Em países de alta renda, crianças que nascem em ambientes de desvantagem socioeconômica tendem a ficar para trás em indicadores de capital social e progresso na vida, quando comparadas às mais bem aquinhoadas. Essas crianças, que já nascem com restrição de crescimento intrauterino ou sofrem desnutrição no primeiro ano de vida, tendem a apresentar maiores índices de evasão e repetência escolar, menor aprendizagem na escola, maiores riscos de envolvimento em violência e atividades criminais, e quociente de inteligência (QI) mais baixo 11. Black MM, Walker SP, Fernald LCH, Andersen CT, DiGirolamo AM, Lu C, et al. Early childhood development coming of age: science through the life course. Lancet 2017; 389:77-90..
Poucos estudos têm sido realizados em países de renda baixa e média, onde vivem as crianças mais vulneráveis. Em 2010, foi estimado que 43% das crianças de países de renda baixa e média são desnutridas ou vivem em situação de pobreza extrema 22. Lu C, Black MM, Richter LM. Risk of poor development in young children in low-income and middle-income countries: an estimation and analysis at the global, regional, and country level. Lancet Glob Health 2016; 4:e916-22.. Trata-se de um número muito grande de crianças que estão sob o risco de ficar para trás ao longo da vida, ter o seu desenvolvimento prejudicado e não atingirem o seu pleno potencial.
Para melhorar essa situação, programas que visem a beneficiar o desenvolvimento precoce dessas crianças têm sido implementados. Um deles visa a realizar visitas domiciliares com intervenções direcionadas a reduzir essas vulnerabilidades 33. Tomlinson M, Hunt X, Rotheram-Borus MJ. Diffusing and scaling evidence-based interventions: eight lessons for early child development from the implementation of perinatal home visiting in South Africa. Ann N Y Acad Sci 2018; 1419:218-29.. Estudos que busquem verificar a efetividade desses programas são de extrema importância. Uma revisão sistemática de 2013, baseando-se em estudos experimentais, sendo a maioria realizada nos Estados Unidos, concluiu que programas de visitas domiciliares realizadas por paraprofissionais (equivalentes a agentes de saúde) foram associados a pequenas melhorias no desenvolvimento neuropsicomotor infantil. Melhores resultados foram obtidos quando a intervenção foi mais longa, começou no pré-natal, quando os agentes de saúde foram treinados adequadamente para realizar intervenções designadas a satisfazer as necessidades das famílias e quando o programa focou em determinados aspectos em vez de tentar resolver vários problemas ao mesmo tempo. As intervenções também foram mais efetivas quando conjugadas a programas de interferências nutricionais 44. Peacock S, Konrad S, Watson E, Nickel D, Muhajarine N. Effectiveness of home visiting programs on child outcomes: a systematic. BMC Public Health 2013; 13:17..
Neste fascículo de CSP, a saúde desenvolvimental da criança no contexto de um programa de intervenção precoce na primeira infância por meio de visitas domiciliares, o Primeira Infância Melhor, foi estudada 55. Gonçalves TR, Duku E, Janus M. Developmental health in the context of an early childhood program in Brazil: the "Primeira Infância Melhor" experience. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00224317.,66. Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul. Primeira Infância Melhor. http://www.pim.saude.rs.gov.br/v2/ (acessado em 15/Fev/2019).
http://www.pim.saude.rs.gov.br/v2/... . Esse programa visa a promover o desenvolvimento integral na primeira infância por meio de visitas domiciliares e comunitárias realizadas semanalmente a famílias em situação de risco e vulnerabilidade social. O objetivo é desenvolver competências familiares baseadas na própria cultura e experiências, para educar e cuidar das crianças.
O estudo foi realizado em oito cidades do Rio Grande do Sul, abrangendo regiões bem características do estado. Foram incluídas 364 crianças participantes do programa e um grupo de 207 controles recrutado na mesma turma da escola da criança usuária do programa. A principal limitação do estudo é ser do tipo observacional. Como não houve randomização, diferenças nas variáveis pré-intervenção tendem a produzir viés de confundimento. Dessa forma, a evidência produzida baseando-se em estudos observacionais do tipo coorte, como o aqui relatado, é sempre de menor qualidade. Para minimizar esse viés, os autores realizaram ajuste multivariável por meio de MANOVA (análise multivariada de variância) e regressão logística.
O primeiro objetivo do estudo foi identificar as características das crianças e das famílias participantes do programa Primeira Infância Melhor, associadas ao pior desenvolvimento infantil dos 4 aos 6 anos de idade. Na avaliação do desenvolvimento foi utilizado o Early Development Instrument (EDI), respondido pelos professores. Baixa renda familiar, menor idade da criança e saída precoce do programa foram as variáveis associadas ao maior risco de vulnerabilidade no desenvolvimento infantil. O segundo objetivo foi comparar os resultados do desenvolvimento infantil nas crianças participantes do programa com um grupo controle. Nenhuma diferença nos escores médios das cinco dimensões da escala de desenvolvimento precoce utilizada foi observada entre os grupos. Entretanto, maior tempo no programa foi associado a melhores resultados no desenvolvimento, sugerindo modesta efetividade do programa Primeira Infância Melhor.
Os resultados demonstram a dificuldade de modificar situações sociais complexas de pobreza e melhorar o desenvolvimento infantil por meio de visitas domiciliares semanais. Os autores sugerem que uma abordagem mais ampla de suporte social envolvendo a integração com outros programas, tais como o Bolsa Família, possam ser mais efetivos.
- 1Black MM, Walker SP, Fernald LCH, Andersen CT, DiGirolamo AM, Lu C, et al. Early childhood development coming of age: science through the life course. Lancet 2017; 389:77-90.
- 2Lu C, Black MM, Richter LM. Risk of poor development in young children in low-income and middle-income countries: an estimation and analysis at the global, regional, and country level. Lancet Glob Health 2016; 4:e916-22.
- 3Tomlinson M, Hunt X, Rotheram-Borus MJ. Diffusing and scaling evidence-based interventions: eight lessons for early child development from the implementation of perinatal home visiting in South Africa. Ann N Y Acad Sci 2018; 1419:218-29.
- 4Peacock S, Konrad S, Watson E, Nickel D, Muhajarine N. Effectiveness of home visiting programs on child outcomes: a systematic. BMC Public Health 2013; 13:17.
- 5Gonçalves TR, Duku E, Janus M. Developmental health in the context of an early childhood program in Brazil: the "Primeira Infância Melhor" experience. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00224317.
- 6Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul. Primeira Infância Melhor. http://www.pim.saude.rs.gov.br/v2/ (acessado em 15/Fev/2019).
» http://www.pim.saude.rs.gov.br/v2/
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
11 Mar 2019