As políticas de saúde no Brasil têm privilegiado as práticas corporais em suas mais diversas ações. De certo modo, isso é fruto da valorização do corpo e do movimento como estratégias de produção de cuidado em saúde face ao hegemônico ideário prescritivo e curativo. Assim, não raro, tem sido cada vez mais frequente acessar produções científicas que busquem investigar o fenômeno das práticas corporais e da saúde por um prisma ampliado, que é o caso do artigo Contribuições e Desafios das Práticas Corporais e Meditativas à Promoção da Saúde na Rede Pública de Atenção Primária do Município de São Paulo, Brasil11. Galvanese ATC, Barros NF, d'Oliveira AFPL. Contribuições e desafios das práticas corporais e meditativas à promoção da saúde na rede pública de atenção primária do Município de São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00122016..
O manuscrito, fruto de tese de doutorado, objetivou compreender como as práticas corporais e meditativas são produzidas, vivenciadas e apropriadas pelos diferentes sujeitos envolvidos no cuidado. Para tanto, desenvolveu um estudo qualitativo em 16 unidades de saúde do Município de São Paulo, Brasil, tendo entrevistado 29 profissionais e 36 participantes.
Com referencial teórico calcado na saúde coletiva e sociologia, os autores discorrem sobre o campo conceitual, histórico, político e pedagógico das práticas corporais e meditativas no campo da saúde, ofertando ao leitor uma sólida contextualização. Nessa esteira, os resultados e a discussão dos dados coletados conduzem a argumentos irrefutáveis sobre a seguinte compreensão: as práticas corporais e meditativas, ao ampliar o seu escopo para além da dimensão orgânico-funcional, permitem a existência de uma prática terapêutica coerente com a Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS), sobretudo no que se refere ao empoderamento, ao holismo e à participação social. Entretanto, também concluem que a existência de dificuldades no campo da intersetorialidade e das ações multiestratégicas exploram pouco o potencial da PNPS, conclusão que também endosso.
Contudo, um dado não explorado pelos autores salta aos olhos: o fato de apenas dois profissionais de Educação Física serem responsáveis por grupos de práticas corporais e meditativas num universo de 41 outros profissionais. Como um profissional com tão íntima formação nas questões ligadas ao corpo e ao movimento pode ter participação inexpressiva na saúde? Ao menos uma reflexão é possível: ao ser oficialmente vinculada com a saúde em 1997, por meio da Portaria nº 218/199722. Ministério da Saúde. Resolução nº 218, de 6 de março de 1997. Reconhecimento de profissionais de saúde de nível superior. Diário Oficial da República Federativa do Brasil 1997; 5 mai., é notório salientar que a Educação Física ainda trilha um caminho de legitimação que outras profissões já superaram. Nesse sentido, a inserção profissional da Educação Física no Sistema Único de Saúde ainda é escassa e de baixa representatividade 33. Candido LO, Rossit RAS, Oliveira RC. Inserção profissional dos egressos de um curso de Educação Física com ênfase na formação em saúde. Trab Educ Saúde 2018; 16:305-18.. Com a Educação Física à margem da discussão e da intervenção na oferta das práticas, a PNPS tem abreviado seu potencial de produção de cuidado. Não por incapacidade das outras profissões, mas pela não presença massiva de profissionais de Educação Física que poderiam ampliar o olhar sobre as práticas corporais e meditativas nesse campo. Isso não significa que há aqui uma defesa de que a simples presença do profissional de Educação Física superaria os limites apontados no estudo de Galvanese et al. 11. Galvanese ATC, Barros NF, d'Oliveira AFPL. Contribuições e desafios das práticas corporais e meditativas à promoção da saúde na rede pública de atenção primária do Município de São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00122016.. Mas, hipoteticamente, as possibilidades intersetoriais poderiam ser mais bem equacionadas, haja vista, por exemplo, que as secretarias de esporte dos municípios, historicamente, têm desenvolvido ações no âmbito do esporte-saúde-qualidade de vida, que, sob outra “pasta/égide” - a do fenômeno esportivo -, possui limitações que não se superam sozinhas.
Em síntese, a produção de cuidado em saúde no campo das práticas corporais e meditativas não pode ser vista só pelas secretarias de saúde, mas por ações intersetoriais que fomentem a “...ampliação das redes de convivência e do acesso a bens culturais...” 11. Galvanese ATC, Barros NF, d'Oliveira AFPL. Contribuições e desafios das práticas corporais e meditativas à promoção da saúde na rede pública de atenção primária do Município de São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00122016. (p. 6). Nesse sentido, a Educação Física como área cara ao tema carece de um duplo movimento: ser chamada ao diálogo e, concomitantemente, requerê-lo. Sem dúvida, haveria uma melhor perspectiva.
- 1Galvanese ATC, Barros NF, d'Oliveira AFPL. Contribuições e desafios das práticas corporais e meditativas à promoção da saúde na rede pública de atenção primária do Município de São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00122016.
- 2Ministério da Saúde. Resolução nº 218, de 6 de março de 1997. Reconhecimento de profissionais de saúde de nível superior. Diário Oficial da República Federativa do Brasil 1997; 5 mai.
- 3Candido LO, Rossit RAS, Oliveira RC. Inserção profissional dos egressos de um curso de Educação Física com ênfase na formação em saúde. Trab Educ Saúde 2018; 16:305-18.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
06 Ago 2018
Histórico
- Recebido
16 Abr 2018 - Aceito
25 Maio 2018