Resumos
O grande desenvolvimento da pesquisa em genômica nas últimas décadas tem gerado muitas expectativas com relação ao seu impacto na biomedicina. Observa-se o crescente investimento em pesquisa na medicina personalizada ou de precisão, que busca customizar a prática médica com foco no indivíduo baseando-se na utilização de testes genéticos, identificação de biomarcadores e desenvolvimento de medicações alvo. O movimento da medicina personalizada ou de precisão, no entanto, é polêmico e tem suscitado um importante debate entre seus defensores e críticos. Este ensaio teve por objetivo discutir os pressupostos, promessas, limites e possibilidades da medicina personalizada ou de precisão com base em uma revisão da literatura recente situando o debate sobre o tema. A revisão aponta que muitas das promessas da medicina personalizada ou de precisão ainda não se concretizaram. Se por um lado houve enorme avanço no conhecimento sobre os mecanismos moleculares das patologias e o desenvolvimento de medicamentos que impactaram significativamente o tratamento de alguns tipos de câncer, até o momento não há evidências de que este padrão se reproduzirá em outras doenças complexas. A medicina personalizada ou de precisão deve gerar desenvolvimentos incrementais em áreas específicas da medicina, existindo, no entanto, vários obstáculos para sua generalização. O alto custo das novas biotecnologias pode agravar as desigualdades em saúde, tornando-se um problema para a sustentabilidade dos serviços de saúde, especialmente em países de média e baixa rendas. A ênfase na medicina personalizada ou de precisão pode levar ao deslocamento de recursos financeiros de iniciativas menos custosas e com maior impacto em saúde pública.
Palavras-chave:
Medicina de Precisão; Medicina Personalizada; Genômica; Inovação; Preparações Farmacêuticas
El gran desarrollo de la investigación en genómica en las últimas décadas ha generado muchas expectativas en relación con su impacto en la biomedicina. Se observa la creciente inversión en investigación en medicina personalizada o de precisión, que busca hacer a medida la práctica médica, centrándose en el individuo, basándose en la utilización de pruebas genéticas, identificación de biomarcadores y desarrollo de medicamentos diana. El movimiento de la medicina personalizada o de precisión, no obstante, es polémico y ha suscitado un importante debate entre sus defensores y críticos. Este ensayo tuvo como objetivo discutir los presupuestos, promesas, límites y posibilidades de la medicina personalizada o de precisión, en base a una revisión de la literatura reciente, situando el debate sobre este tema. La revisión apunta que muchas de las promesas de la medicina personalizada o de precisión todavía no se concretizaron. Si por un lado hubo un enorme avance en el conocimiento sobre los mecanismos moleculares de las patologías, y el desarrollo de medicamentos que impactaron significativamente el tratamiento de algunos tipos de cáncer, hasta el momento no hay evidencias de que este patrón se reproducirá en otras enfermedades complejas. La medicina personalizada o de precisión debe generar desarrollos incrementales en áreas específicas de la medicina, existiendo, no obstante, varios obstáculos para su generalización. El alto coste de las nuevas biotecnologías puede agravar las desigualdades en salud, convirtiéndose en un problema para la sostenibilidad de los servicios de salud, especialmente en países de media y baja renta. El énfasis en la medicina personalizada o de precisión puede llevar al desplazamiento de recursos financieros de iniciativas menos costosas y con mayor impacto en salud pública a otras de esta índole.
Palabras-clave:
Medicina de Precisión; Medicina Personalizada; Genómica; Innovación; Preparaciones Farmacéuticas
Introdução
O grande investimento e desenvolvimento da pesquisa em genômica e biologia molecular nas últimas décadas tem gerado muitas expectativas com relação ao seu impacto na transformação da medicina. O sequenciamento genômico de última geração reduziu significativamente o custo e aumentou a velocidade do processo, tornando esta tecnologia mais acessível para a pesquisa, o que, associado à ênfase pós-genômica em novas áreas como a proteômica e a metabolômica, tem contribuído para o aumento na identificação de marcadores biológicos e o desenvolvimento de medicações alvo 11. Hogarth S, Hopkins MM, Rodriguez V. A molecular monopoly? HPV testing, the Pap smear and the molecularisation of cervical cancer screening in the USA. Sociol Health Illn 2012; 34:234-50..
Apesar da translação da informação e tecnologia genômica para a prática clínica não ter ocorrido na velocidade inicialmente antecipada pelos entusiastas da medicina genômica, alguns autores defendem que a medicina passa por um processo de “molecularização” 22. Rose N. The politics of life itself: biomedicine, power, and subjectivity in the twenty-first century. Oxford: Princeton University Press; 2007. e que algumas áreas, a exemplo da oncologia, estão sendo profundamente transformadas pela incorporação dos novos saberes e tecnologias.
Nesse contexto, ganham destaque movimentos de transformação da medicina, a exemplo da medicina personalizada ou medicina de precisão, que tem por objetivo a customização do tratamento de acordo com as características biológicas dos indivíduos ou subgrupos da população.
A medicina personalizada promete oferecer, com base na identificação das características genéticas do paciente, o medicamento preciso, na dose exata e no momento certo, tornando a prática médica mais eficiente e diminuindo os custos da atenção médica 33. European Science Foundation. Personalised medicine for the European citizen. Towards more precise medicine for the diagnosis, treatment and prevention of disease (iPM). Strasbourg: European Science Foundation; 2012.. Seus defensores argumentam que a abordagem médica tradicional do modelo único (one-size-fits-all) para a prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças é ineficiente, cara e, por vezes, perigosa por conta dos efeitos adversos de medicamentos. Ela pressupõe também uma transformação na postura e subjetividade do paciente que deve se tornar mais proativo, contribuindo com a geração e interpretação de seus próprios dados 33. European Science Foundation. Personalised medicine for the European citizen. Towards more precise medicine for the diagnosis, treatment and prevention of disease (iPM). Strasbourg: European Science Foundation; 2012.,44. Hood L, Friend SH. Predictive, personalized, preventive, participatory (P4) cancer medicine. Nat Rev Clin Oncol 2011; 8:184-7..
O aporte de capital em pesquisa básica e aplicado em medicina personalizada ou de precisão tem sido vultoso e crescente na última década. Em 2014, o Reino Unido deu início ao Projeto 100K Genomas como o objetivo de sequenciar 100 mil genomas de pacientes do Serviço Nacional de Saúde (NHS), na busca de biomarcadores para o câncer e doenças genéticas raras. O projeto foi anunciado pelo próprio Primeiro Ministro e recebeu grande atenção da mídia, sendo divulgado como um passo importante para a incorporação da medicina genômica no coração do NHS. Em 2015, foi a vez do Presidente norte-americano Barack Obama anunciar para o Congresso o lançamento de um programa de medicina de precisão com orçamento de 215 milhões de dólares, no qual seriam sequenciados os genomas de 1 milhão de pessoas com a promessa de se tornar um marco na transformação da medicina norte-americana 55. Collins FS, Varmus H. A new initiative on precision medicine. N Engl J Med 2015; 372:793-5.. Em 2016, a China lançou um projeto com duração de 15 anos e investimento de 9,2 bilhões de dólares em medicina de precisão, visando a tornar o país um líder global na área 66. Perez B. China's 'precision medicine' initiative gets lift from latest genomics company funding. South China Morning Post 2017; 2 mai. https://www.scmp.com/tech/china-tech/article/2092362/chinas-precision-medicine-initiative-gets-lift-latest-genomics.
https://www.scmp.com/tech/china-tech/art... . Observa-se claramente um grande investimento na pesquisa em genômica e biotecnologias em saúde, com competição entre países desenvolvidos e emergentes pela liderança na produção deste conhecimento. Esse fato pode ser compreendido em um contexto de transição de sociedades industriais para sociedades da informação, em que o conhecimento se tornou a principal riqueza das nações 77. Jasanoff S. States of knowledge: the co-production of science and the social order. London: Routledge; 2004. e as biotecnologias, especialmente a biomédica, a grande promessa para a economia do conhecimento 88. Rose N. A biomedicina transformará a sociedade? O impacto político, econômico, social e pessoal dos avanços médicos no século XXI. Psicol Soc 2010; 22:628-38..
No Brasil, a ciência e a tecnologia genômica vêm sendo incorporadas progressivamente à pesquisa médica, à epidemiologia (estudos de varredura genômica em epidemiologia genética) e à prática clínica, especialmente na oncologia. Em 2015, foi lançado em São Paulo, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), o Brazilian Initiative on Precision Medicine (BIPMed), iniciativa que reúne cinco centros de pesquisa, inovação e difusão (CEPIDs), com o objetivo de criar condições para implantar a MP no Brasil 9. Laboratórios privados no Brasil oferecem em seus sites a medicina personalizada, anunciada como a medicina do futuro. Entre os testes genéticos disponíveis encontra-se a genotipagem de até um milhão de polimorfismos e o sequenciamento completo do exoma, buscando listar as mutações genéticas associadas a doenças, estimar suscetibilidades genéticas e trazer informações sobre tratamento personalizado para dezenas de medicamentos.
As propostas e visões de futuro da medicina personalizada/medicina de precisão, no entanto, não são consensuais e têm sido alvo de muitas críticas por pesquisadores e clínicos preocupados com seu impacto sobre a pesquisa, a prática médica e a sustentabilidade dos sistemas de saúde, por conta do alto custo das novas tecnologias. Um importante debate se desenrola nas principais revistas da área da saúde discutindo as promessas e impactos da medicina personalizada/medicina de precisão, opondo seus apoiadores e aqueles que questionam os limites do movimento e os riscos que lhe estão implícitos para a saúde global. Muitos autores 1010. Coote J, Joyner M. Is precision medicine the route to a healthy world? Lancet 2015; 385:1617.,1111. Prasad V. Perspective: the precision-oncology illusion. Nature 2016; 537:S63.,1212. Rey-López JP, Sá TH, Rezende LF. Why precision medicine is not the best route to a healthier world. Rev Saúde Pública 2018; 52:12.,1313. Bayer R, Galea S. Public health in the precision-medicine era. N Engl J Med 2015; 373:499-501. questionam se a medicina personalizada/medicina de precisão seria realmente o caminho para um mundo mais saudável.
As ciências sociais têm um papel importante na análise e reflexão sobre esses movimentos de transformação da medicina, pois a ciência, assim como a medicina, são práticas sociais inseridas em um contexto histórico, político e sociocultural. A incorporação de novas tecnologias às práticas médicas não acontece apenas por sua utilidade clínica. Os movimentos de transformação da medicina são influenciados pelos contextos políticos, históricos, socioeconômicos em que agem diferentes atores: indústria farmacêutica/biotecnologias, pesquisadores, profissionais de saúde, políticos, associações de pacientes, cidadãos, mídia e ONGs.
Os sentidos da medicina personalizada/medicina de precisão também têm se transformado ao longo da última década com o surgimento de nova denominação (a exemplo de medicina de precisão) e com a coexistência de grupos que defendem diferentes direções para o movimento, transcendendo seu foco inicial na farmacogenômica e incorporando novos marcadores biológicos, epigenéticos e socioambientais 1414. Patrinos GP, Prainsack B. Working towards personalization of medicine: genomics in 2014. Per Med 2014: 11:611-3..
Este ensaio tem por objetivo discutir, baseando-se em uma perspectiva socioantropológica crítica, os pressupostos, promessas, limites e possibilidades da medicina personalizada/medicina de precisão e seu possível impacto sobre a biomedicina, com base em uma revisão da literatura recente que situa o debate corrente sobre o tema.
Métodos
Foi realizada uma revisão não sistemática da literatura nos últimos seis anos, nas bases de dados PubMed, Web of Science e Google Acadêmico, utilizando-se os descritores “personalized medicine” e “precision medicine”. Dada a existência de vasta literatura sobre o tema, foram selecionados os artigos que enfocavam a atualidade, perspectivas, expectativas ou críticas a esses movimentos de transformação da medicina. Foram incorporados à revisão artigos pertinentes encontrados nas referências dos artigos revisados. Realizou-se análise de conteúdo temática buscando mapear os argumentos favoráveis e críticos à proposta.
Tecnocientização da medicina e molecularização
Para compreender o movimento da medicina personalizada/medicina de precisão é preciso situá-lo no contexto de transformação da biomedicina nas últimas décadas na direção do que Clarke et al. 1515. Clarke AE, Mamo L, Fosket JR, Fishman JR, Shim JK. Biomedicalization: technoscience, health, and illness in the U.S. Durham: Duke University Press; 2010. denominam de biomedicina tecnocientífica. Antropólogos usam o termo biomedicina para denominar a medicina moderna por sua ênfase ontológica e epistemológica na biologia. O discurso biomédico foi construído com base na racionalidade científica e em uma concepção biomecanicista do corpo, fortemente apoiada em tecnologias para diagnóstico e tratamento de doenças. Para Clarke et al. 1515. Clarke AE, Mamo L, Fosket JR, Fishman JR, Shim JK. Biomedicalization: technoscience, health, and illness in the U.S. Durham: Duke University Press; 2010., a partir de meados dos anos 1980, a biomedicina vem passando por um processo de transformação em várias dimensões, com base nas inovações tecnocientíficas (tecnologias de computação e informação, biologia molecular, biotecnologias, genômica, telemedicina/telesaúde etc.) que radicalizam o processo de tecnocientização. As novas tecnologias estão provocando transformações institucionais, com impactos na produção, distribuição e gerenciamento de informações em saúde, nos diagnósticos e tratamentos e na concepção do que é saúde e doença. Esse processo de transformação no nível político-econômico acontece na integração entre a biomedicina e o interesse capitalista, no que os autores chamam de “Complexo de Serviços Tecnológicos Biomédicos”, termo que faz referência ao complexo médico-industrial e científico, cada vez mais globalizado, que movimenta trilhões de dólares ao redor do mundo.
A molecularização da biomedicina é parte desse processo de transformação tecnocientífico em que uma nova forma de olhar e compreender o corpo em seu nível molecular passa a complementar, senão suplementar, o olhar clínico tradicional 22. Rose N. The politics of life itself: biomedicine, power, and subjectivity in the twenty-first century. Oxford: Princeton University Press; 2007.. Esse processo se caracteriza por uma modificação nos estilos de pensamento, juízo e intervenção biomédicos e traz embutida uma nova concepção da vida como um conjunto de mecanismos vitais que podem ser identificados, isolados, manipulados, mobilizados e recombinados em novas práticas de intervenção em nível molecular. Rose 22. Rose N. The politics of life itself: biomedicine, power, and subjectivity in the twenty-first century. Oxford: Princeton University Press; 2007. enfatiza a ideia de que a biologia não é mais vista como destino, mas como oportunidade de intervenção tecnológica. O biológico tornou-se maleável à intervenção e área de grande investimento do capital pela indústria da saúde.
A medicina de precisão desenvolve-se em um contexto político e econômico do capitalismo globalizado, que tem como uma de suas características o que Rose denomina de “economias da vitalidade”. Trata-se de um novo espaço econômico, a bioeconomia, com uma nova forma de capital, o biocapital, em que a manipulação da vida por biocorporações gera valor.
Instituições como o Conselho Nacional de Pesquisas dos Estados Unidos 1616. National Research Council (US) Committee on A Framework for Developing a New Taxonomy of Disease. Toward precision medicine: building a knowledge network for biomedical research and a new taxonomy of disease. Washignton DC: National Academies Press; 2011. e pesquisadores como Kola & Bell 1717. Kola I, Bell J. A call to reform the taxonomy of human disease. Nat Rev Drug Discov 2011; 10:641-2. defendem a necessidade de uma modificação taxonômica na classificação das doenças com base em suas características moleculares. Baseados na compreensão das variações genômicas e moleculares existentes em doenças comuns, a exemplo da hipertensão, esses autores criticam a forma como as doenças ainda são diagnosticadas como se fossem entidades homogêneas. A nova taxonomia não repousará mais sobre a constelação de sintomas, do órgão afetado ou de suas características anatômicas, mas das características e caminhos moleculares da doença. O câncer de pulmão, por exemplo, não é mais visto como uma única patologia, mas como um conjunto de doenças raras com diferentes características moleculares. O diagnóstico precisa ser complementado pela genotipagem do tumor que indicará se existem mutações genéticas, como a mutação do receptor do fator de crescimento epidérmico no gene EGFR e qual a variação desta mutação (por exemplo, variação G719A), o que permitirá realizar a melhor escolha terapêutica.
Significados e pressupostos da medicina personalizada/medicina de precisão
Muitos pesquisadores e clínicos utilizam os termos medicina personalizada ou medicina de precisão como sinônimos. Em realidade, mais do que diferenças entre os dois termos, o que se observa é certa fluidez na forma como ambos os conceitos são definidos e usados por diferentes autores. A denominação medicina personalizada é mais antiga e foi bastante disseminada na última década, mas tem sido preterida nos últimos anos em favor do termo medicina de precisão, que deu nome aos grandes projetos recentes de pesquisa com sequenciamento genômico nos Estados Unidos e China. O termo surgiu no final dos anos 1990, sendo fortemente marcado pela farmacogenômica e com a promessa de desenvolver medicamentos adequados às características genéticas de subgrupos populacionais. Seu significado, no entanto, vem se transformando, com alguns autores 33. European Science Foundation. Personalised medicine for the European citizen. Towards more precise medicine for the diagnosis, treatment and prevention of disease (iPM). Strasbourg: European Science Foundation; 2012.,1818. Prainsack B. Personalized medicine: empowered patients in the 21st century? New York: NYU Press; 2017. defendendo uma abordagem mais abrangente que inclua não apenas informações genéticas e moleculares dos indivíduos, mas também outros marcadores biológicos além de dados sobre estilo de vida, dieta, e dados clínicos. Esta é a visão da Fundação Europeia de Ciência 33. European Science Foundation. Personalised medicine for the European citizen. Towards more precise medicine for the diagnosis, treatment and prevention of disease (iPM). Strasbourg: European Science Foundation; 2012. (p. 7), que define a medicina personalizada como “uma nova abordagem para classificar, compreender, tratar, prevenir doenças baseada em dados e informação biológica e ambiental sobre o indivíduo. Ela busca integrar dados sobre a completa dinâmica da formação biológica de cada indivíduo, assim como sobre os fatores ambientais e de estilo de vida que interagem com esta formação para gerar um complexo fenótipo individual”.
Os que preferem o termo medicina de precisão observam que o conceito de medicina personalizada não é novo e que a medicina sempre foi, de certa forma, personalizada em sua prática clínica 1919. Tutton R. Genomics and the reimagining of personalized medicine. Farnham: Ashgate Publishing; 2014.. Eles argumentam que essa denominação pode ser mal interpretada, levando a crer que se trata do desenvolvimento de tratamentos e medidas preventivas específicos para o indivíduo, em vez de estratos da população.
O termo medicina de precisão foi utilizado pela primeira vez em 2011, em um relatório da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, que propunha as bases para a elaboração de uma nova taxonomia das doenças baseada na biologia molecular 1616. National Research Council (US) Committee on A Framework for Developing a New Taxonomy of Disease. Toward precision medicine: building a knowledge network for biomedical research and a new taxonomy of disease. Washignton DC: National Academies Press; 2011.,1818. Prainsack B. Personalized medicine: empowered patients in the 21st century? New York: NYU Press; 2017.. No documento, o termo é utilizado como sinônimo de medicina personalizada. A definição presente no projeto americano Precision Medicine Initiative, também não difere muito da forma como a medicina personalizada tem sido concebida: “an emerging approach for disease treatment and prevention that takes into account individual variability in genes, environment, and lifestyle for each person” 2020. Genetics Home Reference. What is precision medicine? https://ghr.nlm.nih.gov/primer/precisionmedicine/definition (acessado em 27/Mai/2018).
https://ghr.nlm.nih.gov/primer/precision... .
A similaridade entre os dois termos levou alguns autores a questionarem se a nova denominação não representa também uma forma de conferir frescor e um novo início para o movimento, deixando para traz as promessas não cumpridas da medicina personalizada 2121. Timmerman L. What's in a name? A lot, when it comes to 'precision medicine'. Xconomy 2013; 4 fev. http://xconomy.com/national/2013/02/04/whats-in-a-name-a-lot-when-it-comes-to-precision-medicine/.
http://xconomy.com/national/2013/02/04/w... . Dada a similaridade entre as duas denominações e o fato de muitos pesquisadores usarem os dois termos como sinônimos, doravante vamos nos referir a ambos apenas como MP.
O ponto central da MP é o foco em dados quantificáveis do indivíduo: suas predisposições genéticas, estilo de vida, dieta e dados clínicos que devem ser incorporados em mapas pessoais 1818. Prainsack B. Personalized medicine: empowered patients in the 21st century? New York: NYU Press; 2017.. É importante observar que não se tratam de dados qualitativos que incorporem narrativas dos indivíduos sobre seus contextos de vida e saúde/doença, mas de dados estruturados, digitalizados, quantificados e computadorizados 1818. Prainsack B. Personalized medicine: empowered patients in the 21st century? New York: NYU Press; 2017.. A personalização é sinônimo de caracterização intensa de dados quantificáveis do indivíduo em diferentes estágios de saúde e doença ao longo de sua vida. Assim, a MP se propõe a dar sentindo a um vasto espectro de dados, apostando no desenvolvimento de tecnologias computacionais capazes de examinar simultaneamente enormes bases de dados.
“Precision medicine has emerged as a computational approach to functionally interpret omics and big data and facilitate their application to healthcare provision. In this new era, patients are not segregated by disease, or disease subtype. Instead, the aim is to treat every patient as an individual case, incorporating a range of personalized data including genomic, epigenetic, environmental, lifestyle and medical history” 2222. Duffy DJ. Problems, challenges and promises: perspectives on precision medicine. Brief Bioinform 2016; 17:494-504. (p. 494).
Nessa visão mais ampla, a genômica não é mais o único ator no palco passando a dividir a cena com outros atores, sem, no entanto, perder seu protagonismo. A crença no determinismo genético foi bastante abalada no meio científico após a conclusão do mapeamento do genoma humano e a disseminação dos resultados dos estudos de varredura genética que evidenciaram o baixo poder preditivo dos genes. Essa visão mais abrangente da MP foi aberta então para uma maior complexidade em seu modelo teórico com a inclusão da interação entre genes (em diferentes níveis moleculares: proteômica, metabolômica, epigenética etc.), com fatores ambientais e estilo de vida na suscetibilidade para doenças.
Os defensores da MP têm a expectativa de que algoritmos computacionais permitam formar uma representação virtual do paciente e desenvolver modelos preditivos baseados nas interações conhecidas entre dados moleculares, ambientais e de estilo de vida, que permitirão a tomada de decisões terapêuticas individualizadas 2222. Duffy DJ. Problems, challenges and promises: perspectives on precision medicine. Brief Bioinform 2016; 17:494-504.. A expectativa é de que, no futuro, o foco se desloque do tratamento da doença para a manutenção da saúde do indivíduo por meio de uma medicina preventiva personalizada 2323. Horgan D, Paradiso A, McVie G, Banks I, Van der Wal T, Brand A, et al. Is precision medicine the route to a healthy world? Lancet 2015; 386:336-7..
Francis Collins, o coordenador do Projeto Genoma Humano, é um dos entusiastas da MP e do potencial das novas tecnologias. Collins & Varmus 55. Collins FS, Varmus H. A new initiative on precision medicine. N Engl J Med 2015; 372:793-5. (p. 2) imaginam um futuro em que: “data from mobile devices might provide real-time monitoring of glucose, blood pressure, and cardiac rhythm; genotyping might reveal particular genetic variants that confer protection against specific diseases; fecal sampling might identify patterns of gut microbes that contribute to obesity; or blood tests might detect circulating tumor cells or tumor DNA that permit early detection of cancer or its recurrence”.
Novas tecnologias, como inteligência artificial (aprendizagem profunda/transferência de aprendizado) e blockchain (sistema descentralizado que estrutura os dados com mais segurança) emergem como apostas promissoras para lidar com os enormes bancos de dados estruturados e não estruturados (big data) 2424. Mamoshina P, Ojomoko L, Yanovich Y, Ostrovski A, Botezatu A, Prikhodko P, et al. Converging blockchain and next-generation artificial intelligence technologies to decentralize and accelerate biomedical research and healthcare. Oncotarget 2017; 9:5665-90., de forma a transformar em realidade as expectativas da MP. Essas novas tecnologias permitem que todos os dados sobre o indivíduo possam ser transformados em dados médicos, a exemplo de imagens faciais e vídeos, de forma a se tornarem poderosas fontes de dados para análise preditiva 2424. Mamoshina P, Ojomoko L, Yanovich Y, Ostrovski A, Botezatu A, Prikhodko P, et al. Converging blockchain and next-generation artificial intelligence technologies to decentralize and accelerate biomedical research and healthcare. Oncotarget 2017; 9:5665-90.. Mamoshina et al. 2424. Mamoshina P, Ojomoko L, Yanovich Y, Ostrovski A, Botezatu A, Prikhodko P, et al. Converging blockchain and next-generation artificial intelligence technologies to decentralize and accelerate biomedical research and healthcare. Oncotarget 2017; 9:5665-90. defendem uma “economia orientada por dados pessoais” argumentando que os pacientes devem ter completo conhecimento e controle sobre o conjunto de seus dados médicos, podendo gerenciá-los e serem recompensados por produzirem dados para pesquisa ou para fins comerciais, além de incentivos para o monitoramento da saúde.
Essas visões de futuro com monitoramento constante de marcadores biológicos, no entanto, não podem deixar de ser problematizadas por representarem um novo patamar no processo de medicalização, assim como novas formas de biopoder. Clarke et al. 1515. Clarke AE, Mamo L, Fosket JR, Fishman JR, Shim JK. Biomedicalization: technoscience, health, and illness in the U.S. Durham: Duke University Press; 2010. cunharam o termo biomedicalização para se referir a esse processo de intensificação da medicalização com base no processo de tecnocientização da biomedicina. A tecnocientização tem como características a mercantilização da saúde, transformada em bem de consumo, e a biomedicalização com extensão da jurisdição médica para além da doença, englobando a saúde em si mesma. O foco na saúde se desdobra na ênfase em práticas de avaliação de riscos e suscetibilidades e monitoramento constante, visando a manter-se saudável.
O discurso da MP se insere nesse movimento de biomedicalização colocando o indivíduo no centro de sua perspectiva epistemológica e política, em consonância com a dominância da filosofia neoliberal. O indivíduo é chamado a conhecer suas suscetibilidades para monitorá-las, aumentando consideravelmente a quantidade de informação que deve considerar ao tomar suas decisões, assim como sua responsabilidade na construção de um futuro mais saudável para si, baseando-se em uma constante orientação antecipatória 1515. Clarke AE, Mamo L, Fosket JR, Fishman JR, Shim JK. Biomedicalization: technoscience, health, and illness in the U.S. Durham: Duke University Press; 2010.,2525. Juengst ET, Settersten Jr. RA, Fishman JR, McGowan ML. After the revolution? Ethical and social challenges in 'personalized genomic medicine'. Per Med 2012; 9:429-39.. Essa ênfase no indivíduo contribui também para deslocar a responsabilidade pelo cuidado à saúde das arenas sociais e políticas para o nível individual.
Metzler 2626. Metzler I. Biomarkers and their consequences for the biomedical profession: a social science perspective. Per Med 2010; 7:407-20., discutindo o grande crescimento das pesquisas com o objetivo de identificar biomarcadores para doenças, questiona, no entanto, a convicção disseminada no meio médico de que esse é o caminho para a medicina. Ela afirma que a identificação de biomarcadores, uma das apostas da medicina de precisão para tornar a decisão clínica mais robusta pode, na realidade, aumentar a incerteza e a ambiguidade. Ao transformar a nossa compreensão do que conta como saúde ou doença e borrar a fronteira entre elas, os biomarcardores podem produzir efeitos não desejados. O conhecimento sobre os biomarcadores não foca nas causas das doenças, mas utiliza métodos estatísticos para calcular suscetibilidades, ou seja, a associação estatística entre um indicador biológico e um desfecho de saúde. Alguns biomarcadores têm solidas evidências científicas dos mecanismos causadores da doença, outros, no entanto, se apoiam apenas no poder estatístico dos grandes números, podendo gerar falsos positivos com consequências danosas para o paciente 2626. Metzler I. Biomarkers and their consequences for the biomedical profession: a social science perspective. Per Med 2010; 7:407-20.. Como alerta Duffy 2222. Duffy DJ. Problems, challenges and promises: perspectives on precision medicine. Brief Bioinform 2016; 17:494-504., mais dados não necessariamente significam mais conhecimentos, podendo gerar também mais ruídos. A disseminação de biomarcadores na prática clínica pode potencializar a criação dos chamados “pacientes pré-sintomáticos”, quando pessoas saudáveis são medicalizadas por conta da probabilidade de ficarem doentes. A geração de uma base de dados de saúde para cada indivíduo e o contínuo monitoramento de indicadores biomédicos poderão agudizar na população a noção de que a vida é um processo de espera até que uma doença se manifeste 2222. Duffy DJ. Problems, challenges and promises: perspectives on precision medicine. Brief Bioinform 2016; 17:494-504..
As promessas, avanços, limites e críticas à medicina personalizada
Um dos pontos de debate sobre a MP diz respeito às suas promessas e ao quanto foi efetivamente entregue em termos de aplicações que tragam benefícios relevantes para a saúde individual ou de populações. Para muitos críticos, as promessas foram exageradas e excessivamente otimistas (o que tem sido denominado de hype) 1010. Coote J, Joyner M. Is precision medicine the route to a healthy world? Lancet 2015; 385:1617.,1111. Prasad V. Perspective: the precision-oncology illusion. Nature 2016; 537:S63.,1212. Rey-López JP, Sá TH, Rezende LF. Why precision medicine is not the best route to a healthier world. Rev Saúde Pública 2018; 52:12.,1919. Tutton R. Genomics and the reimagining of personalized medicine. Farnham: Ashgate Publishing; 2014.,2727. Fleck LM. "Just caring": can we afford the ethical and economic costs of circumventing cancer drug resistance? J Pers Med 2013; 3:124-43.,2828. Joyner MJ, Paneth N. Seven questions for personalized medicine. JAMA 2015; 314:999-1000., dada a existência de grande lacuna entre o que foi prometido por pesquisadores, indústria farmacêutica e políticos nas últimas décadas e a capacidade técnica existente para realizá-las.
Alguns autores 2929. Sturdy S. Personalised medicine and the economy of biotechnological promise. New Bioeth 2017; 23:30-7.,3030. Feiler T, Gaitskell K, Maughan T, Hordern J. Personalised medicine: the promise, the hype and the pitfalls. New Bioeth 2017; 23:1-12. se questionam, no entanto, até que ponto é possível separar as expectativas que vão se confirmar das que não vingarão, o que é exagero do que é expectativa legítima, dada a incerteza de qualquer empreendimento científico. No contexto atual das biotecnologias, Rajan 3131. Rajan KS. Biocapital: the constitution of postgenomic life. Durham: Duke University Press; 2006. criou o termo venture science para se referir a uma ciência que é promissória, arriscada e definida por uma visão de futuro em que se mesclam simultaneamente a produção de fatos científicos e valor capitalista. Nesse contexto, as expectativas cumprem o papel de mobilizar recursos para a pesquisa atraindo o interesse da comunidade científica e de financiadores, com a justificativa de potencial aplicação clínica futura 3232. Borup M, Brown N, Konrad K, van Lente H. The sociology of expectations in science and technology. Technol Anal Strateg Manag 2006; 18:285-98.. A medicina personalizada está no centro dessa “economia promissória das biotecnologias”, reunindo o benefício público com a busca dos interesses comerciais da indústria farmacêutica e de seus investidores 2929. Sturdy S. Personalised medicine and the economy of biotechnological promise. New Bioeth 2017; 23:30-7.. A história da Theranos, uma startup fundada em 2003 com a promessa de revolucionar o mercado de exames de diagnóstico, é ilustrativa 3333. Gogoni R. A ascensão e queda da Theranos e sua fundadora, Elizabeth Holmes. https://meiobit.com/347347/elizabeth-holmes-ceo-theranos-startup-que-prometia-revolucionar-mercado-exames-de-diagnostico-e-proibida-de-operar-laboratorios-por-dois-anos-fortuna-evaporou-resultados-nao-existem/ (acessado em 15/Out/2018).
https://meiobit.com/347347/elizabeth-hol... . A empresa prometia realizar dezenas de testes para doenças complexas com apenas algumas gotas de sangue, e conseguiu angariar milhões de dólares em investimentos para desenvolver sua tecnologia inovadora. À proporção que o tempo foi passando, ficou claro para os investidores que a tecnologia prometida não seria capaz de fazer jus à expectativa, e o valor da startup caiu vertiginosamente.
Muitos defensores da MP reconhecem que a expectativa de revolução na medicina, propagada durante a realização do Projeto Genoma Humano, ainda não foi efetivada, mas acreditam que se trata apenas de uma questão de tempo 33. European Science Foundation. Personalised medicine for the European citizen. Towards more precise medicine for the diagnosis, treatment and prevention of disease (iPM). Strasbourg: European Science Foundation; 2012.. Argumentam que é injusto cobrar a aplicação clínica imediata da MP, quando a história mostra que é necessário tempo para que o resultado da pesquisa básica chegue até o leito do paciente 2222. Duffy DJ. Problems, challenges and promises: perspectives on precision medicine. Brief Bioinform 2016; 17:494-504..
Já outros pesquisadores, como Coote & Joyner 1010. Coote J, Joyner M. Is precision medicine the route to a healthy world? Lancet 2015; 385:1617. e Prasad 1111. Prasad V. Perspective: the precision-oncology illusion. Nature 2016; 537:S63., argumentam que as promessas não foram entregues e que é improvável que sejam. Junto com outros autores 1212. Rey-López JP, Sá TH, Rezende LF. Why precision medicine is not the best route to a healthier world. Rev Saúde Pública 2018; 52:12.,1919. Tutton R. Genomics and the reimagining of personalized medicine. Farnham: Ashgate Publishing; 2014.,2828. Joyner MJ, Paneth N. Seven questions for personalized medicine. JAMA 2015; 314:999-1000., consideram a ênfase na medicina de precisão um equívoco que não levará à construção de um mundo mais saudável. Outros ainda defendem a empreitada, mas consideram necessário alterar a forma como está sendo conduzida 3434. Fullerton SM, Knerr S, Burke W. Finding a place for genomics in health disparities research. Public Health Genomics 2012; 15:156-63..
Uma das razões do ceticismo reside na enorme complexidade do processo patológico das doenças comuns não transmissíveis. Diferentemente das doenças monogenéticas, a maior parte dessas patologias é causada por uma complexa interação de múltiplos genes com fatores ambientais, o que representa um grande desafio para a efetivação da medicina personalizada 3535. Khoury MJ, Galea S. Will precision medicine improve population health? JAMA 2016; 316:1357-8.,3636. Maughan T. The promise and the hype of 'personalised medicine'. New Bioeth 2017; 23:13-20.. Para Duffy 2222. Duffy DJ. Problems, challenges and promises: perspectives on precision medicine. Brief Bioinform 2016; 17:494-504., até o momento, a MP ainda tem pouco a oferecer no tratamento das doenças complexas multifatoriais, à exceção da área da oncologia.
O sequenciamento completo do genoma teve sua rapidez aumentada e seu custo bastante reduzido devido à introdução do sequenciamento de nova geração a partir de 2005, tornando-se mais acessível. Até o presente momento, porém, não apresenta maior utilidade na prática clínica, à exceção das doenças genéticas raras, em que é possível que venha a ser cada vez mais utilizado precocemente com fins diagnósticos, evitando a peregrinação dos pacientes por vários especialistas e a necessidade de realização de diversos exames para a obtenção do diagnóstico 3737. Barker RW. Is precision medicine the future of healthcare? Per Med 2017; 14:465-61..
A terapia genética com edição do genoma ganhou grande impulso desde o desenvolvimento do sistema CRISPR/Cas9 (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats) em 2012. Essa ferramenta tem sido descrita como revolucionária por seu baixo custo, rapidez, precisão e facilidade de uso, com enorme potencial para a MP por oferecer um caminho para corrigir mutações genéticas em doenças raras e doenças complexas 3838. Razzouk S. CRISPR Cas9: a cornerstone for the evolution of precision medicine. Ann Hum Genet 2018; 82:331-57.. A CRISPR/Cas9 funciona como uma tesoura que pode identificar e cortar trechos do DNA, inserindo ou reordenando pedaços de código genético. A indústria farmacêutica está investindo pesadamente em pesquisas para a sua utilização na prática clínica, mas muitos obstáculos técnicos ainda precisam ser superados para realizar seu potencial terapêutico 3838. Razzouk S. CRISPR Cas9: a cornerstone for the evolution of precision medicine. Ann Hum Genet 2018; 82:331-57..
No que diz respeito aos testes preditivos, em geral os defensores da MP citam os testes genéticos para mutações BRCA1 e 2, indicados para avaliar o risco de desenvolvimento do câncer de mama e ovário hereditário, como exemplo bem-sucedido de exames que podem indicar risco na vida de 85% para câncer de mama e 65% para câncer de ovário. Esses testes podem sugerir medidas preventivas, como maior frequência de mamografias, cirurgia profilática e quimioterapia, assim como identificar outros familiares em risco. Apesar de já estarem disponíveis na prática clínica desde meados dos anos noventa, foi a revelação pela atriz Angelina Jolie, em 2013, de que era portadora de mutações nos genes BRCA1/2 e que havia se submetido a uma mastectomia dupla profilática, que contribuiu para lhes conferir enorme visibilidade. O chamado “efeito Angelina Jolie” aumentou enormemente a procura pelos testes BRCA1/2 entre mulheres em vários países sem, no entanto, levar a um aumento correspondente nas taxas de mastectomia 3939. Troiano G, Nante N, Cozzolino M. The Angelina Jolie effect: impact on breast and ovarian cancer prevention a systematic review of effects after the public announcement in May 2013. Health Educ J 2017; 76:707-15.. Troiano et al. 3939. Troiano G, Nante N, Cozzolino M. The Angelina Jolie effect: impact on breast and ovarian cancer prevention a systematic review of effects after the public announcement in May 2013. Health Educ J 2017; 76:707-15. discutem o enorme poder de influência de celebridades e da mídia sobre o comportamento dos pacientes, mas também levantam questionamentos sobre a necessidade de promover informação precisa e de qualidade para a população, de forma a não alimentar a realização de um excesso de exames desnecessários para uma população de baixo risco.
Essa preocupação é tanto mais relevante com a disseminação, em vários países, da oferta de testes genéticos diretos ao consumidor por empresas como 23andMe, uBiome ou Miroculus. A 23andMe oferece testes genéticos para informar às pessoas sobre sua ancestralidade e suscetibilidades genéticas, aferindo riscos para uma série de afecções como: degeneração macular, trombofilia hereditária, doença de Parkinson, doença de Alzheimer tardia e hemocromatose hereditária, entre outras. O consumidor solicita o kit de coleta pela Internet, recolhe a amostra de saliva em sua casa e a envia pelo correio para a empresa, recebendo algumas semanas depois os relatórios com os resultados. Em 2018, a 23andMe anunciou a aprovação pela Agência de Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA) da comercialização dos testes genéticos BRCA1/2 direto ao consumidor, sem a necessidade de prescrição médica ou de aconselhamento genético. O anúncio causou apreensão entre pesquisadores e médicos, que alertaram para o fato de que muitas mulheres podem sentir uma falsa sensação de segurança se não compreenderem que o teste comercializado se limita largamente a identificar as variantes genéticas encontradas nas mulheres judias Ashkenazi, que são raras na população em geral 4040. Coghlan A. 23andMe's breast cancer test may create false sense of security. New Scientist 2018; 7 mar. https://www.newscientist.com/article/2163136-23andmes-breast-cancer-test-may-create-false-sense-of-security/.
https://www.newscientist.com/article/216... .
Apesar do entusiasmo das empresas que comercializam testes genéticos, a promessa de estimar suscetibilidade genética com base em polimorfismos para doenças complexas como câncer, diabetes, doenças cardiorrespiratórias, esquizofrenia ou depressão ainda não se materializou. Os estudos de varredura genética têm apontado associações genéticas modestas, com pequena elevação no risco de doença e com pequeno valor preditivo quando comparados com contribuições mais significativas dos riscos ambientais, história familiar ou fatores sociais e comportamentais 3535. Khoury MJ, Galea S. Will precision medicine improve population health? JAMA 2016; 316:1357-8.,3737. Barker RW. Is precision medicine the future of healthcare? Per Med 2017; 14:465-61.. Para Tutton 1919. Tutton R. Genomics and the reimagining of personalized medicine. Farnham: Ashgate Publishing; 2014., as empresas que comercializam testes de suscetibilidade genética empreendem uma reinterpretação dos estudos de varredura genômica (GWAS), tomando os resultados das associações estatísticas entre variantes genéticas e desfechos de saúde em populações como se fossem predição de riscos individuais.
Outro ponto bastante questionável é a suposição de que a MP contribuirá para a adoção de medidas preventivas por parte das pessoas com base no conhecimento de suas suscetibilidades genéticas. Há vários estudos problematizando essa afirmação e mostrando que a informação genética com orientação personalizada não necessariamente leva à modificação de comportamentos por parte das pessoas em risco 1212. Rey-López JP, Sá TH, Rezende LF. Why precision medicine is not the best route to a healthier world. Rev Saúde Pública 2018; 52:12.,2222. Duffy DJ. Problems, challenges and promises: perspectives on precision medicine. Brief Bioinform 2016; 17:494-504.,3535. Khoury MJ, Galea S. Will precision medicine improve population health? JAMA 2016; 316:1357-8.. O baixo impacto das ações voltadas para indivíduos em alto risco é um ponto frequentemente negligenciado pelos defensores da MP 1212. Rey-López JP, Sá TH, Rezende LF. Why precision medicine is not the best route to a healthier world. Rev Saúde Pública 2018; 52:12..
A oncologia é a área médica que mais está incorporando as novas tecnologias genômicas, na identificação do perfil molecular de tumores e utilização de medicações alvo, incluindo a promissora imunoterapia, sendo frequentemente citada como exemplo de sucesso pela MP. Os tratamentos com medicamentos alvo, que agem sobre mutações genéticas, têm gerado melhora significativa nos resultados clínicos de alguns tipos de câncer. Para o câncer de mama, o trastuzumabe associado ao teste genético para tumores que expressam a proteína HER2 e o imatinibe/glivec no tratamento da leucemia mieloide crônica (LMC) mudaram completamente o paradigma no tratamento destas doenças, propiciando melhora clínica significativa para os pacientes 4141. Gyawali B, Sullivan R. Economics of cancer medicines: for whose benefit? New Bioeth 2017; 23:95-104.. No tratamento do câncer colorretal, por exemplo, os pacientes que recebem cetuximab e quimioterapia apresentam uma resposta terapêutica melhor do que os que recebem apenas quimioterapia. Apenas pacientes com uma variação genética (KRAS mutante) não se beneficiam do medicamento 3535. Khoury MJ, Galea S. Will precision medicine improve population health? JAMA 2016; 316:1357-8..
Painéis de genes estão sendo utilizados em casos de câncer de mama para eleger mulheres que poderão ser poupadas de tratamentos mais agressivos como quimioterapia. Em 2018, ganhou destaque na mídia o estudo TAILORx, cujo teste genético, chamado Oncotype DX Breast Cancer Assay (painel oncótipo DX de câncer de mama), baseando-se na análise de 21 genes tumorais, conseguiu, com segurança, identificar as mulheres com câncer de mama em estágio inicial que poderiam adotar somente a hormonioterapia, evitando a quimioterapia. Estima-se que 70% das pacientes com câncer de mama em estágio inicial poderiam evitar o tratamento quimioterápico 4242. Grady D. Muitas mulheres com câncer de mama podem dispensar a químio, diz estudo. Folha de S. Paulo 2018; 3 jun. https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2018/06/muitas-mulheres-com-cancer-de-mama-podem-dispensar-a-quimio-diz-estudo.shtml.
https://www1.folha.uol.com.br/equilibrio... .
A imunoterapia é vista como a mais recente e promissora tecnologia para o tratamento do câncer pela estimulação do sistema imunológico do paciente para que reconheça o tumor e o elimine. Anticorpos atuando sobre reguladores negativos da resposta imunológica, como CTLA-4 e PD-1, mostraram melhora significativa na sobrevida de longo prazo, especialmente nos casos de melanomas 3636. Maughan T. The promise and the hype of 'personalised medicine'. New Bioeth 2017; 23:13-20.. Os primeiros medicamentos, como o ipilimumabe, começaram a entrar no mercado em 2011, sendo seguidos por outros mais eficazes de segunda geração como nivolumabe e pembrolizumab.
Esses avanços, no entanto, mostram apenas um lado da moeda. Em artigo recente de revisão, Sell 4343. Sell S. Cancer immunotherapy: breakthrough or "deja vu, all over again"? Tumour Biol 2017; 39:1010428317707764. alerta para o fato de que a história da imunoterapia no câncer tem sido marcada por níveis altos de entusiasmo, após relatos de casos anedóticos de enorme sucesso terapêutico, seguidos por níveis decrescentes de entusiasmo quando os resultados de ensaios clínicos controlados são disponibilizados, mostrando que os ganhos são incrementais e limitados a um número relativamente pequeno de pacientes com um tipo específico de câncer 4343. Sell S. Cancer immunotherapy: breakthrough or "deja vu, all over again"? Tumour Biol 2017; 39:1010428317707764..
No que diz respeito às medicações alvo, o problema, como aponta Maughan 3636. Maughan T. The promise and the hype of 'personalised medicine'. New Bioeth 2017; 23:13-20., é que a expectativa de transformação de paradigma inspirada por drogas como imatinibe e trastuzumabe não se transformou em realidade e eles continuam entre os poucos exemplos de terapia alvo que propiciam melhora significativa de longo prazo como agentes únicos. A maior parte dos novos medicamentos alvo não alcança os mesmos benefícios. Fojo et al. 4444. Fojo T, Mailankody S, Lo A. Unintended consequences of expensive cancer therapeutics. The pursuit of marginal indications and a me-too mentality that stifles innovation and creativity: the John Conley Lecture. JAMA Otolaryngol Head Neck Surg 2014; 140:1225-36. mostram que a média de melhora na sobrevida geral de 71 novos medicamentos aprovados pelo FDA para tratamento do câncer entre 2002 e 2014 foi de apenas 2,1 meses.
A principal dificuldade está na resistência aos medicamentos alvo utilizados contra o câncer por conta da heterogeneidade dos tumores e da evolução clonal existente em muitos cânceres 1010. Coote J, Joyner M. Is precision medicine the route to a healthy world? Lancet 2015; 385:1617.,2727. Fleck LM. "Just caring": can we afford the ethical and economic costs of circumventing cancer drug resistance? J Pers Med 2013; 3:124-43.,3636. Maughan T. The promise and the hype of 'personalised medicine'. New Bioeth 2017; 23:13-20.,4545. Tannock IF, Hickman JA. Limits to personalized cancer medicine. N Engl J Med 2016; 375:1289-94.. Os medicamentos alvo, baseados na análise de mutações tumorais, eliminam apenas os clones suscetíveis, deixando vivas as células resistentes e adaptadas, causando a resistência ao medicamento 1010. Coote J, Joyner M. Is precision medicine the route to a healthy world? Lancet 2015; 385:1617.,4242. Grady D. Muitas mulheres com câncer de mama podem dispensar a químio, diz estudo. Folha de S. Paulo 2018; 3 jun. https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2018/06/muitas-mulheres-com-cancer-de-mama-podem-dispensar-a-quimio-diz-estudo.shtml.
https://www1.folha.uol.com.br/equilibrio... . As terapias alvo, como os inibidores de BRAF(V600) nos melanomas malignos, podem levar à grande melhora clínica, mas estas são frequentemente de curta duração, à medida em que os tumores se adaptam rapidamente, produzindo resistência à droga 2222. Duffy DJ. Problems, challenges and promises: perspectives on precision medicine. Brief Bioinform 2016; 17:494-504.,4545. Tannock IF, Hickman JA. Limits to personalized cancer medicine. N Engl J Med 2016; 375:1289-94..
Para Maughan 3636. Maughan T. The promise and the hype of 'personalised medicine'. New Bioeth 2017; 23:13-20., os efeitos benéficos e duradouros do imatinib, no caso da LMC, são a exceção e não a norma, por conta desta doença ser causada por uma alteração genética muito específica e singular. A maior parte dos cânceres é causada por uma mistura de anormalidades genéticas que variam segundo o local de origem e entre indivíduos, e que são fortemente influenciadas por fatores ambientais 3636. Maughan T. The promise and the hype of 'personalised medicine'. New Bioeth 2017; 23:13-20.. Maughan, apesar de reconhecer os avanços no conhecimento sobre os mecanismos moleculares das doenças e algumas aplicações terapêuticas, critica a forma como os resultados extraordinários de poucas tecnologias são repetidos nas conferências de MP e alcançam proporções míticas, sem o contraponto dos limites e fracassos na reprodução destes benefícios em doenças mais complexas. No mesmo sentido, Prasad 1111. Prasad V. Perspective: the precision-oncology illusion. Nature 2016; 537:S63. aponta que um número muito reduzido de pacientes se beneficia da oncologia de precisão e afirma que ela ainda é uma “hipótese que necessita verificação”.
Baseando-se nas evidências que dispomos hoje, um tom moderado com relação às promessas da MP é prudente. A MP poderá não representar a revolução na atenção médica que promete, mas trazer, sobretudo, um ganho incremental, na base do caso a caso 2222. Duffy DJ. Problems, challenges and promises: perspectives on precision medicine. Brief Bioinform 2016; 17:494-504. e em determinados nichos 1010. Coote J, Joyner M. Is precision medicine the route to a healthy world? Lancet 2015; 385:1617., tal como estamos observando para determinados tipos de câncer. A penetração da tecnologia genômica na medicina também não pode ser generalizada, pois há muitas áreas onde estas tecnologias não penetraram, e mesmo na oncologia há tipos de cânceres em que a tecnologia genômica ainda não representou avanço. Nesse sentido, alguns autores questionam a robustez do processo de molecularização, perguntando se trata-se de uma revolução, com substituição das práticas médicas tradicionais, ou de evolução com complementação e convivência com estas práticas 11. Hogarth S, Hopkins MM, Rodriguez V. A molecular monopoly? HPV testing, the Pap smear and the molecularisation of cervical cancer screening in the USA. Sociol Health Illn 2012; 34:234-50..
O alto custo das medicações alvo e as desigualdades no acesso aos benefícios
Uma das grandes promessas da medicina de precisão é a redução do custo da assistência médica, que ocorreria a partir de uma maior eficiência na utilização dos medicamentos, evitando seu uso para pacientes nos quais seriam ineficazes ou evitando efeitos adversos. Essa promessa, no entanto, não se concretizou. Ao contrário, o alto custo das medicações alvo está gerando desigualdades no acesso aos benefícios dos medicamentos e desafios para a sustentabilidade dos sistemas de saúde 4141. Gyawali B, Sullivan R. Economics of cancer medicines: for whose benefit? New Bioeth 2017; 23:95-104.,4646. Ferreira CG, Achatz MI, Ashton-Prolla P, Begnami MD, Marchini FK, Stefani SD. Brazilian health-care policy for targeted oncology therapies and companion diagnostic testing. Lancet Oncol 2016; 17:e363-70.. O custo dos novos medicamentos para o câncer tem crescido de forma rápida e contínua 4444. Fojo T, Mailankody S, Lo A. Unintended consequences of expensive cancer therapeutics. The pursuit of marginal indications and a me-too mentality that stifles innovation and creativity: the John Conley Lecture. JAMA Otolaryngol Head Neck Surg 2014; 140:1225-36., e seu custo médio frequentemente ultrapassa os 100 mil dólares por ano 4747. Workman P, Draetta GF, Schellens JHM, Bernards R, et al. How much longer will we put up with $100,000 cancer drugs? Cell 2017; 168:579-83.. Concorre para o aumento dos custos o fato de que os medicamentos frequentemente precisam ser combinados para atingir os melhores resultados clínicos, como no caso da combinação de nivolumab (anti-PD-1) e ipilimumab (anti-CTLA4), cujo custo alcança 252 mil dólares ao ano 4747. Workman P, Draetta GF, Schellens JHM, Bernards R, et al. How much longer will we put up with $100,000 cancer drugs? Cell 2017; 168:579-83.. Outro dado importante é que os preços dos medicamentos não caíram ao longo do tempo como era esperado, apesar da disponibilidade de medicamentos genéricos. O imatinib, por exemplo, quadruplicou de preço nos Estados Unidos desde o seu lançamento 4848. Kantarjian H. The arrival of generic imatinib into the U.S. market: an educational event. The ASCO Post 2016; 25 mai. http://www.ascopost.com/issues/may-25-2016/the-arrival-of-generic-imatinib-intothe-us-market-an-educational-event/.
http://www.ascopost.com/issues/may-25-20... .
Um dos fatores importantes para o aumento dos custos do tratamento do câncer é a crescente utilização de novos medicamentos de alto custo, para indicações aprovadas e também para indicações não comprovadas (off label), e que trazem benefícios modestos para os pacientes 4444. Fojo T, Mailankody S, Lo A. Unintended consequences of expensive cancer therapeutics. The pursuit of marginal indications and a me-too mentality that stifles innovation and creativity: the John Conley Lecture. JAMA Otolaryngol Head Neck Surg 2014; 140:1225-36.. Fojo et al. 4444. Fojo T, Mailankody S, Lo A. Unintended consequences of expensive cancer therapeutics. The pursuit of marginal indications and a me-too mentality that stifles innovation and creativity: the John Conley Lecture. JAMA Otolaryngol Head Neck Surg 2014; 140:1225-36. criticam a baixa exigência dos critérios usados pelo comitê da ASCO (Sociedade Americana de Oncologia Clínica) para avaliar se um medicamento propicia melhora clinicamente significativa (melhora na sobrevida e/ou qualidade de vida). Para esses autores, o baixo patamar de exigência de eficácia está resultando no estímulo para a fabricação de medicamentos redundantes (me too mentality), que trazem opções terapêuticas para os pacientes, mas com benefícios modestos para o alto custo. Dos 71 novos medicamentos aprovados pela FDA entre 2002 e 2014, somente 30 (42%) poderiam ser considerados como propiciando melhora clínica significativa (sobrevida ou qualidade de vida), apesar das exigências de benefícios serem baixas 4444. Fojo T, Mailankody S, Lo A. Unintended consequences of expensive cancer therapeutics. The pursuit of marginal indications and a me-too mentality that stifles innovation and creativity: the John Conley Lecture. JAMA Otolaryngol Head Neck Surg 2014; 140:1225-36.. Os autores apontam que a me too mentality é um importante fator para que a indústria não corra riscos, investindo em pesquisas que poderiam resultar em inovação significativa.
Vários autores acreditam que essa tendência da produção de medicamentos com custo elevado para benefício modesto de pequenas populações não poderá ser sustentada por muito mais tempo 2929. Sturdy S. Personalised medicine and the economy of biotechnological promise. New Bioeth 2017; 23:30-7.,4747. Workman P, Draetta GF, Schellens JHM, Bernards R, et al. How much longer will we put up with $100,000 cancer drugs? Cell 2017; 168:579-83.. Ferreira et al. 4646. Ferreira CG, Achatz MI, Ashton-Prolla P, Begnami MD, Marchini FK, Stefani SD. Brazilian health-care policy for targeted oncology therapies and companion diagnostic testing. Lancet Oncol 2016; 17:e363-70. reconhecem os benefícios dos medicamentos alvo, mas apontam que o real valor das novas intervenções, em comparação com as estratégias estabelecidas, ainda não foi devidamente avaliado em pesquisas comparativas. Um estudo de avaliação sistemática dos medicamentos aprovados pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA) entre 2009 e 2013 mostrou que muitas drogas para tratamento do câncer entram no mercado sem evidência de benefício em termos de sobrevida ou qualidade de vida 4949. Davis C, Naci H, Gurpinar E, Poplavska E, Pinto A, Aggarwal A, et al. Availability of evidence of benefits on overall survival and quality of life of cancer drugs approved by European Medicines Agency: retrospective cohort study of drug approvals 2009-13. BMJ 2017; 359:j4530..
Para Sturdy 2929. Sturdy S. Personalised medicine and the economy of biotechnological promise. New Bioeth 2017; 23:30-7., a medicina personalizada tem cumprido melhor a sua promessa de recompensar o investimento privado do setor farmacêutico e de biotecnologias do que em propiciar economias para os serviços de saúde. Segundo esse autor, essa lógica faz com que pesquisas e tecnologias que poderiam representar redução de custos para os serviços de saúde, mas que prejudicariam a lucratividade das empresas, sejam preteridas em benefício da produção de medicamentos de alto custo 2929. Sturdy S. Personalised medicine and the economy of biotechnological promise. New Bioeth 2017; 23:30-7..
O preço das novas drogas, especialmente nos Estados Unidos, está baseado apenas na aceitabilidade do mercado, sem considerações pelo custo da inovação ou benefício que elas proporcionem 4141. Gyawali B, Sullivan R. Economics of cancer medicines: for whose benefit? New Bioeth 2017; 23:95-104.. Qualquer novo medicamento contra o câncer é apresentado como tendo um alto valor moral intrínseco, independentemente do custo que represente para a sociedade. Os preços altos se tornaram uma norma que tem impacto global, dada a importância do mercado americano como parâmetro para a formação dos preços em outros lugares do mundo 4141. Gyawali B, Sullivan R. Economics of cancer medicines: for whose benefit? New Bioeth 2017; 23:95-104..
O alto custo das medicações alvo acarretará desigualdades no acesso aos benefícios entre países de alta e média/baixa rendas e no interior destes países entre populações de diferentes camadas sociais. Para os países de baixa renda que, muitas vezes, têm dificuldades de dispor de tecnologias básicas em saúde para a sua população, os custos dos novos tratamentos são proibitivos. A maior parte dos países de baixa e média rendas não consegue prover a sua população de todos os medicamentos considerados essenciais pela Organização Mundial da Saúde (OMS) 4141. Gyawali B, Sullivan R. Economics of cancer medicines: for whose benefit? New Bioeth 2017; 23:95-104.. Assim, a MP pode concentrar recursos na parcela da população que já possui maior poder aquisitivo e acesso aos serviços de saúde.
Deslocamento das prioridades em pesquisa
Por fim, um dos problemas que tem sido apontado por muitos críticos da MP é o quanto a ênfase por parte de governos, agências financiadoras, indústria farmacêutica e comunidade científica na pesquisa genômica e molecular em saúde está transformando as prioridades em pesquisa e deslocando para segundo plano a atenção aos determinantes sociais de saúde e a ações preventivas com impacto populacional 1313. Bayer R, Galea S. Public health in the precision-medicine era. N Engl J Med 2015; 373:499-501.,1919. Tutton R. Genomics and the reimagining of personalized medicine. Farnham: Ashgate Publishing; 2014.,3535. Khoury MJ, Galea S. Will precision medicine improve population health? JAMA 2016; 316:1357-8.,3636. Maughan T. The promise and the hype of 'personalised medicine'. New Bioeth 2017; 23:13-20.,5050. Dickenson D. Me medicine vs. we medicine: reclaiming biotechnology for the common good. New York: Columbia University Press; 2013.. Bayer & Galea 1313. Bayer R, Galea S. Public health in the precision-medicine era. N Engl J Med 2015; 373:499-501. mostram que o financiamento do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH) em 2014 para áreas de pesquisa que incluíam as palavras “gene”, “genome” ou “genetic” era 50% maior do que para as áreas que traziam a palavra “prevention”. Segundo Khoury & Galea 3535. Khoury MJ, Galea S. Will precision medicine improve population health? JAMA 2016; 316:1357-8., o financiamento do NIH para pesquisa em saúde pública vem declinando nos últimos dez anos e o financiamento para pesquisa em genômica tem crescido substancialmente. Concordamos como Joyner & Paneth 2828. Joyner MJ, Paneth N. Seven questions for personalized medicine. JAMA 2015; 314:999-1000. sobre a importância de problematizar qual o impacto em termos de saúde pública do enorme investimento na MP. Quais as contribuições da MP no enfrentamento dos grandes problemas de saúde pública global? A MP reduzirá as maiores causas de morbidade e mortalidade?
O acúmulo de conhecimento que temos sobre os determinantes sociais da saúde mostram que os grandes problemas de saúde pública não serão impactados pela MP, sem que as principais causas sociais subjacentes a estes problemas sejam efetivamente abordadas. Os grandes avanços na melhora dos indicadores de saúde populacionais foram consequência da melhora das condições socioeconômicas da população e de ações voltadas para grupos populacionais como saneamento básico, vacinação ou programas de redução do consumo de tabaco 2828. Joyner MJ, Paneth N. Seven questions for personalized medicine. JAMA 2015; 314:999-1000.. A perspectiva privilegiada pela MP, com ênfase em medicamentos de alto custo para benefício de pequenas populações, não só não alcançará maior impacto populacional, como poderá também relegar a segundo plano intervenções e políticas populacionais de baixo custo e mais efetivas 1010. Coote J, Joyner M. Is precision medicine the route to a healthy world? Lancet 2015; 385:1617.,2222. Duffy DJ. Problems, challenges and promises: perspectives on precision medicine. Brief Bioinform 2016; 17:494-504.. Maughan 3636. Maughan T. The promise and the hype of 'personalised medicine'. New Bioeth 2017; 23:13-20. defende que para se obter progresso na redução da mortalidade por câncer, o foco deve estar na prevenção primária, na detecção precoce e na otimização do tratamento imediatamente após o diagnóstico.
O otimismo exagerado com as promessas da MP e seu foco no indivíduo tem impacto também sobre o encontro clínico. Maughan 3636. Maughan T. The promise and the hype of 'personalised medicine'. New Bioeth 2017; 23:13-20. cita o caso de pacientes que já chegam ao consultório solicitando a prescrição do novo medicamento que eles pesquisaram na Internet. Para pesquisadores e médicos, a MP pode contribuir na emergência de uma nova geração que vê o mundo através de lentes individualistas 3535. Khoury MJ, Galea S. Will precision medicine improve population health? JAMA 2016; 316:1357-8..
Conclusão
O movimento da MP é bastante polêmico e tem suscitado debates acalorados. As promessas criam grandes expectativas em torno do potencial das novas tecnologias genômicas e moleculares para a prevenção e tratamento das doenças complexas. As evidências, no entanto, apontam que é necessário ter cautela e mais sobriedade com relação às promessas da MP. Se por um lado houve enorme avanço no conhecimento sobre os mecanismos moleculares das patologias e o desenvolvimento de medicamentos que impactaram enormemente o tratamento de alguns tipos de câncer, estes sucessos não podem ser tomados como mudanças paradigmáticas, pois até o momento não há evidências de que este padrão se reproduzirá em outras doenças complexas.
O foco central no indivíduo e em tecnologias de alto custo que beneficiam uma pequena parcela da população, não só não terá impacto na redução dos grandes problemas de saúde que afligem o mundo, como pode gerar o aumento das desigualdades com concentração de recursos e tecnologias nas camadas da população que já possuem maior acesso à saúde, contribuindo para o aumento das desigualdades em saúde e tornando-se um problema para a sustentabilidade dos serviços de saúde, especialmente em países de média e baixa rendas. Para a incorporação das novas tecnologias da MP é fundamental empreender uma avalição de custo-benefício em uma perspectiva ética, que leve em conta se elas serão acessíveis a todos os que podem se beneficiar e se não agravarão as disparidades em saúde.
A ênfase sobre o indivíduo e o saber genômico precisa ser contrabalanceada com a compreensão dos sujeitos em seus contextos socioculturais, políticos e econômicos e com o equivalente investimento em ações sobre os determinantes sociais da saúde. A perspectiva das ciências sociais nos mostra que as tecnologias biomédicas não são neutras. Elas têm história, estão inseridas em contexto morais, e sua aplicação na clínica é fortemente influenciada por normas culturais, interesses políticos e econômicos e tendências científicas dominantes 5151. Lock M, Nguyen V-K. An anthropology of biomedicine. Hoboken: John Wiley & Sons; 2010.. Nesse sentido, é fundamental a análise crítica sobre os pressupostos, práticas e possíveis consequências da MP. As ciências sociais podem contribuir nessa empreitada, situando o sujeito e o corpo biológico em seu contexto histórico, político, ambiental e econômico, abordando a repercussão da implantação das novas tecnologias genômicas na prática clínica, com base no saber local e na experiência dos profissionais de saúde, pacientes e comunidades diretamente afetados pelas inovações tecnológicas 5151. Lock M, Nguyen V-K. An anthropology of biomedicine. Hoboken: John Wiley & Sons; 2010.,5252. Iriart JAB, Caprara A. Novos objetos e novos desafios para a antropologia da saúde na contemporaneidade. Physis (Rio J.) 2011; 21:1253-68..
Agradecimentos
Agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa de produtividade em pesquisa e financiamento para a investigação pelo edital universal e à Coordenção de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pelo acesso ao Portal Periódicos.
Referências
- 1Hogarth S, Hopkins MM, Rodriguez V. A molecular monopoly? HPV testing, the Pap smear and the molecularisation of cervical cancer screening in the USA. Sociol Health Illn 2012; 34:234-50.
- 2Rose N. The politics of life itself: biomedicine, power, and subjectivity in the twenty-first century. Oxford: Princeton University Press; 2007.
- 3European Science Foundation. Personalised medicine for the European citizen. Towards more precise medicine for the diagnosis, treatment and prevention of disease (iPM). Strasbourg: European Science Foundation; 2012.
- 4Hood L, Friend SH. Predictive, personalized, preventive, participatory (P4) cancer medicine. Nat Rev Clin Oncol 2011; 8:184-7.
- 5Collins FS, Varmus H. A new initiative on precision medicine. N Engl J Med 2015; 372:793-5.
- 6Perez B. China's 'precision medicine' initiative gets lift from latest genomics company funding. South China Morning Post 2017; 2 mai. https://www.scmp.com/tech/china-tech/article/2092362/chinas-precision-medicine-initiative-gets-lift-latest-genomics
» https://www.scmp.com/tech/china-tech/article/2092362/chinas-precision-medicine-initiative-gets-lift-latest-genomics - 7Jasanoff S. States of knowledge: the co-production of science and the social order. London: Routledge; 2004.
- 8Rose N. A biomedicina transformará a sociedade? O impacto político, econômico, social e pessoal dos avanços médicos no século XXI. Psicol Soc 2010; 22:628-38.
- 9Toledo K. Primeiro banco público de dados genômicos da América Latina é lançado. 2015. Agência FAPESP 2015; 17 nov. http://agencia.fapesp.br/primeiro-banco-publico-de-dados-genomicos-da-america-latina-e-lancado/22255/
» http://agencia.fapesp.br/primeiro-banco-publico-de-dados-genomicos-da-america-latina-e-lancado/22255/ - 10Coote J, Joyner M. Is precision medicine the route to a healthy world? Lancet 2015; 385:1617.
- 11Prasad V. Perspective: the precision-oncology illusion. Nature 2016; 537:S63.
- 12Rey-López JP, Sá TH, Rezende LF. Why precision medicine is not the best route to a healthier world. Rev Saúde Pública 2018; 52:12.
- 13Bayer R, Galea S. Public health in the precision-medicine era. N Engl J Med 2015; 373:499-501.
- 14Patrinos GP, Prainsack B. Working towards personalization of medicine: genomics in 2014. Per Med 2014: 11:611-3.
- 15Clarke AE, Mamo L, Fosket JR, Fishman JR, Shim JK. Biomedicalization: technoscience, health, and illness in the U.S. Durham: Duke University Press; 2010.
- 16National Research Council (US) Committee on A Framework for Developing a New Taxonomy of Disease. Toward precision medicine: building a knowledge network for biomedical research and a new taxonomy of disease. Washignton DC: National Academies Press; 2011.
- 17Kola I, Bell J. A call to reform the taxonomy of human disease. Nat Rev Drug Discov 2011; 10:641-2.
- 18Prainsack B. Personalized medicine: empowered patients in the 21st century? New York: NYU Press; 2017.
- 19Tutton R. Genomics and the reimagining of personalized medicine. Farnham: Ashgate Publishing; 2014.
- 20Genetics Home Reference. What is precision medicine? https://ghr.nlm.nih.gov/primer/precisionmedicine/definition (acessado em 27/Mai/2018).
» https://ghr.nlm.nih.gov/primer/precisionmedicine/definition - 21Timmerman L. What's in a name? A lot, when it comes to 'precision medicine'. Xconomy 2013; 4 fev. http://xconomy.com/national/2013/02/04/whats-in-a-name-a-lot-when-it-comes-to-precision-medicine/
» http://xconomy.com/national/2013/02/04/whats-in-a-name-a-lot-when-it-comes-to-precision-medicine/ - 22Duffy DJ. Problems, challenges and promises: perspectives on precision medicine. Brief Bioinform 2016; 17:494-504.
- 23Horgan D, Paradiso A, McVie G, Banks I, Van der Wal T, Brand A, et al. Is precision medicine the route to a healthy world? Lancet 2015; 386:336-7.
- 24Mamoshina P, Ojomoko L, Yanovich Y, Ostrovski A, Botezatu A, Prikhodko P, et al. Converging blockchain and next-generation artificial intelligence technologies to decentralize and accelerate biomedical research and healthcare. Oncotarget 2017; 9:5665-90.
- 25Juengst ET, Settersten Jr. RA, Fishman JR, McGowan ML. After the revolution? Ethical and social challenges in 'personalized genomic medicine'. Per Med 2012; 9:429-39.
- 26Metzler I. Biomarkers and their consequences for the biomedical profession: a social science perspective. Per Med 2010; 7:407-20.
- 27Fleck LM. "Just caring": can we afford the ethical and economic costs of circumventing cancer drug resistance? J Pers Med 2013; 3:124-43.
- 28Joyner MJ, Paneth N. Seven questions for personalized medicine. JAMA 2015; 314:999-1000.
- 29Sturdy S. Personalised medicine and the economy of biotechnological promise. New Bioeth 2017; 23:30-7.
- 30Feiler T, Gaitskell K, Maughan T, Hordern J. Personalised medicine: the promise, the hype and the pitfalls. New Bioeth 2017; 23:1-12.
- 31Rajan KS. Biocapital: the constitution of postgenomic life. Durham: Duke University Press; 2006.
- 32Borup M, Brown N, Konrad K, van Lente H. The sociology of expectations in science and technology. Technol Anal Strateg Manag 2006; 18:285-98.
- 33Gogoni R. A ascensão e queda da Theranos e sua fundadora, Elizabeth Holmes. https://meiobit.com/347347/elizabeth-holmes-ceo-theranos-startup-que-prometia-revolucionar-mercado-exames-de-diagnostico-e-proibida-de-operar-laboratorios-por-dois-anos-fortuna-evaporou-resultados-nao-existem/ (acessado em 15/Out/2018).
» https://meiobit.com/347347/elizabeth-holmes-ceo-theranos-startup-que-prometia-revolucionar-mercado-exames-de-diagnostico-e-proibida-de-operar-laboratorios-por-dois-anos-fortuna-evaporou-resultados-nao-existem/ - 34Fullerton SM, Knerr S, Burke W. Finding a place for genomics in health disparities research. Public Health Genomics 2012; 15:156-63.
- 35Khoury MJ, Galea S. Will precision medicine improve population health? JAMA 2016; 316:1357-8.
- 36Maughan T. The promise and the hype of 'personalised medicine'. New Bioeth 2017; 23:13-20.
- 37Barker RW. Is precision medicine the future of healthcare? Per Med 2017; 14:465-61.
- 38Razzouk S. CRISPR Cas9: a cornerstone for the evolution of precision medicine. Ann Hum Genet 2018; 82:331-57.
- 39Troiano G, Nante N, Cozzolino M. The Angelina Jolie effect: impact on breast and ovarian cancer prevention a systematic review of effects after the public announcement in May 2013. Health Educ J 2017; 76:707-15.
- 40Coghlan A. 23andMe's breast cancer test may create false sense of security. New Scientist 2018; 7 mar. https://www.newscientist.com/article/2163136-23andmes-breast-cancer-test-may-create-false-sense-of-security/
» https://www.newscientist.com/article/2163136-23andmes-breast-cancer-test-may-create-false-sense-of-security/ - 41Gyawali B, Sullivan R. Economics of cancer medicines: for whose benefit? New Bioeth 2017; 23:95-104.
- 42Grady D. Muitas mulheres com câncer de mama podem dispensar a químio, diz estudo. Folha de S. Paulo 2018; 3 jun. https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2018/06/muitas-mulheres-com-cancer-de-mama-podem-dispensar-a-quimio-diz-estudo.shtml
» https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2018/06/muitas-mulheres-com-cancer-de-mama-podem-dispensar-a-quimio-diz-estudo.shtml - 43Sell S. Cancer immunotherapy: breakthrough or "deja vu, all over again"? Tumour Biol 2017; 39:1010428317707764.
- 44Fojo T, Mailankody S, Lo A. Unintended consequences of expensive cancer therapeutics. The pursuit of marginal indications and a me-too mentality that stifles innovation and creativity: the John Conley Lecture. JAMA Otolaryngol Head Neck Surg 2014; 140:1225-36.
- 45Tannock IF, Hickman JA. Limits to personalized cancer medicine. N Engl J Med 2016; 375:1289-94.
- 46Ferreira CG, Achatz MI, Ashton-Prolla P, Begnami MD, Marchini FK, Stefani SD. Brazilian health-care policy for targeted oncology therapies and companion diagnostic testing. Lancet Oncol 2016; 17:e363-70.
- 47Workman P, Draetta GF, Schellens JHM, Bernards R, et al. How much longer will we put up with $100,000 cancer drugs? Cell 2017; 168:579-83.
- 48Kantarjian H. The arrival of generic imatinib into the U.S. market: an educational event. The ASCO Post 2016; 25 mai. http://www.ascopost.com/issues/may-25-2016/the-arrival-of-generic-imatinib-intothe-us-market-an-educational-event/
» http://www.ascopost.com/issues/may-25-2016/the-arrival-of-generic-imatinib-intothe-us-market-an-educational-event/ - 49Davis C, Naci H, Gurpinar E, Poplavska E, Pinto A, Aggarwal A, et al. Availability of evidence of benefits on overall survival and quality of life of cancer drugs approved by European Medicines Agency: retrospective cohort study of drug approvals 2009-13. BMJ 2017; 359:j4530.
- 50Dickenson D. Me medicine vs. we medicine: reclaiming biotechnology for the common good. New York: Columbia University Press; 2013.
- 51Lock M, Nguyen V-K. An anthropology of biomedicine. Hoboken: John Wiley & Sons; 2010.
- 52Iriart JAB, Caprara A. Novos objetos e novos desafios para a antropologia da saúde na contemporaneidade. Physis (Rio J.) 2011; 21:1253-68.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
25 Mar 2019
Histórico
- Recebido
04 Ago 2018 - Revisado
16 Out 2018 - Aceito
14 Dez 2018