Uso de sistemas vegetados e os impactos na promoção da saúde

Uso de sistemas vegetales y los impactos en la promoción de la salud

Renato Castiglia Feitosa Sara Wilkinson Sobre os autores

A mudança da cobertura original do solo pelas habitações e sistemas viários em geral altera os fluxos de calor na superfície terrestre, promovendo um acúmulo de calor superior à dissipação, que resulta em temperaturas urbanas bem superiores às registradas em áreas rurais e arborizadas. A ocorrência de elevadas temperaturas nos centros urbanos possui efeitos diretos e indiretos sobre a saúde humana. De acordo com Vutcovici et al. 11. Vutcovici M, Goldberg MS, Valois MF. Effects of diurnal variations in temperature on non-accidental mortality among the elderly population of Montreal, Quebec, 1984-2007. Int J Biometeorol 2013; 58:843-52., são observadas relações significativas entre o aumento do número de hospitalizações, mortes e doenças e o aumento das temperaturas diárias no meio urbano. Levando, em consideração, a tendência do aumento das temperaturas médias em virtude das mudanças climáticas e o envelhecimento da população, é esperada uma maior ocorrência de tais episódios. Outro ponto a ser destacado diz respeito à crescente demanda pela geração de energia para climatização de habitações em geral. Além de aumentar as temperaturas médias planetárias, contribuindo para o aquecimento global, o uso de fontes não renováveis para geração de energia impacta a saúde também pela degradação da qualidade do ar.

A mitigação dos problemas ambientais ocasionados pelo processo desordenado de urbanização com base em tecnologias e soluções sustentáveis é imprescindível na melhoria da qualidade de vida nas grandes cidades. A preservação de regiões vegetadas e a recomposição de áreas degradadas contribuem na atenuação dos efeitos adversos das ilhas de calor urbano e das descargas pluviais, em função da absorção vegetal e infiltração no solo, e na melhoria do conforto térmico nas habitações. Entretanto, face ao adensamento populacional, a disponibilidade de áreas para recomposição vegetal no meio urbano é escassa.

O emprego de sistemas vegetados em paredes e telhados de habitações novas e existentes constitui uma proposta voltada no sentido de atenuar os problemas decorrentes da urbanização não sustentada. A aplicação desses sistemas possui efeito potencial na mitigação de cheias urbanas, na atenuação de temperaturas no interior de habitações e de ilhas de calor, na melhoria da qualidade ar, na diminuição de ruído, dentre outros benefícios listados nos parágrafos que se seguem.

O papel da vegetação na atenuação de ilhas de calor urbanas: telhados e paredes verdes a possível solução

De acordo com Heisler 22. Heisler GM. Trees and human comfort in urban areas. J For 1974; 72:466-9., a diferenciação entre o microclima urbano e o rural ocorre principalmente pelo fato de o primeiro apresentar temperaturas mais elevadas e umidades relativas mais baixas. Os níveis diferenciais de temperatura são decorrentes das diferenças existentes na ocupação e no uso do solo, visto que, no meio urbano, a radiação solar possui elevado nível de absorção pelos materiais utilizados nas construções em geral. Em superfícies descobertas de vegetação sob incidência direta da radiação solar, o calor absorvido é irradiado, aquecendo o ar e aumentando, substancialmente, a temperatura do meio urbano. O desconforto térmico e as adversidades à saúde humana em tais condições são consideráveis, não só pela ação direta da radiação solar, mas também pela energia radiada pelo solo e demais superfícies expostas à ação da radiação solar. De acordo com Mora et al. 33. Mora C, Bénédicte D, Caldwell LR, Powell FE, Geronimo R, Bielecki CR, et al. Global risk of deadly heat. Nat Clim Chang 2017; 7:501-6., eventos esporádicos de calor intenso com duração de dias a semanas possuem correlação com aumento nas taxas de mortalidade. Considerando as expectativas referentes ao aquecimento global, tal fato impera especial atenção no que diz respeito aos riscos associados à saúde humana, sendo, em geral, a população idosa a mais suscetível às ondas de calor. Na Tailândia, o verão de 2016 foi configurado como o mais quente nos últimos 65 anos. Em um período de dois meses, no qual foram registradas temperaturas superiores a 40ºC na maioria dos dias, foram reportadas 34 mortes constituídas, principalmente, por idosos acima de 65 anos e crianças até 14 anos 44. Chindapol S, Blair J, Osmond P, Prasad D. A suitable thermal stress index for the elderly in summer tropical climates. Procedia Eng 2017; 180:932-43..

Alcazar & Bass 55. Alcazar SS, Bass B. Energy performance of green roofs in a multi storey residential building in Madrid. In: 3rd Conference, Greening Rooftops for Sustainable Communities. Toronto: Green Roofs for Healthy Cities; 2005. p. 1-52. e Castleton 66. Castleton H. Green roofs: building energy savings and the potential for retrofit. Energy Build 2010; 42:1582-91. evidenciaram o papel de superfícies vegetadas na atenuação da transmissão de calor. De acordo Heisler 22. Heisler GM. Trees and human comfort in urban areas. J For 1974; 72:466-9., grande parte da energia solar interceptada pela vegetação é utilizada para sua transpiração e fotossíntese. Uma vez que o calor radiado por uma superfície aquecida pelo sol é proporcional a sua temperatura, o sombreamento do solo pela vegetação impede que esse irradie calor. Considerando que, na maioria das situações, o ambiente urbano não dispõe de áreas suficientes para os processos de replantio de vegetação, uma das únicas alternativas viáveis seria a utilização de telhados, paredes e fachadas existentes para tal fim.

De acordo com Laaidi et al. 77. Laaidi K, Zeghnoun A, Dousset B, Bretin P, Vandentorren S, Giraudet E, et al. The impact of heat islands on mortality in Paris during the August 2003 heat wave. Environ Health Perspect 2012; 120:254-9., o plantio de árvores e o emprego de telhados verdes no meio urbano constituem uma eficiente alternativa na mitigação de ilhas de calor. Tal consideração é reiterada por Osmond & Irger 88. Osmond PW, Irger M. Green roof retrofit and the urban heat island. In: Wilkinson SJ, Dixon T, editors. Green roof retrofit: building urban resilience. Oxford: Willey-Blackwell; 2016. p. 37-61., especialmente para o caso de telhados verdes. O aumento das taxas de evapotranspiração por meio do incremento de áreas vegetadas com base no emprego de paredes e telhados verdes contribui para um resfriamento do meio urbano 88. Osmond PW, Irger M. Green roof retrofit and the urban heat island. In: Wilkinson SJ, Dixon T, editors. Green roof retrofit: building urban resilience. Oxford: Willey-Blackwell; 2016. p. 37-61..

Atenuação da temperatura interna de habitações pelo uso de telhados e paredes verdes

Diferentes estudos têm apontado a eficiência de telhados e paredes verdes na atenuação de temperaturas internas habitacionais 99. Parizotto S, Lamberts R. Investigation of green roof thermal performance in temperate climate: a case study of an experimental building in Florianópolis city Southern Brazil. Energy Build 2011; 43:1712-22.,1010. Wilkinson SJ, Castiglia Feitosa R. Retrofitting housing with lightweight green roof technology in Sydney, Australia, and Rio de Janeiro, Brazil. Sustainability 2015; 7:1081-98.,1111. Wilkinson SJ, Castiglia Feitosa R. Thermal performance in green roof retrofit. In: Wilkinson SJ, Dixon T, editors. Green roof retrofit: building urban resilience. Oxford: Willey-Blackwell; 2016. p. 62-84.,1212. Castiglia Feitosa R, Wilkinson S. Retrofitted green roofs and walls and improvements in thermal comfort. AIP Conf Proc 2017; 1856:020006-1-8..

Wilkinson & Castiglia Feitosa 1010. Wilkinson SJ, Castiglia Feitosa R. Retrofitting housing with lightweight green roof technology in Sydney, Australia, and Rio de Janeiro, Brazil. Sustainability 2015; 7:1081-98. observaram, em protótipos vegetados, temperaturas até 14,8ºC mais baixas do que as registradas em protótipos não vegetados. Adicionalmente, Castiglia Feitosa & Wilkinson 1212. Castiglia Feitosa R, Wilkinson S. Retrofitted green roofs and walls and improvements in thermal comfort. AIP Conf Proc 2017; 1856:020006-1-8. avaliaram a sensação térmica em edificações-protótipo em Sydney, Austrália, com base na caracterização de risco de exposição humana ao calor de acordo com o Serviço Nacional de Meteorologia dos Estados Unidos (NWS - National Weather Service) 1313. National Weather Service. Heat index. https://www.weather.gov/safety/heat-index (acessado em 08/Fev/2018).
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. Esses autores constataram que a adoção de sistemas modulados vegetados, aplicados em telhados e paredes, foi capaz de reduzir o percentual de condições térmicas extremas, com índices de calor superiores a 41ºC, caracterizadas pelas categorias “perigo” e “perigo extremo”, de 11,7% para 0,4%.

O emprego simultâneo de telhados e paredes verdes é capaz de diminuir, substancialmente, a temperatura no interior de habitações em geral. Tal fato não apenas remete à melhoria do conforto térmico, como também promove um aumento substancial das condições de salubridade das habitações.

Melhoria da qualidade do ar, potencial de sequestro de carbono e demais benefícios pelo uso de telhados e paredes verdes

De forma indireta, a atenuação de temperatura em habitações pelo uso de telhados e paredes verdes contribui para uma menor demanda energética, que, por sua vez, reduz os níveis de poluição atmosférica e emissões de gases de efeito estufa para produção de energia. Adicionalmente, telhados verdes removem material particulado e gases poluentes tais como óxidos nitrosos, dióxido de enxofre e monóxido de carbono 1414. U.S. Environmental Protection Agency. Reducing urban heat islands: compendium of strategies. Draft. https://www.epa.gov/heat-islands/heat-island-compendium (acessado em Jan/2018).
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. Getter et al. 1515. Getter KL, Rowe DB, Robertson GP, Cregg BM, Andresen JA. Carbon sequestration potential of extensive green roofs. Environ Sci Technol 2009; 43:7564-70. indicam potencial significativo na captura de carbono por telhados verdes. Entretanto, é importante ressaltar que, apesar desse potencial de captura e armazenamento de carbono, deve ser levado, em consideração, que a limitação do tamanho das plantas e a espessura do substrato empregado nos telhados verdes fazem com que esse potencial seja inferior ao meio urbano florestado 1414. U.S. Environmental Protection Agency. Reducing urban heat islands: compendium of strategies. Draft. https://www.epa.gov/heat-islands/heat-island-compendium (acessado em Jan/2018).
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Outro ponto a ser destacado remete ao papel significativo dos telhados verdes na atenuação de descargas pluviais e na mitigação de inundações no meio urbano, devido ao lento processo da percolação da água de chuva pelos interstícios do solo e sua retenção pelo solo e vegetais. Castiglia Feitosa & Wilkinson 1616. Castiglia Feitosa R, Wilkinson S. Modelling green roof stormwater response for different soil depths. Landsc Urban Plan 2016; 153:170-9. verificaram, considerando uma precipitação acumulada referente a um período de três meses e com base em diferentes espessuras de solo de telhados verdes, uma retenção do total precipitado de até 65%. Além do potencial de retenção e atenuação de descargas pluviais, telhados verdes também atuam como filtros retentores de poluentes carreados pelas águas de chuva. Foi identificado, em diversos estudos realizados na Europa, que os telhados verdes são capazes de reter até 95% de cádmio, cobre e chumbo carreados nas águas de chuva 1414. U.S. Environmental Protection Agency. Reducing urban heat islands: compendium of strategies. Draft. https://www.epa.gov/heat-islands/heat-island-compendium (acessado em Jan/2018).
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Outro ponto a ser ressaltado diz respeito ao bem-estar social relacionado ao aspecto estético, que aproxima o ambiente urbano das condições naturais, e ao aumento da biodiversidade, visto que os sistemas vegetados passam a fornecer habitat e abrigo para pequenos animais.

Incentivos, legislações e viabilização de tecnologia

O emprego de paredes e telhados verdes em larga escala depende de incentivos, legislações e metodologias que promovam sua aplicação em larga escala. Um dos pontos importantes a ser considerado diz respeito ao baixo peso, que não exige reforço estrutural das edificações. Nesse caso, torna-se imperativa a adoção de espessuras de solo de até 10cm.

Desde o final do século XIX, a Alemanha vem aplicando tecnologias de cultivo de telhados verdes. A partir da década de 1990, passou a fornecer robustos incentivos fiscais e financeiros para promover o emprego de tais tecnologias no controle de enchentes e na eficiência energética. O país atualmente possui aproximadamente 15% dos seus telhados cobertos com vegetação.

Nos Estados Unidos, créditos fiscais federais de até US$ 1,80/ft2 (US$ 19,35/m2) estão disponíveis para projetos de construção sustentáveis, que atendam aos padrões da Sociedade Americana de Engenharia (American Society of Heating, Refrigerating, and Air-Conditioning Engineers - ASHRAE) para fins de diminuição de demanda energética para aquecimento e refrigeração 1717. U.S. Government. Public Law 109-58-Aug. 8, 2005. Energy Policy Act of 2005. https://www.ferc.gov/enforcement/enforce-res/EPAct2005.pdf (acessado em 02/Mar/2018).
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. A cidade de Toronto, no Canadá, foi a primeira cidade da América do Norte a exigir a construção de telhados verdes em novos empreendimentos 1818. Scott Torrance Landscape Architect Inc., Bass B, MacIvor S, McGlade T; Toronto City Planning Division. City of Toronto guidelines for biodiverse green roofs. https://web.toronto.ca/wp-content/uploads/2017/08/8d24-City-of-Toronto-Guidelines-for-Biodiverse-Green-Roofs.pdf (acessado em 02/Mar/2018).
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. Por lei, os novos empreendimentos devem incluir telhados verdes entre 20% e 60% da área do telhado.

No Brasil, os incentivos ainda são poucos e incipientes, estando a sua maioria na forma de projetos de lei. Em Recife, Pernambuco, de acordo com a Lei nº 18.112/2015, projetos de edificações habitacionais multifamiliares com mais de quatro pavimentos e não habitacionais com mais de 400m² de área de cobertura deverão prever a implantação de telhados verdes. Em Blumenau (Santa Catarina), a Lei Complementar nº 1.174/2018 reduz de 20% para 10% a área permeável de terrenos caso haja incremento de área equivalente por telhados verdes na edificação.

A disseminação de sistemas vegetados modulares em larga escala pode contribuir na melhoria das condições de salubridade nos grandes centros urbanos por sua capacidade de atenuar a poluição atmosférica, ilhas de calor, descargas pluviais e promover conforto térmico no interior de habitações. A característica modular facilita sua implantação e manutenção por serem removíveis. Sua aplicação não demanda empresas ou mão de obra especializada, uma vez que podem ser constituídos por bandejas comuns. O fato de um sistema poder ser aplicado sem a intermediação comercial promove, de certa forma, uma redução nos custos. Sistemas similares utilizando bandejas com tampa podem ser empregados no caso de revestimento em paredes 1212. Castiglia Feitosa R, Wilkinson S. Retrofitted green roofs and walls and improvements in thermal comfort. AIP Conf Proc 2017; 1856:020006-1-8., também utilizando materiais acessíveis no mercado. Entretanto, é importante ressaltar que a instalação em paredes e fachadas é de maior complexidade, uma vez que serão necessários elementos para sua fixação, tais como guias, andaimes etc.

Referências

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    » https://web.toronto.ca/wp-content/uploads/2017/08/8d24-City-of-Toronto-Guidelines-for-Biodiverse-Green-Roofs.pdf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jul 2018

Histórico

  • Recebido
    08 Jan 2018
  • Revisado
    20 Mar 2018
  • Aceito
    06 Abr 2018
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br