Fatores associados ao nascimento pré-termo: da regressão logística à modelagem com equações estruturais

Factores asociados con el nacimiento prematuro: de la regresión logística al modelo de ecuaciones estructurales

Adelaide Alves de Oliveira Marcia Furquim de Almeida Zilda Pereira da Silva Paula Lisiane de Assunção Ana Maria Rigo Silva Hellen Geremias dos Santos Gizelton Pereira Alencar Sobre os autores

Resumos

O estudo propôs a aplicação da modelagem com equações estruturais (MEE) para estudar variáveis associadas ao nascimento pré-termo com base em um modelo teórico analisado previamente pela regressão logística hierarquizada. Os dados foram provenientes da pesquisa observacional do tipo caso-controle populacional sobre nascidos vivos hospitalares de mães residentes em Londrina, Paraná, Brasil (junho de 2006 a março de 2007). Para a MEE foi considerada a associação de características socioeconômicas e aspectos psicossociais sobre história reprodutiva, trabalho e atividade física, intercorrências durante a gestação e características fetais. Considerou-se, ainda, a relação dessas associações sobre o desfecho nascimento pré-termo mediado pela adequação da assistência pré-natal. Foram utilizados estimadores de mínimos quadrados ajustados pela média e variância (WLSMV), para dados categóricos, e a máxima verossimilhança robusta (MLR), para obter razões de chances. Foram criadas três variáveis latentes: vulnerabilidade socioeconômica, vulnerabilidade familiar e não aceitação da gravidez. O efeito da vulnerabilidade socioeconômica, da família e da não aceitação da gravidez sobre a prematuridade ocorreu de modo indireto por meio da inadequação da assistência pré-natal. A metodologia proposta possibilitou utilizar construtos, verificar o papel de mediação da inadequação da assistência pré-natal e identificar efeitos diretos e indiretos das variáveis sobre o desfecho nascimento pré-termo.

Palavras-chave:
Modelos Estatísticos; Modelos Logísticos; Fatores de Risco; Nascimento Prematuro


Este estudio propuso la aplicación de modelos de ecuaciones estructurales (SEM) para investigar las variables asociadas con el parto prematuro basándose en un modelo teórico previamente analizado mediante regresión logística jerárquica. Los datos provienen de un estudio observacional de casos y controles de base poblacional de nacidos vivos en hospitales de madres que residen en Londrina, estado de Paraná, Brasil (junio de 2006 a marzo de 2007). Para el SEM, el estudio consideró la asociación entre las características socioeconómicas y los aspectos psicosociales relacionados con el historial reproductivo, el trabajo y la actividad física, las complicaciones durante el embarazo y las características fetales. También consideró la relación entre estas asociaciones y el parto prematuro mediado por la adecuación de la atención prenatal. Se utilizó el estimador de los mínimos cuadrados ponderados ajustados por la media y variancia (WLSMV) para datos categóricos y la probabilidad máxima robusta (MLR) para los odds ratios. Se crearon tres variables latentes: vulnerabilidad socioeconómica, vulnerabilidad familiar y embarazo no deseado. El efecto de la vulnerabilidad socioeconómica y familiar y el embarazo no deseado en la prematuridad ocurrió indirectamente por la insuficiencia de la atención prenatal. La metodología propuesta permitió usar constructos, verificar el papel de la mediación por la insuficiencia de la atención prenatal e identificar los efectos directos e indirectos de las variables sobre el resultado “parto prematuro”.

Palabras-clave:
Modelos Estadísticos; Modelos Logísticos; Factores de Riesgo; Nacimiento Prematuro


Introdução

Modelos teóricos para estudar nascimento pré-termo mostram a importância da multiplicidade de variáveis associadas ao nascimento pré-termo. A presença de intercorrências, que incluem a presença de sangramento, pressão alta, eclampsia, alteração do volume do líquido amniótico, infecção do trato genital e diabetes, tem efeito direto sobre a idade gestacional 11. Goldenberg RL, Culhane JF, Iams JD, Romero R. Epidemiology and causes of preterm birth. Lancet 2008; 371:75-84.. Diversos autores apontaram a gestação múltipla como fator de risco para nascimento pré-termo, inclusive com a presença de intercorrências, fato este que pode estar relacionado à ocorrência de rotura prematura de membranas ou outros agravos materno-fetais 11. Goldenberg RL, Culhane JF, Iams JD, Romero R. Epidemiology and causes of preterm birth. Lancet 2008; 371:75-84.,22. Silva AMR, Almeida MF, Matsuo T, Soares DA. Fatores de risco para nascimentos pré-termo em Londrina, Paraná, Brasil. Cad Saúde Pública 2009; 25:2125-38.,33. Hair Jr. JF, Anderson RE, Tatham RL, Black WC. Análise multivariada de dados. 6th Ed. Porto Alegre: Bookman; 2009.,44. Assunção PL, Novaes HMD, Alencar GP, Melo ASO, Almeida MF. Fatores associados ao nascimento pré-termo em Campina Grande, Paraíba, Brasil: um estudo caso-controle. Cad Saúde Pública 2012; 28:1078-90.. Idade materna, história reprodutiva envolvendo número de gestações e características dos filhos anteriormente gerados ou não (baixo peso e pré-termo) são variáveis apontadas em diversos estudos como risco para o nascimento pré-termo 11. Goldenberg RL, Culhane JF, Iams JD, Romero R. Epidemiology and causes of preterm birth. Lancet 2008; 371:75-84.,55. Silveira MF, Victora CG, Barros AJD, Santos IS, Matijasevich A, Barros FC. Determinants of preterm birth: Pelotas, Rio Grande do Sul State, Brazil, 2004 birth cohort. Cad Saúde Pública 2010; 26:185-94.,66. Aragão VMF, Silva AAM, Aragão LF, Barbieri MA, Bettiol H, Coimbra LC, et al. Risk factors for preterm births in São Luís, Maranhão, Brasil. Cad Saúde Pública 2004; 20:57-63.,77. Bezerra LC, Oliveira SMJV, Latorre MRDO. Prevalência e fatores associados à prematuridade entre gestantes submetidas à inibição de trabalho de parto prematuro. Rev Bras Saúde Matern Infant 2006; 6:223-9.. Aspectos de inadequação do cuidado realizado no pré-natal, como início tardio (após o terceiro trimestre) e frequência insatisfatória (menos de 6 consultas), constituem riscos para o nascimento pré-termo 55. Silveira MF, Victora CG, Barros AJD, Santos IS, Matijasevich A, Barros FC. Determinants of preterm birth: Pelotas, Rio Grande do Sul State, Brazil, 2004 birth cohort. Cad Saúde Pública 2010; 26:185-94.,66. Aragão VMF, Silva AAM, Aragão LF, Barbieri MA, Bettiol H, Coimbra LC, et al. Risk factors for preterm births in São Luís, Maranhão, Brasil. Cad Saúde Pública 2004; 20:57-63.,88. Goudard MJF, Simões VMF, Batista RFL, Queiroz RCS, Alves MTSSB, Coimbra LC, et al. Inadequação do conteúdo da assistência pré-natal e fatores associados em uma coorte no nordeste brasileiro. Ciênc Saúde Coletiva 2016; 21:1227-38..

Estudos mostraram ainda a importância da assistência pré-natal relacionada ao nascimento pré-termo. Alguns trabalhos também apontam o papel de variáveis socioeconômicas, intercorrências e história reprodutiva sobre o uso inadequado da assistência pré-natal e ressaltam o papel da assistência pré-natal como um determinante nos indicadores relacionados à mãe e ao bebê, relacionando aspectos como classe econômica, baixa escolaridade, uso de álcool na gestação 88. Goudard MJF, Simões VMF, Batista RFL, Queiroz RCS, Alves MTSSB, Coimbra LC, et al. Inadequação do conteúdo da assistência pré-natal e fatores associados em uma coorte no nordeste brasileiro. Ciênc Saúde Coletiva 2016; 21:1227-38.,99. Feijen-de Jong EI, Jansen DEMC, Baarveld F, van der Schans CP, Schellevis FG, Reijneveld SA. Determinants of late and/or inadequate use of prenatal healthcare in high-income countries: a systematic review. Eur J Public Health 2011; 22:904-13.,1010. Carvalho VCP, Araújo TVB. Adequação da assistência pré-natal em gestantes atendidas em dois hospitais de referência para gravidez de alto risco do Sistema Único de Saúde, na cidade de Recife, Estado de Pernambuco. Rev Bras Saúde Matern Infant 2007; 7:309-17.,1111. Ribeiro ERO, Guimarães AMDN, Bettiol H, Lima DDF, Almeida MLD, Souza L, et al. Risk factors for inadequate prenatal care use in the metropolitan area of Aracaju, Northeast Brazil. BMC Pregnancy Childbirth 2009, 9:31., baixa idade materna, estado marital, planejamento da gravidez, serviço público de saúde, alta paridade, parto prematuro anterior 99. Feijen-de Jong EI, Jansen DEMC, Baarveld F, van der Schans CP, Schellevis FG, Reijneveld SA. Determinants of late and/or inadequate use of prenatal healthcare in high-income countries: a systematic review. Eur J Public Health 2011; 22:904-13.,1010. Carvalho VCP, Araújo TVB. Adequação da assistência pré-natal em gestantes atendidas em dois hospitais de referência para gravidez de alto risco do Sistema Único de Saúde, na cidade de Recife, Estado de Pernambuco. Rev Bras Saúde Matern Infant 2007; 7:309-17.,1212. Trevisan MR, Lorenzi DS, Araújo NM, Ésber K. Perfil da assistência pré-natal entre usuárias do Sistema Único de Saúde em Caxias do Sul. Rev Bras Ginecol Obstet 2002; 24:293-9. e gravidez não desejada 1313. Kramer MS, Demissie K, Yang H, Platt RW, Sauvé R, Liston R. The contribution of mild and moderate preterm birth to infant mortality. Fetal and Infant Health Study Group of the Canadian Perinatal Surveillance System. JAMA 2000; 284:843-9.. Esses determinantes estão na cadeia de fatores associados tanto ao pré-natal inadequado quanto a desfechos negativos como o nascimento pré-termo. Assim, consideramos o papel mediador da assistência pré-natal na modelagem.

A situação de vulnerabilidade das famílias está relacionada à situação de pobreza, exploração e abuso, aspectos psicossociais e culturais. Outro aspecto em paralelo é que as famílias chefiadas por mulheres são em parte decorrentes de uma gravidez precoce ou indesejada, instabilidade familiar e abandono 1414. Koga D. Medida de cidades: entre territórios de vida e territórios vividos. São Paulo: Cortez Editora; 2003.. A vulnerabilidade social que as mulheres enfrentam pode estar também associada a um grau de vulnerabilidade emocional, que envolve sentimentos de abandono, violência e fragilização que não dê condições para fazer um pré-natal adequado e ter acesso a medicamentos 1515. Tomasi E, Fernandes PAA, Fischer T, Siqueira FCV, Silveira DS, Thumé E, et al. Qualidade da atenção pré-natal na rede básica de saúde do Brasil: indicadores e desigualdades sociais. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00195815.. O não planejar a gravidez está associado a fumar durante a gestação, usar menos ácido fólico, iniciar pré-natal depois do terceiro trimestre e interromper a gestação 1616. Borges ALV, Cavalhieri FB, Hoga LAK, Fujimori E, Barbosa LR. Planejamento da gravidez: prevalência e aspectos associados. Rev Esc Enferm USP 2011; 45:1679-84..

Em estudos epidemiológicos sobre nascimento pré-termo é usual utilizar a abordagem considerando-se modelos hierarquizados com regressão logística, a fim de definir os fatores de risco para o nascimento pré-termo que consideram modelos conceituais para representar relações de uma variável sobre as outras em um modelo de causalidade 1717. Rothman KJ, Greenland S. Modern epidemiology. 3rd Ed. Philadelphia: Lippincott-Raven; 2012.,1818. Susser M. Causal thinking in the health sciences concepts and strategies of epidemiology. New York: Oxford University Press; 1973..

Nesses modelos, as variáveis são incluídas simultaneamente no modelo e podem ter seus efeitos superestimados ou subestimados. Ao serem excluídas, podem levar consigo parte da informação que faz a ligação entre as variáveis. Apesar de a regressão hierarquizada considerar elementos importantes como a ordenação temporal e a lógica da relação entre as variáveis, tais modelos não consideram adequadamente as relações de variáveis de confusão e de mediação 1919. Silva AAM, Vasconcelos AGG, Bettiol H, Barbieri MA. Socioeconomic status, birth weight, maternal smoking during pregnancy and adiposity in early adult life: an analysis using structural equation modeling. Cad Saúde Pública 2010; 26:15-29..

Os modelos de equações estruturais (MEE) são mais apropriados, pois permite que múltiplas equações simultâneas incorporem a confusão e a mediação, além de incorporar variáveis latentes para representar medidas mais complexas, que não são mensuráveis com uma única variável e que são criadas com base em covariâncias entre variáveis observadas. Os MEE minimizam o efeito de confusão residual nas associações, especialmente em estudos observacionais 2020. Amorim LDAF, Fiaccone RL, Santos CAST, Santos TN, Morais LTLP, Oliveira NS, et al. Modelagem de equações estruturais em epidemiologia. Cad Saúde Pública 2010; 26:2251-62.,2121. Hoyle RH. Structural equation modeling: concepts, issues, and applications. Thousand Oaks: SAGE; 1995..

Este estudo propõe analisar as relações das variáveis com o desfecho nascimento pré-termo via MEE, utilizando um modelo testado com base na regressão logística com seleção de variáveis de forma hierarquizada. Para tanto, utilizou-se a pesquisa realizada em Londrina, Paraná, Brasil, em 2009, conduzida por Silva et al. 22. Silva AMR, Almeida MF, Matsuo T, Soares DA. Fatores de risco para nascimentos pré-termo em Londrina, Paraná, Brasil. Cad Saúde Pública 2009; 25:2125-38.. Baseando-se no quadro teórico conceitual do trabalho de origem foi redefinido um modelo (Figura 1) que incorporou variáveis latentes. Além disso, o MEE possibilita a inclusão de variáveis que têm efeito de mediação entre as variáveis de exposição e o desfecho.

Figura 1
Quadro teórico-conceitual de fatores associados a nascimentos pré-termo.

Métodos

Os dados referem-se a estudo do tipo observacional de caso-controle de base populacional de nascimentos hospitalares realizado em Londrina (junho de 2006 a março de 2007), em que os casos eram nascimentos pré-termo (< 37 semanas de gestação) e os controles eram nascimentos não pré-termo (37 semanas e mais). O estudo original de Silva et al. 22. Silva AMR, Almeida MF, Matsuo T, Soares DA. Fatores de risco para nascimentos pré-termo em Londrina, Paraná, Brasil. Cad Saúde Pública 2009; 25:2125-38. utilizou todas as variáveis na forma categórica. Neste trabalho, optou-se por utilizar as variáveis na forma contínua visando a minimizar o fato de que variáveis categóricas não apresentam distribuição aproximada normal e podem apresentar problemas de assimetria que afetam os erros-padrão, as estimativas da variância residual e a estatística qui-quadrado usada nas medidas de ajuste do MEE. Os registros que tinham as variáveis contínuas completas totalizaram 296 casos e 329 controles, representando 90% e 89%, respectivamente, da base original.

A fim de detectar possíveis vieses ocasionados devido à diferença no número de registros do banco de dados original foi empregado o teste de independência, baseado no qui-quadrado de Pearson 2222. Bussab WO, Morettin PA. Estatística básica. 8ª Ed. São Paulo: Saraiva; 2013., que mostrou que as distribuições das variáveis presentes nas duas bases são estatisticamente semelhantes, indicando não haver vieses de seleção de eventos.

O quadro teórico de Silva et al. 22. Silva AMR, Almeida MF, Matsuo T, Soares DA. Fatores de risco para nascimentos pré-termo em Londrina, Paraná, Brasil. Cad Saúde Pública 2009; 25:2125-38. estava organizado em blocos e, no presente trabalho, foram transcritos para representar possíveis constructos (Figura 1). O bloco 1 do modelo original está representado como características socioeconômicas maternas e familiares. O bloco 2 foi separado em características pré-concepcionais e história reprodutiva materna. O bloco 3 foi separado em condições psicossociais, hábitos maternos contemplando atividade física e de trabalho e assistência na gestação (pré-natal). O bloco 4, intercorrências maternas durante a gestação e, por fim, o bloco 5: características fetais foram mantidas.

Baseando-se nesse modelo, os passos adotados para fazer a modelagem foram:

(1) Modelo de mensuração: verificação da composição dos fatores via análise fatorial confirmatória (AFC). Criação de variáveis latentes: com base nos constructos elaborados sugeridos pelos blocos de variáveis e revisão da literatura que definiram o modelo teórico, por meio da AFC, considerando-se o número de fatores cujo autovalor é superior a 1 2323. Johnson RA, Wichern DW. Applied multivariate statistical analysis. 6th Ed. New Jersey: Prentice Hall; 2007..

(2) Modelo estrutural: relaciona variáveis latentes, observadas e o desfecho nascimento pré-termo, valendo-se dos modelos em que este desfecho é binário. Foram obtidos efeitos diretos e indiretos sobre o desfecho. Foram utilizados índices de modificação para identificar relações não consideradas anteriormente e melhorar o ajuste do modelo 2424. Schumacker RE, Lomax RG. A beginner's guide to structural equation modeling. 3rd Ed. New York: Routledge; 2010..

Foram usados estimadores de mínimos quadrados ajustados pela média e variância (WLSMV) com rotação geomin2525. Byrne BM. Structural equation modeling with Mplus: basic concepts, applications, and programming. New York: Routledge; 2011.. Após a obtenção do modelo final e testados os ajustes do modelo, este foi reestimado por máxima verossimilhança robusta (MLR) a fim de obter estimativas de razão de chances (OR). As medidas de ajuste do modelo utilizadas foram: Tucker-Lewis (TLI; referência de bom ajuste: TLI > 0,95), índice de ajustamento comparativo (CFI; referência: > 0,95), raiz do erro quadrático médio de aproximação (RMSEA; referência: < 0,05) e raiz do resíduo quadrático médio ponderado (WRMR; referência: < 0,90). Foi considerado o nível de significância de 5%. Para as análises foi usado o software MPlus (https://www.statmodel.com/) e, para os gráficos, o CmapTools (https://cmap.ihmc.us/).

Características socioeconômicas maternas e familiares

Essas características contaram com as seguintes variáveis: idade da mãe em anos (< 19; 20 a 34; 35 e mais), renda per capita familiar em salários mínimos, número de pessoas por cômodo, anos de estudos da mãe, anos de estudos do responsável pelo sustento familiar, ocupação do responsável pelo sustento familiar (qualificada; manual ou semiqualificada; do lar ou estudante; desempregado), tipo de ocupação do responsável pelo sustento familiar (formal; informal; não inserido), localidade de moradia (não favela; favela), tipo de família (nuclear - composta por marido, mulher e filhos; apenas mulher e filhos; não nuclear; outros arranjos familiares), mora com companheiro há menos de 2 anos (sim; não), responsável pelo sustento familiar (mãe; pai; outros), presença de idosos maiores de 60 anos (sim; não), raça/cor da mãe (branca/amarela/indígena; preta/parda), tipo de acabamento da moradia (completo; incompleto), migração materna (sim; não), número de crianças menores de 10 anos (sim; não) e idade do responsável pelo sustento (em anos).

Aspectos psicossociais

As condições da gestação abrangendo questões psicossociais no início da gravidez e durante a gestação foram: tentativa de aborto (sim; não), gravidez planejada (sim; não), reações da mãe, pai da criança e família com relação à gravidez e preocupações durante a gestação (negativa; positiva), tentativa de aborto (sim; não), brigas com o companheiro (sim; não), separação (sim; não) e preocupações durante a gestação (sim; não).

Intercorrências maternas na gestação

Como intercorrências foram consideradas: sangramento vaginal, hipertensão, eclampsia, alteração do volume amniótico, internação durante a gravidez, anemia, diabetes, infecção genital, corrimento, placenta prévia e infecção urinária (sim; não).

Condição reprodutiva materna

As variáveis utilizadas para medir as características reprodutivas maternas foram: número de gestações, cesáreas anteriores, filho anterior pré-termo, filho anterior baixo peso, idade materna e tratamento para engravidar (sim; não).

Trabalho e atividade física

As variáveis usadas para medir as atividades foram: se a mãe trabalhou durante a gestação, se o trabalho exigia esforços físicos, e se realizava atividade em casa com esforço.

Assistência pré-natal

A inadequação do pré-natal envolveu as seguintes variáveis observadas: início (1º trimestre), número de consultas (mínimo 3), realização de exames (urina, sangue e ultrassonografia), procedimentos e orientações básicas. As categorias foram: pré-natal adequado (todos os itens positivos), inadequado I (uma ou duas respostas negativas), inadequado II (três ou mais respostas negativas) ou não fez pré-natal. Para a modelagem, foram consideradas duas variáveis indicadoras para representar a inadequação ao pré-natal: (i) inadequação ao pré-natal I - se o pré-natal foi Inadequado (recebeu 1) e se foi Adequado (recebeu 0) e (ii) inadequação ao pré-natal II - se o pré-natal foi inadequado do tipo II, que inclui a mãe que não fez pré-natal (recebeu 1) e se foi inadequado do tipo I ou adequado (recebeu 0).

Outras variáveis

A fim de contemplar todas as variáveis selecionadas pelo estudo original 2, foram incluídas como variáveis observadas: índice de massa corporal (IMC), prática de atividade física, uso de bebida alcoólica e gravidez múltipla.

Aspectos éticos

O estudo seguiu os preceitos éticos estabelecidos na Resolução nº 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta pesquisas envolvendo seres humanos, sendo aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (protocolo nº 404211/2013).

Resultados

Durante a modelagem, alterações foram feitas com base no modelo inicial. Baseando-se nos blocos Características Socioeconômicas Maternas e Familiares e Aspectos Psicossociais foram geradas as variáveis latentes descritas a seguir.

Características socioeconômicas maternas e familiares

Foram selecionados dois fatores cuja porcentagem de variância explicada acumularam 71,5%, com os ajustes do modelo adequados (RMSEA = 0,053; CFI = 0,988; TLI = 0,977) (Tabela 1). Foram excluídas as variáveis cuja correlação com os fatores foi abaixo de 0,30: raça/cor da mãe, tipo de acabamento da moradia, migração materna, número de crianças menores de 10 anos, idade da mãe, idade do responsável pelo sustento e tipo de ocupação do responsável pelo sustento familiar. Esses dois fatores representam, respectivamente, a vulnerabilidade socioeconômica (VSE) e a vulnerabilidade familiar (VF). Com base na forma como foram categorizadas as variáveis, escores mais elevados da variável latente VSE correspondem a menores níveis de escolaridade da mãe e do responsável pela família e maior frequência de moradia em favela, já a renda familiar per capita tem sinal negativo indicando que domicílio com menor valor de renda apresenta maior vulnerabilidade. Já os escores mais elevados da vulnerabilidade familiar correspondem às relações recentes com o companheiro, família não nuclear e presença de idoso.

Tabela 1
Resultado da análise fatorial com características socioeconômicas. Londrina, Paraná, Brasil, 2009.

Aspectos psicossociais

As condições psicológicas maternas afetadas por momentos de preocupações e estresse durante a gestação são dimensões que esta variável latente tem o objetivo de medir (Tabela 2). As variáveis tentativa de aborto, brigas com companheiro, separação e preocupações durante a gestação foram excluídas devido à baixa correlação (< 0,30) com as demais variáveis. As variáveis selecionadas foram: se houve um planejamento da gravidez e as reações à gravidez da mãe, pai da criança e da família. Foi considerado um único fator cuja porcentagem da variância explicada acumulou 75,3% com valores de ajustes adequados (RMSEA = 0,056; CFI = 0,991; TLI = 0,972).

Com base na categorização das variáveis, escores mais elevados da variável latente não aceitação da gravidez (NAG) correspondem às reações negativas da gravidez, tanto da própria mãe, do pai do bebê e da família. Esse fator também indica a vulnerabilidade emocional quanto ao recebimento de apoio ao engravidar.

Tabela 2
Cargas fatoriais rotacionadas (método geomin) - não aceitação da gravidez. Londrina, Paraná, Brasil, 2009.

Condição reprodutiva materna

Este bloco foi representado pela combinação do número de gestações, filho de baixo peso, filho anterior pré-termo e idade materna associados com o desfecho de forma gradual com suas razões de chance e representa a interação destas variáveis (Tabela 3).

Tabela 3
Distribuição de casos e controles segundo variáveis selecionadas. Londrina, Paraná, Brasil, 2009.

Intercorrências maternas na gestação

No modelo de regressão logística do estudo original, o bloco relacionado às intercorrências maternas na gestação apresentou um importante ajuste na análise de regressão múltipla 22. Silva AMR, Almeida MF, Matsuo T, Soares DA. Fatores de risco para nascimentos pré-termo em Londrina, Paraná, Brasil. Cad Saúde Pública 2009; 25:2125-38., sugerindo que mais de um destes agravos poderiam estar presentes, bem como alguns deles podem ter levado à internação da mãe durante a gestação. Assim, a variável para representar o número de intercorrências (0; 1 ou mais) (Tabela 3). Ainda, foi possível verificar a presença de internação mais frequente na medida em que aumentava a quantidade de intercorrências - das mães com pelo menos 1 intercorrência, 40% foram internadas.

Trabalho e atividade física

O esforço físico foi composto com as variáveis: se a mãe trabalhou durante a gestação, se o trabalho exigia esforços físicos, e se realizava atividade em casa com esforço (Tabela 3).

Modelo final

O modelo completo foi desenvolvido baseando-se na construção das variáveis latentes e as variáveis observadas (Tabela 4).

Na Tabela 4, são apresentadas as medidas dos coeficientes padronizados e das razões de chance para as relações do modelo estrutural. O ajuste do modelo foi satisfatório (CFI = 0,962; TLI = 0,952; WRMR = 1,005; RMSEA (IC95%) = 0,032 (0,026-0,039)).

Tabela 4
Estimativas dos parâmetros dos modelos para nascimento pré-termo. Resultados utilizando-se os estimadores mínimos quadrados ajustados pela média e variância (WLSMV) e máxima verossimilhança robusta (MLR). Londrina, Paraná, Brasil, 2009.

Na representação gráfica do modelo final (Figura 2) são apresentadas as estimativas padronizadas. Para algumas relações são apresentadas as estimativas padronizadas e a OR. Os dois valores para algumas variáveis indicam os efeitos para inadequação pré-natal I e II.

Figura 2
Modelo resultante para o nascimento pré-termo.

Os maiores efeitos diretos sobre o nascimento pré-termo foram: intercorrências (0,584), seguido da atenção de pré-natal inadequado II (0,555) e atenção de pré-natal inadequado I (0,226), gestação múltipla (0,214), condição reprodutiva (0,091), IMC (0,146), consumo de bebida alcoólica (0,114), caminhadas (-0,133) e esforço (-0,034). Além de apresentar um efeito direto (0,214), a gravidez múltipla registrou também um efeito indireto sobre o desfecho via intercorrências (0,224). Ao se considerar o efeito total de gravidez múltipla com o efeito direto e via intercorrências seu efeito (0,382) é mais influente.

O IMC durante a gestação também apresentou efeito indireto via intercorrências (0,099), assim, seu efeito total sobre a prematuridade é de 0,205. A frequência de bebida alcoólica, além do efeito direto, apresentou um efeito indireto via NAG e inadequação do pré-natal, o efeito total foi de 0,126. Ter preocupações na gravidez registrou somente um efeito indireto (0,107) sobre a prematuridade via intercorrência.

As variáveis latentes NAG e VSE apresentaram efeitos diretos sobre a assistência pré-natal inadequada. As variáveis latentes registraram sobre o nascimento pré-termo os efeitos indiretos: NAG (0,228), VSE (0,139) e VF (0,123).

Discussão

A atenção pré-natal, no modelo atual, apresenta efeito direito com sinal positivo sobre o nascimento pré-termo, como apontaram outros estudos 55. Silveira MF, Victora CG, Barros AJD, Santos IS, Matijasevich A, Barros FC. Determinants of preterm birth: Pelotas, Rio Grande do Sul State, Brazil, 2004 birth cohort. Cad Saúde Pública 2010; 26:185-94.,66. Aragão VMF, Silva AAM, Aragão LF, Barbieri MA, Bettiol H, Coimbra LC, et al. Risk factors for preterm births in São Luís, Maranhão, Brasil. Cad Saúde Pública 2004; 20:57-63.. É no pré-natal que tanto a gestante quanto o bebê têm um acompanhamento preventivo, de orientação, de esclarecimento e de diagnóstico de qualquer alteração da saúde da gestante e/ou do bebê 2626. Rios CTF, Vieira NFC. Ações educativas no pré-natal: reflexão sobre a consulta de enfermagem como um espaço para educação em saúde. Ciênc Saúde Coletiva 2007; 12:477-86.. O efeito da VSE, da VF, da condição reprodutiva e da NAG sobre a prematuridade ocorre de modo indireto por meio da inadequação da assistência pré-natal, indicando assim o papel de mediação desta variável sobre a prematuridade. A assistência pré-natal tem um papel mediador importante sobre desfechos negativos da gestação e reflete condições sociais, econômicas e psicológicas das mães. Em uma análise ampla de indicadores de qualidade da assistência pré-natal no Brasil, 15% das mães recebem orientação adequada de pré-natal e 60% recebem todas as orientações e exames complementares 1515. Tomasi E, Fernandes PAA, Fischer T, Siqueira FCV, Silveira DS, Thumé E, et al. Qualidade da atenção pré-natal na rede básica de saúde do Brasil: indicadores e desigualdades sociais. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00195815.. Suas condições de vida e as vulnerabilidades emocional e afetiva podem influenciar o conhecimento sobre saúde durante a gravidez 88. Goudard MJF, Simões VMF, Batista RFL, Queiroz RCS, Alves MTSSB, Coimbra LC, et al. Inadequação do conteúdo da assistência pré-natal e fatores associados em uma coorte no nordeste brasileiro. Ciênc Saúde Coletiva 2016; 21:1227-38.,1313. Kramer MS, Demissie K, Yang H, Platt RW, Sauvé R, Liston R. The contribution of mild and moderate preterm birth to infant mortality. Fetal and Infant Health Study Group of the Canadian Perinatal Surveillance System. JAMA 2000; 284:843-9.,2727. Líbera BD, Saunders C, Santos MMAS, Rimes KA, Brito FRSS, Balão MR. Avaliação da assistência pré-natal na perspectiva de puérperas e profissionais de saúde. Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16:4855-64.,2828. Behrman RE, Butler AS. Preterm birth: causes, consequences and prevention. Washington DC: National Academies Press; 2007.. A não adequação do pré-natal foi observada em mulheres jovens, multíparas, sem parceiro, sem emprego pago, de pouca escolaridade, de mais baixas classes socioeconômicas 2929. Domingues RMSM, Viellas EF, Dias MAB, Torres JA, Theme-Filha MM, Gama SGN, et al. Adequação da assistência pré-natal segundo as características maternas no Brasil. Rev Panam Salud Pública 2015; 37:140-7.. Com base em nossos resultados, a relação entre esses fatores sugere a existência de fatores de vulnerabilidade socioeconômica, familiar e psicológica, e de condições maternas sobre a adequação do pré-natal.

A presença de intercorrências, que representam a presença de sangramento, pressão alta, eclampsia, alteração do volume do líquido amniótico, infecção do trato genital e diabetes, tem um efeito direto sobre o nascimento pré-termo 11. Goldenberg RL, Culhane JF, Iams JD, Romero R. Epidemiology and causes of preterm birth. Lancet 2008; 371:75-84.. Além de efeito direto, a gestação múltipla apresentou também um efeito indireto via intercorrências, fato este que pode estar relacionado à ocorrência de rotura prematura de membranas ou outros agravos materno-fetais 11. Goldenberg RL, Culhane JF, Iams JD, Romero R. Epidemiology and causes of preterm birth. Lancet 2008; 371:75-84.,22. Silva AMR, Almeida MF, Matsuo T, Soares DA. Fatores de risco para nascimentos pré-termo em Londrina, Paraná, Brasil. Cad Saúde Pública 2009; 25:2125-38.,55. Silveira MF, Victora CG, Barros AJD, Santos IS, Matijasevich A, Barros FC. Determinants of preterm birth: Pelotas, Rio Grande do Sul State, Brazil, 2004 birth cohort. Cad Saúde Pública 2010; 26:185-94.. A variável condições reprodutivas maternas apresentou efeito direto sobre o desfecho. Neste trabalho, essa variável foi composta pela idade materna e sua respectiva história reprodutiva com relação ao número de gestações e características dos filhos anteriormente gerados ou não (baixo peso e pré-termo), estes descritos 11. Goldenberg RL, Culhane JF, Iams JD, Romero R. Epidemiology and causes of preterm birth. Lancet 2008; 371:75-84.,55. Silveira MF, Victora CG, Barros AJD, Santos IS, Matijasevich A, Barros FC. Determinants of preterm birth: Pelotas, Rio Grande do Sul State, Brazil, 2004 birth cohort. Cad Saúde Pública 2010; 26:185-94.,66. Aragão VMF, Silva AAM, Aragão LF, Barbieri MA, Bettiol H, Coimbra LC, et al. Risk factors for preterm births in São Luís, Maranhão, Brasil. Cad Saúde Pública 2004; 20:57-63.,77. Bezerra LC, Oliveira SMJV, Latorre MRDO. Prevalência e fatores associados à prematuridade entre gestantes submetidas à inibição de trabalho de parto prematuro. Rev Bras Saúde Matern Infant 2006; 6:223-9..

A separação dos fatores socioeconômicos e psicossociais em três fatores auxiliou a compreensão dos vários papéis desta complexa dimensão. Em complemento às características psicossociais, a variável “preocupações” traz a natureza de estresse vivido durante a gravidez que foi estatisticamente significante no estudo original. No presente estudo não foi encontrada associação direta sobre idade gestacional, mas um efeito indireto, via intercorrências, que aponta outra natureza de preocupações, ou seja, a saúde 11. Goldenberg RL, Culhane JF, Iams JD, Romero R. Epidemiology and causes of preterm birth. Lancet 2008; 371:75-84.,22. Silva AMR, Almeida MF, Matsuo T, Soares DA. Fatores de risco para nascimentos pré-termo em Londrina, Paraná, Brasil. Cad Saúde Pública 2009; 25:2125-38.. A VSE, sendo uma variável latente distal, apresenta correlações com variáveis tanto distais como proximais, como esforço físico, IMC, caminhadas, condição reprodutiva materna e VF. A VSE está relacionada ao desfecho de forma indireta no presente estudo por dois caminhos. O primeiro, via inadequação do pré-natal, e o outro via NAG. A dimensão socioeconômica é bastante complexa, não se resume somente às privações de necessidades materiais de bem-estar, mas também à negação de oportunidades nas relações sociais, como de acesso ao trabalho e à assistência à saúde 3030. Lima AMC. Modelagem de equações estruturais: uma contribuição metodológica para o estudo da pobreza [Dissertação de Mestrado]. Salvador: Universidade Federal da Bahia; 2005.,3131. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Pobreza multidimensional no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2006.. Tanto a inadequação pré-natal quanto a não aceitação da gestação capturam tais vulnerabilidades.

Com relação ao esforço fisico, o resultado aqui apresentado apontou uma associação negativa com pré-termo, diferentemente do que se observa em outros estudos, incluindo-se uma revisão sistemática na qual não se observou efeito na maioria dos estudos ou efeito moderado com as condições de trabalho com esforço físico. A variável esforço físico, da forma como foi construída, pode traduzir o estágio de vida da mãe com relação à sua plena atividade produtiva/trabalho, quer seja pela sua idade, quer seja pela renda per capita domiciliar, apontando não VSE (correlação com a variável VSE verificada no modelo). Por outro lado, Behrman & Butler 2828. Behrman RE, Butler AS. Preterm birth: causes, consequences and prevention. Washington DC: National Academies Press; 2007. sinalizam que o trabalho com esforço pode ser entendido também como um indicador de circunstâncias socioeconômicas favoráveis, isto é, a capacidade de ter e manter um emprego, os benefícios que recebem como também sinaliza a satisfação psicológica que alguns tipos de trabalho apresentam. Assim, o resultado que foi obtido no presente trabalho não é claramente explicado e outras abordagens devem ser realizadas para se entender melhor o papel do esforço. O mesmo comportamento observou-se para a variável prática de caminhadas ou outra atividade física, isto é, efeito direto e negativo com pré-termo.

O IMC é uma variável que apresentou efeito direto sobre a idade gestacional e efeito indireto via intercorrência, como já apontado em Padilha et al. 3232. Padilha PC, Saunders C, Machado RCM, Silva CL, Bull A, Sally EOF, et al. Associação entre o estado nutricional pré-gestacional e a predição do risco de intercorrências gestacionais. Rev Bras Ginecol Obstet 2007; 29:511-8.. No presente trabalho também foi encontrada correlação entre IMC e VSE, indicando valores de IMC fora dos níveis referendados - mães com IMC < 19kg/m2 (magras) e IMC ≥ 30kg/m2 (obesas) em mães com maior VSE.

Esse mesmo comportamento foi observado para a frequência de ingestão de bebida alcoólica durante a gravidez, apresentando efeito direto e efeito indireto sobre a idade gestacional. O efeito indireto foi via NAG e inadequação do pré-natal. Alguns estudos também encontraram associação com o alto consumo de bebida alcoólica e a idade gestacional, porém os mecanismos não são claros 11. Goldenberg RL, Culhane JF, Iams JD, Romero R. Epidemiology and causes of preterm birth. Lancet 2008; 371:75-84.,2828. Behrman RE, Butler AS. Preterm birth: causes, consequences and prevention. Washington DC: National Academies Press; 2007.,3333. Albertsen K, Andersen AMN, Olsen J, Gronbaek M. Alcohol consumption during pregnancy and the risk of preterm delivery. Am J Epidemiol 2004; 159:155-61., e outros não encontram associação 3434. Peacock JL, Bland JM, Anderson HR. Preterm delivery: effects of socioeconomic factors, psychological stress, smoking, alcohol, and caffeine. BMJ 1995; 311:531-5..

O modelo atual também indicou um caminho sobre idade gestacional via NAG e inadequação do pré-natal, e não foram encontradas referências que discutem estas possíveis relações. Outros trabalhos poderiam explorar melhor esses caminhos. Vale ressaltar novamente o papel do pré-natal como canal de cuidado da mãe e do bebê.

O estudo de caso-controle original 22. Silva AMR, Almeida MF, Matsuo T, Soares DA. Fatores de risco para nascimentos pré-termo em Londrina, Paraná, Brasil. Cad Saúde Pública 2009; 25:2125-38. empregou um quadro teórico delineado em blocos hierarquizados com o uso do modelo de regressão logística 3535. Victora CG, Huntly SR, Fuchs SC, Olinto MTA. The role of conceptual frameworks in epidemiological analysis: a hierarchical approach. Int J Epidemiol 1997; 26:224-7., no qual foram definidos blocos de variáveis em que estas são agrupadas por apresentarem alguma característica comum. Este estudo teve como base esse modelo ao se considerar a estrutura criada incluindo-se variáveis não observadas (latentes). A priori, criar um modelo de equações estruturais valendo-se do modelo hierarquizado é possível, pois a estrutura em blocos guarda um elemento importante das relações dessas variáveis com o desfecho: a temporalidade, caracterizada com os conceitos “distal”, “intermediário” e “proximal”.

No entanto, dificuldades para reescrever o modelo ocorreram: os blocos agrupam variáveis que nem sempre têm correlações entre elas, de forma que cada relação deve ser reavaliada para a inclusão no modelo.

Além das baixas correlações entre as variáveis que compõem os fatores, existe uma série de outros problemas que podem ser enfrentados ao se utilizar o MEE. Problemas de estimação - não convergência, falta de identificação, matriz não positiva definida e estimação de variâncias negativas - não são incomuns 2626. Rios CTF, Vieira NFC. Ações educativas no pré-natal: reflexão sobre a consulta de enfermagem como um espaço para educação em saúde. Ciênc Saúde Coletiva 2007; 12:477-86..

Para algumas variáveis, problemas na estimação ocorreram por conta de caselas vazias (zero) nas combinações bivariadas como, por exemplo, entre “presença de gestação anterior” e “mães nulíparas”, em que estruturalmente há um zero neste cruzamento, o que impediu a estimação da covariância e fez-se necessário usar a solução proposta por Muthén & Muthén 3636. Muthén LK, Muthén BO. Mplus user's guide. 6th Ed. Los Angeles: Muthén & Muthén; 2010. que é combinar uma nova variável, isto é, criar uma variável de interação. Levou-se em consideração sua relação com o desfecho (via OR). Uma alternativa é a utilização de uma perturbação na casela, ou seja, troca-se o zero por um valor pequeno 3737. Oberski DL. lavaan.survey: an R package for complex survey analysis of structural equation models. J Stat Softw 2014; 57:1-27..

A estimação de OR possibilita a interpretação conhecida na área de epidemiologia. Obter o modelo de OR depois de ter gerado o modelo com WLSMV foi a alternativa encontrada para se fazer a estimação mais adequada aos dados 3838. Brown TA. Confirmatory factor analysis for applied research. New York: The Guilford Press; 2015.. Muthén et al. 3939. Muthén BO, du Toit SHC, Spisic D. Robust inference using weighted least squares and quadratic estimating equations in latent variable modelling with categorical and continuous outcomes. Los Angeles: University of California, Los Angeles; 1997. (Technical Report). relataram que WLSMV foi desenvolvido baseando-se em amostras pequenas e moderadas. Beauducel & Herzberg 4040. Beauducel A, Herzberg PY. On the performance of maximum likelihood versus means and variance adjusted weighted least squares estimation in CFA. Struct Equ Modeling 2006; 13:186-203. também reportaram resultados mais satisfatórios com WLSMV em variáveis com poucas categorias (2 ou 3, comparada a 4 ou mais).

Dentre as limitações há o fato da pesquisa ser do tipo observacional, que não nos permite falar diretamente em causalidade das relações; o número de indivíduos é pequeno frente ao número de relações estudadas, embora isto não seja problema para se obter os ajustes dos modelos; o fato de que o estudo não foi delineado para observar as relações na forma proposta pela modelagem.

Do ponto de vista metodológico, a construção do MEE realizada com base em um modelo já construído (original), valendo-se do modelo de regressão hierarquizada, apresentou vantagens na medida em que pode ser utilizado como um modelo inicial e permitiu incluir caminhos que representam as relações entre as variáveis do modelo (entre elas e o desfecho), além de identificar mediações propostas. As alterações propostas com base em tal modelo inicial visaram a apreender as variáveis envolvidas no trabalho original. O processo de construção do MEE ressaltou: (1) a necessidade de se rediscutir o papel das variáveis quando se escolhe utilizar o modelo de equações estruturais; (2) que modelos complexos requerem estudos que já considerem a criação de variáveis latentes em sua formulação; (3) que a combinação de variáveis para formar uma nova variável é um recurso quando não se tem variáveis latentes bem definidas a priori e que resolvem problemas de caselas vazias nos cruzamentos de variáveis; e (4) as mesmas variáveis foram significantes utilizando-se os diferentes estimadores (WLSMV e MLR) na parte estrutural do modelo.

Conclusão

Foi possível utilizar os resultados do trabalho original para fazer a modelagem com equações estruturais com base na revisão do modelo teórico conhecendo-se as relações com o desfecho e o modelo de regressão logística. A aplicação da metodologia proposta identificou a presença de constructos (VSE, NAG, VF), verificar que a inadequação do pré-natal como mediadora, além de identificar efeitos diretos e indiretos de variáveis sobre o desfecho nascimento pré-termo.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo á Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp; processo nº 2010/20784-8) pelo financiamento.

Referências

  • 1
    Goldenberg RL, Culhane JF, Iams JD, Romero R. Epidemiology and causes of preterm birth. Lancet 2008; 371:75-84.
  • 2
    Silva AMR, Almeida MF, Matsuo T, Soares DA. Fatores de risco para nascimentos pré-termo em Londrina, Paraná, Brasil. Cad Saúde Pública 2009; 25:2125-38.
  • 3
    Hair Jr. JF, Anderson RE, Tatham RL, Black WC. Análise multivariada de dados. 6th Ed. Porto Alegre: Bookman; 2009.
  • 4
    Assunção PL, Novaes HMD, Alencar GP, Melo ASO, Almeida MF. Fatores associados ao nascimento pré-termo em Campina Grande, Paraíba, Brasil: um estudo caso-controle. Cad Saúde Pública 2012; 28:1078-90.
  • 5
    Silveira MF, Victora CG, Barros AJD, Santos IS, Matijasevich A, Barros FC. Determinants of preterm birth: Pelotas, Rio Grande do Sul State, Brazil, 2004 birth cohort. Cad Saúde Pública 2010; 26:185-94.
  • 6
    Aragão VMF, Silva AAM, Aragão LF, Barbieri MA, Bettiol H, Coimbra LC, et al. Risk factors for preterm births in São Luís, Maranhão, Brasil. Cad Saúde Pública 2004; 20:57-63.
  • 7
    Bezerra LC, Oliveira SMJV, Latorre MRDO. Prevalência e fatores associados à prematuridade entre gestantes submetidas à inibição de trabalho de parto prematuro. Rev Bras Saúde Matern Infant 2006; 6:223-9.
  • 8
    Goudard MJF, Simões VMF, Batista RFL, Queiroz RCS, Alves MTSSB, Coimbra LC, et al. Inadequação do conteúdo da assistência pré-natal e fatores associados em uma coorte no nordeste brasileiro. Ciênc Saúde Coletiva 2016; 21:1227-38.
  • 9
    Feijen-de Jong EI, Jansen DEMC, Baarveld F, van der Schans CP, Schellevis FG, Reijneveld SA. Determinants of late and/or inadequate use of prenatal healthcare in high-income countries: a systematic review. Eur J Public Health 2011; 22:904-13.
  • 10
    Carvalho VCP, Araújo TVB. Adequação da assistência pré-natal em gestantes atendidas em dois hospitais de referência para gravidez de alto risco do Sistema Único de Saúde, na cidade de Recife, Estado de Pernambuco. Rev Bras Saúde Matern Infant 2007; 7:309-17.
  • 11
    Ribeiro ERO, Guimarães AMDN, Bettiol H, Lima DDF, Almeida MLD, Souza L, et al. Risk factors for inadequate prenatal care use in the metropolitan area of Aracaju, Northeast Brazil. BMC Pregnancy Childbirth 2009, 9:31.
  • 12
    Trevisan MR, Lorenzi DS, Araújo NM, Ésber K. Perfil da assistência pré-natal entre usuárias do Sistema Único de Saúde em Caxias do Sul. Rev Bras Ginecol Obstet 2002; 24:293-9.
  • 13
    Kramer MS, Demissie K, Yang H, Platt RW, Sauvé R, Liston R. The contribution of mild and moderate preterm birth to infant mortality. Fetal and Infant Health Study Group of the Canadian Perinatal Surveillance System. JAMA 2000; 284:843-9.
  • 14
    Koga D. Medida de cidades: entre territórios de vida e territórios vividos. São Paulo: Cortez Editora; 2003.
  • 15
    Tomasi E, Fernandes PAA, Fischer T, Siqueira FCV, Silveira DS, Thumé E, et al. Qualidade da atenção pré-natal na rede básica de saúde do Brasil: indicadores e desigualdades sociais. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00195815.
  • 16
    Borges ALV, Cavalhieri FB, Hoga LAK, Fujimori E, Barbosa LR. Planejamento da gravidez: prevalência e aspectos associados. Rev Esc Enferm USP 2011; 45:1679-84.
  • 17
    Rothman KJ, Greenland S. Modern epidemiology. 3rd Ed. Philadelphia: Lippincott-Raven; 2012.
  • 18
    Susser M. Causal thinking in the health sciences concepts and strategies of epidemiology. New York: Oxford University Press; 1973.
  • 19
    Silva AAM, Vasconcelos AGG, Bettiol H, Barbieri MA. Socioeconomic status, birth weight, maternal smoking during pregnancy and adiposity in early adult life: an analysis using structural equation modeling. Cad Saúde Pública 2010; 26:15-29.
  • 20
    Amorim LDAF, Fiaccone RL, Santos CAST, Santos TN, Morais LTLP, Oliveira NS, et al. Modelagem de equações estruturais em epidemiologia. Cad Saúde Pública 2010; 26:2251-62.
  • 21
    Hoyle RH. Structural equation modeling: concepts, issues, and applications. Thousand Oaks: SAGE; 1995.
  • 22
    Bussab WO, Morettin PA. Estatística básica. 8ª Ed. São Paulo: Saraiva; 2013.
  • 23
    Johnson RA, Wichern DW. Applied multivariate statistical analysis. 6th Ed. New Jersey: Prentice Hall; 2007.
  • 24
    Schumacker RE, Lomax RG. A beginner's guide to structural equation modeling. 3rd Ed. New York: Routledge; 2010.
  • 25
    Byrne BM. Structural equation modeling with Mplus: basic concepts, applications, and programming. New York: Routledge; 2011.
  • 26
    Rios CTF, Vieira NFC. Ações educativas no pré-natal: reflexão sobre a consulta de enfermagem como um espaço para educação em saúde. Ciênc Saúde Coletiva 2007; 12:477-86.
  • 27
    Líbera BD, Saunders C, Santos MMAS, Rimes KA, Brito FRSS, Balão MR. Avaliação da assistência pré-natal na perspectiva de puérperas e profissionais de saúde. Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16:4855-64.
  • 28
    Behrman RE, Butler AS. Preterm birth: causes, consequences and prevention. Washington DC: National Academies Press; 2007.
  • 29
    Domingues RMSM, Viellas EF, Dias MAB, Torres JA, Theme-Filha MM, Gama SGN, et al. Adequação da assistência pré-natal segundo as características maternas no Brasil. Rev Panam Salud Pública 2015; 37:140-7.
  • 30
    Lima AMC. Modelagem de equações estruturais: uma contribuição metodológica para o estudo da pobreza [Dissertação de Mestrado]. Salvador: Universidade Federal da Bahia; 2005.
  • 31
    Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Pobreza multidimensional no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2006.
  • 32
    Padilha PC, Saunders C, Machado RCM, Silva CL, Bull A, Sally EOF, et al. Associação entre o estado nutricional pré-gestacional e a predição do risco de intercorrências gestacionais. Rev Bras Ginecol Obstet 2007; 29:511-8.
  • 33
    Albertsen K, Andersen AMN, Olsen J, Gronbaek M. Alcohol consumption during pregnancy and the risk of preterm delivery. Am J Epidemiol 2004; 159:155-61.
  • 34
    Peacock JL, Bland JM, Anderson HR. Preterm delivery: effects of socioeconomic factors, psychological stress, smoking, alcohol, and caffeine. BMJ 1995; 311:531-5.
  • 35
    Victora CG, Huntly SR, Fuchs SC, Olinto MTA. The role of conceptual frameworks in epidemiological analysis: a hierarchical approach. Int J Epidemiol 1997; 26:224-7.
  • 36
    Muthén LK, Muthén BO. Mplus user's guide. 6th Ed. Los Angeles: Muthén & Muthén; 2010.
  • 37
    Oberski DL. lavaan.survey: an R package for complex survey analysis of structural equation models. J Stat Softw 2014; 57:1-27.
  • 38
    Brown TA. Confirmatory factor analysis for applied research. New York: The Guilford Press; 2015.
  • 39
    Muthén BO, du Toit SHC, Spisic D. Robust inference using weighted least squares and quadratic estimating equations in latent variable modelling with categorical and continuous outcomes. Los Angeles: University of California, Los Angeles; 1997. (Technical Report).
  • 40
    Beauducel A, Herzberg PY. On the performance of maximum likelihood versus means and variance adjusted weighted least squares estimation in CFA. Struct Equ Modeling 2006; 13:186-203.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jan 2019

Histórico

  • Recebido
    05 Dez 2017
  • Revisado
    03 Jul 2018
  • Aceito
    06 Jul 2018
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br