Zika em Cadernos de Saúde Pública: novamente?

Marilia Sá Carvalho

Em recente Editorial 11. Carvalho MS. Zika em Cadernos de Saúde Pública. Cad Saúde Pública 2016; 32:eED010416., chamamos a atenção para a epidemia de Zika, abrindo um "fast track" para os artigos sobre o tema. Fizemos isso, e mais. Estamos incentivando artigos que abordem aspectos do problema que mais imediatamente podem repercutir nas mulheres grávidas moradoras das áreas afetadas, principalmente Latino-Americanas. Por que essa prioridade? Porque, na maior parte dos países afetados, o direito ao aborto é extremamente restrito e os impactos da combinação Zika e aborto ilegal podem ser devastadores.

Momentos políticos diferentes, certamente, ao se comparar a atual epidemia de malformações congênitas com as epidemias de rubéola nas décadas de 1950-1960, quando "British and French women infected with rubella early in pregnancy who were aware of the risk of fetal malformations and wanted abortions were nearly always able to find practitioners willing to brave legal interdictions" 22. Löwy I. Zika and microcephaly: can we learn from history? http://anthronow.com/online-articles/zika-and-microcephaly (acessado em 29/Jan/2016).
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. É sempre necessário lembrar que mesmo proibido "ao final da vida reprodutiva, mais de uma em cada cinco mulheres [brasileiras] já fez aborto" 33. Diniz D, Medeiros M. Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna. Ciênc Saúde Coletiva 2010; 15 Suppl 1:959-66. (p. 959).

Ainda assim, mesmo com as dificuldades impostas por um congresso extremamente conservador 44. Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar. Reação conservadora no Congresso: bancadas ruralista e evangélica. http://www.diap.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=17212:reacao-conservadora-no-congresso-bancadas-ruralista-e-evangelica (acessado em 20/Abr/2016).
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, cabe a CSP defender as políticas que contribuam para a saúde das populações, no caso específico das mulheres frente à infecção pelo vírus Zika na gravidez. Daí a proposta do Espaço Temático: Zika e Gravidez, que terá nesse número de maio alguns artigos publicados. Cada artigo, quando possível, é acompanhado por um comentário de outros pesquisadores, de diferentes países, buscando discutir os vários contextos nos quais o problema se insere.

Vamos publicar o tema ainda por um longo tempo, infelizmente. A epidemia de Zika e a microcefalia saem dos jornais, em parte pela grave crise política que atravessa o país. Mas também pelo sentimento de segurança que a diminuição de casos de Zika traz, diminuição essa que se obteve graças ao enorme esforço do governo, em meio a essa mesma crise política, de desencadear uma ação intensiva de combate ao vetor, viabilizada pela rapidez com que, em meio às acusações de açodamento, cientistas brasileiros assumiram que havia evidência suficiente para atribuir à infecção pelo vírus os casos de microcefalia. Não se esperou não haver mais dúvidas para partir para a ação 55. Diniz D. Vírus Zika e mulheres. Cad Saúde Pública 2016; 32:e00046316..

Mas a sustentabilidade das ações realizadas, com quase 48 milhões de residências visitadas em dois meses 66. Sala Nacional de Coordenação e Controle para o Enfrentamento da Dengue, do Vírus Chikungunya e do Zika Vírus. Monitoramento das atividades do 1º ciclo de visitas a imóveis no Brasil. http://combateaedes.saude.gov.br/images/sala-de-situacao/informe-sncc-n-7.pdf (acessado em 19/Mar/2016).
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, é limitada a longo prazo. Aliás, em recente reunião da Organização Mundial da Saúde se apontou que em todos os países com transmissão endêmica de dengue, carreado pelo mesmo vetor, nenhum método de controle utilizado nos últimos 30 anos conseguiu ter efeito significativo e duradouro na incidência 77. Haug CJ, Kieny MP, Murgue B. The Zika challenge. N Engl J Med 2016; [Epub ahead of print].. Além disso, com a diminuição da população suscetível, mesmo que ainda não se saiba a durabilidade da imunidade adquirida espera-se uma diminuição no número de casos. Entretanto, novas meninas viram mulheres, acumula-se população suscetível, e novas epidemias ocorrerão. Do ponto de vista da saúde pública, precisamos pensar em uma política de redução de danos no caso de infecção pelo vírus Zika durante a gravidez, em qualquer semana gestacional.

A pauta da imprensa é uma, a pauta do CSP é outra: a saúde das populações.

Obrigada aos autores que aceitaram nosso desafio. Continuamos de portas abertas para artigos com argumentos sólidos e atualizados sobre o tema.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2016
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br