Resumo:
Este estudo teve como objetivo avaliar a importância do tipo de aleitamento no risco de excesso de peso de crianças entre 12-24 meses de idade. Trata-se de um estudo de coorte que incluiu 435 crianças nascidas em 2012 em uma maternidade pública de Joinville, Santa Catarina, Brasil. Dois anos após o parto, as mães e seus filhos foram contatados nas residências para uma nova coleta de dados. Na análise não ajustada, crianças que não receberam aleitamento materno exclusivo apresentaram maior risco de desenvolver excesso de peso aos dois anos de idade (OR = 1,6; p = 0,049), quando comparadas às crianças amamentadas exclusivamente. Mesmo após o ajuste para diversas covariáveis, o risco das crianças não amamentadas exclusivamente apresentarem excesso de peso aumentou 12% em relação à análise não ajustada (OR = 2,6 vs. OR = 1,8; p = 0,043). Adicionalmente, o peso ao nascer também mostrou ser um determinante independente do risco de excesso de peso (OR = 2,5; p = 0,002). A prática do aleitamento materno exclusivo pode reduzir o risco de excesso de peso em crianças de países em desenvolvimento como o Brasil.
Palavras-chave:
Aleitamento Materno; Sobrepeso; Estado Nutricional
Resumen:
Este estudio tuvo como objetivo evaluar la importancia del tipo de lactancia en el riesgo de exceso de peso de niños entre 12-24 meses de edad. Se trata de un estudio de cohorte que incluyó a 435 niños nacidos en 2012, en una maternidad pública de Joinville, Santa Catarina, Brasil. Tras dos años después del parto, se contactó con las madres y sus hijos en sus residencias para una nueva recogida de datos. En el análisis no ajustado, los niños que no recibieron exclusivamente el pecho materno presentaron mayor riesgo de desarrollar exceso de peso a los dos años de edad (OR = 1,6; p = 0,049), cuando se comparan con los niños amamantados exclusivamente. Incluso tras el ajuste para diversas covariables, el riesgo de que los niños no amamantados exclusivamente presentaran exceso de peso aumentó un 12%, en relación con el análisis no ajustado (OR = 2,6 vs. OR = 1,8; p = 0,043). Asimismo, el peso al nacer también mostró ser un determinante independiente del riesgo de exceso de peso (OR = 2,5; p = 0,002). La práctica de dar exclusivamente el pecho puede reducir el riesgo de exceso de peso en niños de países en desarrollo como Brasil.
Palabras-clave:
Lactancia Materna; Sobrepeso; Estado Nutricional
Introdução
Recomendado nos primeiros seis meses de vida 11. World Health Organization. The optimal duration of exclusive breastfeeding. Geneva: World Health Organization; 2001., o aleitamento materno exclusivo (AME) protege as crianças contra doenças infecciosas, como diarreia, infecções respiratórias inferiores, otite média aguda 22. Fisk CM, Crozier SR, Inskip HM, Godfrey KM, Cooper C, Roberts GC, et al. Breastfeeding and reported morbidity during infancy: findings from the Southampton Women's Survey. Matern Child Nutr 2011; 7:61-70., reduz a morbidade e a mortalidade neonatal em países de baixa e média renda 33. Debes AK, Kohli A, Walker N, Edmond K, Mullany LC. Time to initiation of breastfeeding and neonatal mortality and morbidity: a systematic review. BMC Public Health 2013; 13 Suppl 3:S19., e melhora o desenvolvimento cognitivo 44. Victora CG, Horta BL, Loret de Mola C, Quevedo L, Pinheiro RT, Gigante DP, et al. Association between breastfeeding and intelligence, educational attainment, and income at 30 years of age: a prospective birth cohort study from Brazil. Lancet Glob Health 2015; 3:e199-205.. Alguns estudos demonstraram, ainda, efeito protetor do AME contra risco de sobrepeso e obesidade na infância e na vida adulta 55. Marseglia L, Manti S, D'Angelo G, Cuppari C, Salpietro V, Filippelli M, et al. Obesity and breastfeeding: the strength of association. Women Birth 2015; 28:81-6.), (66. Balaban G, Silva GA. Protective effect of breastfeeding against childhood obesity. J Pediatr (Rio J.) 2004; 80:7-16.), (77. Simon VG, Souza JM, Souza SB. Breastfeeding, complementary feeding, overweight and obesity in pre-school children. Rev Saúde Pública 2009; 43:60-9.), (88. Scanferla de Siqueira R, Monteiro CA. Breastfeeding and obesity in school-age children from families of high socioeconomic status. Rev Saúde Pública 2007; 41:5-12.. Entretanto, apesar de todos os benefícios do AME para o crescimento e desenvolvimento do recém-nascido e da criança, ainda é baixa a prevalência de AME no mundo 99. United Nations Children's Fund. Young child survival and development. Tematic report 2013. New York: United Nations Children's Fund; 2014.. Segundo dados divulgados pela Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) em 2013, a prevalência mundial de AME aumentou de 38% em 2000 para 41% em 2012, com maior expressão nos países desenvolvidos (de 38% em 2000 para 50% em 2012) 99. United Nations Children's Fund. Young child survival and development. Tematic report 2013. New York: United Nations Children's Fund; 2014..
No Brasil, dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS 2006) revelaram que a prevalência de excesso de peso-para-altura situa-se entre 5% e 7%, em crianças menores de 5 anos de idade, e 6% para crianças entre 12 a 23 meses 1010. Ministério da Saúde. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher - PNDS 2006: dimensões do processo reprodutivo e da saúde da criança. Brasília: Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, Ministério da Saúde; 2009., tornando-se um importante problema de saúde pública. Como o excesso de massa corporal é uma condição de difícil tratamento, prevenir e identificar fatores de risco modificáveis ou protetores são aspectos fundamentais para controlar a epidemia 1111. Araújo CL, Victora CG, Hallal PC, Gigante DP. Breastfeeding and overweight in childhood: evidence from the Pelotas 1993 birth cohort study. Int J Obes (Lond) 2006; 30:500-6., e a AME parece exercer importante efeito nesse controle ao longo da vida 55. Marseglia L, Manti S, D'Angelo G, Cuppari C, Salpietro V, Filippelli M, et al. Obesity and breastfeeding: the strength of association. Women Birth 2015; 28:81-6.), (66. Balaban G, Silva GA. Protective effect of breastfeeding against childhood obesity. J Pediatr (Rio J.) 2004; 80:7-16.), (77. Simon VG, Souza JM, Souza SB. Breastfeeding, complementary feeding, overweight and obesity in pre-school children. Rev Saúde Pública 2009; 43:60-9.), (88. Scanferla de Siqueira R, Monteiro CA. Breastfeeding and obesity in school-age children from families of high socioeconomic status. Rev Saúde Pública 2007; 41:5-12.), (1212. Scott JA, Ng SY, Cobiac L. The relationship between breastfeeding and weight status in a national sample of Australian children and adolescents. BMC Public Health 2012; 12:107..
A associação entre o aspecto protetor da amamentação no excesso de peso corporal ao longo da vida tem sido publicada especialmente em razão de estudos observacionais 1212. Scott JA, Ng SY, Cobiac L. The relationship between breastfeeding and weight status in a national sample of Australian children and adolescents. BMC Public Health 2012; 12:107.. Até a elaboração deste trabalho, não foram encontrados estudos longitudinais e prospectivos que avaliaram o efeito independente do tipo de amamentação sobre o risco de excesso de peso em crianças brasileiras aos dois anos de idade. O presente estudo teve como objetivo avaliar o efeito independente do tipo de aleitamento no risco de excesso de peso em crianças entre 12-24 meses de idade.
Métodos
Sujeitos e design do estudo
Trata-se de um estudo de coorte desenvolvido com mães e seus filhos atendidos na Maternidade Pública Darcy Vargas do Município de Joinville, Santa Catarina, Brasil. Os dados fizeram parte de um programa iniciado em 2012 para avaliar os determinantes e as consequências de crianças nascidas grandes para a idade gestacional (GIG), conforme dados descritos anteriormente 1313. Sales WB, Silleno Junior JD, Kroll C, Mastroeni SS, Silva JC, Mastroeni MF. Influence of altered maternal lipid profile on the lipid profile of the newborn. Arch Endocrinol Metab 2015; 59:123-8..
Em síntese, a primeira coleta dos dados (1a investigação) ocorreu na Maternidade Pública Darcy Vargas no período de janeiro/fevereiro de 2012 e abrangeu dados demográficos, econômicos, antropométricos, obstétricos, reprodutivos e bioquímicos. Foram incluídas no estudo todas as parturientes admitidas na Maternidade Pública Darcy Vargas, com 18 ou mais anos de idade, idade gestacional classificada entre 37 e 42 semanas de gestação e que tiveram nascidos vivos em feto único. Nessa etapa, os critérios de exclusão abrangeram as parturientes diagnosticadas com pré-eclâmpsia ou doenças infectocontagiosas (síndrome de imunodeficiência adquirida, hepatites, sífilis e toxoplasmose), e os recém-nascidos que apresentaram algum tipo de anomalia ou foram encaminhados à adoção logo após o nascimento. Dos 529 pares (mães e crianças) elegíveis, 58 não obedeceram aos critérios de inclusão, e 36 (7,6%) foram considerados perdas (2 mães não aceitaram participar do estudo, 29 mães/crianças apresentaram problemas durante a coleta da amostra de sangue, uma mãe forneceu dados incompletos ao estudo e quatro partos foram realizados em trânsito, antes de a mãe chegar à maternidade), totalizando 435 pares 1313. Sales WB, Silleno Junior JD, Kroll C, Mastroeni SS, Silva JC, Mastroeni MF. Influence of altered maternal lipid profile on the lipid profile of the newborn. Arch Endocrinol Metab 2015; 59:123-8..
A segunda coleta dos dados (2a investigação) teve início 12 meses após o parto, foi realizada nas residências das participantes, entre março de 2013 e março de 2014, e abrangeu dados demográficos, econômicos, antropométricos e de aleitamento. Crianças com idade igual ou superior a 25 meses e as que apresentaram algum tipo de anomalia que interferisse na avaliação antropométrica foram excluídas do estudo. Dos 435 pares que participaram da 1a investigação, 11 (2,5%) não atenderam aos critérios de inclusão e 121 (27,8%) foram considerados perdas (23 mães não aceitaram participar do estudo e 98 não foram localizadas), resultando em 303 (69,7%) pares (mães e crianças).
Coleta dos dados
A coleta dos dados foi realizada utilizando-se questionários pré-testados e administrados por pesquisadores treinados. Na 1ª investigação, o peso, o comprimento e o índice Apgar dos recém-nascidos foram obtidos do livro de registros da maternidade no mesmo dia em que nasceram. O peso ao nascer foi classificado ajustando-se o peso à idade gestacional e ao sexo em três diferentes categorias: pequeno para a idade gestacional (PIG), definido como peso ao nascer < P10; adequado para a idade gestacional (AIG), definido como peso ao nascer entre o percentil P10-90; e grande para a idade gestacional (GIG), definido como percentil > P90 1414. Lubchenco LO, Hansman C, Dressler M, Boyd E. Intrauterine growth as estimated from liveborn birth-weight data at 24 to 42 weeks of gestation. Pediatrics 1963; 32:793-800.. O índice de Apgar foi considerado adequado no primeiro minuto quando o escore foi ≥ 7, e inadequado quando < 7. As medidas antropométricas das mães foram obtidas imediatamente após o parto, ainda na maternidade, segundo a técnica de Gordon et al. 1515. Gordon CC, Chumlea WC, Roche AF. Stature, recumbent length, and weight. In: Lohman TG, Roche AF, Martorell R, editors. Anthropometric standartization reference manual. Champaign: Human Kinetics Books; 1988. p. 3-8.. Para as medidas do peso e da estatura, foram utilizadas uma balança digital portátil marca Cardiomed (Curitiba, Brasil) com capacidade de até 150kg e divisão de 0,1kg, e um estadiômetro portátil da marca Cardiomed com capacidade para até 220cm e divisão de 0,1cm, respectivamente.
Na 2a investigação, o peso das crianças foi mensurado utilizando-se balança portátil digital pediátrica da marca Beurer (Ulm, Alemanha) modelo BY20, com capacidade para até 20kg e incrementos de 10g. O comprimento foi obtido com uso de uma régua antropométrica pediátrica com capacidade de até 100cm e incrementos de 0,1cm. O peso e o comprimento foram utilizados para calcular o índice de massa corporal (IMC - peso [kg]/comprimento[m2]). O estado nutricional das crianças foi avaliado segundo o IMC por idade e sexo, conforme as curvas de avaliação do crescimento infantil da Organização Mundial da Saúde (OMS) 1616. de Onis M, Onyango AW, Borghi E, Siyam A, Nishida C, Siekmann J. Development of a WHO growth reference for school-aged children and adolescents. Bull World Health Organ 2007; 85:660-7., a qual classifica como magreza crianças percentil < 3; eutróficas percentil ≥ 3 e percentil ≤ 85; risco de sobrepeso percentil > 85 e percentil ≤ 97; sobrepeso percentil > 97 e percentil ≤ 99,9; obesidade percentil > 99,9. As medidas antropométricas das mães foram obtidas come os mesmos equipamentos e procedimentos da 1a investigação. O estado nutricional das mães foi avaliado segundo o IMC e classificado de acordo com os pontos de corte da OMS 1717. World Health Organization. Obesity: preventing and managing the global epidemic. Geneva: World Health Organization; 2000. (WHO Technical Report Series, 894)., que classifica o indivíduo com IMC entre 18 e 24,9kg/m2 como normal, 25,0 e 29,9kg/m2 como sobrepeso e ≥ 30,0kg/m2 como obeso.
A renda familiar mensal foi obtida pelo relato da renda em reais das participantes, e classificada em salários mínimos (SM) em três categorias: < 3, 3-5, ≥ 5 SM. Um SM correspondia a R$ 678,00 à época em que o estudo foi conduzido. O estado civil foi classificado em "casado/união consensual", quando a participante relatou estar oficialmente casada ou viver junto com seu parceiro na mesma residência, e "outro" quando a participante relatou qualquer outro tipo de estado civil. As participantes do estudo também foram questionadas se continuaram trabalhando ou estudando no primeiro mês após a gestação.
O IMC pré-gestacional foi calculado pelo o relato do peso pré-gestacional e a medida da estatura, que foi obtida imediatamente após o parto, ainda na maternidade. Todas as variáveis antropométricas foram mensuradas duas vezes, utilizando-se a média aritmética como medida final.
O aleitamento foi classificado segundo os indicadores da OMS 1818. World Health Organization; United Nations Children's Fund; United States Agency for International Development; Food and Nutrition Technical Assistance; University of California, Davis; International Food Policy Research Institute. Indicators for assessing infant and young child feeding practices. Geneva: World Health Organization; 2008., que considera AME quando o lactente foi alimentado exclusivamente com leite do peito ou ordenhado e nenhum outro líquido ou sólido, com exceção de gotas ou xaropes de vitaminas, minerais e/ou medicamentos, por um período de seis meses; aleitamento predominante (AP) quando a criança recebeu leite do peito ou ordenhado, incluindo água ou bebidas à base de água como sucos de frutas e chás; alimentação complementar (AC) quando a criança recebeu leite do peito ou ordenhado, incluindo alimentos sólidos ou semissólidos, leite não humano e fórmula especial; amamentação (A) quando a criança recebeu leite do peito ou ordenhado, incluindo o leite não humano e fórmula especial; e alimentação artificial (AA) quando a criança recebeu qualquer tipo de alimento líquido ou semissólido via mamadeira, incluindo leite do peito, leite não humano e fórmula especial 1818. World Health Organization; United Nations Children's Fund; United States Agency for International Development; Food and Nutrition Technical Assistance; University of California, Davis; International Food Policy Research Institute. Indicators for assessing infant and young child feeding practices. Geneva: World Health Organization; 2008.. Para este estudo, AP, AC, A e AA foram agrupados em aleitamento não exclusivo (ANE).
Análise estatística
Os dados foram analisados no programa IBM SPSS, versão 22.0 (IBM Corp., Armonk, Estados Unidos). O teste do qui-quadrado foi utilizado para comparar a prevalência das variáveis categóricas da mãe e das crianças segundo o tipo de aleitamento (AME vs. ANE).
Para verificar a associação entre crianças apresentando risco de excesso de peso (percentil > 85) com tipo de aleitamento e outros fatores de risco, foram calculados as odds ratio (OR) e os intervalos de 95% de confiança (IC95%) por regressão logística. Na análise univariada (Modelo 1), foram estimados os efeitos brutos de cada fator de risco nas crianças com percentil > 85 (em relação às crianças com percentil ≤ 85). Utilizando-se o método enter, análise forçada das variáveis no modelo, foram selecionados os fatores de risco com valor de p < 0,05, além de idade e sexo da criança para construir o primeiro modelo multivariado (Modelo 2). O segundo modelo multivariado (Modelo 3) foi construído com inclusão de todos os fatores de risco do Modelo 1 de forma a verificar o efeito independente de cada fator de risco no desfecho investigado (percentil > 85). Para a análise multivariada, houve uso do modelo teórico com apenas um nível hierárquico, com a introdução das variáveis na seguinte ordem: idade materna, escolaridade, estado civil, renda familiar, IMC materno atual, peso ao nascer, Apgar a 1 min, sexo e idade da criança. De forma a controlar potenciais fatores de confundimento, as variáveis foram introduzidas uma a uma no modelo, e ajustadas para as variáveis significativas (p < 0,05) no Modelo 2. O efeito de cada variável junto ao desfecho "risco de excesso de peso" e a exposição "tipo de amamentação" também foi analisado individualmente.
As categorias de referência foram determinadas com base em resultados de outros estudos, que revelaram que (1) crianças de mães com menor idade e IMC, (2) maior escolaridade e renda familiar, (3) que viveram com o parceiro, (4) que tiveram AME, (5) que nasceram PIG ou AIG e (6) tiveram Apgar a 1 min < 7 ao nascer apresentaram menor risco de excesso de peso no futuro 1919. Moreira MA, Cabral PC, Ferreira HS, Lira PI. Overweight and associated factors in children from northeastern Brazil. J Pediatr (Rio J.) 2012; 88:347-52.), (2020. Bergmann KE, Bergmann RL, Von Kries R, Böhm O, Richter R, Dudenhausen JW, et al. Early determinants of childhood overweight and adiposity in a birth cohort study: role of breast-feeding. Int J Obes Relat Metab Disord 2003; 27:162-72.), (2121. Durmus B, van Rossem L, Duijts L, Arends LR, Raat H, Moll HA, et al. Breast-feeding and growth in children until the age of 3 years: the Generation R Study. Br J Nutr 2011; 105:1704-11.), (2222. Huus K, Ludvigsson JF, Enskar K, Ludvigsson J. Exclusive breastfeeding of Swedish children and its possible influence on the development of obesity: a prospective cohort study. BMC Pediatr 2008; 8:42.), (2323. Cocetti M, Taddei JA, Konstantyner T, Konstantyner TC, Barros Filho AA. Prevalence and factors associated with overweight among Brazilian children younger than 2 years. J Pediatr (Rio J.) 2012; 88:503-8.), (2424. Caminha MF, Azevedo PT, Sampaio BB, Acioly VM, Belo MP, Lira PI, et al. Breastfeeding in children from 0 to 59 months in the state of Pernambuco, Brazil, in accordance with weight at birth. Ciênc Saúde Coletiva 2014; 19:2021-32.), (2525. Minsart AF, Buekens P, De Spiegelaere M, Englert Y. Neonatal outcomes in obese mothers: a population-based analysis. BMC Pregnancy Childbirth 2013; 13:36..
Para avaliar se ocorreu diferença entre o grupo de pares que participou da 1ª investigação (N = 435) com o grupo de pares que participou da 2ª investigação (N = 303), aplicou-se o teste do qui-quadrado para as variáveis idade, escolaridade, peso ao nascer e sexo. Todos os testes foram considerados significativos quando valor de p < 0,05.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade da Região de Joinville (Univille, processo nº 107/2011).
Resultados
O teste do qui-quadrado para proporcionalidade mostrou não haver diferença estatisticamente significativa entre os grupos da 1a e da 2a investigação quanto às variáveis idade (p = 0,148), escolaridade (p = 0,874), peso ao nascer (p = 0,103) e sexo (p = 0,666).
Na Tabela 1, estão descritas as características gerais das mães e seus filhos dois anos após o parto. A proporção de mães que não amamentaram exclusivamente foi significativamente (p < 0,05) maior para aquelas que relataram trabalhar/estudar após a gestação, e para as que apresentaram IMC ≥ 25kg/m2, quando comparadas às mães que amamentaram exclusivamente (67,3% vs. 47,6%, 53,1% vs. 40,8%, respectivamente). Em relação às crianças, o estado nutricional também foi significativamente associado ao tipo de amamentação. A proporção de crianças > percentil 85 foi maior entre as que não foram amamentadas exclusivamente quando comparada às que tiveram AME (45,7% vs. 34%; p = 0,048).
Características gerais das mães e seus filhos dois anos após o parto, segundo o tipo de aleitamento materno. Joinville, Santa Catarina, Brasil, 2013-2014.
A análise dos fatores de risco para excesso de peso corporal aos dois anos de idade é demonstrada na Tabela 2. Quando comparadas às crianças que receberam AME, as crianças não amamentadas exclusivamente apresentaram maior risco de desenvolver excesso de peso corporal (OR = 1,6; p = 0,049) após dois anos de seguimento. Crianças de mães atualmente obesas (IMC ≥ 30kg/m2) apresentaram maior risco de excesso de peso corporal quando comparadas às de mães com IMC < 25kg/m2 (OR = 2,1; p = 0,012). Crianças que nasceram GIG e com índice Apgar 1 min < 7 também apresentaram maior risco de excesso de peso corporal em relação às crianças PIG/AIG (OR = 2,3; p = 0,001), e com índice Apgar 1 min ≥ 7 ao nascimento (OR = 2,5; p = 0,033), respectivamente (Tabela 2).
Após o ajuste para as covariáveis idade da criança, sexo e as que foram significativas (p < 0,05) na análise não ajustada (Modelo 1), o risco das crianças que não receberam AME apresentarem excesso de peso corporal após dois anos de seguimento aumentou de 1,6 para 1,7 (Modelo 2; OR = 1,1; p = 0,038). No terceiro modelo (Modelo 3), mesmo após o ajuste para todas as covariáveis do Modelo 1, o risco das crianças que não receberam AME apresentarem excesso de peso corporal aumentou em relação à análise não ajustada (OR = 1,8 vs. OR = 1,6; p = 0,043) (Tabela 2). Adicionalmente, o peso ao nascer também mostrou efeito independente sobre o risco de as crianças apresentarem excesso de peso corporal (OR = 2,5; p = 0,002).
Resultados da regressão logística tendo como desfecho crianças com risco de excesso de peso dois anos após o nascimento. Joinville, Santa Catarina, Brasil, 2013-2014.
Discussão
Até o momento, este é o primeiro estudo longitudinal e prospectivo com crianças brasileiras a demonstrar que a prática de ANE está associada ao maior risco de as crianças apresentarem excesso de peso corporal no segundo ano de vida. Neste estudo, demonstra-se que o AME apresentou um efeito independente sobre o risco de excesso de peso corporal mesmo após controlar por diversas outras covariáveis de confusão da mãe e da criança. Adicionalmente, crianças que nasceram GIG também apresentaram maior risco de desenvolver excesso de peso corporal aos dois anos de idade.
Tais resultados são consistentes com os de outros estudos prospectivos realizados no Brasil, mas com grupos etários diferentes 88. Scanferla de Siqueira R, Monteiro CA. Breastfeeding and obesity in school-age children from families of high socioeconomic status. Rev Saúde Pública 2007; 41:5-12.), (1919. Moreira MA, Cabral PC, Ferreira HS, Lira PI. Overweight and associated factors in children from northeastern Brazil. J Pediatr (Rio J.) 2012; 88:347-52.. Moreira et al. 1919. Moreira MA, Cabral PC, Ferreira HS, Lira PI. Overweight and associated factors in children from northeastern Brazil. J Pediatr (Rio J.) 2012; 88:347-52., em um estudo envolvendo crianças menores de cinco anos de idade, demonstraram haver associação entre AME < 6 meses e risco de excesso de peso (OR = 1,82; IC95%: 1,31-2,51). Scanferla de Siqueira & Monteiro 88. Scanferla de Siqueira R, Monteiro CA. Breastfeeding and obesity in school-age children from families of high socioeconomic status. Rev Saúde Pública 2007; 41:5-12. demonstraram que crianças com idade entre 6 e 14 anos que nunca foram amamentadas também apresentaram maior risco de excesso de peso (OR = 2,06; IC95%: 1,02-4,16).
Vários pesquisadores têm avaliado a relação entre AME e excesso de peso tardio, porém os resultados são conflitantes. Estudos longitudinais e/ou prospectivos desenvolvidos com crianças de outros países revelaram dados semelhantes aos encontrados neste estudo 2020. Bergmann KE, Bergmann RL, Von Kries R, Böhm O, Richter R, Dudenhausen JW, et al. Early determinants of childhood overweight and adiposity in a birth cohort study: role of breast-feeding. Int J Obes Relat Metab Disord 2003; 27:162-72.), (2626. Rossiter MD, Colapinto CK, Khan MK, McIsaac JL, Williams PL, Kirk SF, et al. Breast, formula and combination feeding in relation to childhood obesity in Nova Scotia, Canada. Matern Child Health J 2015; 19:2048-56.), (2727. Jwa SC, Fujiwara T, Kondo N. Latent protective effects of breastfeeding on late childhood overweight and obesity: a nationwide prospective study. Obesity (Silver Spring) 2014; 22:1527-37.), (2828. Rzehak P, Sausenthaler S, Koletzko S, Bauer CP, Schaaf B, von Berg A, et al. Period-specific growth, overweight and modification by breastfeeding in the GINI and LISA birth cohorts up to age 6 years. Eur J Epidemiol 2009; 24:449-67.), (2929. Zhang J, Himes JH, Guo Y, Jiang J, Yang L, Lu Q, et al. Birth weight, growth and feeding pattern in early infancy predict overweight/obesity status at two years of age: a birth cohort study of Chinese infants. PLoS One 2013; 8:e64542.. Rossiter et al. 2626. Rossiter MD, Colapinto CK, Khan MK, McIsaac JL, Williams PL, Kirk SF, et al. Breast, formula and combination feeding in relation to childhood obesity in Nova Scotia, Canada. Matern Child Health J 2015; 19:2048-56. observaram que crianças canadenses que receberam algum tipo de alimento associado com leite materno nos primeiros seis meses de vida apresentaram maior risco de excesso de peso corporal (OR = 1.27; IC95%: 1,02-1,58). Jwa et al. 2727. Jwa SC, Fujiwara T, Kondo N. Latent protective effects of breastfeeding on late childhood overweight and obesity: a nationwide prospective study. Obesity (Silver Spring) 2014; 22:1527-37., em um estudo de coorte prospectivo, verificaram o efeito que o aleitamento materno exerceu sobre o estado nutricional de crianças japonesas entre 5,5 e 8 anos de idade. Comparado a crianças que receberam fórmula infantil, as crianças expostas ao AME tiveram menor probabilidade de apresentar risco de sobrepeso tanto aos 5,5 anos (meninos - OR = 0,64; IC95%: 0,50-0,82 e meninas - OR = 0,70; IC95%: 0,55-0,89) como aos oito anos de idade (meninos - OR = 0,61; IC95%: 0,48-0,76 e meninas - OR = 0,60; IC95%: 0,47-0,77) 2727. Jwa SC, Fujiwara T, Kondo N. Latent protective effects of breastfeeding on late childhood overweight and obesity: a nationwide prospective study. Obesity (Silver Spring) 2014; 22:1527-37.. Rzehak et al. 2828. Rzehak P, Sausenthaler S, Koletzko S, Bauer CP, Schaaf B, von Berg A, et al. Period-specific growth, overweight and modification by breastfeeding in the GINI and LISA birth cohorts up to age 6 years. Eur J Epidemiol 2009; 24:449-67. avaliaram mensalmente crianças até os dois anos de idade e observaram que as crianças expostas ao AME ganharam menos peso em relação às crianças alimentadas com fórmula infantil, mas cresceram de forma similar em relação ao comprimento. Zhang et al. 2929. Zhang J, Himes JH, Guo Y, Jiang J, Yang L, Lu Q, et al. Birth weight, growth and feeding pattern in early infancy predict overweight/obesity status at two years of age: a birth cohort study of Chinese infants. PLoS One 2013; 8:e64542. observaram que o AME reduziu 47% o risco de excesso de peso corporal em crianças chinesas aos dois anos de idade, e Bergamm et al. 2020. Bergmann KE, Bergmann RL, Von Kries R, Böhm O, Richter R, Dudenhausen JW, et al. Early determinants of childhood overweight and adiposity in a birth cohort study: role of breast-feeding. Int J Obes Relat Metab Disord 2003; 27:162-72. observaram efeito protetor do AME em crianças alemãs aos seis anos de idade (OR = 0,53; IC95%: 0,31-0,89).
Entretanto, ainda que diversos estudos tenham revelado o efeito protetor do AME sobre o excesso de peso ao longo da vida, alguns autores encontraram efeito contrário. Huus et al. 2222. Huus K, Ludvigsson JF, Enskar K, Ludvigsson J. Exclusive breastfeeding of Swedish children and its possible influence on the development of obesity: a prospective cohort study. BMC Pediatr 2008; 8:42., em um estudo de coorte envolvendo crianças suecas com cinco anos de idade, demonstraram não haver associação entre AME e risco de excesso de peso corporal (OR = 1,22; IC95%: 0,81-1,83). Durmus et al. 2121. Durmus B, van Rossem L, Duijts L, Arends LR, Raat H, Moll HA, et al. Breast-feeding and growth in children until the age of 3 years: the Generation R Study. Br J Nutr 2011; 105:1704-11., em um estudo de coorte de base populacional envolvendo crianças holandesas de dois anos de idade, também relataram não haver efeito protetor do AME sobre o risco de excesso de peso corporal (OR = 1,20; IC95%: 0,98-1,47).
O Brasil é um país que vem passando por uma rápida transição nutricional nas últimas décadas, o que culminou no estabelecimento, em crianças e adultos, de elevadas prevalências de sobrepeso e obesidade semelhantes às encontradas em países da América do Norte 3030. Lobstein T, Baur L, Uauy R; IASO International Obesity Task Force. Obesity in children and young people: a crisis in public health. Obes Rev 2004; 5 Suppl 1:4-104.), (3131. Monteiro CA, Conde WL, Popkin BM. Is obesity replacing or adding to undernutrition? Evidence from different social classes in Brazil. Public Health Nutr 2002; 5:105-12.), (3232. Ng M, Fleming T, Robinson M, Thomson B, Graetz N, Margono C, et al. Global, regional, and national prevalence of overweight and obesity in children and adults during 1980-2013: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2013. Lancet 2014; 384:766-81.. A prevalência de risco de excesso de peso (percentil > 85) de 41,6% observada neste estudo é alarmante e superior à revelada por outros estudos nacionais 1919. Moreira MA, Cabral PC, Ferreira HS, Lira PI. Overweight and associated factors in children from northeastern Brazil. J Pediatr (Rio J.) 2012; 88:347-52.), (2323. Cocetti M, Taddei JA, Konstantyner T, Konstantyner TC, Barros Filho AA. Prevalence and factors associated with overweight among Brazilian children younger than 2 years. J Pediatr (Rio J.) 2012; 88:503-8. e internacionais 3333. Hassapidou M, Daskalou E, Tsofliou F, Tziomalos K, Paschaleri A, Pagkalos I, et al. Prevalence of overweight and obesity in preschool children in Thessaloniki, Greece. Hormones (Athens) 2015; 14:615-22.), (3434. van Jaarsveld CH, Gulliford MC. Childhood obesity trends from primary care electronic health records in England between 1994 and 2013: population-based cohort study. Arch Dis Child 2015; 100:214-9.), (3535. Gubbels JS, Kremers SP, Stafleu A, Dagnelie PC, de Vries NK, van Buuren S, et al. Child-care use and the association with body mass index and overweight in children from 7 months to 2 years of age. Int J Obes (Lond) 2010; 34:1480-6.), (3636. Li N, Liu E, Sun S, Guo J, Pan L, Wang P, et al. Birth weight and overweight or obesity risk in children under 3 years in China. Am J Hum Biol 2014; 26:331-6., considerando crianças da mesma faixa etária. Contudo, é preciso cautela quando se comparam os resultados deste trabalho com os de outros estudos por conta das diferentes metodologias e pontos de corte utilizados. Li et al. 3636. Li N, Liu E, Sun S, Guo J, Pan L, Wang P, et al. Birth weight and overweight or obesity risk in children under 3 years in China. Am J Hum Biol 2014; 26:331-6., em um estudo realizado com 55.925 crianças chinesas menores de 3 anos de idade, encontraram prevalência de 26,6% de crianças com percentil > 85. Hassapidou et al. 3333. Hassapidou M, Daskalou E, Tsofliou F, Tziomalos K, Paschaleri A, Pagkalos I, et al. Prevalence of overweight and obesity in preschool children in Thessaloniki, Greece. Hormones (Athens) 2015; 14:615-22., que investigaram 1.250 crianças gregas de 2 a 6 anos de idade, também utilizaram a classificação em percentil da OMS e observaram prevalência de 32,6% de crianças com percentil > 85. Utilizando a classificação proposta por Cole et al. 3737. Cole TJ, Freeman JV, Preece MA. Body mass index reference curves for the UK, 1990. Arch Dis Child 1995; 73:25-9. para avaliar o estado nutricional de crianças do Reino Unido entre 2 a 5 anos de idade, van Jaarsveld et al. 3434. van Jaarsveld CH, Gulliford MC. Childhood obesity trends from primary care electronic health records in England between 1994 and 2013: population-based cohort study. Arch Dis Child 2015; 100:214-9. encontraram prevalências de risco de excesso de peso (percentil ≥ 85) de 24,9% e 23,8% em meninos e meninas, respectivamente. Moreira et al. 1919. Moreira MA, Cabral PC, Ferreira HS, Lira PI. Overweight and associated factors in children from northeastern Brazil. J Pediatr (Rio J.) 2012; 88:347-52., utilizando outro índice antropométrico (peso/estatura da OMS), encontraram prevalência de 28,5% para risco de excesso de peso em um estudo conduzido com 963 crianças brasileiras menores de 5 anos de idade.
Ainda que diferentes pontos de cortes e classificações tenham sido adotados para identificar risco de excesso de peso em crianças de diferentes países, dificultando uma comparação mais fidedigna, a elevada prevalência do risco de excesso de peso infantil parece ser uma característica global. Alguns autores sugerem que o ponto de corte da OMS superestima os valores de prevalência de risco de excesso de peso 3333. Hassapidou M, Daskalou E, Tsofliou F, Tziomalos K, Paschaleri A, Pagkalos I, et al. Prevalence of overweight and obesity in preschool children in Thessaloniki, Greece. Hormones (Athens) 2015; 14:615-22.. No entanto, em países com elevada diversidade étnica, como é o caso do Brasil, entende-se que a classificação do estado nutricional proposta pela OMS parece ser a mais adequada, já que foi construída tendo como base populações de diferentes países, incluindo o Brasil.
A explicação do efeito protetor do AME sobre o excesso de peso ainda é discutida na literatura. Alguns autores sugerem que a proteção exercida pelo AME está relacionada ao imprinting metabólico, fenômeno pelo qual uma experiência nutricional precoce, atuando durante um período crítico e específico do desenvolvimento, pode causar um efeito duradouro, persistente ao longo da vida do indivíduo e predispondo-o a determinadas doenças 3838. Waterland RA, Garza C. Potential mechanisms of metabolic imprinting that lead to chronic disease. Am J Clin Nutr 1999; 69:179-97., como a obesidade. Outros autores relataram que o aleitamento materno não exclusivo, sobretudo o uso da mamadeira, favorece o desenvolvimento do sobrepeso por promover uma ingestão excessiva de leite e/ou por prejudicar o desenvolvimento dos mecanismos de autorregulação de ingestão de alimentos 66. Balaban G, Silva GA. Protective effect of breastfeeding against childhood obesity. J Pediatr (Rio J.) 2004; 80:7-16.. A composição única do leite materno poderia, portanto, estar implicada no processo de imprinting metabólico, alterando, por exemplo, o número e/ou tamanho dos adipócitos ou induzindo o fenômeno de diferenciação metabólica 66. Balaban G, Silva GA. Protective effect of breastfeeding against childhood obesity. J Pediatr (Rio J.) 2004; 80:7-16..
Outra hipótese plausível para o efeito negativo da amamentação não exclusiva sobre o risco de excesso de peso corporal diz respeito à maior ingestão de proteína no primeiro ano de vida, que está associada ao ganho de peso mais rápido e, consequentemente, à maior adiposidade, podendo levar a maior risco de excesso de peso corporal no futuro 3939. Koletzko B, Broekaert I, Demmelmair H, Franke J, Hannibal I, Oberle D, et al. Protein intake in the first year of life: a risk factor for later obesity? The E.U. childhood obesity project. Adv Exp Med Biol 2005; 569:69-79.), (4040. Escribano J, Luque V, Ferre N, Mendez-Riera G, Koletzko B, Grote V, et al. Effect of protein intake and weight gain velocity on body fat mass at 6 months of age: the EU Childhood Obesity Programme. Int J Obes (Lond) 2012; 36:548-53.. Crianças alimentadas com fórmula infantil ingerem maior quantidade de proteína quando comparadas às crianças amamentadas exclusivamente 2727. Jwa SC, Fujiwara T, Kondo N. Latent protective effects of breastfeeding on late childhood overweight and obesity: a nationwide prospective study. Obesity (Silver Spring) 2014; 22:1527-37.. Isso ocorre devido ao maior teor de proteína contido nas fórmulas infantis 2828. Rzehak P, Sausenthaler S, Koletzko S, Bauer CP, Schaaf B, von Berg A, et al. Period-specific growth, overweight and modification by breastfeeding in the GINI and LISA birth cohorts up to age 6 years. Eur J Epidemiol 2009; 24:449-67..
Enfim, o aleitamento materno envolve diversos aspectos, entre os quais a quantidade de alimento ingerido, a composição desse alimento, a época e a qualidade da introdução de alimentos sólidos, o desenvolvimento dos mecanismos regulatórios da ingestão alimentar, assim como aspectos comportamentais associados à relação mãe-filho e à formação do hábito alimentar da criança 6. Como o AME é um componente indispensável para a saúde geral da criança, a formulação de políticas públicas de nutrição como atividades de prevenção e intervenção nutricional são fundamentais para impedir o estabelecimento do excesso de peso corporal ainda na fase pré-escolar. O incentivo à prática do AME deve ocorrer intensamente desde o início da gestação, levando a mãe a não medir esforços para praticá-lo por maior tempo durante os primeiros seis meses de vida da criança. No Brasil, ainda é comum a interrupção precoce do AME mediada por diversos fatores, com destaque para o curto período da licença maternidade e a inexperiência materna para a prática da amamentação. Ainda que a mãe precise retornar às suas atividades quando termina a licença maternidade, na sua grande maioria quatro meses após o parto, o contínuo oferecimento do seu próprio leite à criança, seja por intermédio da mamadeira ou mesmo por visitas periódicas à creche/em casa, deve ser mais intensamente promovido pelos órgãos de promoção do AME na população brasileira. Cabe ainda, lembrar que muitas mulheres exercem atividades sem carteira de trabalho, logo, nem sequer possuem licença maternidade, interrompendo ainda mais cedo o período do AME. Segundo Araújo & Lombardi 4141. Araújo AMC, Lombardi MR. Trabalho informal, gênero e raça no Brasil do início do século XXI. Cad Pesqui 2013; 43:452-77., em 2009, cerca de 52,1% das mulheres ocupavam uma atividade informal no Brasil, e a maioria (57%) trabalhava até 39 horas por semana.
No que tange à inexperiência da mãe para a prática da amamentação com seu primeiro filho, aumentar a frequência do contato da mãe com o agente de saúde, pediatra ou outro profissional de saúde da Unidade Básica de Saúde parece ser uma estratégia simples e efetiva para auxiliar a mãe a amamentar seu filho, e com isso ampliar as taxas de AME no país.
Este estudo tem vários pontos fortes. Eles incluem a coleta de dados prospectiva, o que possibilita fazer a relação causal entre a exposição (AME) e o desfecho (excesso de peso nas crianças), além de ter sido ajustado por vários fatores de confusão importantes como condição socioeconômica, estado nutricional da mãe e condições de nascimento da criança. Todos os dados, incluindo as medidas antropométricas, foram coletados pelo mesmo grupo de pesquisa desde que as crianças nasceram, o que ajuda a reduzir possíveis vieses. Por fim, a perda amostral (27,8%) ocorrida na segunda investigação não foi elevada para o tipo de estudo desenvolvido, coorte de base domiciliar. Em geral, a maioria dos estudos de base domiciliar revela perdas superiores a 40% 2121. Durmus B, van Rossem L, Duijts L, Arends LR, Raat H, Moll HA, et al. Breast-feeding and growth in children until the age of 3 years: the Generation R Study. Br J Nutr 2011; 105:1704-11.), (2929. Zhang J, Himes JH, Guo Y, Jiang J, Yang L, Lu Q, et al. Birth weight, growth and feeding pattern in early infancy predict overweight/obesity status at two years of age: a birth cohort study of Chinese infants. PLoS One 2013; 8:e64542.. Neste estudo, como não houve diferença significativa entre os grupos da primeira e da segunda investigação (seguidos e não seguidos), diminui as chances de ocorrer viés de seleção. Adicionalmente, a probabilidade de perda não foi relacionada à exposição ou ao desfecho do estudo, mas sim à situação geográfica (endereço incorreto, mudança de endereço), reduzindo a chance de ocorrer viés de seguimento.
Importantes limitações, porém, devem ser consideradas. Primeiramente, as informações sobre escolaridade, renda familiar, aleitamento e peso pré-gestacional foram obtidas pelo relato das mães; por isso podem estar sujeitas a viés de memória. Segundo, questões relacionadas à quantidade e à qualidade dos alimentos fornecidos às crianças não foram abordadas neste estudo, mas podem ter influenciado no desenvolvimento das crianças. Por fim, o hábito alimentar e os hábitos de vida das mães e crianças também não foram investigados neste estudo. Características como frequência e a forma como o aleitamento/alimento foi fornecido também podem ter influenciado no desenvolvimento das crianças.
Conclusão
Apesar de os estudos serem controversos, os resultados desta pesquisa mostraram que crianças não amamentadas exclusivamente apresentaram maior risco de excesso de peso corporal aos 13-24 meses de idade. O incentivo ao AME deve fazer parte de atividades de prevenção e intervenção nutricional, sobretudo nos primeiros seis meses de vida da criança, de forma a impedir o avanço do excesso de peso, atual problema de saúde pública mundial.
Agradecimentos
Os autores agradecem à Maternidade Darcy Vargas e ao Laboratório Gimenes de Joinville, Santa Catarina, Brasil, por terem permitido a coleta dos dados em seus estabelecimentos em 2012; à John Paul Ekwaru da Population Health Intervention Research Unit, School of Public Health, University of Alberta (Canada) pelo suporte estatístico; à Kerstin Markendorf pela tradução do artigo para o inglês; ao Fundo de Apoio à Pesquisa e à Universidade da Região de Joinville (Univille) pelo financiamento.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
22 Dez 2016
Histórico
- Recebido
21 Jul 2015 - Revisado
10 Dez 2015 - Aceito
11 Mar 2016