avaliar o desempenho da APS, por meio dos seus atributos, na opinião de gestores e profissionais de saúde. O segundo objetivo foi examinar a influência das características estruturais (disponibilidade de equipamentos, insumos e medicamentos e treinamento dos profissionais) e organizacionais (número de equipes da ESF por unidade básica de saúde – UBS –, tempo do médico na equipe) nesse desempenho.
Metodologia
Área de estudo
Belo Horizonte, capital do Estado de Minas Gerais, possui cerca de 2,4 milhões de habitantes e uma área de 331km2. O município é dividido em nove regiões sanitárias (distritos) que correspondem à organização administrativo-assistencial da Secretaria Municipal de Saúde. Os distritos sanitários possuem números variáveis de UBS, proporcionais ao tamanho de sua população. Em 2010, o município possuía 147 UBS, cada uma administrada por um gerente. Cada UBS possuía uma ou mais equipes da ESF, totalizando 538 equipes. A ESF foi implantada no município no ano de 2003. Em 2010, essa estratégia cobria 75% da população do município. Mais detalhes acerca da divisão administrativa, da distribuição espacial das UBS e dos critérios que orientaram a implantação da ESF no município de Belo Horizonte podem ser vistos em publicação anterior 2020. Turci MA. Avanços e desafios na organização da atenção de saúde em Belo Horizonte. Belo Horizonte: Secretaria Municipal de Saúde; 2008..
Participantes do estudo
Para o presente trabalho, foram selecionados todos os 147 gerentes das UBS e o enfermeiro de cada uma das 538 equipes da ESF. A escolha do enfermeiro como representante da respectiva equipe foi determinada em função da sua atribuição de coordenar o trabalho dos agentes comunitários de saúde e de supervisionar os técnicos de enfermagem 2121. Ministério da Saúde. Portaria no2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diário Oficial da União 2011; 24 out., assumindo-se que esse profissional tem maior familiaridade com o processo de atenção em saúde da sua equipe.
Os questionários foram entregues aos participantes em seminário. Após o preenchimento, todos os questionários foram lacrados e rubricados pelo próprio respondente. Todos os informantes leram e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. A coleta de dados foi realizada entre agosto e outubro de 2010. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMS/BH – CAAE 0032.0.410.245-10).
Instrumento
O questionário PCATool (Primary Health Care Assessment Tool) foi desenvolvido para avaliação da qualidade e da adequação da APS por meio dos seus atributos, tendo sido previamente validado em diferentes países 2222. Berra S, Rocha KB, Rodríguez-Sanz M, Pasarín MI, Rajmil L, Borrell C, et al. Properties of a short questionnaire for assessing primary care experiences for children in a population survey. BMC Public Health 2011; 9:285.,2323. Cassady CE, Starfield B, Hurtado MP, Berk RA, Nanda JP, Friedenberg LA. Measuring consumer experiences with primary care. Pediatrics 2000; 105 (4 Pt 2):998-1003.,2424. Pasarín MI, Berra S, Rajmil L, Solans M, Borrell C, Starfield B. Un Instrumento para la evaluación de la atención promária de salud desde la perspectiva de la población. Aten Primaria 2007; 39:395-401.,2525. Jeon KY. Cross-cultural adaptation of the US consumer form of the short Primary Care Assessment Tool (PCAT): the Korean consumer form of the short PCAT (KC PCAT) and the Korean standard form of the short PCAT (KS PCAT). Qual Prim Care 2011; 19:85-103.,2626. Yang H, Shi L, Lebrun LA, Zhou X, Liu J, Wang H. Development of the Chinese primary care assessment tool: data quality and measurement properties. Int J Qual Health Care 2013; 25:92-105., incluindo o Brasil 2727. Macinko J, Almeida C, de Sá PK. A rapid assessment methodology for the evaluation of primary care organization and performance in Brazil. Health Policy Plan 2007; 22:167-77,2828. Harzheim E, Starfield B, Rajmil L, Álvarez-Dardet C, Stein AT. Consistência interna e confiabilidade da versão em português doInstrumento de Avaliação da Atenção Primária(PCATool-Brasil) para serviços de saúde infantil. Cad Saúde Pública 2006; 22:1649-59.. Esse instrumento possui versões para gestores, profissionais e usuários de serviços de saúde. Neste trabalho foi utilizada sua versão em português validada no Brasil 2727. Macinko J, Almeida C, de Sá PK. A rapid assessment methodology for the evaluation of primary care organization and performance in Brazil. Health Policy Plan 2007; 22:167-77 com pequenas adaptações testadas em estudos posteriores 1313. Elias PE, Ferreira CW, Alves MCG, Cohn A, Kishima V, Escrivão Junior A, et al. Atenção Básica em Saúde: comparação entre PSF e UBS por estrato de exclusão social no município de São Paulo. Ciênc Saúde Coletiva 2006; 11:633-41,2929. van Stralen CJ, Belisário SA, van Stralen TBS, Lima AMD, Massote AW, Oliveira CL. Percepção dos usuários e profissionais de saúde sobre atenção básica: comparação entre unidades com e sem saúde da família na Região Centro-Oeste do Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24 Suppl 1:S148-58.. As perguntas que compuseram o questionário do presente estudo constam da Tabela 1.
As informações obtidas junto aos gestores referiram-se à UBS e às equipes da ESF sob sua direção. As informações obtidas junto aos enfermeiros referiram-se à equipe da ESF na qual atuavam. A estratégia de usar dois grupos de respondentes foi adotada para capturar mais informações sobre o desempenho dos serviços, verificar possíveis variações nas avaliações entre eles e/ou inconsistências nos resultados.
Atributos da atenção primária à saúde
A mensuração de cada atributo foi feita por um conjunto de itens que constam daTabela 1. Apesar de ser um dos atributos da APS, a competência cultural não foi avaliada, pois as questões relativas a essa dimensão não se mostraram representativas do atributo nas validações brasileiras 2727. Macinko J, Almeida C, de Sá PK. A rapid assessment methodology for the evaluation of primary care organization and performance in Brazil. Health Policy Plan 2007; 22:167-77,2828. Harzheim E, Starfield B, Rajmil L, Álvarez-Dardet C, Stein AT. Consistência interna e confiabilidade da versão em português doInstrumento de Avaliação da Atenção Primária(PCATool-Brasil) para serviços de saúde infantil. Cad Saúde Pública 2006; 22:1649-59..
Características estruturais e organizacionais
As características estruturais consideradas foram: a existência de equipamentos e insumos na UBS para o desempenho das funções nos últimos 6 meses; o suprimento adequado de medicamentos essenciais nos últimos 6 meses e pelo menos 50% dos profissionais da ESF treinados em saúde da família. Os fatores organizacionais considerados foram: presença de um médico na equipe pelo menos 75% da semana (30 horas semanais) e o número de equipes da ESF por unidade. Questões relativas a essas variáveis foram agregadas ao questionário PCATool e também respondidas pelos entrevistados.
Análise dos dados
As perguntas do questionário possuíam respostas dentro de duas escalas. Uma escala tipo Likert de quatro categorias: nunca, algumas vezes, muitas vezes e sempre e outra com as categorias: 0%-24%, 25%-49%, 50%-74% e 75%-100%. As categorias nunca e algumas vezes, foram categorizadas como 0, como previamente recomendado 2727. Macinko J, Almeida C, de Sá PK. A rapid assessment methodology for the evaluation of primary care organization and performance in Brazil. Health Policy Plan 2007; 22:167-77,3030. Macinko J, Almeida C, dos SE, de Sá PK. Organization and delivery of primary health care services in Petrópolis, Brazil. Int J Health Plann Manage 2004; 19:303-17.. Categorização semelhante foi feita para os valores percentuais 0%-24% e 25%-49%, também como previamente recomendado 2727. Macinko J, Almeida C, de Sá PK. A rapid assessment methodology for the evaluation of primary care organization and performance in Brazil. Health Policy Plan 2007; 22:167-77,3030. Macinko J, Almeida C, dos SE, de Sá PK. Organization and delivery of primary health care services in Petrópolis, Brazil. Int J Health Plann Manage 2004; 19:303-17.. O escore de cada atributo foi definido pela somatória das respostas de seus componentes, dividido pelo total de entrevistados. O escore total da APS foi considerado como a média dos escores dos 7 atributos. Os escores são apresentados em forma de médias que variam de 0 a 1 e IC95% (intervalo de 95% de confiança), estimadas pela regressão linear. Como se supõe que a presença de várias equipes da ESF na mesma UBS exerce grande influência em suas características, foi realizado ajuste no modelo para reduzir o efeito de tal agregação. O mesmo procedimento se repetiu na análise multivariada. Essas análises foram realizadas com utilização dos comandos escritos pelo menu vce (cluster clustvar) do Stata 12 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos).
Foram calculados escores totais e também os escores separados para gerentes e profissionais. Além de identificar possíveis discordâncias entre os dois grupos, essa medida foi agregada para verificar a consistência interna das respostas. O índice α de Cronbach de 0,83 mostrou adequadas a confiabilidade e a consistência interna do instrumento utilizado na pesquisa.
Na análise univariada das características estruturais e organizacionais, as equipes de ESF foram estratificadas entre aquelas que apresentavam escore total da APS iguais ou superiores à mediana (> 0,77) e inferiores a esse valor. Dessa forma, para fins de interpretação, consideraram-se as primeiras com alto desempenho na APS e, consequentemente, as demais com baixo desempenho na APS.
A análise multivariada dos fatores associados ao desempenho da APS baseou-se em razões de prevalência e IC95% estimados por meio da regressão binomial negativa com variância robusta, controlando a agregação das equipes nas UBS. A regressão binomial negativa foi a opção de escolha ao invés da regressão logística, dada a concentração das médias nas notas mais altas (> 0,60). Verificou-se a contribuição de cada variável ao modelo final pela significância estatística e a adequação do modelo aninhado pelo cálculo da razão de verossimilhança. A presença de multicolinearidade foi avaliada por meio do VIF (variance inflation factor), observando-se com valores aceitáveis para os escores de todos os atributos.
Conforme mencionado, todas as análises foram realizadas com uso do sofware Stata.
Resultados
Do total de enfermeiros e gerentes elegíveis, 463 (86,3%) e 138 (97%) participaram da pesquisa, respectivamente. As razões de não participação foram férias e licenças médicas; somente um profissional se recusou a responder ao questionário.
Na Tabela 2, estão apresentados os escores dos atributos da APS, segundo o respondente. O escore total da APS foi de 0,75, variando entre 0,75 entre os enfermeiros e 0,78 entre os gestores (p < 0,01). O atributo melhor pontuado foi o primeiro contato (0,95), seguido pela longitudinalidade e a integralidade (0,83 para ambos), coordenação (0,78), enfoque familiar (0,68), orientação comunitária (0,56) e acesso (0,45). Os atributos da longitudinalidade, da integralidade, do enfoque familiar e da orientação comunitária foram mais bem avaliados entre os gestores do que entre os enfermeiros (p < 0,05). Os escores dos demais atributos não diferiram entre os dois grupos.
Na Tabela 3, está apresentada a distribuição percentual das características de estrutura das UBS e da organização das equipes da ESF, segundo o escore total dos atributos da APS. A maior parte das unidades básicas possuía quatro ou mais equipes da ESF (62,1%). Globalmente, na avaliação de gestores e enfermeiros, 89,3% das unidades básicas possuíam suprimento adequado de medicamentos, 71,1% possuíam equipamentos e insumos adequados às suas funções, 85,9% contavam com um médico pelo menos 30 horas por semana e 79,9% das equipes possuíam pelo menos a metade dos profissionais com treinamento em saúde da família. Todos esses fatores apresentaram associações estatisticamente significantes (p < 0,05) com o desempenho da APS.
Os resultados da análise multivariada das associações entre características de estrutura das UBS e da organização das equipes da ESF e o total dos atributos da APS estão apresentados na Figura 1. Com exceção do suprimento adequado de medicamentos, todas as características analisadas apresentaram associações positivas e estatisticamente significantes com o alto desempenho da APS. A associação mais forte foi com a disponibilidade de equipamentos e outros insumos (RP = 1,57; IC95%: 1,27-1,95), seguida pela formação dos profissionais da equipe em saúde da família (RP = 1,44; IC95%: 1,09-1,91), pela presença do médico por período superior a 30 horas semanais (RP = 1,42; IC95%: 1,05-1,92), e pelo número de equipes da ESF por unidade básica de saúde (RP = 1,09; IC95%: 1,02-1,06).
Razões de prevalência (RP) ajustadas das características das equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF) e das unidades básicas de saúde (UBS) associadas ao alto desempenho da atenção primária à saúde (APS). Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 2010.
A Tabela 4 apresenta os resultados finais da análise multivariada dos fatores estruturais e organizacionais associados ao escore de cada atributo da APS. O número de equipes da ESF por UBS apresentou associação positiva e estatisticamente significante com os atributos da coordenação (RP = 1,07; IC95%: 1,01-1,14) e enfoque familiar (RP = 1,08; IC95%: 1,02-1,15). O suprimento adequado de medicamentos apresentou associação positiva com a longitudinalidade (RP = 1,28; IC95%: 1,01-1,63). A disponibilidade de equipamentos básicos e insumos apresentou-se positivamente associada à integralidade (RP = 1,23; IC95%: 1,08-1,39) e à coordenação (RP = 1,30; IC95%: 1,11-1,53). A presença do médico por período superior a 30 horas semanais mostrou forte associação com a longitudinalidade (RP = 1,47; IC95%: 1,16-1,85), a coordenação (RP = 1,28; IC95%: 1,03-1,59) e o enfoque familiar (RP = 1,37; IC95%: 1,06-1,78). A formação de pelo menos 50% dos membros da equipe (médico e outros profissionais) em saúde da família mostrou associação positiva com a integralidade (RP = 1,33; IC95%: 1,10-1,59) e a coordenação (RP = 1,32; IC95%: 1,08-1,62). Nenhuma das características investigadas apresentou associação independente com os atributos do primeiro contato e do acesso.
Discussão
Este trabalho mostra que os atributos da APS em Belo Horizonte apresentam bom desempenho na avaliação dos profissionais e gestores envolvidos com a ESF. Entretanto, existe heterogeneidade nessa avaliação, com melhor avaliação do primeiro contato, longitudinalidade e integralidade, e pior avaliação do acesso e orientação comunitária. Por fim, as características estruturais das UBS e da organização das equipes da ESF influenciam esse desempenho.
Boas avaliações da APS, utilizando metodologia semelhante, foram observadas em municípios brasileiros 1313. Elias PE, Ferreira CW, Alves MCG, Cohn A, Kishima V, Escrivão Junior A, et al. Atenção Básica em Saúde: comparação entre PSF e UBS por estrato de exclusão social no município de São Paulo. Ciênc Saúde Coletiva 2006; 11:633-41,1515. Castro RCL, Knauth DR, Harzheim E, Hauser L, Duncan BB. Avaliação da qualidade da atenção primária pelos profissionais de saúde: comparação entre diferentes tipos de serviços. Cad Saúde Pública 2012; 28:1772-84.,1919. Chomatas, ERV. Avaliação da presença e extensão dos atributos da atenção primária na rede básica de saúde do município de Curitiba no ano de 2008 [Dissertação de Mestrado]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2009.,3030. Macinko J, Almeida C, dos SE, de Sá PK. Organization and delivery of primary health care services in Petrópolis, Brazil. Int J Health Plann Manage 2004; 19:303-17.,3131. Pereira MJB, Mishima SM, Bava MCC, Santos JSS, Matumoto S, Fortuna CM, et al. Atributos essenciais da atenção primária à saúde: comparação do desempenho entre unidades de saúde tradicionais e unidades da estratégia de saúde da família. http://www.alass.org/cont/priv/calass/docs/2011/Sesion_V/sesion27/02-09_sesion27_2-pt.pdf (acessado em 25/Mai/2012).
http://www.alass.org/cont/priv/calass/do... . Porém, quando verificado o desempenho dos atributos destacadamente, os resultados deste trabalho diferem dos realizados em São Paulo, onde a coordenação e a integralidade receberam maiores pontuações 1313. Elias PE, Ferreira CW, Alves MCG, Cohn A, Kishima V, Escrivão Junior A, et al. Atenção Básica em Saúde: comparação entre PSF e UBS por estrato de exclusão social no município de São Paulo. Ciênc Saúde Coletiva 2006; 11:633-41 e de Porto Alegre 1515. Castro RCL, Knauth DR, Harzheim E, Hauser L, Duncan BB. Avaliação da qualidade da atenção primária pelos profissionais de saúde: comparação entre diferentes tipos de serviços. Cad Saúde Pública 2012; 28:1772-84., com maior pontuação no enfoque familiar. Tais resultados demonstram como o desempenho dos atributos da APS podem variar mesmo entre municípios com características sociodemográficas semelhantes, identificando oportunidades de melhoria da APS.
Sabe-se que um dos pontos mais elementares em avaliações de qualidade da APS é a presença de estrutura 3232. Serapioni M, Silva MGC. Avaliação da qualidade do Programa Saúde da Família em municípios do Ceará. Uma abordagem multidimensional. Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16:4315-26.. Em levantamento nacional, Barbosa et al. 3333. Barbosa ACQ, Rodrigues JM, Sampaio LFR. De programa a estratégia: a saúde da família no Brasil em perspectiva. Um comparativo da década de 2000. In: Anais do XIV Seminário sobre a Economia Mineira; 2010. http://web.cedeplar.ufmg.br/cedeplar/site/seminarios/seminario_diamantina/2010/d10a043.pdf (acessado em 25/Mai/2012).
http://web.cedeplar.ufmg.br/cedeplar/sit... encontraram que 85% das equipes possuíam equipamentos básicos em 2008 e 81% em 2001 3434. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Avaliação normativa do Programa Saúde da Família no Brasil: monitoramento da implantação e funcionamento das equipes de saúde da família, 2001/2002. Brasília: Editora MS; 2004.; e a proporção de equipes com equipamento gineco-obstétrico básico, que já era baixa em 2001 (62%), diminuiu para 59% em 2008. A proporção de médicos que atuava 40 horas semanais foi reduzida de 64% em 2001 para 62% em 2008, demonstrando um afastamento do padrão da ESF. Portanto, são necessários investimentos sustentados para que a APS alcance o padrão necessário para desempenhar seu papel na rede assistencial e o preparo da equipe para a atuação na APS 3535. Silva NC, Braga RR, Rocha TAH, Barbosa ACQ, Rodrigues JM. Saúde da Família e RH: dimensões para efetividade. Revista de Administração FACES Journal 2011; 10:121-45.. Barbosa et al. 3333. Barbosa ACQ, Rodrigues JM, Sampaio LFR. De programa a estratégia: a saúde da família no Brasil em perspectiva. Um comparativo da década de 2000. In: Anais do XIV Seminário sobre a Economia Mineira; 2010. http://web.cedeplar.ufmg.br/cedeplar/site/seminarios/seminario_diamantina/2010/d10a043.pdf (acessado em 25/Mai/2012).
http://web.cedeplar.ufmg.br/cedeplar/sit... mostram ainda que em 2001, 70% das equipes da ESF atuavam em UBS com apenas uma equipe, proporção ampliada para 75% em 2008. À época, essa era uma situação desejável pela proximidade geográfica da equipe com a comunidade. Já em grandes centros urbanos, onde há adensamento populacional, o compartilhamento da UBS com mais equipes pode significar ganhos adicionais.
O primeiro contato é o atributo que coloca a APS como a porta de entrada do sistema de saúde, com função de gate keeping, evitando a realização de exames e tratamentos desnecessários 3636. Gervas J, Perez Fernandez M. La función de filtro del médico general y el papel de los especialistas en los sistemas de salud. Rev Bras Epidemiol 2006; 9:251-2.. Em Belo Horizonte, esse atributo recebeu alta pontuação. Na análise multivariada, não houve fatores associados a esse atributo, sugerindo que seu desempenho deve-se a outros que não os estudados, provavelmente devido à consolidação das políticas de regulação do SUS que controlam o acesso direto do usuário à atenção especializada 3737. Almeida PF, Giovanella L, Mendonça MHM, Escorel S. Desafios à coordenação dos cuidados em saúde: estratégias de integração entre níveis assistenciais em grandes centros urbanos. Cad Saúde Pública 2010; 26:286-98.. Outro estudo realizado nesse município identificou que os usuários diminuíram a procura por serviços hospitalares, especializados e de urgência após a implantação da ESF 3838. Almeida PF, Fausto MC, Giovanella L. Fortalecimento da atenção primária à saúde: estratégia para potencializar a coordenação dos cuidados. Rev Panam Salud Pública 2011; 29:84-95..
O acesso propicia atenção oportuna para identificar e resolver os problemas dos pacientes, reduzindo a morbimortalidade. A dificuldade de acesso se configura como um dos principais problemas dos sistemas de saúde 3939. Carret ML, Fassa AG, Kawachi I. Demand for emergency health service: factors associated with inappropriate use. BMC Health Serv Res 2007; 18:131.,4040. Derlet RW, Richards JR. Overcrowding in the nation’s emergency departments: complex causes and disturbing effects. Ann Emerg Med 2000; 35:63-8.. Neste estudo, o acesso foi o atributo melhor avaliado. Essa avaliação negativa pode ser explicada pelas características organizacionais locais, em que as UBS funcionam apenas nos dias úteis e em horário comercial 1010. Turci MA, Lima-Costa MF, Proietti FA, Cesar CC, Macinko J. Intraurban differences in the use of ambulatory health services in a large brazilian city. J Urban Health 2010; 87:994-1006.. Também não são ofertadas formas mais ágeis de marcação de consultas ou de obtenção de informações por telefone e/ ou Internet 4141. Vieira-da-Silva LM, Chaves SC, Esperidião MA, Lopes-Martinho RM. Accessibility to primary healthcare in the capital city of a northeastern state of Brazil: an evaluation of the results of a programme. J Epidemiol Community Health 2010; 64:1100-5..
A longitudinalidade está associada à maior familiaridade com o paciente, melhor identificação de problemas de saúde, realizações mais frequentes de exames preventivos 4242. Cabana MD, Jee SH. Does continuity of care improve patient outcomes? J Fam Pract 2004; 53:974-80. e à satisfação do paciente 4343. Jee SH, Cabana MD. Indices for continuity of care: a systematic review of the literature. Med Care Res Rev 2006; 63:158-88.. Esse atributo foi bem avaliado neste estudo, com dois fatores associados: presença do médico por mais de 30 horas semanais e a disponibilidade de medicamentos. Estudo canadense mostrou que a principal característica da prática médica a influenciar a longitudinalidade foi o número de pacientes atendidos/hora, que quando superior a 3,4 traz prejuízo 4444. Haggerty JL, Pineault R, Beaulieu MD, Brunelle Y, Gauthier J, Goulet F, et al. Practice features associated with patient-reported accessibility, continuity, and coordination of primary health care. Ann Fam Med 2008; 6:116-23.. Quanto menor o tempo do médico na UBS, maior será a pressão da demanda por atendimentos e, consequentemente, maior o número de atendimentos por hora, portanto a presença do médico por mais tempo propicia a longitudinalidade. Esse foi o único atributo sensível à disponibilidade de medicamentos. Uma explicação é a existência de outras fontes de suprimento, sobretudo a farmácia popular. Em Belo Horizonte, queixas para a obtenção de medicamentos diminuíram pela metade entre 2003 e 2010, refletindo a melhora desse acesso no período 4545. Lima-Costa MF, Turci M, Macinko J. Saúde dos adultos em Belo Horizonte. Belo Horizonte: Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento, Fundação Oswaldo Cruz/Universidade Federal de Minas Gerais; 2012..
A integralidade reflete a capacidade da APS de realizar ações que atendam às necessidades de saúde da comunidade. Ela está associada à qualidade, eficiência, equidade e redução da morbidade 4646. Sans-Corrales M, Pujol-Ribera E, Gené-Badia J, Pasarín-Rua MI, Iglesias-Pérez B, Casajuana-Brunet J. Family medicine attributes related to satisfaction, health and costs. Fam Pract 2006; 23:308-16.. Neste trabalho, a disponibilidade de equipamentos e outros insumos na UBS e a formação da equipe em ESF apresentaram associações independentes desse atributo, confirmando resultados de trabalhos anteriores 4747. Kringos DS, Boerma WG, Hutchinson A, van der Zee J, Groenewegen PP. The breadth of primary care: a systematic literature review of its core dimensions BMC Health Serv Res 2010; 13:65.. Estudo de revisão comprova a importância da presença do enfermeiro para a integralidade 4848. Halcomb EJ, Davidson PM, Daly JP, Griffiths R, Yallop J, Tofler G. Nursing in Australian general practice: directions and perspectives. Aust Health Rev 2005; 29:156-66.. Essa é uma característica da estratégia brasileira para a organização da APS.
A coordenação facilita o acesso do paciente aos níveis do sistema 4949. Chapman JL, Zechel A, Carter YH, Abbott S. Systematic review of recentinnovations in service provision to improve access to primary care. Br J Gen Pract 2004; 54:374-81., propicia menor uso de especialidades e redução das internações 5050. Sung NJ, Suh SY, Lee DW, Ahn HY, Choi YJ, Lee JH. Patient’s assessment of primary care of medical institutions in South Korea by structural type. Int J Qual Health Care 2010; 22:493-9. e foi o quarto melhor avaliado. Neste estudo foi o atributo influenciado pelo maior número de características sugerindo que UBS com mais equipes e melhor estruturadas têm maior probabilidade de ter um bom desempenho nesse atributo. Estudo canadense mostrou que a principal característica a influenciar a coordenação foi a dedicação de 50 a 70% do tempo dos médicos na unidade de saúde 5151. Russell G, Dahrouge S, Tuna M, Hogg W, Geneau R, Gebremichael G. Getting it all done. Organizational factors linked with comprehensive primary care. Fam Pract 2010; 27:535-41.. O tempo do médico na equipe/UBS é tema de discussão no país, tendo sido alterada a norma sobre a presença desse profissional em regime de 40 horas semanais 2121. Ministério da Saúde. Portaria no2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diário Oficial da União 2011; 24 out.. Apesar de não generalizáveis para todo o país, os resultados deste estudo destacam a necessidade de investigações para analisar a pertinência da mudança do tempo dedicado dos médicos à ESF. Esse e mais outro estudo canadense 4444. Haggerty JL, Pineault R, Beaulieu MD, Brunelle Y, Gauthier J, Goulet F, et al. Practice features associated with patient-reported accessibility, continuity, and coordination of primary health care. Ann Fam Med 2008; 6:116-23.,5151. Russell G, Dahrouge S, Tuna M, Hogg W, Geneau R, Gebremichael G. Getting it all done. Organizational factors linked with comprehensive primary care. Fam Pract 2010; 27:535-41. mostram que a presença de uma rede especializada articulada às UBS, possibilitando troca de opiniões, contribui para a coordenação. A adequada capacitação dos profissionais para essa função também foi demonstrada imprescindível 3737. Almeida PF, Giovanella L, Mendonça MHM, Escorel S. Desafios à coordenação dos cuidados em saúde: estratégias de integração entre níveis assistenciais em grandes centros urbanos. Cad Saúde Pública 2010; 26:286-98..
Neste trabalho, o enfoque familiar e a orientação comunitária receberam piores avaliações, como em outros estudos 1313. Elias PE, Ferreira CW, Alves MCG, Cohn A, Kishima V, Escrivão Junior A, et al. Atenção Básica em Saúde: comparação entre PSF e UBS por estrato de exclusão social no município de São Paulo. Ciênc Saúde Coletiva 2006; 11:633-41,1414. Leão CDA, Caldeira AP. Avaliação da associação entre qualificação de médicos e enfermeiros em atenção primária em saúde e qualidade da atenção. Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16:4415-23.,5252. Ibañez N, Rocha JSY, Castro PCD, Ribeiro MCSA, Forster AC, Novaes, MH, et al. Avaliação do desempenho da atenção básica no Estado de São Paulo. Ciênc Saúde Coletiva 2006; 11:683-703.. Esse cenário é preocupante, uma vez que esses atributos são aqueles que diferenciam a ESF do modelo ambulatorial tradicional. Na análise, o número de equipes por UBS e a presença do médico apresentaram associações independentes com o desempenho do enfoque familiar. Estranha-se o fato de que a formação dos profissionais na ESF não apresentou associação com nenhum desses atributos. São necessárias investigações complementares para melhor entendimento do trabalho do Agente Comunitário de Saúde, que é o profissional-chave para um bom desempenho desses atributos e cujo trabalho, por vezes, se encontra distante do originalmente proposto 5353. Fausto MC, Giovanella L, de Mendonça MH, de Almeida PF, Escorel S, de Andrade CL, et al. The work of community health workers in major cities in Brazil: mediation, community action, and health care. J Ambul Care Manage 2011; 34:339-53..
Este trabalho tem vantagens e limitações. A abrangência do estudo, que contemplou todas as equipes da ESF em um dos maiores municípios brasileiros, é uma das vantagens, bem como o uso de questionário amplamente utilizado e previamente validado no Brasil, com alta proporção de respostas e boa consistência aferida pelo índice alpha de Cronbach, garantindo a validade interna da pesquisa. A opção por constituir dois grupos de respondentes possibilitou capturar informações de distintos pontos de vista, pois mesmo tendo sido consistentes entre gestores e enfermeiros, as avaliações revelaram algumas diferenças estatisticamente significantes entre os dois grupos. A principal limitação do estudo é a subjetividade das respostas, baseadas na experiência de cada profissional. Isso pode ter afetado os resultados, como sugerido por avaliações mais favoráveis dos gestores em relação a alguns atributos e o escore total. Para contornar esse problema, a condição do respondente (se gestor ou enfermeiro) foi considerada a priori uma variável de confusão do estudo e foi incluída em todos os modelos ajustados. Outra limitação do estudo é a ausência de informações acerca da percepção dos usuários, embora um estudo anterior tenha mostrado que a percepção dos usuários apresenta concordância com as dos profissionais 2727. Macinko J, Almeida C, de Sá PK. A rapid assessment methodology for the evaluation of primary care organization and performance in Brazil. Health Policy Plan 2007; 22:167-77. Finalmente, vale ressaltar que o escore total da APS e de alguns dos seus atributos apresentou alguma variação entre os diferentes distritos sanitários (não mostrado) 5454. Lima-Costa MF, Turci M, Macinko J. Os atributos da Atenção Primária à Saúde em Belo Horizonte. Belo Horizonte: Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento, Fundação Oswaldo Cruz/Universidade Federal de Minas Gerais; 2012.. Por isso, o distrito foi também considerado variável de confusão e incluído como fator de ajustamento nos modelos multivariados. Essas variações geográficas podem refletir diferenças na qualidade da APS dentro do município, gerando iniquidades, e precisam ser avaliadas com mais profundidade.
A implementação da ESF ainda está em processo de construção no país e a sua avaliação permanente deve ser incentivada. O PCATool é um questionário amplamente validado, constituindo-se em um dos bons instrumentos para avaliação do desempenho da APS em diferentes contextos, para identificar aspectos que necessitam de intervenções para a melhoria da qualidade da APS em nosso meio.
As implicações dos nossos resultados para o planejamento em saúde podem ser resumidas em quatro pontos principais. A disponibilidade de insumos e de equipamentos na UBS foi o fator mais fortemente associado ao desempenho da APS, revelando a importância do financiamento e de sistemas logísticos adequados para a qualidade da ESF. A formação das equipes no tema “saúde da família” foi o segundo fator mais fortemente associado ao desempenho da APS, ressaltando a importância e a necessidade da formação específica na área. A presença do médico por pelo menos 30 horas semanais foi o terceiro fator mais importante na avaliação da APS, e aquele mais fortemente associado aos atributos da longitudinalidade, da coordenação e do enfoque familiar. Tal resultado reforça a importância de políticas de alocação dos médicos nas equipes em tempo integral. O número de equipes da ESF por UBS também apresentou associação positiva com o desempenho do escore da APS. Isso pode ser explicado pelo melhor ambiente de trabalho decorrente de menor isolamento dos profissionais, da possibilidade de trocas de experiências e de intersubstituições. Logo, investimentos deveriam ser feitos para garantir um novo conceito de UBS de porte médio, robustas e bem equipadas, que possibilitem a permanência de várias equipes que possam compartilhar recursos e conhecimentos, podendo gerar melhoria na qualidade da APS e maior sustentabilidade dessa política.
Agradecimentos
Este trabalho foi parcialmente financiado pelo Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Assistência à Saúde, Ministério da Saúde. Os autores agradecem aos gestores e aos profissionais das equipes da Estratégia Saúde da Família do Município de Belo Horizonte pelo apoio à pesquisa.
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Errata
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Set 2015
Histórico
- Recebido
01 Set 2014 - Revisado
01 Jan 2015 - Aceito
02 Mar 2015