Integração da atenção básica à rede assistencial: análise de componentes da avaliação externa do PMAQ-AB

Integration of primary care in the healthcare network: analysis of the components in the external evaluation of the PMAQ-AB

Integración de la atención básica en la red asistencial: análisis de componentes de la evaluación externa del PMAQ-AB

Lenir Aparecida Chaves Alzira de Oliveira Jorge Mariangela Leal Cherchiglia Ilka Afonso Reis Marcos Antônio da Cunha Santos Alaneir de Fátima Santos Antônio Thomaz Gonzaga da Matta Machado Eli Iola Gurgel Andrade Sobre os autores

Resumos

Estudo transversal que avalia a integração entre a atenção básica e a rede assistencial do Sistema Único de Saúde (SUS), por meio do Modelo de Resposta Gradual da Teoria de Resposta ao Item. Com base nos dados de 17.202 equipes que participaram do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB), 2012, foram mensurados gradientes de integração para identificar o perfil das equipes por nível de integração. Os resultados demonstram que os itens referentes às ações de apoio matricial - consultas médicas; discussão de caso; ação clínica compartilhada; construção conjunta de projetos terapêuticos; atividade de educação permanente; discussão processo trabalho; intervenções no território e realização de visita com profissionais de atenção básica - melhoram o desempenho das equipes de atenção básica. Dispositivos de comunicação entre as equipes reforçam esse entendimento. Contudo, a frequência em torno de 50% de respostas associadas ao pior cenário para alguns itens do estudo, evidenciou a necessidade de qualificação da integração entre as ações de atenção básica e especializada para a consolidação de uma atenção primária à saúde abrangente.

Palavras-chave:
Atenção Primária à Saúde; Integralidade em Saúde; Assistência Integral à Saúde; Regionalização


This cross-sectional study examined the integration of primary care in the healthcare network of the Brazilian Unified National Health System (SUS), using the Gradual Response Model of Item Response Theory. Based on data from 17,202 teams that participated in the National Program for Access and Quality Improvement in Primary Care (PMAQ-AB, 2012), we measured gradients of integration to identify the teams’ profile by level of integration. The results show that the items pertaining to matrix support measures (medical consultations, case discussions, shared clinical action, joint elaboration of therapeutic projects, permanent educational activities, work process discussions, interventions in the territory, and visits with primary care professionals) improved the performance of primary care teams. Communications devices between teams reinforced this understanding. Still, the approximately 50% of answers associated with the worst scenario for some study items evidenced the need to upgrade the integration between primary care activities and specialized care for the consolidation of comprehensive primary healthcare.

Keywords:
Primary Health Care; Integrality in Health; Comprehensive Health Care; Regional Health Planning


Estudio transversal que evalúa la integración entre la atención básica y la red asistencial del Sistema Único de Salud brasileño, mediante el Modelo de Respuesta Gradual de la Teoría de Respuesta al Ítem. En base a los datos de 17.202 equipos que participaron en el Programa Nacional de Mejora del Acceso y Calidad de la Atención Básica (PMAQ-AB), 2012, se midieron gradientes de integración para identificar el perfil de los equipos por nivel de integración. Los resultados demuestran que los ítems referentes a las acciones de apoyo matricial - consultas médicas; discusión de caso; acción clínica compartida; construcción conjunta de proyectos terapéuticos; actividad de educación permanente; discusión del proceso de trabajo; intervenciones en el territorio y realización de visita con profesionales de atención básica - mejoran el desempeño de los equipos de atención básica. Los dispositivos de comunicación entre los equipos refuerzan este entendimiento. No obstante, la frecuencia en torno a un 50% de respuestas asociadas al peor escenario para algunos ítems del estudio, evidenció la necesidad de cualificación de la integración entre las acciones de atención básica y especializada para la consolidación de una atención primaria a la salud lo más extensa posible.

Palabras-clave:
Atención Primaria de Salud; Integralidad en Salud; Atención Integral de Salud; Regionalización


Introdução

Desde a Declaração de Alma-Ata (1978), a atenção primária à saúde (APS) assumiu função central nos sistemas de saúde, gerando embates entre uma concepção de atenção primária seletiva, com intervenções de baixo custo para as populações pobres, e um sistema de saúde integrado, com atenção primária abrangente 11. Giovanella L, Mendonça MHM. Atenção primária à saúde. In: Giovanella L, Escorel S, Lobato LVC, Noronha JC, Carvalho AI, organizadores. Políticas e sistemas de saúde no Brasil. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2012. p. 493-543..

No Brasil, a APS, designada como atenção básica, foi instituída em uma concepção de atenção à saúde integral 11. Giovanella L, Mendonça MHM. Atenção primária à saúde. In: Giovanella L, Escorel S, Lobato LVC, Noronha JC, Carvalho AI, organizadores. Políticas e sistemas de saúde no Brasil. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2012. p. 493-543. e gradualmente implantada no Sistema Único de Saúde (SUS) desde 1988. Em 1994, foi criado o Programa Saúde da Família (PSF) com foco em populações de risco e, em 1998, adotado o Piso de Atenção Básica (incentivo financeiro per capita para ações primárias de saúde) que impulsionou a expansão do PSF em todo o território nacional. O PSF, em 2006, foi transformado em Estratégia Saúde da Família (ESF) na formulação da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) 22. Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde. Mapeamento e análise dos modelos de atenção primária à saúde nos países da América do Sul: atenção primária à saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde; 2014..

Em 2011, a PNAB 33. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.488, de 11 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diário Oficial da União 2011; 24 out. foi revisada e republicada, reforçando as bases conceituais e teóricas da estratégia, além de definir a ESF como o principal dispositivo de consolidação da atenção básica e destacar as redes de atenção à saúde como referência para a organização de um cuidado integral 22. Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde. Mapeamento e análise dos modelos de atenção primária à saúde nos países da América do Sul: atenção primária à saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde; 2014.. Ainda em 2011, o Decreto nº 7.50844. Presidência da República. Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011. Regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2011; 29 jun. do Ministério da Saúde definiu que o acesso universal e ordenado às ações e serviços de saúde tem início nas portas de entrada do SUS e completa-se em rede regionalizada e hierarquizada. Nessa direção, o Ministério da Saúde instituiu o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica - PMAQ-AB pela Portaria GM/MS nº 1.654 de 19 de julho de 2011 55. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção Básica, Ministério da Saúde. Saúde mais perto de você - acesso e qualidade. Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ): manual instrutivo. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. (Série A, Normas e Manuais Técnicos)..

O PMAQ-AB é uma estratégia que busca estabelecer uma cultura de análise, avaliação e intervenção, dotando as equipes de atenção básica (EqAB) de capacidade institucional para promover mudanças nas práticas dos serviços 66. Pinto HA, Sousa ANA, Ferla AA. O Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica: várias faces de uma política inovadora. Divulg Saúde Debate 2014; 51:43-57. e, assim, ampliar o impacto da atenção básica sobre as condições de saúde da população, estimulando o foco da atenção no usuário, entre outros objetivos 55. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção Básica, Ministério da Saúde. Saúde mais perto de você - acesso e qualidade. Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ): manual instrutivo. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. (Série A, Normas e Manuais Técnicos).. A adesão ao PMAQ-AB adotou como estratégia a indução financeira com repasse de recursos vinculados ao desempenho das EqAB, conforme padrões especificados no programa 77. Lima JG, Giovanella L, Fausto MCR, Bousquat A. Qualidade da atenção básica por tipos de regiões de saúde. Pesquisa Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil. Novos Caminhos, 12. http://www.resbr.net.br/wp-content/uploads/2016/07/NovosCaminho12.pdf (acessado em 20/Jan/2017).
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Sabe-se que a qualidade da atenção básica pode ser avaliada por meio do exame da efetivação dos atributos de uma APS robusta, a saber: primeiro contato, longitudinalidade, integralidade, coordenação, orientação para a comunidade, centralidade na família e competência cultural 77. Lima JG, Giovanella L, Fausto MCR, Bousquat A. Qualidade da atenção básica por tipos de regiões de saúde. Pesquisa Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil. Novos Caminhos, 12. http://www.resbr.net.br/wp-content/uploads/2016/07/NovosCaminho12.pdf (acessado em 20/Jan/2017).
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. No Brasil, o conceito de integralidade destaca-se como um dos princípios do SUS e da atenção básica menos desenvolvido 22. Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde. Mapeamento e análise dos modelos de atenção primária à saúde nos países da América do Sul: atenção primária à saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde; 2014.. Não obstante, é importante considerar a amplitude do seu significado, composto por dimensões relacionadas aos campos: da primazia das ações de promoção e prevenção; garantia de acesso aos três níveis de complexidade assistencial; articulação das ações de promoção, prevenção e recuperação e abordagem integral do indivíduo e famílias 88. Giovanella L, Lobato LVC, Carvalho AI, Conill EM, Cunha EM. Sistemas Municipais de Saúde e a diretriz da integralidade da atenção: critérios para avaliação. Saúde Debate 2002; 26:37-61.. O conceito de integralidade pode também ser invocado como parte de uma imagem-objetivo, formada pela dimensão das práticas dos profissionais de saúde, que questiona a redução do paciente a um corpo com lesões e critica a dicotomia entre as ações de saúde pública e médico-assistenciais. Por último, a integralidade também aponta para a ênfase na configuração de políticas, que recusam a descontextualização dos sujeitos sobre os quais estas políticas incidem 99. Mattos RA. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca de valores que merecem ser defendidos. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. 8ª Ed. Rio de Janeiro: ABRASCO; 2009. p.43-68..

Nesse enquadramento, devido à interdependência dos atores e organizações envolvidas, o conceito de integralidade nos remete ao conceito de integração de serviços, fazendo-se necessário desenvolver mecanismos de coordenação e cooperação entre provedores assistenciais, para uma gestão eficiente dos recursos coletivos 1010. Hartz ZMA, Contandriopoulos A-P. Integralidade da atenção e integração de serviços de saúde: desafios para avaliar a implantação de um "sistema sem muros". Cad Saúde Pública 2004; 20 Suppl 2:S331-36.. Um estudo recente argumenta que a atenção básica não pode estar isolada de uma perspectiva regional que considere as heterogeneidades e articulação dos entes federativos 77. Lima JG, Giovanella L, Fausto MCR, Bousquat A. Qualidade da atenção básica por tipos de regiões de saúde. Pesquisa Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil. Novos Caminhos, 12. http://www.resbr.net.br/wp-content/uploads/2016/07/NovosCaminho12.pdf (acessado em 20/Jan/2017).
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. Nesse caso, a estratégia de apoio matricial propicia o exercício interdisciplinar no alcance do cuidado integral, além de ser compreendida como ferramenta que amplia o acesso e, como arranjo organizacional, é capaz de dar sustentabilidade aos equipamentos da rede, potencializando uma ação integrada e articulada 1111. Campos GWS, Domitti AC. Apoio matricial e equipe de referência: uma metodologia para gestão do trabalho interdisciplinar em saúde. Cad Saúde Pública 2007; 23:399-407.,1212. Fonseca Sobrinho D, Matta Machado ATG, Lima AMLD, Jorge AO, Reis CMR, Abreu DMX, et al. Compreendendo o apoio matricial e o resultado da certificação de qualidade nas áreas de atenção à criança, mulher, diabetes/hipertensão e saúde mental. Saúde Debate 2014; 38 (n esp.):83-93..

Contudo, apesar da crescente produção científica sobre os efeitos da atenção básica, é necessário estar atento às diferentes configurações do cuidado primário 1313. Medina MG, Hartz ZMA. The role of the Family Health Program in the organization of primary care in municipal health systems. Cad Saúde Pública 2009; 25:1153-67. e em que grau consegue ordenar as redes de atenção e coordenar o cuidado 1414. Magalhaes JHM, Pinto HA. Atenção Básica enquanto ordenadora da rede e coordenadora do cuidado: ainda uma utopia? Divulg Saúde Debate 2014; 51:14-29., além de quais instrumentos podem ser utilizados em sua implementação 1515. Boerma WGW. Coordination and integration in European primary care. In: Saltman RB, Rico A, Boerma WGW, organizadores. Primary care in the driver's seat? Organizational reform in European primary care. New York: Open University Press; 2006. p. 3-21., pois os problemas relacionados à garantia de acesso 1616. Giovanella L. Atenção primária à saúde e coordenação dos cuidados na rede assistencial. Divulg Saúde Debate 2014; 51:30-7. ainda são considerados decisivos para o SUS 1717. Santos L, Campos GWS. SUS Brasil: a região de saúde como caminho. Saúde Soc 2015; 24:439-46..

Levando-se em conta que o acesso universal e ordenado às ações e serviços de saúde tem início na atenção básica e completa-se na rede regionalizada e hierarquizada 44. Presidência da República. Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011. Regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2011; 29 jun., as questões introduzidas na avaliação externa do PMAQ-AB permitem examinar a dimensão do sistema de saúde relacionada à garantia de acesso. Pretende-se, neste trabalho, identificar nacionalmente as ações executadas na atenção básica no SUS, que se destacaram em intensificar a integração das equipes à rede assistencial. Assim, o objetivo é avaliar a integração da atenção básica à rede, construindo uma classificação de níveis de integração para as 17.202 EqAB que participaram do primeiro ciclo do PMAQ-AB.

Métodos

Estudo transversal, valendo-se dos dados de base nacional do inquérito de avaliação externa do PMAQ-AB, 2012, realizado pelo Departamento de Atenção Básica, Ministério da Saúde em parceria com instituições de pesquisa e Ensino Superior no país 55. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção Básica, Ministério da Saúde. Saúde mais perto de você - acesso e qualidade. Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ): manual instrutivo. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. (Série A, Normas e Manuais Técnicos).. O questionário de avaliação externa do PMAQ-AB está organizado em três módulos: Módulo I - observação da unidade de saúde; Módulo II - entrevista com o profissional da EqAB e verificação de documentos na unidade básica; e o Módulo III - entrevista na unidade de saúde com o usuário, verificando a percepção e satisfação dele quanto aos serviços de saúde em relação ao seu acesso e utilização 55. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção Básica, Ministério da Saúde. Saúde mais perto de você - acesso e qualidade. Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ): manual instrutivo. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. (Série A, Normas e Manuais Técnicos)..

Para a análise foi utilizada a Teoria de Resposta ao Item (TRI). A TRI é um conjunto de modelos matemáticos usado para estimar os valores de uma variável de interesse, que não pode ser medida diretamente, mas mensurável com base em variáveis secundárias que tenham relação com a variável de interesse 1818. Baker FB. The basics of item response theory. Washington DC: ERIC Clearinghouse on Assessment and Evaluation; 2001.. Uma de suas principais características é que tem foco no item, permitindo analisar o quanto este discrimina (bem ou mal) o traço latente, e observar o quanto o item contém de informação para a medida geral e decidir sobre sua adequação e permanência na escala 1919. Andrade DF, Tavares HR, Valle RC. Teoria de resposta ao item: conceitos e aplicações. São Paulo: Associação Brasileira de Estatística; 2000..

Os modelos da TRI descrevem a relação entre a probabilidade da resposta de um respondente a um dado item em função de seu nível de habilidade. O nível de habilidade pode, teoricamente, assumir qualquer valor real entre -∞ a +∞ 1818. Baker FB. The basics of item response theory. Washington DC: ERIC Clearinghouse on Assessment and Evaluation; 2001.. A curva utilizada nesta descrição é denominada Curva Característica do Item (CCI) que, no caso do Modelo de Resposta Graduada utilizado, tem dois parâmetros: inclinação (a) e posição (b) 2020. Samejima F. Estimation of latent ability using a response patterno f graded socore. Richmond: Psychometric Society; 1969. (Psychometric Monograph, 17)..

No estudo, foi aplicado o Modelo de Resposta Graduada da TRI, em que categorias de respostas de um item são ordenadas de modo a conseguir mais informações das respostas dos indivíduos 2020. Samejima F. Estimation of latent ability using a response patterno f graded socore. Richmond: Psychometric Society; 1969. (Psychometric Monograph, 17).. Ao final, é modelada a probabilidade de uma equipe de atenção básica escolher uma categoria de resposta de um item em função de seu nível de integração à rede assistencial do SUS.

A definição e seleção das variáveis teve como pressuposto a concepção de uma APS abrangente, compreendida como estratégia que integra e organiza todos os aspectos dos serviços de saúde e se orienta pelos atributos: primeiro contato, longitudinalidade, integralidade, coordenação, orientação para a comunidade, centralidade na família e competência cultural 2121. Starfield B. Atenção Primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologias. Brasília: Organização das nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura; 2001..

Outro pressuposto refere-se ao apoio matricial compreendido como metodologia de trabalho complementar, que objetiva assegurar retaguarda assistencial e apoio técnico pedagógico às equipes e profissionais encarregados da atenção a problemas de saúde 1111. Campos GWS, Domitti AC. Apoio matricial e equipe de referência: uma metodologia para gestão do trabalho interdisciplinar em saúde. Cad Saúde Pública 2007; 23:399-407.. O apoio matricial funciona como um novo arranjo para incentivar a inter-relação entre equipes e usuários, quebrando empecilhos organizacionais à comunicação e ampliando o compromisso dos profissionais com a produção de saúde 1212. Fonseca Sobrinho D, Matta Machado ATG, Lima AMLD, Jorge AO, Reis CMR, Abreu DMX, et al. Compreendendo o apoio matricial e o resultado da certificação de qualidade nas áreas de atenção à criança, mulher, diabetes/hipertensão e saúde mental. Saúde Debate 2014; 38 (n esp.):83-93..

Baseando-se nessas considerações, as questões selecionadas para este estudo compõem o Módulo II do questionário de avaliação externa do PMAQ-AB, Brasil, 2012, respondidas por 17.202 EqAB que aderiram voluntariamente ao programa. Essas equipes correspondiam a cerca de 50% do total das equipes cadastradas no país no momento da aplicação do questionário.

Inicialmente, foram selecionadas 43 variáveis consideradas como itens a serem estudados. O software IBM SPSS (IBM Corp., Armonk, Estados Unidos) foi utilizado para categorizar as respostas aos itens e ordená-las em cenários. As respostas “não” e “não se aplica” foram classificadas como pior cenário; as “sim” como melhor cenário; e as “não sabe/não respondeu” como valor faltante. Posteriormente, os 43 itens foram ajustados ao Modelo de Resposta Gradual com o software R (The R Foundation for Statistical Computing, Viena, Áustria; http://www.r-project.org). Os parâmetros de inclinação (a) e de posição (b) foram estimados e, com base neles foram obtidas as CCI e Curva de Informação.

Na CCI, o parâmetro de inclinação descreve o quanto um item pode discriminar os respondentes que possuem habilidade abaixo ou acima do valor do parâmetro de posição (b). O parâmetro de posição indica o nível de habilidade para que uma categoria de resposta seja escolhida por 50% dos respondentes 2020. Samejima F. Estimation of latent ability using a response patterno f graded socore. Richmond: Psychometric Society; 1969. (Psychometric Monograph, 17)..

Para alguns itens, o exame da CCI indicou que a categorização da resposta utilizada não permitia que o item tivesse utilidade para a discriminação das equipes quanto ao seu nível de integração. Nesse caso, foi realizada uma nova categorização com ordenamento ou junção de categorias de respostas. Um novo ajuste ao Modelo de Resposta Gradual foi realizado, sendo analisadas as novas CCI e curvas de informação. Esse processo foi repetido até a obtenção de CCI que evidenciasse a utilidade do item para discriminar as equipes quanto ao seu nível de integração à rede assistencial, em pelos menos uma região da escala de medida. Com esse procedimento foram excluídos 24 itens por não diferenciar os respondentes na escala de níveis de integração ou por apresentarem redundância, após análise da matriz de correlação policórica. O conjunto final de 19 itens utilizados está descrito na Figura 1.

Figura 1
Perguntas do PMAQ-AB, Brasil, 2012, Módulo II - Questionário de Avaliação Externa, apresentadas por subdimensão, com suas respectivas categorias de respostas, após categorização e ordenamento, conforme o Modelo de Resposta Gradual de Samejima *.

A Figura 2 exemplifica a representação gráfica da CCI e Curva de Informação do Item para itens com três e duas categorias de respostas. Para o item “II_12_2_4”, o pior cenário é a resposta 1 = não; o cenário intermediário é o 2 = sim; e o melhor cenário é o 3 = sim. Para o item “II_12_5_1”, o pior cenário é o 1 = não; e o melhor é o 2 = sim. O pico da Curva de Informação do Item permite observar em qual intervalo da escala de habilidade o item fornece mais informação para a medida do nível de integração.

Figura 2
Representação gráfica da Curva Característica do Item (CCI) e da Curva de Informação do Item para os itens: II_12_4 e II_12_5_1.

A CCI também foi utilizada para verificar os itens que têm maior discriminação dos respondentes e em qual região da escala de habilidade esta discriminação acontecia (parâmetro b, que varia de -3 a 3) 1818. Baker FB. The basics of item response theory. Washington DC: ERIC Clearinghouse on Assessment and Evaluation; 2001..

Para identificar os itens com maior poder de discriminação das equipes, foram verificados os valores de (a). Uma vez estimados os parâmetros (a) e (b) de cada item e obtidos os escores de integração de cada equipe (medidos na mesma escala do parâmetro de (b), que podem variar na prática de -3 a 3), as equipes foram classificadas segundo seu escore de integração nas seguintes faixas: baixa (-3, -1); média (-1, 1); e alta (1, 3) integração.

A adequabilidade do modelo utilizado da TRI requer que as suposições de unidimensionalidade e independência local sejam válidas. A primeira suposição requer que o conjunto de itens deve estar medindo um único traço latente; a segunda que, dada uma habilidade, as respostas dos indivíduos em qualquer item sejam independentes 1818. Baker FB. The basics of item response theory. Washington DC: ERIC Clearinghouse on Assessment and Evaluation; 2001..

Para a avaliação da consistência interna do conjunto de itens escolhidos foi calculado o coeficiente alpha de Cronbach e avaliada a correlação de cada item com o escore final de integração, usando-se o coeficiente de Spearman. A matriz de correlação policórica foi utilizada para avaliar a redundância entre os itens. Para a avaliação da suposição de unidimensionalidade foi utilizada a análise de componentes principais.

Para a significação dos escores, elaborou-se um dicionário em que cada categoria de resposta do item era representada por uma palavra ou pequeno texto descritivo que pudesse distingui-la. Em seguida, para os diferentes níveis de habilidade definidos no estudo, foi utilizada a técnica de visualização por meio de nuvem de palavras, o que possibilitou identificar o perfil das equipes por faixas de níveis de integração.

A pesquisa foi aprovada (registro nº 28804/2012) pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais.

Resultados

Os escores das EqAB apresentaram valor mínimo de -2,175 e máximo de 2,412, com mediana igual a 0,085 e média de -0,005. O primeiro e o terceiro quartis foram iguais a -0,502 e 0,589, respectivamente.

No geral, as equipes que escolheram as melhores categorias de respostas dos itens correspondem aos níveis de integração com escores entre 0 e 3. As equipes que escolheram as piores categorias de respostas, correspondentes aos níveis mais inferiores dos cenários, apresentaram escores entre -3 e 0.

A magnitude em que os itens estão correlacionados registrou índice de 0,85 (alpha de Cronbach), indicando que o conjunto de itens utilizados é consistente internamente.

A análise de unidimensionalidade foi considerada válida e o conjunto de itens do estudo media apenas a variável latente proposta no trabalho: o nível de integração das EqAB à rede assistencial do SUS, pois a primeira componente principal explicou 41,6% da variabilidade total presente no conjunto de itens, já a segunda componente explicou apenas 12,1%.

O grau de relacionamento entre as variáveis (correlação policórica) não apresentou valores negativos entre os itens, sendo sua maioria menor do que 0,85. Os itens 17 e 18 (Tabela 1) indicaram um valor de correlação maior do que 0,90, sugerindo que são itens redundantes. Contudo, devido aos valores significativos de inclinação (a), maior do que 0,97, optou-se por sua permanência.

Tabela 1
Distribuição dos itens conforme o Modelo de Resposta Gradual *, o valor de α **, a correlação com a nota final *** e seus respectivos parâmetros # de inclinação (a) e posição (b₁, b₂).

A Tabela 2 apresenta a distribuição de frequência dos níveis de integração (baixa, média e alta) segundo as regiões do Brasil: Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-oeste, que responderam, respectivamente, por 6,1%; 32,3%; 38,2%; 17%; e 6,4% das equipes. Sua análise mostra que a Região Norte apresenta o maior percentual de EqAB na faixa de baixa integração e o menor percentual nas faixas de média e alta integração. Inversamente, a Região Sudeste apresenta o menor percentual de EqAB na faixa de baixa integração e o maior na faixa de alta integração, seguida da Região Sul. A Região Nordeste apresenta o maior percentual de EqAB na média integração.

Tabela 2
Distribuição dos níveis de integração das equipes de saúde do PMAQ-AB, Brasil, 2012, por região.

Na Tabela 2, a distribuição dos itens por cenário variou entre 9,62% e 79,85% para o pior cenário (1 = não) e entre 7,96% e 44,78% para o melhor cenário (3 = sim). Os itens 2, 8, 10, 16, 17, 18 e 19 apresentaram frequência associada ao pior cenário (1 = não) acima de 50%, indicando a necessidade de investimento na atenção básica em relação aos mesmos. A correlação dos itens 6, 7, 8, 9, 11 e 12 com a nota final foi maior do que (0,60). Já para os itens 1, 4, 5, 10, 17 e 18 a correlação foi maior do que (0,40), porém, menor do que (0,60). Destaca-se que os itens 1, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 registram valores de (a maiores do que 1), indicando que os mesmos são úteis para discriminar as equipes em relação aos demais itens. Por outro lado, o baixo valor de inclinação (a) e os valores baixo e alto, respectivamente, de (b₁ e b₂) para o item 13 indicam que o mesmo não discrimina as equipes, pois tanto equipes no nível de baixa integração quanto como equipes nos níveis de média e alta integração têm a mesma probabilidade de escolher a melhor categoria de resposta neste item. Além disso, é um item com valores baixos para o parâmetro de localização (b) e para a correlação com a nota final. No item 4, a discriminação entre os respondentes é alta e os valores de (b₁; b₂) indicam que as equipes com integração à rede até o nível -1,798 têm maior probabilidade de escolher a pior categoria de resposta. As equipes localizadas entre os níveis -1,798 e 0,263 têm maior probabilidade de escolher a categoria de resposta intermediária, e as equipes localizadas acima do nível 0,263 apresentam maior probabilidade de escolher a melhor categoria de resposta. Nesse item, os valores de (b) revelam que o mesmo discrimina melhor as equipes nas regiões próximas de (b₁) e próximas de (b₂).

Segundo os valores do parâmetro de (b), o item 10 tem melhor desempenho no nível de alta integração; os itens 1, 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 14, 16, 18 e 19 na média integração; e os itens 3, 15 e 17 na região da escala de média e alta integração. A Curva de Informação do Item é fortemente influenciada pelo parâmetro de inclinação (a) e, em todos os itens, o pico desta curva variou ao longo do continuum do traço latente, classificando as equipes em diferentes regiões da escala de medida (Tabela 1).

A interpretação do escore das equipes, por meio da técnica de visualização da nuvem de palavras, propiciou distinguir a frequência das categorias de respostas dos itens em diferentes níveis de integração (Tabela 3).

Tabela 3
Distribuição das categorias de respostas dos itens mais frequentes plotados pela técnica de visualização da nuvem de palavras para o nível de baixa, média e alta integração, respectivamente.

No nível de baixa integração, verificou-se alta frequência de categorias de respostas “não” para a grande maioria dos itens, e baixa frequência de categorias de respostas “sim” para itens relacionados à comunicação (Tabela 3).

No nível de média integração, observamos aumento da frequência de categorias de respostas “sim” com diminuição das categorias “não”, e presença de categorias de respostas não evidenciadas na baixa integração. Itens como: “canal de comunicação na atenção básica”, “existe lista de comunicação com especialista na atenção básica”, “recebe apoio do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS)”, “qual o fluxo institucional de comunicação?”, e “recebe apoio do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF)”, ainda registram significativa frequência de categorias de resposta “não” (Tabela 3).

No nível de alta integração, identificamos frequência maior de categorias de respostas “sim”, destacando-se as referentes ao apoio matricial seguidas das relacionados à comunicação (Tabela 3).

Em todos os níveis de integração (baixa, média e alta) verifica-se uma frequência acima de 60% para a categoria de resposta: “possui de 1 a 2 centrais de marcação” do item 13: “quais centrais de marcação disponíveis?”, especificada na Tabela 1. Destaca-se ainda a contraposição entre as categorias de respostas “não” na baixa integração e “sim” na alta integração, para as ações de apoio matricial apresentadas na Tabela 3.

Discussão

O estudo estimou níveis de habilidade para classificar as 17.202 EqAB que participaram do PMAQ-AB, 2012, quanto à sua integração à rede assistencial do SUS. Foi possível verificar os itens que apresentavam maior ou menor potencial para o desempenho das equipes na relação em rede. Em sistemas de saúde, o conhecimento desses condicionantes é essencial ao processo de planejamento para aperfeiçoar as estratégias de atuação dos entes federativos no desenvolvimento da atenção básica.

Dos 19 itens utilizados, 12 apresentaram ótima discriminação porque carregavam maior quantidade de informação sobre a integração das EqAB à rede. Desses, os referentes ao apoio matricial destacaram-se em diferenciá-las, sugerindo que as equipes que receberam apoio matricial têm melhor desempenho. Os resultados apresentados evidenciaram a importância do apoio matricial na qualificação da atenção básica e corroboram com estudos que apontam que o apoiador matricial agrega recursos de saber e potencializa a capacidade resolutiva das equipes 2222. Fausto MCR, Giovanella L, Mendonça MHM, Seidl H, Gagno J. A posição da Estratégia Saúde da Família na rede de atenção à saúde na perspectiva das equipes e usuários participantes do PMAQ-AB. Saúde Debate 2014; 38 (n esp.):9-12.. Para Campos & Domitti 1111. Campos GWS, Domitti AC. Apoio matricial e equipe de referência: uma metodologia para gestão do trabalho interdisciplinar em saúde. Cad Saúde Pública 2007; 23:399-407. é premente ultrapassar as limitações de sistemas hierarquizados que se restringem à transferência de responsabilidade entre um profissional que está na atenção básica e um especialista, e construir um funcionamento dialógico e integrado das equipes de saúde que discutem e atuam coletivamente em casos clínicos, sanitários ou de gestão.

Observando-se as categorias de respostas dos itens mais frequentes nos diferentes níveis de integração, foi possível verificar que a escolha do “sim” no item: “discussão de processo trabalho” exige alto nível de integração. Esse resultado pode estar relacionado à dificuldade de compreensão da pergunta no questionário de avaliação externa do PMAQ-AB, uma vez que sua redação solicita informação sobre o processo de trabalho da equipe e do apoio matricial. Outra observação refere-se à baixa correlação do item com a nota final, menor do que 0.50, não acompanhando o valor das demais de apoio matricial. Para Almeida et al. 2323. Almeida PF, Gérvas J, Freire JM, Giovanella L. Estratégias de integração entre atenção primária à saúde e atenção especializada: paralelos entre Brasil e Espanha. Saúde Debate 2013; 37:400-15., a organização de fluxos de atendimento, que passam por processos de discussão e revisão locais com a participação de profissionais, gestores e entidades representativas, funciona como estratégia de capacitação e interlocução entre profissionais da atenção básica e outros níveis de complexidade, e potencializa a sua resolutividade.

Os itens “recebe apoio do NASF”, “recebe apoio do CAPS”, “construção conjunta de projetos terapêuticos”, “atividades de educação permanente”, “organizam intervenções no território”, “frequência contato especialista com atenção básica”, “qual o fluxo institucional de comunicação?”, “canal de comunicação na atenção básica” e “existe lista de contato com especialista na atenção básica”, apesar de terem seu melhor desempenho no nível de média integração, demonstram a necessidade de investimento para o fortalecimento da atenção básica, tendo em vista a frequência em torno de 50% das respostas associadas ao pior cenário para os mesmos. Escorel et al. 2424. Escorel S, Giovanella L, Mendonça MHM, Senna MCM. O Programa de Saúde da Família e a construção de um novo modelo para a atenção básica no Brasil. Rev Panam Salud Pública 2007; 21:164-76. aborda que, a despeito de alguma forma de regulação referenciar o paciente atendido na atenção básica, a integração da ESF à rede assistencial evidencia dificuldade em garantir atenção secundária especializada, pois os mecanismos de integração existentes não são suficientes para assegurar um sistema de referência em pleno funcionamento.

Esses resultados reforçam evidências de que, apesar de a atenção básica já ser considerada a principal porta de entrada do sistema, ainda precisa ser organizada para tornar-se ordenadora no acesso à rede. Também a atenção especializada carece ser qualificada no que se refere ao modelo de cuidado em rede, avançando na ampliação e otimização da oferta, implantando dispositivos de regionalização; estabilizando equipe de referência e apoio matricial; estimulando a integração na gestão de fluxos com a atenção básica; comunicação; informação e regulação compartilhada 1414. Magalhaes JHM, Pinto HA. Atenção Básica enquanto ordenadora da rede e coordenadora do cuidado: ainda uma utopia? Divulg Saúde Debate 2014; 51:14-29..

Ainda para os itens: “qual o fluxo institucional de comunicação?”; “canal de comunicação na atenção básica”; e “existe lista de contato com especialista na atenção básica?” observou-se uma frequência de “não”, na média integração, em contraposição a uma frequência de “sim” na alta integração. Giovanella 1616. Giovanella L. Atenção primária à saúde e coordenação dos cuidados na rede assistencial. Divulg Saúde Debate 2014; 51:30-7. alerta para a insuficiência de mecanismos de diálogo e comunicação entre os profissionais da atenção básica e os demais níveis de complexidade.

Os resultados também permitem a análise do desempenho das EqAB por regiões no Brasil. As regiões Sudeste e Sul apresentaram, respectivamente, os maiores percentuais de EqAB no nível de alta integração. Esses resultados corroboram com a avaliação de Fonseca Sobrinho et al. 1212. Fonseca Sobrinho D, Matta Machado ATG, Lima AMLD, Jorge AO, Reis CMR, Abreu DMX, et al. Compreendendo o apoio matricial e o resultado da certificação de qualidade nas áreas de atenção à criança, mulher, diabetes/hipertensão e saúde mental. Saúde Debate 2014; 38 (n esp.):83-93., na qual as regiões mais desenvolvidas economicamente, Sudeste e Sul, registravam os mais altos níveis de apoio matricial.

Para Silva Junior 2525. Silva Junior AGS, Alves MGM, Costa MGL, Lima RHP. Regionalização, integralidade e produção do cuidado no contexto da Estratégia Saúde da Família: pontos para o debate. In: Almeida PF, Santos AM, Souza MKB, organizadores. Atenção Primária à Saúde na coordenação do cuidado em Regiões de Saúde. Salvador: Edufba; 2015. p. 65-88., a adoção do NASF como forma de fornecer atenção especializada multiprofissional demonstrou ter potência quando se articula com a atenção básica em regime de apoio matricial. Essa evidência corrobora com o nosso estudo quando observamos que 94% das EqAB com escore no nível de baixa integração responderam que “não recebe apoio do NASF”, já 61% na média e 88% na alta integração responderam que “recebe apoio do NASF”. Ou seja, o NASF, como apoiador matricial, é capaz de potencializar a integração das EqAB à rede. Contudo, informações disponibilizadas pelo portal do Departamento de Atenção Básica, Ministério da Saúde 2626. Ministério da Saúde. Nota Técnica do Departamento de Atenção Básica. http://dab2.saude.gov.br/sistemas/notatecnica/frmListaMunic.php (acessado em 20/Abr/2014).
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indicam que a implantação do NASF (modalidade NASF1/NASF2 e NASF3) soma hoje 4.406 equipes em todo o país. Nesse contexto e tendo em vista que o objetivo do NASF 33. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.488, de 11 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diário Oficial da União 2011; 24 out. é ampliar a abrangência e o escopo das ações de atenção básica, com resolubilidade, é possível dimensionar o grande desafio para a qualificação da atenção básica no país. Para Oliveira & Campos 2727. Oliveira MM, Campos GWS. Apoio matricial e institucional: analisando suas construções. Ciênc Saúde Coletiva 2015; 20:229-38., a troca de conhecimentos de forma interativa amplia a organização de projetos terapêuticos, propicia abordagem clínica ampliada e favorece a integração dialógica entre especialidades ou profissionais de saúde. Países como Reino Unido, Irlanda, Austrália, Canadá e Espanha utilizam a troca de conhecimentos e atendimento compartilhado entre profissionais atenção básica e especialistas como forma de qualificar o cuidado.

Esse entendimento é reforçado quando verificamos que o item “quais centrais de marcação disponíveis?” não discriminam as equipes quanto à sua integração à rede. Nesse item, o estudo indicou uma frequência de “sim” acima de 60% para a sua categoria de resposta “possui de 1 a 2 centrais de marcação” em todos os níveis de integração (baixa, média e alta). Santos & Giovanella 2828. Santos AM, Giovanella L. Gestão do cuidado integral: estudo de casos em região de saúde da Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública 2016; 32:e00172214. verificaram que centrais de regulação e marcação de consultas em âmbitos regional e local operavam restringindo a oferta aos tetos pré-acordados. Para Lima et al. 77. Lima JG, Giovanella L, Fausto MCR, Bousquat A. Qualidade da atenção básica por tipos de regiões de saúde. Pesquisa Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil. Novos Caminhos, 12. http://www.resbr.net.br/wp-content/uploads/2016/07/NovosCaminho12.pdf (acessado em 20/Jan/2017).
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, a existência de centrais de marcação e a forma de marcação das consultas especializadas (no mesmo dia da consulta na atenção básica ou posteriormente) parecem facilitar o acesso às consultas/exames especializados. Campos & Domitti 1111. Campos GWS, Domitti AC. Apoio matricial e equipe de referência: uma metodologia para gestão do trabalho interdisciplinar em saúde. Cad Saúde Pública 2007; 23:399-407. acrescentam que, em metodologia de apoio matricial, as centrais de regulação assumem a função na urgência e no zelo pelas normas e protocolos acordados. Desse ponto de vista, a decisão de acesso deve ser tomada de forma interativa entre o especialista e o profissional de referência e apoiador matricial.

Ainda, os itens “recebe apoio do CAPS?”, “recebe apoio especialistas rede de atenção à saúde?”, “tem fluxos básicos e não básicos?”, “frequência contato atenção básica com especialista”, “frequência contato especialista com atenção básica” e “existe lista de contato com especialista na atenção básica?”, apresentam baixos valores de discriminação em relação aos demais. Alguns autores consideram a implementação de dispositivos como: planejamento; integração; regulação; financiamento e mecanismos de pactuação intergestores para subsidiar as equipes no ordenamento da rede 77. Lima JG, Giovanella L, Fausto MCR, Bousquat A. Qualidade da atenção básica por tipos de regiões de saúde. Pesquisa Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil. Novos Caminhos, 12. http://www.resbr.net.br/wp-content/uploads/2016/07/NovosCaminho12.pdf (acessado em 20/Jan/2017).
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,1414. Magalhaes JHM, Pinto HA. Atenção Básica enquanto ordenadora da rede e coordenadora do cuidado: ainda uma utopia? Divulg Saúde Debate 2014; 51:14-29., ao mesmo tempo em que estimulam uma cultura de colaboração entre os níveis assistenciais 2525. Silva Junior AGS, Alves MGM, Costa MGL, Lima RHP. Regionalização, integralidade e produção do cuidado no contexto da Estratégia Saúde da Família: pontos para o debate. In: Almeida PF, Santos AM, Souza MKB, organizadores. Atenção Primária à Saúde na coordenação do cuidado em Regiões de Saúde. Salvador: Edufba; 2015. p. 65-88..

Contudo, Santos & Campos 1717. Santos L, Campos GWS. SUS Brasil: a região de saúde como caminho. Saúde Soc 2015; 24:439-46. destacam o desafio de integrar níveis de complexidade assistenciais, quando se considera a fragmentação desencadeada pela descentralização no sistema de saúde. Aqui, uma questão é colocada como central: como articular as individualidades municipais de forma a gerar uma unidade regional equitativa?

Nessa perspectiva, em um contexto de aprimoramento do desenho do SUS, torna-se fundamental aprofundar o debate sobre a regionalização como política prioritária que discuta o arranjo político e institucional do sistema de saúde 1616. Giovanella L. Atenção primária à saúde e coordenação dos cuidados na rede assistencial. Divulg Saúde Debate 2014; 51:30-7.. Um estudo recente apresentou uma tipologia das regiões de saúde com o objetivo de auxiliar na investigação e melhorar o entendimento da organização de sistema de saúde regional 2929. Viana ALD, Bousquat A, Pereira APCM, Uchimura LYT, Albuquerque MV, Mota PHS, et al. Tipologia das regiões de saúde: condicionantes estruturais para a regionalização no Brasil. Saúde Soc 2015; 24:413-22.. Lima et al. 77. Lima JG, Giovanella L, Fausto MCR, Bousquat A. Qualidade da atenção básica por tipos de regiões de saúde. Pesquisa Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil. Novos Caminhos, 12. http://www.resbr.net.br/wp-content/uploads/2016/07/NovosCaminho12.pdf (acessado em 20/Jan/2017).
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consideram que as especificidades regionais são essenciais para que atenção básica, de fato, exerça a sua função de ordenadora da rede.

Em relação à forma de ilustração dos resultados em nuvem de palavras, os itens “recebe apoio especialista rede de atenção à saúde?” e “tem fluxos básicos e não básicos?” apresentaram baixa frequência e não foram representados. Tais resultados sugerem dificuldade de compreensão da informação solicitada no questionário de avaliação externa do PMAQ-AB, indicando a necessidade de repensar os conteúdos das afirmações para se avançar na avaliação dos resultados da PNAB no país.

O modelo usado para análise permitiu conhecer importantes traços das práticas das EqAB. Porém, existem implicações relacionadas à discussão de uma rede de atenção à saúde integrada que ultrapassam os aspectos abordados no PMAQ-AB e não foram tratados no estudo. Uma questão refere-se às diferentes interpretações do termo “cuidado integrado”, trazendo consequências para a seleção das questões utilizadas. Destacamos que itens com importante conteúdo de análise do tema foram excluídos, pois não discriminavam as equipes quanto ao seu nível de integração à rede ou indicavam alto valor de redundância. Por fim, é importante considerar a necessidade de trabalhos que avaliem a exclusão de itens utilizados e a inclusão de novos no sentido de se configurar um conjunto de padrões de qualidade que, analisado usando-se a TRI, seja mais adequado à estimação do nível de integração das EqAB à rede assistencial no SUS.

É importante ainda considerar que, o limite estabelecido de 50% do total de equipes em cada município para participar do Programa, e a condição de que o repasse financeiro esteja vinculado ao desempenho das equipes de saúde, sugerem cuidados para a generalização dos resultados aqui descritos.

Os resultados deste trabalho permitem afirmar que as ações de apoio matricial avaliadas no PMAQ-AB, Brasil, 2012, melhoraram o desempenho das EqAB, aprimorando capacidades para o trabalho em rede. “Discussão de caso”; “ação clínica compartilhada”; “construção conjunta de projetos terapêuticos”; e “organizam intervenções nos territórios?” incidem sobre a qualificação das práticas das equipes de saúde, dando sustentabilidade para a construção de uma rede de atenção à saúde integral e universal. Contudo, é importante destacar que 42,4% das EqAB responderam que “não recebe apoio NASF”, chamando a atenção para a timidez de investimento neste recurso para a grande maioria dos municípios brasileiros.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Fev 2018

Histórico

  • Recebido
    07 Dez 2015
  • Revisado
    27 Jun 2017
  • Aceito
    05 Jul 2017
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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