Resumo:
Desenvolvemos uma revisão crítica da literatura sobre o uso recorrente do teste anti-HIV entre homens que fazem sexo com homens (HSH). Procedemos a uma revisão narrativa da literatura, em que analisamos as diversas concepções sobre testagem frequente ao longo do tempo, suas implicações para os programas de saúde e os principais marcadores sociais que influenciam a incorporação do teste anti-HIV como rotina de cuidado. Embora exista desde os anos 1990, a testagem recorrente entre HSH era frequentemente interpretada como exposição aumentada ao HIV em razão da ausência de uso do preservativo e, consequentemente, uma testagem “desnecessária”. A partir dos anos 2000, a testagem periódica passou a ser uma recomendação programática e, sua realização, interpretada como meta a ser atingida. A percepção dos indivíduos sobre o uso que faziam do teste foi raramente considerada para caracterizar este uso como rotina de cuidado. No plano social e cultural, aspectos individuais associados ao teste recente ou de rotina estiveram inscritos em contextos de normas favoráveis ao teste e de menor estigma da AIDS. Diferenças geracionais, de escolarização e relacionadas ao tipo de parceria afetivo-sexual desempenham importantes papéis para o teste. Tais diferenças realçam que a categoria epidemiológica “homens que fazem sexo com homens” abrange diversas relações, identidades e práticas que resultam em usos específicos do teste como estratégia de prevenção. Assim, o diálogo entre programas, profissionais de saúde e as pessoas mais afetadas pela epidemia é central à construção de respostas com efetivo potencial de enfrentamento à epidemia de HIV, e pautadas no respeito aos direitos humanos.
Palavras-chave:
Sorodiagnóstico da AIDS; HIV; Homossexualidade Masculina; Direitos Humanos
Resumen:
Realizamos una revisión crítica de la literatura sobre el uso recurrente del test del VIH en hombres que practican sexo con hombres (HSH). Se realizó una revisión narrativa de la literatura analizando las diversas concepciones sobre los testes frecuentes a lo largo del tiempo, las implicaciones para los programas de salud y los principales marcadores sociales que influyen en la incorporación del test como atención de rutina. Aunque ha existido desde los años 1990, testes recurrentes entre HSH fueron frecuentemente interpretados como una mayor exposición al VIH debido a la falta de uso del condón, y por lo tanto como testes “innecesarios”. A partir de los años 2000, lo testes periódicos se han convertido en una recomendación y han sido interpretadas como una meta. La percepción de las personas sobre el uso que hicieron del test raramente fue considerada para caracterizar este uso como rutina de la atención. En el plano social y cultural, los aspectos individuales relacionados con los testes recientes o de rutina se incluyeron en contextos de normas favorables para las pruebas y disminución del estigma del SIDA. Las diferencias en la generación, la escolarización y los tipos de parejas afectivo-sexuales desempeñan un papel importante en las pruebas. Estas diferencias destacan que la categoría epidemiológica “hombres que tienen relaciones sexuales con hombres” abarca diversas relaciones, identidades y prácticas que resultan en usos específicos del test como estrategia preventiva. Por lo tanto, el diálogo entre los programas, los profesionales de la salud y las personas más afectadas por la epidemia del VIH es crucial para construir respuestas con el verdadero potencial para enfrentar la epidemia, sobre la base del respeto a los derechos humanos.
Palabras-clave:
Serodiagnóstico del SIDA; VIH; Homosexualidad Masculina; Derechos Humanos
Introdução
A importância da realização periódica de testes anti-HIV, como estratégia de prevenção na resposta programática à epidemia de HIV/AIDS, tem sido assinalada no âmbito global, especialmente em segmentos desproporcionalmente afetados em contextos de epidemia concentrada, notadamente homens que fazem sexo com homens (HSH). Essa é uma tendência relativamente nova, marcada pelo otimismo com a possibilidade de combinar diferentes estratégias de prevenção (biomédicas, comportamentais e estruturais) 11. Grangeiro A, Ferraz D, Calazans G, Zucchi EM, Diaz-Bermúdez XP. O efeito dos métodos preventivos na redução do risco de infecção pelo HIV nas relações sexuais e seu potencial impacto em âmbito populacional: uma revisão da literatura. Rev Bras Epidemiol 2015; 18 Suppl 1:43-62. e sustentada pelos avanços tecnológicos que facilitaram a expansão da testagem.
Um exemplo dessa tendência é a Meta 90-90-90, proposta pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS) em 2014 22. Joint United Nations Programme on HIV/AIDS. 90-90-90: an ambitious treatment target to help end the AIDS epidemic. Geneva: Joint United Nations Programme on HIV/AIDS; 2014., que consiste em erradicar a epidemia de HIV até 2030 por meio do diagnóstico de 90% das pessoas infectadas por HIV, da manutenção de 90% das pessoas infectadas em terapia antirretroviral e da supressão viral em 90% destas pessoas. Outra expressão dessa tendência é a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que pessoas que apresentam risco de infecção por HIV (definidas como HSH, trabalhadores do sexo, usuários de droga injetável e pessoas com parceiro estável soropositivo) façam o teste anti-HIV pelo menos uma vez por ano 33. World Health Organization. Delivering HIV test results and messages for re-testing and counselling in adults. Geneva: World Health Organization; 2010.. Contudo, apesar da maior prevalência de testagem entre HSH, comparativamente a outros segmentos afetados, o Brasil e vários países vêm enfrentando nos últimos anos o aumento da incidência de HIV entre HSH, com proporções preocupantes de diagnóstico tardio 44. Beyrer C, Baral SD, van Griensven F, Goodreau SM, Chariyalertsak S, Wirtz AL, et al. Global epidemiology of HIV infection in men who have sex with men. Lancet 2012; 380:367-77.,55. Veras MASM, Calazans GJ, Ribeiro MCAS, Oliveira CAF, Giovanetti MR, Facchini R, et al. High HIV prevalence among men who have sex with men in a time-location sampling survey, São Paulo, Brazil. AIDS Behav 2015; 19:1589-98.. Nesse contexto, em que o acesso ao tratamento e supressão da carga viral são as principais apostas para o fim da epidemia de HIV/AIDS, o sorodiagnóstico precoce é fundamental às estratégias de saúde pública. No entanto, essa centralidade do teste anti-HIV na construção de respostas programáticas à epidemia é relativamente nova. Muito embora, desde a década de 1990, HSH já incorporassem o teste anti-HIV como uma estratégia preventiva 66. Kippax S, Race K. Sustaining safe practice: twenty years on. Soc Sci Med 2003; 57:1-12., este tipo de uso do teste não foi imediatamente reconhecido pelos atores envolvidos na produção das políticas públicas de prevenção.
Por um lado, há o desenvolvimento das próprias tecnologias de testagem. Até o final da década de 1990, realizar um teste anti-HIV não era simples. A realização do ELISA (ensaio de imunoabsorção enzimática) demanda equipamento laboratorial, água e eletricidade, técnicos experientes que saibam operar o equipamento, preparar reagentes e pipetar corretamente 77. World Health Organization. Rapid HIV tests: guidelines for use in HIV testing and counselling services in resource-constrained settings. Geneva: World Health Organization; 2004.. Embora o primeiro teste rápido date de 1992 88. The Henry J. Kaiser Family Foundation. HIV testing in the United States. http://kff.org/hivaids/fact-sheet/hiv-testing-in-the-united-states/ (acessado em 02/Jan/2017).
http://kff.org/hivaids/fact-sheet/hiv-te... , não foram imediatamente incorporados aos programas de prevenção, sendo inicialmente utilizados em países em desenvolvimento onde não havia estrutura para realizar o ELISA 99. NAM. Rapid tests. http://www.aidsmap.com/Rapid-tests/page/1323371/ (acessado em 30/Dez/2016).
http://www.aidsmap.com/Rapid-tests/page/... . Nos Estados Unidos, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) começou a recomendar o teste rápido apenas em 1998 (para populações de alto risco), sendo este teste efetivamente incorporado a partir de 2003 77. World Health Organization. Rapid HIV tests: guidelines for use in HIV testing and counselling services in resource-constrained settings. Geneva: World Health Organization; 2004.. No Brasil, o Ministério da Saúde, trabalhando em parceria com o CDC, incorporou o teste rápido também nessa época 1010. Ministério da Saúde. Teste rápido: por que não? Brasília: Ministério da Saúde; 2007.. Já a Austrália, por exemplo, só liberou o uso do teste rápido em 2012 1111. The Australian Federation of AIDS Organisations. AFAO welcomes Australia's first registered rapid HIV test. https://www.afao.org.au/media-centre/media-releases/2012/afao-welcomes-australias-first-registered-rapid-hiv-test#.WGY9W3eZPeQ (acessado em 02/Jan/2017).
https://www.afao.org.au/media-centre/med... .
Por outro lado, há os avanços no tratamento. No início da epidemia a principal estratégia programática de prevenção era o aconselhamento 1212. Bayer R, Edington C. HIV testing, human rights, and global AIDS policy: exceptionalism and its discontents. J Health Polit Policy Law 2009; 34:301-23.. Os benefícios do sorodiagnóstico para as pessoas afetadas pelo HIV eram discutíveis. Além de se tratar de uma doença letal para a qual não existia tratamento, a AIDS podia levar ao isolamento e estigmatização de grupos e indivíduos 1212. Bayer R, Edington C. HIV testing, human rights, and global AIDS policy: exceptionalism and its discontents. J Health Polit Policy Law 2009; 34:301-23.. Internacionalmente defendia-se que o teste deveria ser confidencial, acompanhado de aconselhamento e voluntário, o que significava que só seria realizado com o consentimento livre e informado 1212. Bayer R, Edington C. HIV testing, human rights, and global AIDS policy: exceptionalism and its discontents. J Health Polit Policy Law 2009; 34:301-23.,1313. Joint United Nations Programme on HIV/AIDS; World Health Organization. UNAIDS/WHO policy statement on HIV testing. Geneva: Joint United Nations Programme on HIV/AIDS/World Health Organization; 2004.. O Brasil tem, inclusive, a experiência do anonimato na testagem dessa época.
No entanto, com o avanço no tratamento, com a disponibilização da zidovudina (AZT) em 1987 e das terapias antirretrovirais de alta potência (TARV) em 1996, um outro lugar para o teste começou a ser construído programaticamente. Não só o teste poderia trazer benefícios individuais nos locais em que a TARV estava disponível, como potencialmente poderia interferir na cadeia de transmissão do HIV 1414. Cohen MS, Holmes C, Padian N, Wolf M, Hirnschall G, Lo YR, et al. HIV treatment as prevention: how scientific discovery occurred and translated rapidly into policy for the global response. Health Aff (Millwood) 2012; 31:1439-49., como foi observado em 1994 em relação ao papel do AZT na transmissão vertical do HIV 1212. Bayer R, Edington C. HIV testing, human rights, and global AIDS policy: exceptionalism and its discontents. J Health Polit Policy Law 2009; 34:301-23.. No começo dos anos 2000 emergiu um novo discurso mundial sobre a testagem, com a flexibilização do aconselhamento e incentivo à expansão da testagem 1212. Bayer R, Edington C. HIV testing, human rights, and global AIDS policy: exceptionalism and its discontents. J Health Polit Policy Law 2009; 34:301-23.,1515. World Health Organization. Increasing access to knowledge of HIV status: conclusions of a WHO Consultation, December 3-4. Geneva: World Health Organization; 2001.. Esse movimento teve um dos seus pontos altos na publicação, em 2009, do artigo de Granich et al. no Lancet1616. Granich RM, Gilks CF, Dye C, De Cock KM, Williams BG. Universal voluntary HIV testing with immediate antiretroviral therapy as a strategy for elimination of HIV transmission: a mathematical model. Lancet 2009; 373:48-57., promovendo o tratamento como prevenção (TcP) como estratégia para erradicar o HIV 11. Grangeiro A, Ferraz D, Calazans G, Zucchi EM, Diaz-Bermúdez XP. O efeito dos métodos preventivos na redução do risco de infecção pelo HIV nas relações sexuais e seu potencial impacto em âmbito populacional: uma revisão da literatura. Rev Bras Epidemiol 2015; 18 Suppl 1:43-62.,1212. Bayer R, Edington C. HIV testing, human rights, and global AIDS policy: exceptionalism and its discontents. J Health Polit Policy Law 2009; 34:301-23.. Para tal, seriam necessários a testagem periódica, universal, e o acesso à TARV para todas as pessoas infectadas 11. Grangeiro A, Ferraz D, Calazans G, Zucchi EM, Diaz-Bermúdez XP. O efeito dos métodos preventivos na redução do risco de infecção pelo HIV nas relações sexuais e seu potencial impacto em âmbito populacional: uma revisão da literatura. Rev Bras Epidemiol 2015; 18 Suppl 1:43-62.,1212. Bayer R, Edington C. HIV testing, human rights, and global AIDS policy: exceptionalism and its discontents. J Health Polit Policy Law 2009; 34:301-23.,1616. Granich RM, Gilks CF, Dye C, De Cock KM, Williams BG. Universal voluntary HIV testing with immediate antiretroviral therapy as a strategy for elimination of HIV transmission: a mathematical model. Lancet 2009; 373:48-57.,1717. World Health Organization. HIV testing, treatment and prevention: generic tools for operational research. Geneva: World Health Organization; 2009.. As expectativas em relação ao TcP fundamentam estratégias como a Meta 90-90-90 da UNAIDS e o atual protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para o manejo da infecção pelo HIV em adultos do Ministério da Saúde 11. Grangeiro A, Ferraz D, Calazans G, Zucchi EM, Diaz-Bermúdez XP. O efeito dos métodos preventivos na redução do risco de infecção pelo HIV nas relações sexuais e seu potencial impacto em âmbito populacional: uma revisão da literatura. Rev Bras Epidemiol 2015; 18 Suppl 1:43-62.. Nesse sentido, em tempos de TARV e no contexto do crescimento da epidemia de HIV entre HSH 44. Beyrer C, Baral SD, van Griensven F, Goodreau SM, Chariyalertsak S, Wirtz AL, et al. Global epidemiology of HIV infection in men who have sex with men. Lancet 2012; 380:367-77.,55. Veras MASM, Calazans GJ, Ribeiro MCAS, Oliveira CAF, Giovanetti MR, Facchini R, et al. High HIV prevalence among men who have sex with men in a time-location sampling survey, São Paulo, Brazil. AIDS Behav 2015; 19:1589-98., a repetição anual do teste pelos HSH foi incorporada às recomendações programáticas 33. World Health Organization. Delivering HIV test results and messages for re-testing and counselling in adults. Geneva: World Health Organization; 2010.,1818. United Nations Population Fund; Global Forum on MSM & HIV; United Nations Development Programme; World Health Organization; United States Agency for International Development; World Bank. Implementing comprehensive HIV and STI programmes with men who have sex with men: practical guidance for collaborative interventions. New York: United Nations Population Fund; 2015..
Este trabalho tem por objetivo fazer uma revisão crítica da literatura sobre o uso recorrente do teste anti-HIV entre HSH à luz dos desenvolvimentos tecnológicos e sociais que reposicionaram este teste nas estratégias programáticas de enfrentamento da epidemia de HIV/AIDS. Examinaremos particularmente as concepções sobre a realização recorrente do teste anti-HIV e os marcadores sociais da diferença 1919. Brah A. Diferença, diversidade, diferenciação. Cadernos Pagu 2006; (26):329-76. que estão implicados na incorporação do teste como rotina de cuidado entre HSH.
Procedimentos metodológicos
Foi realizada uma revisão narrativa da literatura. Selecionamos estudos de pesquisa original que analisaram fatores associados à repetição de testes/teste de rotina entre HSH, priorizando aqueles em que este fosse o tema central do trabalho. A principal base utilizada foi a PubMed e não restringimos a pesquisa a nenhum período específico para que pudéssemos ter um panorama histórico dessa literatura.
Dado o caráter exploratório da revisão narrativa, diferentes termos de busca (não necessariamente descritores) foram utilizados conforme avançávamos na leitura dos trabalhos, assim como incluímos trabalhos citados nas referências dos artigos e fontes institucionais. Nosso eixo de análise foi centrado nas diferentes concepções e posicionamentos sobre a repetição do teste/testagem de rotina ao longo do tempo e nos principais marcadores sociais (parcerias afetivo-sexuais, idade, escolaridade e local de moradia, espaços de socialização e revelação da orientação homossexual, conhecer pessoas com HIV e simbolismos da AIDS, percepção e conhecimento sobre o teste) implicados nesse uso do teste anti-HIV entre homens que fazem sexo com homens.
Os artigos analisados, bem como uma breve contextualização desses trabalhos segundo marcos importantes no desenvolvimento das políticas de testagem, são apresentados na Tabela 1 e na Figura 1, respectivamente.
Linha do tempo: trabalhos analisados, contextualizados segundo avanços no tratamento, tecnologias e políticas de testagem.
Resultados
Diferentes concepções sobre a repetição do teste
A partir do ponto de vista de uma prevenção que era centrada no aconselhamento para a abstinência, fidelidade e uso de preservativo em 100% das relações sexuais até meados dos anos 1990 66. Kippax S, Race K. Sustaining safe practice: twenty years on. Soc Sci Med 2003; 57:1-12., o dado de que muitas pessoas realizavam o teste mais de uma vez na vida foi recebido com preocupação por pesquisadores, profissionais e formuladores de políticas de saúde. Havia a concepção de que o uso reiterado do teste acompanhado de sucessivos resultados negativos levaria as pessoas a subestimarem sua exposição ao HIV, deixando de adotar comportamentos de proteção nas relações sexuais. Uma revisão de 2002 sobre a repetição do teste anti-HIV apontava que pessoas que se testavam várias vezes seriam refratárias ao aconselhamento 2020. Fisher J, DelGado B, Melchreit R, Spurlock-McLendon J. The dynamics of repeat HIV testing, and interventions for repeat HIV testers. AIDS Behav 2002; 6:183-91..
O embate sobre a necessidade ou não de repetir o teste, bem como sobre os possíveis malefícios desta prática, estavam embasados principalmente na discussão sobre os “comportamentos de risco” das pessoas que repetiam o teste. O risco servia como medida tanto da necessidade de realizar novos testes como embasava discussões sobre a efetividade do aconselhamento. Destacamos que esse “risco” foi definido de diversas formas e, em alguns trabalhos, era sinônimo de pertencimento a uma categoria de exposição de risco 2121. McFarland W, Fischer-Ponce L, Katz M. Repeat negative human immunodeficiency virus (HIV) testing in San Francisco: magnitude and characteristics. Am J Epidemiol 1995; 142:719-23. ou de ter feito sexo com outros homens 2020. Fisher J, DelGado B, Melchreit R, Spurlock-McLendon J. The dynamics of repeat HIV testing, and interventions for repeat HIV testers. AIDS Behav 2002; 6:183-91.. Esse tipo de compreensão do uso recorrente do teste é sustentado pelas noções de grupos e comportamentos de risco que marcaram a epidemia em diversos países até o início dos anos 1990.
A falta de compreensão sobre o que levava as pessoas a se testarem repetidas vezes é refletida nos critérios usados para definir quem seriam os repeat testers. Há trabalhos que consideraram como repeat tester alguém que se testava mais de uma vez 2222. Norton J, Elford J, Sherr L, Miller R, Johnson M. Repeat HIV testers at a London same-day testing clinic. AIDS 1997; 11:773-81.,2323. Fernyak S, Page-Shafer K, Kellogg T, McFarland W, Katz M. Risk behaviors and HIV incidence among repeat testers at publicly funded HIV testing sites in San Francisco. J Acquir Immune Defic Syndr 2002; 31:63-70., e outros que incluíram nesta categoria homens que fizeram a partir de três testes na vida 2424. Phillips K, Paul J, Kegeles S, Stall R, Hoff C, Coates T. Predictors of repeat HIV testing among gay and bisexual men. AIDS 1995; 9:769-75.,2525. Kalichman S, Schaper P, Belcher L, Abush-Kirsh T, Cherry C, Williams E, et al. It's like a regular part of gay life: repeat HIV antibody testing among gay and bisexual men. AIDS Educ Prev 1997; 9 Suppl 3:41-51.,2626. Leaity S, Sherr L, Wells H, Evans A, Miller R, Johnson M, et al. Repeat HIV testing: high-risk behaviour or risk reduction strategy? AIDS 2000; 14:547-52.,2727. MacKellar D, Valleroy L, Secura G, Bartholow B, McFarland W, Shehan D, et al. Repeat HIV testing, risk behaviors, and HIV seroconversion among young men who have sex with men: a call to monitor and improve the practice of prevention. J Acquir Immune Defic Syndr 2002; 29:76-85.,2828. Fernández M, Perrino T, Bowen G, Royal S, Varga L. Repeat HIV testing among Hispanic men who have sex with men: a sign of risk, prevention, or reassurance? AIDS Educ Prev 2003; 15(1 Suppl A):105-16.,2929. Ryder K, Haubrich D, Callà D, Myers T, Burchell A, Calzavara L. Psychosocial impact of repeat HIV-negative testing: a follow-up study. AIDS Behav 2005; 9:459-64.. Depois dos anos 2000, o termo repeat testers foi substituído por outras concepções de frequência de repetição do teste, mais adequadas às novas recomendações de testagem frequente para HSH.
Alguns estudos já traziam também a questão da regularidade com que o teste era realizado 2424. Phillips K, Paul J, Kegeles S, Stall R, Hoff C, Coates T. Predictors of repeat HIV testing among gay and bisexual men. AIDS 1995; 9:769-75.,2525. Kalichman S, Schaper P, Belcher L, Abush-Kirsh T, Cherry C, Williams E, et al. It's like a regular part of gay life: repeat HIV antibody testing among gay and bisexual men. AIDS Educ Prev 1997; 9 Suppl 3:41-51.,2828. Fernández M, Perrino T, Bowen G, Royal S, Varga L. Repeat HIV testing among Hispanic men who have sex with men: a sign of risk, prevention, or reassurance? AIDS Educ Prev 2003; 15(1 Suppl A):105-16., mas em alguns casos esta regularidade ainda foi estipulada com base na quantidade de testes realizados na vida 2424. Phillips K, Paul J, Kegeles S, Stall R, Hoff C, Coates T. Predictors of repeat HIV testing among gay and bisexual men. AIDS 1995; 9:769-75.,2828. Fernández M, Perrino T, Bowen G, Royal S, Varga L. Repeat HIV testing among Hispanic men who have sex with men: a sign of risk, prevention, or reassurance? AIDS Educ Prev 2003; 15(1 Suppl A):105-16.. A partir do início dos anos 2000, passou a se utilizar como parâmetro o tempo decorrido desde o último teste, em consonância com a expectativa de que os HSH se testem periodicamente 3030. Jin F, Prestage G, Law M, Kippax S, van de Ven P, Rawsthorne P, et al. Predictors of recent HIV testing in homosexual men in Australia. HIV Med 2002; 3:271-6.,3131. MacKellar DA, Valleroy LA, Anderson JE, Behel S, Secura GM, Bingham T, et al. Recent HIV testing among young men who have sex with men: correlates, contexts and HIV seroconversion. Sex Transm Dis 2006; 33:183-92.,3232. Holt M, Rawstorne P, Wilkinson J, Worth H, Bittman M, Kippax S. HIV testing, gay community involvement and internet use: social and behavioural correlates of HIV testing among Australian men who have sex with men. AIDS Behav 2012; 16:13-22.,3333. Flowers P, Knussen C, Li J, McDaid L. Has testing been normalized? An analysis of changes in barriers to HIV testing among men who have sex with men between 2000 and 2010 in Scotland, UK. HIV Med 2013; 14:92-8.,3434. Katz D, Dombrowski J, Swanson F, Buskin S, Golden M, Stekler J. HIV intertest interval among MSM in King County, Washington. Sex Transm Infect 2013; 89:32-7.,3535. Knussen C, Flowers P, McDaid L. Factors associated with recency of HIV testing amongst men residing in Scotland who have sex with men. AIDS Care 2014; 26:297-303.,3636. Rendina H, Jimenez R, Grov C, Ventuneac A, Parsons J. Patterns of lifetime and recent HIV testing among men who have sex with men in New York City who use Grindr. AIDS Behav 2014; 18:41-9.,3737. Marcus U, Gassowski M, Kruspe M, Drewes J. Recency and frequency of HIV testing among men who have sex with men in Germany and socio-demographic factors associated with testing behaviour. BMC Public Health 2015; 15:727..
Repetição do teste anti-HIV como reiteração da exposição
Phillips et al. 2424. Phillips K, Paul J, Kegeles S, Stall R, Hoff C, Coates T. Predictors of repeat HIV testing among gay and bisexual men. AIDS 1995; 9:769-75. desenvolveram um dos primeiros estudos sobre o tema, ainda na era pré-TARV e anterior à disseminação do teste rápido. Segundo os autores, cerca de um quarto dos testes anti-HIV realizados nos Estados Unidos em 1992 era de pessoas que já haviam se testado, e o CDC propôs que se fizesse um esforço no sentido de diminuir os testes desnecessários. Naquele momento o teste não tinha função preventiva, mas sim de diagnóstico. Pensava-se que a repetição do teste estivesse sendo usada em substituição às práticas sexuais seguras ou que pudesse levar à percepção de invulnerabilidade no caso de repetidos resultados negativos 2424. Phillips K, Paul J, Kegeles S, Stall R, Hoff C, Coates T. Predictors of repeat HIV testing among gay and bisexual men. AIDS 1995; 9:769-75.. Alguns autores questionaram-se nessa época sobre a efetividade do aconselhamento para reduzir o risco de infecção e a repetição do teste por pessoas que tinham pouco risco de infecção e queriam confirmar um resultado negativo 2727. MacKellar D, Valleroy L, Secura G, Bartholow B, McFarland W, Shehan D, et al. Repeat HIV testing, risk behaviors, and HIV seroconversion among young men who have sex with men: a call to monitor and improve the practice of prevention. J Acquir Immune Defic Syndr 2002; 29:76-85..
Alguns estudos apontavam que os HSH que se testavam repetidas vezes eram também aqueles que tinham maior risco de se infectar pelo HIV 2222. Norton J, Elford J, Sherr L, Miller R, Johnson M. Repeat HIV testers at a London same-day testing clinic. AIDS 1997; 11:773-81.,2424. Phillips K, Paul J, Kegeles S, Stall R, Hoff C, Coates T. Predictors of repeat HIV testing among gay and bisexual men. AIDS 1995; 9:769-75.,2626. Leaity S, Sherr L, Wells H, Evans A, Miller R, Johnson M, et al. Repeat HIV testing: high-risk behaviour or risk reduction strategy? AIDS 2000; 14:547-52.,2727. MacKellar D, Valleroy L, Secura G, Bartholow B, McFarland W, Shehan D, et al. Repeat HIV testing, risk behaviors, and HIV seroconversion among young men who have sex with men: a call to monitor and improve the practice of prevention. J Acquir Immune Defic Syndr 2002; 29:76-85.. Nessa linha de raciocínio, enquanto alguns autores justificavam a repetição do teste com base nesse risco elevado de infecção, outros estavam preocupados com possíveis efeitos negativos desta prática. Argumentava-se que sucessivos resultados negativos poderiam reforçar comportamentos de risco para a infecção pelo HIV 2626. Leaity S, Sherr L, Wells H, Evans A, Miller R, Johnson M, et al. Repeat HIV testing: high-risk behaviour or risk reduction strategy? AIDS 2000; 14:547-52.,2727. MacKellar D, Valleroy L, Secura G, Bartholow B, McFarland W, Shehan D, et al. Repeat HIV testing, risk behaviors, and HIV seroconversion among young men who have sex with men: a call to monitor and improve the practice of prevention. J Acquir Immune Defic Syndr 2002; 29:76-85.. Essa preocupação com a repetição do teste resultou em propostas de intervenções e estratégias de aconselhamento específicas para aqueles que tinham se testado mais vezes (mais de uma vez na vida ou três ou mais vezes), que tinham por finalidade reduzir o risco dessas pessoas por meio de intervenções mais intensas 2727. MacKellar D, Valleroy L, Secura G, Bartholow B, McFarland W, Shehan D, et al. Repeat HIV testing, risk behaviors, and HIV seroconversion among young men who have sex with men: a call to monitor and improve the practice of prevention. J Acquir Immune Defic Syndr 2002; 29:76-85..
Em alguns dos trabalhos que enfatizavam a relação entre práticas de maior risco e repetição do teste, os critérios usados para definir uma relação sexual como de risco se restringiam somente a aspectos individuais. Assim, era frequente que, embora se reconhecesse que os fatores associados à repetição do teste fossem multifacetados e que tal repetição poderia ser parte de uma rotina de cuidados com a saúde 2222. Norton J, Elford J, Sherr L, Miller R, Johnson M. Repeat HIV testers at a London same-day testing clinic. AIDS 1997; 11:773-81., a repetição do teste anti-HIV era associada e interpretada segundo comportamentos de risco, a saber: sexo anal/oral desprotegido e maior número de parceiros sexuais 2525. Kalichman S, Schaper P, Belcher L, Abush-Kirsh T, Cherry C, Williams E, et al. It's like a regular part of gay life: repeat HIV antibody testing among gay and bisexual men. AIDS Educ Prev 1997; 9 Suppl 3:41-51.,3030. Jin F, Prestage G, Law M, Kippax S, van de Ven P, Rawsthorne P, et al. Predictors of recent HIV testing in homosexual men in Australia. HIV Med 2002; 3:271-6.,3131. MacKellar DA, Valleroy LA, Anderson JE, Behel S, Secura GM, Bingham T, et al. Recent HIV testing among young men who have sex with men: correlates, contexts and HIV seroconversion. Sex Transm Dis 2006; 33:183-92.,3232. Holt M, Rawstorne P, Wilkinson J, Worth H, Bittman M, Kippax S. HIV testing, gay community involvement and internet use: social and behavioural correlates of HIV testing among Australian men who have sex with men. AIDS Behav 2012; 16:13-22.,3434. Katz D, Dombrowski J, Swanson F, Buskin S, Golden M, Stekler J. HIV intertest interval among MSM in King County, Washington. Sex Transm Infect 2013; 89:32-7.,3737. Marcus U, Gassowski M, Kruspe M, Drewes J. Recency and frequency of HIV testing among men who have sex with men in Germany and socio-demographic factors associated with testing behaviour. BMC Public Health 2015; 15:727.,3838. Katz D, Swanson F, Stekler J. Why do men who have sex with men test for HIV infection? Results from a community-based testing program in Seattle. Sex Transm Dis 2013; 40:724-8.. Tais trabalhos destacavam também que ter um número maior de parceiros em um determinado período ou na vida estava associado ao teste repetido 2222. Norton J, Elford J, Sherr L, Miller R, Johnson M. Repeat HIV testers at a London same-day testing clinic. AIDS 1997; 11:773-81., recente ou regular 2525. Kalichman S, Schaper P, Belcher L, Abush-Kirsh T, Cherry C, Williams E, et al. It's like a regular part of gay life: repeat HIV antibody testing among gay and bisexual men. AIDS Educ Prev 1997; 9 Suppl 3:41-51.,3030. Jin F, Prestage G, Law M, Kippax S, van de Ven P, Rawsthorne P, et al. Predictors of recent HIV testing in homosexual men in Australia. HIV Med 2002; 3:271-6.,3131. MacKellar DA, Valleroy LA, Anderson JE, Behel S, Secura GM, Bingham T, et al. Recent HIV testing among young men who have sex with men: correlates, contexts and HIV seroconversion. Sex Transm Dis 2006; 33:183-92.,3232. Holt M, Rawstorne P, Wilkinson J, Worth H, Bittman M, Kippax S. HIV testing, gay community involvement and internet use: social and behavioural correlates of HIV testing among Australian men who have sex with men. AIDS Behav 2012; 16:13-22.,3434. Katz D, Dombrowski J, Swanson F, Buskin S, Golden M, Stekler J. HIV intertest interval among MSM in King County, Washington. Sex Transm Infect 2013; 89:32-7.,3737. Marcus U, Gassowski M, Kruspe M, Drewes J. Recency and frequency of HIV testing among men who have sex with men in Germany and socio-demographic factors associated with testing behaviour. BMC Public Health 2015; 15:727.,3838. Katz D, Swanson F, Stekler J. Why do men who have sex with men test for HIV infection? Results from a community-based testing program in Seattle. Sex Transm Dis 2013; 40:724-8. entre HSH brancos e negros, assim como em outros grupos étnicos como, por exemplo, hispânicos 2828. Fernández M, Perrino T, Bowen G, Royal S, Varga L. Repeat HIV testing among Hispanic men who have sex with men: a sign of risk, prevention, or reassurance? AIDS Educ Prev 2003; 15(1 Suppl A):105-16..
Embora amparados por justificativas diferentes, tanto autores que analisaram a repetição do teste com base em uma perspectiva mais biomédica como aqueles que consideravam a importância de estratégias comunitárias de prevenção se declararam contrários a programas que desencorajassem a repetição do teste anti-HIV 2222. Norton J, Elford J, Sherr L, Miller R, Johnson M. Repeat HIV testers at a London same-day testing clinic. AIDS 1997; 11:773-81.,2424. Phillips K, Paul J, Kegeles S, Stall R, Hoff C, Coates T. Predictors of repeat HIV testing among gay and bisexual men. AIDS 1995; 9:769-75.,2525. Kalichman S, Schaper P, Belcher L, Abush-Kirsh T, Cherry C, Williams E, et al. It's like a regular part of gay life: repeat HIV antibody testing among gay and bisexual men. AIDS Educ Prev 1997; 9 Suppl 3:41-51.,2626. Leaity S, Sherr L, Wells H, Evans A, Miller R, Johnson M, et al. Repeat HIV testing: high-risk behaviour or risk reduction strategy? AIDS 2000; 14:547-52.,2727. MacKellar D, Valleroy L, Secura G, Bartholow B, McFarland W, Shehan D, et al. Repeat HIV testing, risk behaviors, and HIV seroconversion among young men who have sex with men: a call to monitor and improve the practice of prevention. J Acquir Immune Defic Syndr 2002; 29:76-85..
Repetição do teste anti-HIV como estratégia de prevenção
No contexto da expansão da testagem e otimismo em relação à redução substancial da mortalidade por AIDS após a introdução da TARV em 1996 e, consequentemente, da maior possibilidade de controle de novas infecções, vemos a partir de 2002 um novo cenário para as publicações sobre a repetição rotineira do teste. Uma outra concepção sobre o teste anti-HIV começava a marcar as análises sobre a repetição ou frequência do teste. O teste anti-HIV passou a ser identificado mais claramente como uma estratégia de prevenção altamente recomendável do ponto de vista de governos e programas 3030. Jin F, Prestage G, Law M, Kippax S, van de Ven P, Rawsthorne P, et al. Predictors of recent HIV testing in homosexual men in Australia. HIV Med 2002; 3:271-6.,3939. Centers for Disease Control and Prevention. Sexually transmitted diseases treatment guidelines 2002. MMWR Recomm Rep 2002; 51(RR-6):1-78..
Essa noção de que a repetição do teste fazia parte de uma rotina de prevenção dos indivíduos já estava presente em alguns trabalhos publicados antes de 2002. Em 1995, Phillips et al. 2424. Phillips K, Paul J, Kegeles S, Stall R, Hoff C, Coates T. Predictors of repeat HIV testing among gay and bisexual men. AIDS 1995; 9:769-75. defendiam o caráter preventivo do teste no sentido de reforçar práticas seguras e aumentar a segurança de homens gays e bissexuais profundamente impactados pela epidemia. Para esses autores, testar-se repetidas vezes poderia ser uma saída racional para as incertezas enfrentadas por esses homens, como em relação à baixa probabilidade de infeção via sexo oral, além de ser fundamental para homens em parcerias estáveis sorodiscordantes e para aqueles que desejavam poder se tratar precocemente no caso de terem se infectado. Em 2000, Leaity et al. 2626. Leaity S, Sherr L, Wells H, Evans A, Miller R, Johnson M, et al. Repeat HIV testing: high-risk behaviour or risk reduction strategy? AIDS 2000; 14:547-52. chegaram a conclusões semelhantes, indicando que o teste era incorporado como parte de uma estratégia pessoal de redução de risco. Na mesma direção, em 1997, Kalichman et al. 2525. Kalichman S, Schaper P, Belcher L, Abush-Kirsh T, Cherry C, Williams E, et al. It's like a regular part of gay life: repeat HIV antibody testing among gay and bisexual men. AIDS Educ Prev 1997; 9 Suppl 3:41-51. haviam concluído que o uso recorrente do teste anti-HIV estava associado a maiores taxas de uso do preservativo e atitudes positivas em relação à própria saúde, de maneira que poderia funcionar como uma estratégia preventiva para alguns HSH. Para esses autores, o teste para HSH tinha sido integrado como recurso de autocuidado tanto quanto o preservativo.
No entanto, é nos trabalhos publicados a partir de 2002 que vemos esforços no sentido de estabelecer recomendações programáticas sobre a repetição rotineira do teste. Não estava mais em questão se a repetição do teste deveria ser desencorajada, mas sim identificar quem deveria ser estimulado a fazê-la 2323. Fernyak S, Page-Shafer K, Kellogg T, McFarland W, Katz M. Risk behaviors and HIV incidence among repeat testers at publicly funded HIV testing sites in San Francisco. J Acquir Immune Defic Syndr 2002; 31:63-70.,3131. MacKellar DA, Valleroy LA, Anderson JE, Behel S, Secura GM, Bingham T, et al. Recent HIV testing among young men who have sex with men: correlates, contexts and HIV seroconversion. Sex Transm Dis 2006; 33:183-92.. Embora alguns autores tenham sugerido estratégias de aconselhamento diferentes para grupos diferentes de HSH 2323. Fernyak S, Page-Shafer K, Kellogg T, McFarland W, Katz M. Risk behaviors and HIV incidence among repeat testers at publicly funded HIV testing sites in San Francisco. J Acquir Immune Defic Syndr 2002; 31:63-70., não foi feita qualquer menção à restrição no acesso ao teste anti-HIV.
Teste recente como indicador do cuidado atual do indivíduo
É nesse contexto que o CDC passou a recomendar em 2002 que HSH sexualmente ativos sejam testados para o HIV pelo menos uma vez por ano 3939. Centers for Disease Control and Prevention. Sexually transmitted diseases treatment guidelines 2002. MMWR Recomm Rep 2002; 51(RR-6):1-78., política que foi mantida em anos seguintes 4040. Centers for Disease Control and Prevention. Revised recommendations for HIV testing of adults, adolescents, and pregnant women in health-care settings. MMWR Recomm Rep 2006; 55(RR-14):1-17.,4141. Centers for Disease Control and Prevention. Sexually transmitted diseases treatment guidelines, 2010. MMWR Recomm Rep 2010; 59(RR-12):12-3.. A adesão a essa recomendação também passou a ser objeto de análise 3131. MacKellar DA, Valleroy LA, Anderson JE, Behel S, Secura GM, Bingham T, et al. Recent HIV testing among young men who have sex with men: correlates, contexts and HIV seroconversion. Sex Transm Dis 2006; 33:183-92.,3535. Knussen C, Flowers P, McDaid L. Factors associated with recency of HIV testing amongst men residing in Scotland who have sex with men. AIDS Care 2014; 26:297-303.,3636. Rendina H, Jimenez R, Grov C, Ventuneac A, Parsons J. Patterns of lifetime and recent HIV testing among men who have sex with men in New York City who use Grindr. AIDS Behav 2014; 18:41-9.,4242. Helms D, Weinstock H, Mahle K, Bernstein K, Furness B, Kent C, et al. HIV testing frequency among men who have sex with men attending sexually transmitted disease clinics: implications for HIV prevention and surveillance. J Acquir Immune Defic Syndr 2009; 50:320-6.. Se num primeiro momento a repetição do teste gerava preocupação, nesse novo contexto o “problema” passaria a ser aqueles que não se testaram no último ano (por exemplo, Katz et al. 3838. Katz D, Swanson F, Stekler J. Why do men who have sex with men test for HIV infection? Results from a community-based testing program in Seattle. Sex Transm Dis 2013; 40:724-8. e Knussen et al. 3535. Knussen C, Flowers P, McDaid L. Factors associated with recency of HIV testing amongst men residing in Scotland who have sex with men. AIDS Care 2014; 26:297-303.).
Nesse momento, tanto baseando-se numa leitura que reconhecia a importância das estratégias comunitárias para a prevenção do HIV, como com base em outra que priorizava uma perspectiva biomédica, muitos estudos passaram a destacar o caráter preventivo da realização periódica do teste anti-HIV. Pensando em estratégias comunitárias, defendeu-se que a repetição do teste partia de uma decisão racional e informada, especialmente entre homens ligados à comunidade gay 3030. Jin F, Prestage G, Law M, Kippax S, van de Ven P, Rawsthorne P, et al. Predictors of recent HIV testing in homosexual men in Australia. HIV Med 2002; 3:271-6.. Destacou-se também a importância do conhecimento do estado sorológico no estabelecimento de acordos sexuais com os parceiros 3737. Marcus U, Gassowski M, Kruspe M, Drewes J. Recency and frequency of HIV testing among men who have sex with men in Germany and socio-demographic factors associated with testing behaviour. BMC Public Health 2015; 15:727.. Baseando-se em uma perspectiva biomédica, alguns estudos contextualizaram a importância do teste rotineiro para evitar a detecção tardia do HIV, altos custos decorrentes e maior risco de transmissão do vírus 3131. MacKellar DA, Valleroy LA, Anderson JE, Behel S, Secura GM, Bingham T, et al. Recent HIV testing among young men who have sex with men: correlates, contexts and HIV seroconversion. Sex Transm Dis 2006; 33:183-92.,3434. Katz D, Dombrowski J, Swanson F, Buskin S, Golden M, Stekler J. HIV intertest interval among MSM in King County, Washington. Sex Transm Infect 2013; 89:32-7.,3636. Rendina H, Jimenez R, Grov C, Ventuneac A, Parsons J. Patterns of lifetime and recent HIV testing among men who have sex with men in New York City who use Grindr. AIDS Behav 2014; 18:41-9.,3737. Marcus U, Gassowski M, Kruspe M, Drewes J. Recency and frequency of HIV testing among men who have sex with men in Germany and socio-demographic factors associated with testing behaviour. BMC Public Health 2015; 15:727.. Outros explicitaram o TcP como justificativa para o uso rotineiro do teste anti-HIV na prevenção 3333. Flowers P, Knussen C, Li J, McDaid L. Has testing been normalized? An analysis of changes in barriers to HIV testing among men who have sex with men between 2000 and 2010 in Scotland, UK. HIV Med 2013; 14:92-8.,3535. Knussen C, Flowers P, McDaid L. Factors associated with recency of HIV testing amongst men residing in Scotland who have sex with men. AIDS Care 2014; 26:297-303..
A regularidade na realização do teste passou a ser central nessas análises. Alguns autores começaram a estabelecer aproximações nesse sentido, construindo categorias de testadores “regulares” ou “repetidores” em função do número de testes feitos na vida 2828. Fernández M, Perrino T, Bowen G, Royal S, Varga L. Repeat HIV testing among Hispanic men who have sex with men: a sign of risk, prevention, or reassurance? AIDS Educ Prev 2003; 15(1 Suppl A):105-16.. Outros trabalhos procuraram compreender as diferenças entre HSH que nunca tinham se testado ou haviam se testado no passado, e aqueles que se testaram recentemente 3131. MacKellar DA, Valleroy LA, Anderson JE, Behel S, Secura GM, Bingham T, et al. Recent HIV testing among young men who have sex with men: correlates, contexts and HIV seroconversion. Sex Transm Dis 2006; 33:183-92.,3232. Holt M, Rawstorne P, Wilkinson J, Worth H, Bittman M, Kippax S. HIV testing, gay community involvement and internet use: social and behavioural correlates of HIV testing among Australian men who have sex with men. AIDS Behav 2012; 16:13-22.,3737. Marcus U, Gassowski M, Kruspe M, Drewes J. Recency and frequency of HIV testing among men who have sex with men in Germany and socio-demographic factors associated with testing behaviour. BMC Public Health 2015; 15:727..
Apesar de o teste anual ter se transformado em recomendação, os debates sobre o risco de infecção pelo HIV entre os que se testavam repetidas vezes continuaram. O sexo oral desprotegido deixou de ser mencionado nesses trabalhos ou passou para um segundo plano, considerado como prática de menor risco 2323. Fernyak S, Page-Shafer K, Kellogg T, McFarland W, Katz M. Risk behaviors and HIV incidence among repeat testers at publicly funded HIV testing sites in San Francisco. J Acquir Immune Defic Syndr 2002; 31:63-70.. A prática de sexo anal continuou sendo de principal interesse para os investigadores.
Alguns autores procuraram contextualizar o sexo desprotegido, identificando o tipo de parceria e/ou soroconcordância do parceiro (por exemplo, Jin et al. 3030. Jin F, Prestage G, Law M, Kippax S, van de Ven P, Rawsthorne P, et al. Predictors of recent HIV testing in homosexual men in Australia. HIV Med 2002; 3:271-6.). Outros trabalhos privilegiaram uma perspectiva biomédica em que o risco das práticas sexuais era avaliado de acordo com taxas de soroconversão 2323. Fernyak S, Page-Shafer K, Kellogg T, McFarland W, Katz M. Risk behaviors and HIV incidence among repeat testers at publicly funded HIV testing sites in San Francisco. J Acquir Immune Defic Syndr 2002; 31:63-70.. O mesmo foi feito em relação à percepção de risco: MacKellar et al. 3131. MacKellar DA, Valleroy LA, Anderson JE, Behel S, Secura GM, Bingham T, et al. Recent HIV testing among young men who have sex with men: correlates, contexts and HIV seroconversion. Sex Transm Dis 2006; 33:183-92. avaliaram que HSH soroconvertidos que não declararam episódios de exposição faziam uma avaliação inadequada de seu risco.
Nessa linha de pesquisa, alguns continuaram tratando o sexo anal protegido ou desprotegido independentemente do parceiro, o que torna difícil compreender se o risco mencionado em seus trabalhos era “risco de fato” do ponto de vista dos homens ou se era redução de risco 2828. Fernández M, Perrino T, Bowen G, Royal S, Varga L. Repeat HIV testing among Hispanic men who have sex with men: a sign of risk, prevention, or reassurance? AIDS Educ Prev 2003; 15(1 Suppl A):105-16.,3636. Rendina H, Jimenez R, Grov C, Ventuneac A, Parsons J. Patterns of lifetime and recent HIV testing among men who have sex with men in New York City who use Grindr. AIDS Behav 2014; 18:41-9.. Apesar de alguns desses estudos reconhecerem essa limitação e mesmo a multiplicidade de práticas diferentes que poderiam estar sendo tratadas como um mesmo fenômeno (por exemplo, Rendina et al. 3636. Rendina H, Jimenez R, Grov C, Ventuneac A, Parsons J. Patterns of lifetime and recent HIV testing among men who have sex with men in New York City who use Grindr. AIDS Behav 2014; 18:41-9.), quase todos eles concluíram que as pessoas que se testavam repetidas vezes ou se testaram recentemente estariam expostas a maior risco de infecção pelo HIV 2828. Fernández M, Perrino T, Bowen G, Royal S, Varga L. Repeat HIV testing among Hispanic men who have sex with men: a sign of risk, prevention, or reassurance? AIDS Educ Prev 2003; 15(1 Suppl A):105-16.,3636. Rendina H, Jimenez R, Grov C, Ventuneac A, Parsons J. Patterns of lifetime and recent HIV testing among men who have sex with men in New York City who use Grindr. AIDS Behav 2014; 18:41-9..
O potencial perigo de sucessivos resultados negativos, muito mencionado nos primeiros trabalhos sobre repetição do teste anti-HIV, passou a ser menos citado. O tema da desinibição/relaxamento das práticas sexuais passou a ser menos debatido. No entanto, alguns autores ainda interpretaram a associação entre teste recente e sexo anal desprotegido como influenciada por um sentimento de invulnerabilidade decorrente de sucessivos resultados negativos 3636. Rendina H, Jimenez R, Grov C, Ventuneac A, Parsons J. Patterns of lifetime and recent HIV testing among men who have sex with men in New York City who use Grindr. AIDS Behav 2014; 18:41-9.. Em um estudo qualitativo sobre esse tema surgiu um mosaico de situações possíveis na presença de repetidos resultados negativos 2929. Ryder K, Haubrich D, Callà D, Myers T, Burchell A, Calzavara L. Psychosocial impact of repeat HIV-negative testing: a follow-up study. AIDS Behav 2005; 9:459-64.. Embora os autores tenham concluído que seus dados eram preocupantes, uma vez que os resultados negativos de fato eram, para alguns, um sinal de imunidade e, para outros, reforçavam a manutenção de práticas que não eram “100% seguras”, à luz das estratégias de redução de risco, o discurso dos entrevistados ganhou outra dimensão. É possível identificar que o teste anti-HIV foi apropriado conforme as necessidades e trajetórias de cada entrevistado, havendo mais de uma forma de usar o teste, e parte considerável destas formas consistia em criar práticas sustentáveis de redução de risco ou em procurar assistência no caso de exposição ao risco de infecção.
Ao incorporar as estratégias de prevenção comunitárias às suas análises, outros autores consideraram esperado que homens que incorporaram o teste às suas vidas tivessem maior chance de relatar sexo anal desprotegido do que homens que nunca se testaram 3232. Holt M, Rawstorne P, Wilkinson J, Worth H, Bittman M, Kippax S. HIV testing, gay community involvement and internet use: social and behavioural correlates of HIV testing among Australian men who have sex with men. AIDS Behav 2012; 16:13-22.. Nesse sentido, a busca pelo teste anti-HIV não era vista como resultado de falha na prevenção ou risco aumentado, mas sim como uma estratégia conscientemente empregada por HSH.
Nessa vertente, alguns autores observaram que homens que haviam se testado recentemente relatavam menos práticas consideradas de risco como, por exemplo, sexo anal desprotegido com um parceiro de sorologia desconhecida 3535. Knussen C, Flowers P, McDaid L. Factors associated with recency of HIV testing amongst men residing in Scotland who have sex with men. AIDS Care 2014; 26:297-303.,3838. Katz D, Swanson F, Stekler J. Why do men who have sex with men test for HIV infection? Results from a community-based testing program in Seattle. Sex Transm Dis 2013; 40:724-8.. Observou-se que a prática de sexo anal desprotegido não estava associada à realização recente do teste anti-HIV sem que fossem levados em conta o conhecimento da sorologia do parceiro e tipo de parceria 3535. Knussen C, Flowers P, McDaid L. Factors associated with recency of HIV testing amongst men residing in Scotland who have sex with men. AIDS Care 2014; 26:297-303.. Os homens testados recentemente pareciam adotar o uso do preservativo no sexo anal ou outras estratégias de redução de risco 3535. Knussen C, Flowers P, McDaid L. Factors associated with recency of HIV testing amongst men residing in Scotland who have sex with men. AIDS Care 2014; 26:297-303..
Além do debate sobre a associação entre sexo desprotegido e repetição do teste, a literatura aponta outros fatores associados a se testar mais de uma vez na vida que reforçam o uso do teste como estratégia de prevenção e cuidado com a saúde. Foi frequente a associação do teste de rotina a maior preocupação e/ou cuidado em relação à própria saúde 2222. Norton J, Elford J, Sherr L, Miller R, Johnson M. Repeat HIV testers at a London same-day testing clinic. AIDS 1997; 11:773-81.,2424. Phillips K, Paul J, Kegeles S, Stall R, Hoff C, Coates T. Predictors of repeat HIV testing among gay and bisexual men. AIDS 1995; 9:769-75.,2525. Kalichman S, Schaper P, Belcher L, Abush-Kirsh T, Cherry C, Williams E, et al. It's like a regular part of gay life: repeat HIV antibody testing among gay and bisexual men. AIDS Educ Prev 1997; 9 Suppl 3:41-51.,2626. Leaity S, Sherr L, Wells H, Evans A, Miller R, Johnson M, et al. Repeat HIV testing: high-risk behaviour or risk reduction strategy? AIDS 2000; 14:547-52.. Mais recentemente, Katz et al. 3434. Katz D, Dombrowski J, Swanson F, Buskin S, Golden M, Stekler J. HIV intertest interval among MSM in King County, Washington. Sex Transm Infect 2013; 89:32-7.,3838. Katz D, Swanson F, Stekler J. Why do men who have sex with men test for HIV infection? Results from a community-based testing program in Seattle. Sex Transm Dis 2013; 40:724-8. mostraram que o menor intervalo entre testes anti-HIV estava associado a ter acesso regular a um profissional de saúde e ter uma rotina de cuidados com a saúde. Nessa lógica, Marcus et al. 3737. Marcus U, Gassowski M, Kruspe M, Drewes J. Recency and frequency of HIV testing among men who have sex with men in Germany and socio-demographic factors associated with testing behaviour. BMC Public Health 2015; 15:727. apontaram que “rotina” era o motivo mais frequente para a testagem no último ano entre HSH.
Lorenc et al. 4343. Lorenc T, Marrero-Guillamón I, Llewellyn A, Aggleton P, Cooper C, Lehmann A, et al. HIV testing among men who have sex with men (MSM): systematic review of qualitative evidence. Health Educ Res 2011; 26:834-46. em revisão de estudos qualitativos realizados na Inglaterra, Estados Unidos, Escócia e Canadá apontaram que o hábito poderia levar à busca pelo teste, independentemente de qualquer gatilho específico. O teste por rotina estaria associado a um senso de responsabilidade pela própria saúde e compromisso com a prevenção, que nem sempre é enfatizado em estudos sobre o teste anti-HIV.
Nessa direção, alguns estudos mostraram que perceber a importância de receber informações de prevenção ao HIV/AIDS de um profissional de saúde e discutir a testagem com um profissional eram preditores da realização recente (≤ 1 ano) do teste 3131. MacKellar DA, Valleroy LA, Anderson JE, Behel S, Secura GM, Bingham T, et al. Recent HIV testing among young men who have sex with men: correlates, contexts and HIV seroconversion. Sex Transm Dis 2006; 33:183-92.. Holt et al. 3232. Holt M, Rawstorne P, Wilkinson J, Worth H, Bittman M, Kippax S. HIV testing, gay community involvement and internet use: social and behavioural correlates of HIV testing among Australian men who have sex with men. AIDS Behav 2012; 16:13-22. observaram que era mais provável que homens que se testaram recentemente tivessem procurado informação/aconselhamento de um profissional de saúde do que aqueles que haviam se testado há mais de um ano que, por sua vez, tinham procurado ajuda mais frequentemente do que HSH que nunca tinham se testado.
Outros trabalhos apontaram associação entre repetição do teste e ter contraído ou pensar ter contraído alguma IST pelo menos uma vez na vida 2222. Norton J, Elford J, Sherr L, Miller R, Johnson M. Repeat HIV testers at a London same-day testing clinic. AIDS 1997; 11:773-81.,2828. Fernández M, Perrino T, Bowen G, Royal S, Varga L. Repeat HIV testing among Hispanic men who have sex with men: a sign of risk, prevention, or reassurance? AIDS Educ Prev 2003; 15(1 Suppl A):105-16.. Fernández et al. 2828. Fernández M, Perrino T, Bowen G, Royal S, Varga L. Repeat HIV testing among Hispanic men who have sex with men: a sign of risk, prevention, or reassurance? AIDS Educ Prev 2003; 15(1 Suppl A):105-16. interpretaram que acreditar ter contraído uma IST aumentava a percepção de risco de se infectar pelo HIV. Entre HSH que se testaram recentemente (tempo decorrido desde o último teste ≤ 1 ano) essa associação também foi observada 3131. MacKellar DA, Valleroy LA, Anderson JE, Behel S, Secura GM, Bingham T, et al. Recent HIV testing among young men who have sex with men: correlates, contexts and HIV seroconversion. Sex Transm Dis 2006; 33:183-92..
Marcadores sociais da diferença implicados na testagem - como interpretar a epidemiologia do risco para além do comportamento individual?
Como apontam Aggleton & Parker 4444. Aggleton P, Parker R. Moving beyond biomedicalization in the HIV response: implications for community involvement and community leadership among men who have sex with men and transgender people. Am J Public Health 2015; 105:1552-8., quando adotamos o termo “HSH” estamos incluindo em uma mesma categoria experiências, subjetividades e posicionamentos pessoais muito distintos. Portanto, não é possível afirmar uma prática hegemônica ou identidade coletiva HSH que possa ser plenamente atingida pelos programas de prevenção. Nesse sentido, é fundamental compreender como a dimensão das práticas e comportamentos individuais apresentada anteriormente está inscrita em diversos contextos intersubjetivos informados por relações simbólicas e normas sociais que operam como moduladores da procura reiterada pelo teste. É nessa direção que apresentaremos marcadores sociais da diferença que atuam como facilitadores ou barreiras para que HSH incorporem o teste à sua rotina de cuidados com a saúde. Analisar os marcadores sociais da diferença permite compreender como as variadas produções culturais e normativas discursivas sobre a diferença (quanto ao tipo de parceria, idade, condição socioeconômica, cor da pele, entre outras) podem resultar, por exemplo, em desigualdade e opressão, assim como em diversidade e agência 1919. Brah A. Diferença, diversidade, diferenciação. Cadernos Pagu 2006; (26):329-76..
Parcerias afetivo-sexuais
As parceiras e os relacionamentos afetivo-sexuais são centrais para compreender como HSH incorporam o teste às suas práticas de prevenção para gestão de seu risco sexual. A responsabilidade pela própria saúde e a do outro pode ser decisiva para que um homem busque o teste 4343. Lorenc T, Marrero-Guillamón I, Llewellyn A, Aggleton P, Cooper C, Lehmann A, et al. HIV testing among men who have sex with men (MSM): systematic review of qualitative evidence. Health Educ Res 2011; 26:834-46.. Além disso, o teste pode participar dos relacionamentos como comprovação do estado sorológico para um parceiro em potencial, por exemplo, para que se possa abdicar da camisinha nas relações sexuais ou com o objetivo de reduzir riscos nas interações sexuais 2626. Leaity S, Sherr L, Wells H, Evans A, Miller R, Johnson M, et al. Repeat HIV testing: high-risk behaviour or risk reduction strategy? AIDS 2000; 14:547-52.,4343. Lorenc T, Marrero-Guillamón I, Llewellyn A, Aggleton P, Cooper C, Lehmann A, et al. HIV testing among men who have sex with men (MSM): systematic review of qualitative evidence. Health Educ Res 2011; 26:834-46.. Por outro lado, em um relacionamento em que há confiança e compromisso com o parceiro, não necessariamente o teste será incorporado, já que os parceiros não se sentem expostos ao risco de se infectar pelo HIV 4343. Lorenc T, Marrero-Guillamón I, Llewellyn A, Aggleton P, Cooper C, Lehmann A, et al. HIV testing among men who have sex with men (MSM): systematic review of qualitative evidence. Health Educ Res 2011; 26:834-46..
Estar em um relacionamento monogâmico ou há pelo menos dois anos esteve associado à diminuição do teste recente na Austrália 3030. Jin F, Prestage G, Law M, Kippax S, van de Ven P, Rawsthorne P, et al. Predictors of recent HIV testing in homosexual men in Australia. HIV Med 2002; 3:271-6.. Na Alemanha, HSH sem parceria estável tinham maior chance de ter se testado recentemente (em comparação a ter se testado há mais tempo) do que aqueles que estavam em relacionamentos abertos 3737. Marcus U, Gassowski M, Kruspe M, Drewes J. Recency and frequency of HIV testing among men who have sex with men in Germany and socio-demographic factors associated with testing behaviour. BMC Public Health 2015; 15:727..
Ter um parceiro soropositivo também esteve associado a ter se testado recentemente, o que se configura como um uso racional do teste anti-HIV 3030. Jin F, Prestage G, Law M, Kippax S, van de Ven P, Rawsthorne P, et al. Predictors of recent HIV testing in homosexual men in Australia. HIV Med 2002; 3:271-6.. Adicionalmente, revelar a sorologia para o parceiro foi mais comum entre os HSH que haviam se testado recentemente 3131. MacKellar DA, Valleroy LA, Anderson JE, Behel S, Secura GM, Bingham T, et al. Recent HIV testing among young men who have sex with men: correlates, contexts and HIV seroconversion. Sex Transm Dis 2006; 33:183-92.,3232. Holt M, Rawstorne P, Wilkinson J, Worth H, Bittman M, Kippax S. HIV testing, gay community involvement and internet use: social and behavioural correlates of HIV testing among Australian men who have sex with men. AIDS Behav 2012; 16:13-22.. Já desconhecer a sorologia do parceiro foi mais comum entre os jovens HSH que se testavam pela primeira vez no estudo de MacKellar et al. 2727. MacKellar D, Valleroy L, Secura G, Bartholow B, McFarland W, Shehan D, et al. Repeat HIV testing, risk behaviors, and HIV seroconversion among young men who have sex with men: a call to monitor and improve the practice of prevention. J Acquir Immune Defic Syndr 2002; 29:76-85.. Holt et al. 3232. Holt M, Rawstorne P, Wilkinson J, Worth H, Bittman M, Kippax S. HIV testing, gay community involvement and internet use: social and behavioural correlates of HIV testing among Australian men who have sex with men. AIDS Behav 2012; 16:13-22. mostraram que a expectativa de que parceiros HIV- revelassem sua sorologia antes do sexo foi maior entre os HSH que haviam se testado recentemente e HSH que nunca tinham se testado do que entre aqueles que tinham se testado há mais tempo. Vivendo de acordo com suas expectativas, os homens que haviam se testado recentemente tinham discutido o estado sorológico com parceiros casuais com maior frequência 3232. Holt M, Rawstorne P, Wilkinson J, Worth H, Bittman M, Kippax S. HIV testing, gay community involvement and internet use: social and behavioural correlates of HIV testing among Australian men who have sex with men. AIDS Behav 2012; 16:13-22.. Já os homens nunca testados talvez estivessem contando com a revelação de parceiros já testados, já que eles mesmos não haviam realizado o teste 3232. Holt M, Rawstorne P, Wilkinson J, Worth H, Bittman M, Kippax S. HIV testing, gay community involvement and internet use: social and behavioural correlates of HIV testing among Australian men who have sex with men. AIDS Behav 2012; 16:13-22..
Idade
A idade frequentemente esteve associada à repetição do teste ou à sua regularidade. Porém, o efeito da idade sobre a inclusão do teste às estratégias para lidar com o HIV não é homogênea e depende dos contextos em que as análises foram realizadas. Alguns trabalhos mostraram que os mais jovens procuravam o teste mais frequentemente do que os mais velhos 2525. Kalichman S, Schaper P, Belcher L, Abush-Kirsh T, Cherry C, Williams E, et al. It's like a regular part of gay life: repeat HIV antibody testing among gay and bisexual men. AIDS Educ Prev 1997; 9 Suppl 3:41-51. ou haviam se testado há menos tempo 3535. Knussen C, Flowers P, McDaid L. Factors associated with recency of HIV testing amongst men residing in Scotland who have sex with men. AIDS Care 2014; 26:297-303.. Na Austrália, em dois momentos diferentes foram observadas associações diversas entre o teste recente e a idade. Em 2002, o teste recente era mais frequente entre os mais jovens 3232. Holt M, Rawstorne P, Wilkinson J, Worth H, Bittman M, Kippax S. HIV testing, gay community involvement and internet use: social and behavioural correlates of HIV testing among Australian men who have sex with men. AIDS Behav 2012; 16:13-22.. Em 2012, os HSH testados recentemente eram mais velhos do que os que haviam realizado o teste há mais tempo que, por sua vez, eram mais velhos do que os nunca testados 3030. Jin F, Prestage G, Law M, Kippax S, van de Ven P, Rawsthorne P, et al. Predictors of recent HIV testing in homosexual men in Australia. HIV Med 2002; 3:271-6..
Outros autores mostraram que a faixa etária dos homens que tinham se testado mais de uma vez era a de 25 a 34 anos 2323. Fernyak S, Page-Shafer K, Kellogg T, McFarland W, Katz M. Risk behaviors and HIV incidence among repeat testers at publicly funded HIV testing sites in San Francisco. J Acquir Immune Defic Syndr 2002; 31:63-70., que coincidia com a faixa etária de maior incidência da epidemia em São Francisco (Estados Unidos). Na Alemanha, essa também foi a faixa etária com a maior realização de teste recente 3737. Marcus U, Gassowski M, Kruspe M, Drewes J. Recency and frequency of HIV testing among men who have sex with men in Germany and socio-demographic factors associated with testing behaviour. BMC Public Health 2015; 15:727..
Escolaridade e local de moradia
Em relação à escolaridade, diferenças foram observadas por Holt et al. 3232. Holt M, Rawstorne P, Wilkinson J, Worth H, Bittman M, Kippax S. HIV testing, gay community involvement and internet use: social and behavioural correlates of HIV testing among Australian men who have sex with men. AIDS Behav 2012; 16:13-22., que mostraram que HSH com maior escolaridade frequentemente tinham se testado há mais de um ano (comparados aos que nunca tinham feito o teste), mas não houve diferença entre eles e os que haviam se testado recentemente.
O local de moradia esteve associado ao teste em alguns estudos 3232. Holt M, Rawstorne P, Wilkinson J, Worth H, Bittman M, Kippax S. HIV testing, gay community involvement and internet use: social and behavioural correlates of HIV testing among Australian men who have sex with men. AIDS Behav 2012; 16:13-22.,3737. Marcus U, Gassowski M, Kruspe M, Drewes J. Recency and frequency of HIV testing among men who have sex with men in Germany and socio-demographic factors associated with testing behaviour. BMC Public Health 2015; 15:727., sendo mais provável que os residentes em capitais e em grandes centros urbanos 3232. Holt M, Rawstorne P, Wilkinson J, Worth H, Bittman M, Kippax S. HIV testing, gay community involvement and internet use: social and behavioural correlates of HIV testing among Australian men who have sex with men. AIDS Behav 2012; 16:13-22.,3737. Marcus U, Gassowski M, Kruspe M, Drewes J. Recency and frequency of HIV testing among men who have sex with men in Germany and socio-demographic factors associated with testing behaviour. BMC Public Health 2015; 15:727. tivessem realizado o teste repetidas vezes. Myers et al. 4545. Myers T, Godin G, Lambert J, Calzavara L, Locker D. Sexual risk and hiv-testing behaviour by gay and bisexual men in Canada. AIDS Care 1996; 8:297-309. apontaram que comumente HSH são atraídos para as grandes cidades. Historicamente, grandes centros urbanos proporcionaram um contexto mais favorável tanto ao anonimato quanto à interação social e desenvolvimento de uma cultura homossexual 4646. Weeks J. O corpo e a sexualidade. In: Louro G, organizador. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2ª Ed. Belo Horizonte: Autêntica; 2000. p. 35-82..
A relação entre esses marcadores e a incorporação do teste anti-HIV aos cuidados rotineiros com a saúde deve ser analisada em seu contexto específico, com base em uma leitura que inclua redes de sociabilidade, acesso à informação e serviços de prevenção.
Espaços de socialização e revelação da orientação homossexual
Algumas condições contextuais foram consideradas mais favoráveis à repetição ou regularidade na realização do teste anti-HIV. A socialização na comunidade gay, assumir-se como gay e a exposição da orientação sexual para outras pessoas foram analisadas como fatores que favoreciam a busca pelo teste. É possível que essas diferenças demarquem uma maior socialização em culturas de prevenção que incorporam o teste anti-HIV como estratégia de se prevenir.
O pertencimento à comunidade gay esteve positivamente associado ao teste recente na Austrália em 2002 3030. Jin F, Prestage G, Law M, Kippax S, van de Ven P, Rawsthorne P, et al. Predictors of recent HIV testing in homosexual men in Australia. HIV Med 2002; 3:271-6.. Dez anos depois, essa associação foi novamente observada: ter mais amigos gays esteve associado a ter se testado recentemente (≤ 1 ano) 3232. Holt M, Rawstorne P, Wilkinson J, Worth H, Bittman M, Kippax S. HIV testing, gay community involvement and internet use: social and behavioural correlates of HIV testing among Australian men who have sex with men. AIDS Behav 2012; 16:13-22.. Similarmente ao que foi observado na Austrália, na Alemanha os HSH que visitavam mais frequentemente espaços de sociabilidade HSH tinham maior chance de ter se testado recentemente do que de nunca ter feito o teste ou ter se testado há mais tempo 3737. Marcus U, Gassowski M, Kruspe M, Drewes J. Recency and frequency of HIV testing among men who have sex with men in Germany and socio-demographic factors associated with testing behaviour. BMC Public Health 2015; 15:727..
No que diz respeito à socialização em espaços virtuais, Holt et al. 3232. Holt M, Rawstorne P, Wilkinson J, Worth H, Bittman M, Kippax S. HIV testing, gay community involvement and internet use: social and behavioural correlates of HIV testing among Australian men who have sex with men. AIDS Behav 2012; 16:13-22. mostraram que os HSH nunca testados passavam mais tempo em redes sociais na internet, espaço sugerido pelos autores para a veiculação de campanhas de prevenção 3232. Holt M, Rawstorne P, Wilkinson J, Worth H, Bittman M, Kippax S. HIV testing, gay community involvement and internet use: social and behavioural correlates of HIV testing among Australian men who have sex with men. AIDS Behav 2012; 16:13-22.. Possivelmente, a cultura de uso do teste como estratégia de prevenção não está estabelecida nesse espaço virtual de sociabilidade HSH.
Estar inserido numa comunidade gay, além de favorecer o compartilhamento e experiência de práticas comunitárias de prevenção, pode facilitar o acesso à informação culturalmente adequada sobre prevenção. Os HSH que tinham se testado recentemente não diferiram daqueles que realizaram o teste há mais de um ano, mas estes tinham maior chance de ter procurado informações na comunidade gay ou em organizações para o HIV/AIDS do que os que nunca se testaram 3232. Holt M, Rawstorne P, Wilkinson J, Worth H, Bittman M, Kippax S. HIV testing, gay community involvement and internet use: social and behavioural correlates of HIV testing among Australian men who have sex with men. AIDS Behav 2012; 16:13-22..
Com efeito semelhante à ocupação dos espaços de sociabilidade homossexual, a aceitação da própria orientação sexual parece atuar como um facilitador da incorporação do teste anti-HIV às práticas de prevenção ao HIV. Marcus et al. 3737. Marcus U, Gassowski M, Kruspe M, Drewes J. Recency and frequency of HIV testing among men who have sex with men in Germany and socio-demographic factors associated with testing behaviour. BMC Public Health 2015; 15:727. apontaram que era mais provável que HSH com menores níveis de homofobia internalizada tivessem se testado recentemente do que nunca tivessem se testado. Adicionalmente, MacKellar et al. 3131. MacKellar DA, Valleroy LA, Anderson JE, Behel S, Secura GM, Bingham T, et al. Recent HIV testing among young men who have sex with men: correlates, contexts and HIV seroconversion. Sex Transm Dis 2006; 33:183-92. mostraram que os HSH que tinham revelado sua orientação sexual para outras pessoas tinham maior chance de terem realizado o teste recentemente (comparados aos que nunca realizaram ou o fizeram há mais tempo). No caso de amigos e colegas de trabalho, Marcus et al. 3737. Marcus U, Gassowski M, Kruspe M, Drewes J. Recency and frequency of HIV testing among men who have sex with men in Germany and socio-demographic factors associated with testing behaviour. BMC Public Health 2015; 15:727. apontaram que HSH que se testaram recentemente expuseram mais a sua orientação sexual para colegas de trabalho do que os que nunca fizeram o teste, mas expuseram menos do que os que haviam se testado há mais tempo. Já ter exposto a orientação sexual para um profissional de saúde era mais frequente entre os HSH testados recentemente do que entre os que nunca realizaram o teste e do que entre os testados há mais tempo 3737. Marcus U, Gassowski M, Kruspe M, Drewes J. Recency and frequency of HIV testing among men who have sex with men in Germany and socio-demographic factors associated with testing behaviour. BMC Public Health 2015; 15:727., o que pode ser um marcador importante no acesso a serviços e informação de prevenção adequada à orientação sexual.
Outro elemento relevante à prevenção diz respeito ao uso de drogas nos espaços de sociabilidade HSH. É possível observar associação entre teste anti-HIV recente e uso de drogas ilícitas nos últimos seis meses 3131. MacKellar DA, Valleroy LA, Anderson JE, Behel S, Secura GM, Bingham T, et al. Recent HIV testing among young men who have sex with men: correlates, contexts and HIV seroconversion. Sex Transm Dis 2006; 33:183-92., assim como teste regular e o uso de nitritos inaláveis no último ano 3838. Katz D, Swanson F, Stekler J. Why do men who have sex with men test for HIV infection? Results from a community-based testing program in Seattle. Sex Transm Dis 2013; 40:724-8..
Conhecer pessoas com HIV e simbolismos da AIDS
Ainda com relação ao contexto que favorece a procura pelo teste entre HSH, podemos destacar a associação entre conhecer pessoas soropositivas e repetição do teste 2525. Kalichman S, Schaper P, Belcher L, Abush-Kirsh T, Cherry C, Williams E, et al. It's like a regular part of gay life: repeat HIV antibody testing among gay and bisexual men. AIDS Educ Prev 1997; 9 Suppl 3:41-51.,2626. Leaity S, Sherr L, Wells H, Evans A, Miller R, Johnson M, et al. Repeat HIV testing: high-risk behaviour or risk reduction strategy? AIDS 2000; 14:547-52.. Em alguns desses trabalhos, é sugerido que a repetição do teste pode ser estimulada por experiências com conhecidos soropositivos, como experiências da doença e de morte.
Atitudes e normas mais favoráveis em relação ao HIV/AIDS e ao teste anti-HIV também contribuíam para compor um contexto mais favorável ao uso frequente do teste. Quando comparados aos HSH nunca testados, aqueles que fizeram o teste no último ano tinham menos atitudes negativas em relação ao sexo com soropositivos 3333. Flowers P, Knussen C, Li J, McDaid L. Has testing been normalized? An analysis of changes in barriers to HIV testing among men who have sex with men between 2000 and 2010 in Scotland, UK. HIV Med 2013; 14:92-8. e estavam menos propensos a estigmatizá-los 3737. Marcus U, Gassowski M, Kruspe M, Drewes J. Recency and frequency of HIV testing among men who have sex with men in Germany and socio-demographic factors associated with testing behaviour. BMC Public Health 2015; 15:727.. Entre os HSH que se testaram recentemente (≤ 1 ano) foi menos frequente relatar medo do resultado do teste do que entre os HSH que nunca testaram 3333. Flowers P, Knussen C, Li J, McDaid L. Has testing been normalized? An analysis of changes in barriers to HIV testing among men who have sex with men between 2000 and 2010 in Scotland, UK. HIV Med 2013; 14:92-8.,3535. Knussen C, Flowers P, McDaid L. Factors associated with recency of HIV testing amongst men residing in Scotland who have sex with men. AIDS Care 2014; 26:297-303. e HSH que se testaram há mais tempo 3535. Knussen C, Flowers P, McDaid L. Factors associated with recency of HIV testing amongst men residing in Scotland who have sex with men. AIDS Care 2014; 26:297-303.. Já os HSH que tinham realizado o teste há mais de um ano não diferiram daqueles que nunca se testaram em relação ao medo do resultado 3535. Knussen C, Flowers P, McDaid L. Factors associated with recency of HIV testing amongst men residing in Scotland who have sex with men. AIDS Care 2014; 26:297-303..
Percepção e conhecimento sobre o teste
Normas sociais favoráveis à realização do teste anti-HIV, comunicação sobre o teste, percepção de benefícios em obter cuidados médicos no caso de uma possível infecção estavam associadas à repetição do teste no estudo de Phillips et al. 2424. Phillips K, Paul J, Kegeles S, Stall R, Hoff C, Coates T. Predictors of repeat HIV testing among gay and bisexual men. AIDS 1995; 9:769-75.. Mais recentemente, Knussen et al. 3535. Knussen C, Flowers P, McDaid L. Factors associated with recency of HIV testing amongst men residing in Scotland who have sex with men. AIDS Care 2014; 26:297-303. também observam essa associação: HSH testados no último ano percebiam mais frequentemente o teste anti-HIV entre gays como uma norma (“quase todos os meus amigos gays se testaram”) do que HSH testados há mais tempo ou nunca testados. Não foi observada diferença entre HSH que fizeram o teste há mais de um ano e os nunca testados 3535. Knussen C, Flowers P, McDaid L. Factors associated with recency of HIV testing amongst men residing in Scotland who have sex with men. AIDS Care 2014; 26:297-303.. Flowers et al. 3333. Flowers P, Knussen C, Li J, McDaid L. Has testing been normalized? An analysis of changes in barriers to HIV testing among men who have sex with men between 2000 and 2010 in Scotland, UK. HIV Med 2013; 14:92-8. mostraram que perceber o teste como benéfico estava associado a ter se testado recentemente (comparado a nunca ter feito o teste). Nessa linha, um dos trabalhos apontou que saber da existência da TARV também estava associado ao teste recente 3131. MacKellar DA, Valleroy LA, Anderson JE, Behel S, Secura GM, Bingham T, et al. Recent HIV testing among young men who have sex with men: correlates, contexts and HIV seroconversion. Sex Transm Dis 2006; 33:183-92.. Lorenc et al. 4343. Lorenc T, Marrero-Guillamón I, Llewellyn A, Aggleton P, Cooper C, Lehmann A, et al. HIV testing among men who have sex with men (MSM): systematic review of qualitative evidence. Health Educ Res 2011; 26:834-46. apontaram que na presença de normas sociais mais negativas em relação ao HIV pode ser mais fácil lidar com a incerteza do que com um eventual resultado positivo para o teste. Não saber a própria sorologia é como se a pessoa continuasse no mesmo nível em que todas as pessoas não testadas, ao passo que se testar obrigaria a assumir posições e fazer mudanças 4343. Lorenc T, Marrero-Guillamón I, Llewellyn A, Aggleton P, Cooper C, Lehmann A, et al. HIV testing among men who have sex with men (MSM): systematic review of qualitative evidence. Health Educ Res 2011; 26:834-46..
Considerações finais
Nos estudos analisados, os critérios usados para classificar a frequência da testagem na literatura pesquisada são o número de testes ou tempo decorrido desde o último teste, à exceção de dois deles 2525. Kalichman S, Schaper P, Belcher L, Abush-Kirsh T, Cherry C, Williams E, et al. It's like a regular part of gay life: repeat HIV antibody testing among gay and bisexual men. AIDS Educ Prev 1997; 9 Suppl 3:41-51.,3838. Katz D, Swanson F, Stekler J. Why do men who have sex with men test for HIV infection? Results from a community-based testing program in Seattle. Sex Transm Dis 2013; 40:724-8. em que esta categorização é feita com base na percepção que os próprios entrevistados tinham de sua relação com o teste anti-HIV. No campo semântico, vemos que a “repetição” do teste, característica da literatura dos anos 1990, parece representar a “quantidade” de testes e estar vinculada a comportamentos interpretados predominantemente no plano individual. Por outro lado, o “teste de rotina” parece enfatizar a incorporação de uma medida de cuidado com a saúde no cotidiano do indivíduo e, neste sentido, os marcadores sociais que influenciam o comportamento individual permitem compreender de forma mais abrangente os diferentes contextos da testagem de homens que fazem sexo com homens.
Assim, é fundamental integrar o conhecimento epidemiológico a outras abordagens como, por exemplo, qualitativas, de modo a considerar também a perspectiva dos homens sobre o uso rotineiro do teste anti-HIV. Para que a resposta programática seja adequada e efetiva, é fundamental compreender melhor as motivações e os contextos daqueles que adotaram o teste como rotina.
Nos planos social e cultural, vemos que os aspectos individuais associados à repetição do teste ou ao teste recente estão inscritos em um contexto marcado, sobretudo, por normas favoráveis ao teste e de menor estigmatização em relação a pessoas vivendo com HIV/AIDS. É possível que esse contexto tenha sido construído em espaços de sociabilidade homossexual em que os indivíduos encontram aceitação e apoio para expor sua orientação sexual. Dessa forma, a intersecção entre esses diferentes marcadores sociais permite vislumbrar, por exemplo, trajetórias de busca pelo teste como rotina de cuidado na qual HSH foram gradativamente se emancipando como sujeitos de direito à saúde, ao lidar com processos de estigmatização e discriminação que recaem sobre esse segmento e que construíram substancialmente a resposta social da epidemia de AIDS. É também possível considerar que as diferenças geracionais constituam um importante elemento na incorporação do teste como rotina. Essas diferenças não são homogêneas, e devem ser cuidadosamente contextualizadas para que se possa compreender como interferem na incorporação do teste anti-HIV na vida dos HSH mais jovens ou mais velhos.
Como uma expressão do direito à saúde, as informações sobre o teste anti-HIV devem ser amplamente disseminadas, assim como o seu acesso deve estar livre de obstáculos de ordem financeira, geográfica ou discriminatória 4747. Gruskin S, Mills EJ, Tarantola D. History, principles, and practice of health and human rights. Lancet 2007; 370:449-55.. Do ponto de vista de uma prevenção que inclui as pessoas como agentes em sua vida cotidiana, como sujeitos de direito à saúde 4848. Paiva VSF. Analisando cenas e sexualidades: a promoção da saúde na perspectiva dos direitos humanos. In: Cáceres CF, Pecheny M, Frasca T, Careaga G, editores. Sexualidad, estigma y derechos humanos: desafios para el acceso a la salud en America Latina. Lima: Universidad Peruana Cayetano Heredia; 2006. p. 23-51., é fundamental que o teste por busca espontânea seja incorporado ao dia a dia das pessoas potencialmente expostas ao HIV, da forma que melhor se adequar aos seus desejos e necessidades de cuidado. Para tanto, faz-se necessário considerar que a categoria epidemiológica “homens que fazem sexo com homens” sempre abrange uma diversidade de contextos, identidades e práticas que resultam em usos e estratégias específicos do teste como prevenção para cada pessoa e em cada território.
Igualmente importante é qualificar e ampliar a oferta do teste anti-HIV entre HSH como parte da rotina de outros cuidados em saúde, conforme recomendado pela OMS desde 2007 4949. World Health Organization. Guidance on provider-initiated HIV testing and counselling in health facilities. Geneva: World Health Organization; 2007.. Embora a testagem por solicitação tenha promovido um expressivo aumento da cobertura do teste entre mulheres na atenção pré-natal em diversos países 5050. Hensen B, Baggaley R, Wong V, Grabbe K, Shaffer N, Lo Y, et al. Universal voluntary HIV testing in antenatal care settings: a review of the contribution of provider-initiated testing & counselling. Trop Med Int Health 2012; 17:59-70., esta testagem é frequentemente associada ao diagnóstico tardio para o HIV 5151. MacCarthy S, Brignol S, Reddy M, Nunn A, Dourado I. Late presentation to HIV/AIDS care in Brazil among men who self-identify as heterosexual. Rev Saúde Pública 2016; 50:54.. Dessa forma, superar barreiras organizacionais nos serviços de modo a, por exemplo, priorizar o atendimento a pessoas com maior vulnerabilidade à infecção por HIV, organizar a testagem no fluxo de muitos atendimentos realizados, assim como capacitar profissionais para que não tenham constrangimento em abordar perguntas sobre práticas sexuais com usuários 5252. Joore I, van Roosmalen S, van Bergen J, van Dijk N. General practitioners' barriers and facilitators towards new provider-initiated HIV testing strategies: a qualitative study. Int J STD AIDS 2017; 28:459-66., constituem tarefas centrais a uma testagem mais ativa no cotidiano dos serviços.
Destacamos também a resposta tardia da saúde pública em relação à resposta comunitária. Muito antes da recomendação programática da testagem de rotina para HSH, em meados da década de 1990 homens gays já utilizavam recorrentemente o teste anti-HIV como uma estratégia de enfrentamento da epidemia 66. Kippax S, Race K. Sustaining safe practice: twenty years on. Soc Sci Med 2003; 57:1-12.. Como vimos, esse uso do teste nem sempre foi compreendido dessa forma por profissionais de saúde, gestores e pesquisadores, mas sim como uma possível falha dos programas de aconselhamento, falta de conhecimento ou mesmo como uma resistência à incorporação da prática do sexo seguro. A história do uso rotineiro do teste anti-HIV nos mostra que o diálogo entre programas, profissionais de saúde e as pessoas mais afetadas pela epidemia, que possuem saber acumulado ao gerirem seu risco sexual cotidianamente, é central à construção de respostas com efetivo potencial de enfrentamento à epidemia de HIV e pautadas no respeito aos direitos humanos.
Agradecimentos
À Coordenação de Aperfeiçoamenteo Pessoal de Nível Superior (Capes).
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
18 Maio 2017
Histórico
- Recebido
27 Jan 2016 - Revisado
06 Jan 2017 - Aceito
01 Fev 2017