GENOMICS AND THE REIMAGINING OF PERSONALIZED MEDICINE

Jorge Alberto Bernstein Iriart Sobre o autor
2014

O livro de Richard Tutton, sociólogo britânico, aborda um tema atual e ainda pouco debatido no Brasil, que é o movimento denominado "medicina personalizada", e tem por objetivo a transformação da prática médica a partir da incorporação da informação e tecnologia genômica. A medicina personalizada emergiu no final dos anos 1990 com a promessa de individualizar e customizar a atenção médica, garantindo ao paciente, com base em suas características genéticas, o medicamento preciso, na dose precisa e no momento certo. Pouco mais de uma década depois da conclusão do sequenciamento do genoma humano, apesar do grande investimento em pesquisa e dos avanços na produção de conhecimento sobre a genética humana, as promessas de sua aplicação à medicina não chegaram a se realizar tal como antecipadas por seus idealizadores. O investimento na medicina genômica, no entanto, continua vultoso e projetos ambiciosos lançados recentemente no Reino Unido (100 mil genomas) e nos Estados Unidos (medicina de precisão), com o objetivo de realizar o sequenciamento genômico de milhares de pessoas na busca de marcadores genéticos para o câncer, renovam as expectativas sobre o impacto da genômica na prática médica e o futuro da medicina personalizada.

O livro de Tutton, cujo título traduzido para o Português é Genômica e a Reimaginação da Medicina Personalizada, aborda a origem e o desenvolvimento da medicina personalizada baseando-se nas múltiplas narrativas construídas pelos vários atores envolvidos (indústria farmacêutica, agências de regulação, mídia, médicos e pesquisadores), desvelando em uma perspectiva crítica o seu imaginário, sua visão de futuro e seus avanços e recuos.

Tutton tece uma visão um tanto cética sobre os rumos da medicina personalizada. O livro tem o mérito de propiciar aos leitores uma visão densa sobre esse movimento de transformação da medicina com uma análise perspicaz sobre suas contradições, seus pressupostos socioculturais (o indivíduo responsável como valor central), conflitos de interesses e discrepâncias entre suas promessas, e a capacidade tecnocientífica de realizá-las na prática clínica.

Com base na "sociologia das expectativas" ele reconhece o papel importante que as visões de futuro desempenham na construção da ciência, mobilizando recursos na direção de um futuro desejável. Tutton se distancia, no entanto, da sociologia das expectativas por privilegiar o conceito de imaginário para analisar as narrativas, imagens e metáforas construídas sobre a medicina personalizada. A ideia de uma medicina personalizada na realidade não é nova e remete ao movimento que, no período entreguerras, propunha uma medicina de base holista e humanista e que levasse em conta a experiência social e a biografia singular dos indivíduos. O atual movimento, no entanto, empreende uma transformação nesse imaginário (reimaginação, para usar o termo de Tutton) centrado na concepção de um indivíduo racional, autogovernado e consumidor da informação e das novas tecnologias genômicas. Tutton centra parte importante de sua análise na farmacogenômica e nas narrativas sobre o desenvolvimento de novos medicamentos adequados às especificidades genéticas de grupos de indivíduos. Esse talvez seja um dos limites do trabalho, dado que apesar de reconhecer que mais recentemente a personalização da medicina passou a significar mais do que medicina genômica, incorporando outros biomarcadores e variáveis biológicas, Tutton confere pouco espaço para a discussão das narrativas que disputam seus significados e buscam orientá-la em direção mais holística, transcendendo o foco na farmacogenômica.

A pesquisa é realizada com base na análise crítica da literatura científica e de jornais e revistas populares sobre a medicina personalizada; entrevistas formais e informais com atores-chave, além de observação em conferências/eventos sobre o tema.

O livro está dividido em seis capítulos. Nos dois primeiros, Tutton aborda a história da biomedicina no Reino Unido e Estados Unidos desde a metade do século XIX até a contemporaneidade, contextualizando o surgimento da farmacogenética após a Segunda Guerra Mundial e os primórdios da medicina personalizada no fim dos anos 1990.

No terceiro capítulo, o autor analisa o desenvolvimento da farmacogenômica mostrando como a indústria farmacêutica lança mão da medicina personalizada em sua estratégia de marketing, visando a distanciar-se do conceito de "medicamentos massificados" e enfatizar as vantagens dos medicamentos individualizados. Analisando o desenvolvimento de três medicamentos emblemáticos da farmacogenômica (Herceptin [trastuzumab]; Ziagen [abacavir] e BiDil), Tutton questiona as narrativas revolucionárias da indústria farmacêutica mostrando que o desenvolvimento destes medicamentos se caracterizou por vários graus de incerteza, acaso e controvérsias. No quarto capítulo, o autor enfoca o contexto da clínica e das práticas de saúde discutindo as visões de futuro sobre o cuidado/atenção médica produzido pela indústria da farmacogenômica, nas quais a informação e as novas tecnologias genômicas passam a ganhar lugar de destaque no centro da relação médico-paciente. Ele mostra, no entanto, como as evidências de relevância clínica da medicina genômica ainda são reduzidas e limitadas a algumas especialidades médicas (na oncologia, por exemplo), levando à sua baixa penetração em outras áreas da medicina.

No quinto e sexto capítulos, o foco desloca-se para a análise da utilização do imaginário da medicina personalizada por empresas que passaram a oferecer testes genéticos e estimativas de suscetibilidade genética diretamente ao consumidor, e como a informação genética é assimilada pelas pessoas. O autor discute a reinterpretação dos estudos de varredura genômica (GWAS) de forma a não se limitarem à identificação de associações estatísticas entre variantes genéticas e diferentes desfechos de saúde em populações, mas como forma de predição do risco individual. A medicina personalizada incorpora assim a promessa de domesticar e ordenar as desregradas diferenças individuais para torná-las inteligíveis por meio da análise do genoma, tornando possível calcular as susceptibilidades às doenças e predizer o futuro. Como adverte Tutton, no entanto, até o presente momento muito pouco das associações genéticas encontradas nos estudos GWAS para doenças complexas foi considerado útil para a clínica médica. A ideia de que a informação genômica seria uma forma de empoderar os indivíduos, favorecendo mudanças de comportamento visando a evitar futuras doenças também é questionada por vários estudos.

No último capítulo, além de sintetizar os principais tópicos discutidos no livro, Tutton alerta para o risco de que o foco em um modelo de personalização da prática médica centrado na especificidade genética/biológica dos indivíduos tenha como consequência a desvalorização dos fatores sociais e econômicos importantes na determinação da saúde e da doença, assim como no cuidado ao paciente. Dada a velocidade da produção do conhecimento científico na área da genômica, da biologia molecular e da epigenética, a magnitude e forma de seu impacto sobre a medicina ainda são incertas e indefinidas. O trabalho de Tutton, entretanto, traz uma contribuição relevante para compreender o processo de construção do imaginário da medicina personalizada até o presente momento. Como ressalta o autor na conclusão do trabalho, os cientistas sociais juntamente com os demais cientistas, médicos/profissionais de saúde e cidadãos têm um papel a cumprir na construção de novos imaginários para a prática médica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2016
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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