Limitação do uso da voz na docência e a prática de atividade física no lazer: Estudo Educatel, Brasil, 2015/2016

Limitación del uso de la voz en la docencia y la práctica de actividad física durante el tiempo de ocio: Estudio Educatel, Brasil, 2015/2016

Stephanie Mayra de Moraes Santos Emanuella Gomes Maia Rafael Moreira Claro Adriane Mesquita de Medeiros Sobre os autores

Resumos

O objetivo do estudo foi identificar a prevalência de problemas na docência por causa da voz entre os professores da educação básica, e analisar sua associação com a prática de atividade física. Foram utilizados dados de inquérito por entrevista telefônica junto à amostra representativa (n = 6.510) de professores do Estudo Educatel, entre outubro de 2015 e março de 2016. As informações de interesse central deste estudo compreendem o relato do professor de problemas na docência por causa da voz, a prática de atividade física no lazer (definida por sua intensidade, duração e frequência) e potenciais variáveis de confundimento. A análise dos dados foi estudada por meio de modelos de regressão de Poisson com variância robusta. Cerca de um quinto dos professores (20,5%) relatou problemas na docência por causa da voz, enquanto aproximadamente um terço relatou a prática de atividade física suficiente no lazer (≥ 150 minutos/semana) (37,8%). Tanto a prática de volume recomendado de atividade física quanto a prática de atividade física em cinco ou mais dias por semana (independentemente do volume total) estiveram associadas de forma inversa a problemas na docência por causa da voz, tanto em modelos bivariados quanto naqueles ajustados por variáveis de confundimento (sexo, idade e jornada de trabalho). Professores da Educação Básica apresentam alta prevalência de problemas na docência por causa da voz. A prática suficiente de atividade física no lazer e a prática semanal por cinco ou mais dias despontam como fatores potenciais de proteção para a redução da prevalência deste problema.

Palavras-chave:
Exercício; Professores Escolares; Inquéritos Epidemiológicos; Saúde do Trabalhador


El objetivo del estudio fue identificar la prevalencia de problemas en la docencia, debidos a la voz, entre profesores de educación básica y analizar su asociación con la práctica de actividad física. Se utilizaron datos de una encuesta por entrevista telefónica, junto a una muestra representativa (n = 6.510) de profesores de Estudio Educatel, entre octubre de 2015 y marzo de 2016. La información con mayor interés de este estudio incluye el relato de docentes con problemas en su profesión, debidos a la voz, la práctica de actividad física durante el tiempo de ocio (definida por su intensidad, duración y frecuencia) y las potenciales variables de confusión. El análisis de los datos se estudió mediante modelos de regresión de Poisson con variancia robusta. Cerca de un quinto de los profesores (20,5%) informó de problemas en la docencia, debidos a la voz, mientras aproximadamente un tercio informo sobre la práctica de actividad física suficiente durante el tiempo de ocio (≥ 150 minutos/semana) (37,8%). Tanto la práctica del volumen recomendado de actividad física, como la práctica de actividad física durante cinco o más días por semana (independiente del volumen total), se asociaron de forma inversa a problemas en la docencia debidos a la voz, tanto en modelos bivariados, como en aquellos ajustados por variables de confusión (sexo, edad y jornada de trabajo). Los profesores de Educación Básica presentan una alta prevalencia de problemas en la docencia debidos a la voz. La práctica suficiente de actividad física durante el ocio y la práctica semanal durante cinco o más días despuntan como factores potenciales de protección para la reducción de la prevalencia de este problema.

Palabras-clave:
Ejercício; Maestros; Encuesta Epidemiológica; Salud Laboral


Introdução

Um estudo aponta o distúrbio vocal como o principal problema de saúde (17,7%) que afastou o professor da sala de aula 11. Medeiros AM, Vieira MT. Ausência ao trabalho por distúrbio vocal de professores da Educação Básica no Brasil. Cad Saúde Pública 2019; 35 Suppl 1:e00171717.. Os relatos de sintomas vocais têm se mostrado de grande prevalência na docência 22. Behlau M, Zambon F, Guerrieri AC, Roy N. Epidemiology of voice disorders in teachers and nonteachers in Brazil: prevalence and adverse effects. J Voice 2012; 26:665.e9-18.,33. Lira Luce F, Teggi R, Ramella B, Biafora M, Girasoli L, Calori G, et al. Voice disorders in primary school teachers. Acta Otorhinolaryngol Ital 2014; 34:412-8., e mais evidentes entre os professores quando comparados aos não professores 22. Behlau M, Zambon F, Guerrieri AC, Roy N. Epidemiology of voice disorders in teachers and nonteachers in Brazil: prevalence and adverse effects. J Voice 2012; 26:665.e9-18..

Há o reconhecimento das limitações para se precisar o distúrbio vocal por meio de inquéritos epidemiológicos, diante da forma dinâmica e funcional de sua manifestação e da dificuldade de se obter o diagnóstico clínico 44. Giannini SPP, Latorre MRDO, Ferreira LP. Distúrbio de voz: definição de caso em estudos epidemiológicos. Distúrb Comun 2016; 28:658-64.. Ressalta-se a importância em se considerar o impacto de um problema de voz na qualidade de vida do sujeito 44. Giannini SPP, Latorre MRDO, Ferreira LP. Distúrbio de voz: definição de caso em estudos epidemiológicos. Distúrb Comun 2016; 28:658-64.,55. Schwartz SR, Cohen SM, Dailey SH, Rosenfeld RM, Deutsch ES, Gillespie MB, et al. Clinical practice guideline: Hoarseness (Dysphonia). Otolaryngol Head Neck Surg 2009; 141(3 Suppl 2):S1-31., pois nem sempre existe uma relação direta entre o desvio vocal e a autoavaliação do problema 66. Behlau M. The 2016 G. Paul Moore Lecture: Lessons in Voice Rehabilitation: Journal of Voice and Clinical Practice. J Voice 2018; pii:S0892-1997(18)30052-3.. O desvio vocal não é apenas um problema de laringe e voz, mas também uma dificuldade de comunicação 66. Behlau M. The 2016 G. Paul Moore Lecture: Lessons in Voice Rehabilitation: Journal of Voice and Clinical Practice. J Voice 2018; pii:S0892-1997(18)30052-3..

A qualidade de vida pode ser afetada pelas restrições e impedimentos no trabalho, gerados por distúrbios de voz que abrangem as alterações na funcionalidade vocal percebidas pelo indivíduo durante a comunicação interpessoal. Outras formas de limitações, decorrentes dos problemas de voz, além do trabalho 77. Przysiezny PE, Przysiezny LTS. Work-related voice disorder. Braz J Otorhinolaryngol 2015; 81:202-11., incluem os impactos sociais 88. Santos SMM, Medeiros JSA, Gama ACC, Teixeira LC, Medeiros AM. Impacto da voz na comunicação social e emoção de professoras antes e após fonoterapia. Rev CEFAC 2016; 18:470-80. e emocionais 55. Schwartz SR, Cohen SM, Dailey SH, Rosenfeld RM, Deutsch ES, Gillespie MB, et al. Clinical practice guideline: Hoarseness (Dysphonia). Otolaryngol Head Neck Surg 2009; 141(3 Suppl 2):S1-31..

Os professores tendem a perceber os sintomas vocais quando relacionados ao uso da voz no trabalho, como por exemplo, a dificuldade para falar forte, a necessidade de sobrepor o ruído ambiental e de restringir ou modificar as estratégias didático-pedagógicas 99. Medeiros JSA, Santos SMM, Teixeira LC, Gama ACC, Medeiros AM. Sintomas vocais relatados por professoras com disfonia e fatores associados. Audiol Commun Res 2016; 21:e1553.. As barreiras para a percepção do problema de voz pelo professor com consequente agravamento do quadro clínico aumentam o prejuízo no trabalho 1010. Costa V, Prada E, Roberts A, Cohen S. Voice disorders in primary school teachers and barriers to care. J Voice 2012; 26:69-76..

As condições ocupacionais precárias das escolas 22. Behlau M, Zambon F, Guerrieri AC, Roy N. Epidemiology of voice disorders in teachers and nonteachers in Brazil: prevalence and adverse effects. J Voice 2012; 26:665.e9-18.,1111. de Souza IR, dos Santos MER, Almeida INS. Mal-estar docente: a saúde do professor nos dias atuais. Revista Humanidades e Inoação 2016; 4:84-94., assim como os comportamentos individuais desfavoráveis, estão fortemente relacionados à produção vocal. Devido à etiologia complexa e multicausal dos distúrbios da voz, as evidências apontam o uso abusivo da voz, a hidratação insuficiente 1212. da Silva GJ, Almeida AA, Lucena BTL, Silva MFBL. Sintomas vocais e causas autorreferidas em professores. Rev CEFAC 2016; 18:158-66.,1313. Giannini SPP, Latorre MRDO, Ferreira LP. Distúrbio de voz relacionado ao trabalho de professora: um estudo caso-controle. CoDAS 2013; 25:566-76. e a ausência ou prática insuficiente de atividade física regular 1414. Ferreira LC, Latorre MRDO, Gianini SPP, Ghirard ACAM, Karmann DF, Siva EE, et al. Influence of abusive vocal habits, hydration, mastication, and sleep in the occurrence of vocal symptoms in teachers. J Voice 2010; 24:86-92.,1515. Assunção AA, Medeiros AM, Barreto SM, Gama ACC. Does regular practice of physical activity reduce the risk of dysphonia? Prev Med 2009; 49:487-89. como fatores de grande influência no adoecimento docente 22. Behlau M, Zambon F, Guerrieri AC, Roy N. Epidemiology of voice disorders in teachers and nonteachers in Brazil: prevalence and adverse effects. J Voice 2012; 26:665.e9-18.,44. Giannini SPP, Latorre MRDO, Ferreira LP. Distúrbio de voz: definição de caso em estudos epidemiológicos. Distúrb Comun 2016; 28:658-64..

A literatura científica sobre os benefícios de um estilo de vida fisicamente ativo para a saúde é ampla e robusta. São comprovados os benefícios da prática de atividade física na prevenção de diversas doenças crônicas, na melhoria da qualidade de vida, em curto e longo prazos, e no aumento da expectativa de vida em pelo menos três anos 1616. Silva RS, Silva I, Silva RA, Souza L, Tomasi E. Atividade física e qualidade de vida. Ciênc Saúde Coletiva 2010; 15:115-20.,1717. Wen CP, Wai JPM, Tsai MK, Yang YC, Cheng TYD, Lee MC, et al. Minimum amount of physical activity for reduced mortality and extended life expectancy: a prospective cohort study. Lancet 2011; 378:1244-53.,1818. Hallal PC, Bauman AE, Heath GW, Kohl 3rd HW, Lee I-M, Pratt M. Physical activity: more of the same is not nough. Lancet 2012; 380:190-1..

A sua influência da prática de atividade física é notória também no desempenho profissional, por ser considerada como uma forma de lazer e de recompor a saúde física e psíquica dos efeitos nocivos que a rotina de trabalho acarreta 1111. de Souza IR, dos Santos MER, Almeida INS. Mal-estar docente: a saúde do professor nos dias atuais. Revista Humanidades e Inoação 2016; 4:84-94.. Por outro lado, a prática insuficiente de atividade física regular é apontada como um importante preditor do estresse, das alterações cognitivas, de quadros de ansiedade, da depressão e da baixa autoestima 1919. Antunes HKM, Santos RF, Cassillas R, Santos RVT, Bueno OFA, Mello MT. Exercício físico e função cognitiva: uma revisão. Rev Bras Med Esporte 2006; 12:108-14..

Um número crescente de evidências científicas já indica que os professores insuficientemente ativos fisicamente tendem a apresentar distúrbios vocais com maiores frequências, comparados aos que praticam atividade física 1414. Ferreira LC, Latorre MRDO, Gianini SPP, Ghirard ACAM, Karmann DF, Siva EE, et al. Influence of abusive vocal habits, hydration, mastication, and sleep in the occurrence of vocal symptoms in teachers. J Voice 2010; 24:86-92.,1515. Assunção AA, Medeiros AM, Barreto SM, Gama ACC. Does regular practice of physical activity reduce the risk of dysphonia? Prev Med 2009; 49:487-89.. Na terapia fonoaudiológica recomenda-se a prática regular de atividade física aos professores e demais profissionais da voz, por ser benéfica ao organismo em geral 2020. Behlau M, Pontes P, Moreti F. Higiene vocal: cuidando da voz. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Revinter; 2016., assim como pela relação entre a adequada capacidade respiratória e a maior eficiência de voz 2121. McHenry MA, Evans J. Aerobic exercise as a warm-up for singing: acoustic impacts. J Voice 2017; 31:438-41.. Pouco se sabe sobre os parâmetros de frequência, duração e intensidade da atividade física, associados ao impacto da voz na docência.

O presente estudo teve por objetivo analisar a prevalência de problemas na docência por causa da voz dos professores da Educação Básica no Brasil e verificar sua associação com a prática de atividade física no lazer.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal e analítico, cujos dados primários do inquérito telefônico sobre a saúde, condições de trabalho e absenteísmo entre professores da Educação Básica no Brasil foram utilizados 2222. Assunção AA. Educatel Brasil 2015/16: estimativas da frequência e distribuição dos principais condicionantes de saúde e de faltas ao trabalho na população de professores da Educação Básica no Brasil. Belo Horizonte: Editora do Autor; 2016..

População do estudo e amostragem

Os professores brasileiros atuantes nos ensinos Infantil, Fundamental e Médio (etapas que compõem a denominada Educação Básica no Brasil) são a população-alvo deste estudo. Segundo dados do Censo Escolar de 2014 2323. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Censo Escolar da Educação Básica 2014: resumo técnico. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira; 2015., essa população corresponde a 2.229.269 professores.

O processo de amostragem empregado pelo Estudo Educatel visou à obtenção de uma amostra representativa da população de professores da Educação Básica no Brasil, valendo-se dos dados do Censo Escolar de 2014 2323. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Censo Escolar da Educação Básica 2014: resumo técnico. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira; 2015.. Utilizou-se uma amostragem complexa, composta por duas etapas: a primeira, baseada na estratificação da população, definida de acordo com a localização geográfica (grande região e área censitária), variáveis demográficas (faixa etária e sexo) e inserção no sistema escolar (dependência administrativa da escola, tipo de vínculo e etapa de ensino); e a segunda etapa foi composta pela seleção aleatória dos professores em cada um dos estratos. Mais informações podem ser encontradas em publicação específica 11. Medeiros AM, Vieira MT. Ausência ao trabalho por distúrbio vocal de professores da Educação Básica no Brasil. Cad Saúde Pública 2019; 35 Suppl 1:e00171717..

Baseando-se nessas características do processo amostral, um tamanho amostral mínimo de 6.500 professores foi definido. Considerou-se um nível de 95% de confiança e 0,99% de erro máximo previsto para a estimativa da prevalência de absenteísmo para toda a população de professores no Brasil. Tendo em vista a complexidade logística e o alto custo envolvidos na realização de entrevistas presenciais em uma amostra dessa magnitude, optou-se pela utilização de entrevista telefônica.

A possível inclusão de professores inelegíveis na amostra (resultado da defasagem do cadastro do Censo Escolar 2014) e perdas decorrentes da recusa de profissionais em participar do estudo (cerca de 20%) suscitou a seleção de um total de 13.243 professores (distribuídos entre 11.042 escolas). Os professores que não responderam a 15 tentativas de contato (feitas em dias e horários variados), que trabalhavam em escolas sem telefone ou nas quais o telefone comunicado ao Censo Escolar 2014 encontrava-se inoperante e aqueles que, na ocasião do contato, estavam desvinculados da escola foram considerados inelegíveis. Ao final, 119.378 ligações foram realizadas e 7.642 professores (57,7% da lista dos sorteados) foram considerados elegíveis. Dessas, 6.510 entrevistas foram concluídas (85,2% de taxa de sucesso), perfazendo a amostra final do Estudo Educatel.

Os resultados das entrevistas foram associados a fatores de ponderação para assegurar que os totais amostrais ponderados coincidissem com os totais populacionais conhecidos para os professores da Educação Básica do país. Esses fatores de ponderação levam em conta a influência dos casos de não resposta sobre as estimativas do Estudo Educatel, o desenho amostral do estudo e um fator adicional para equiparação da amostra àquela registrada pelo Censo Escolar, de acordo com a distribuição das variáveis utilizadas no plano amostral do inquérito (pós-estratificação) 2424. Vieira MT, Claro RM, Assunção AA. Desenho da amostra e participação no estudo Educatel. Cad Saúde Pública 2019; 35 Suppl 1:e00167217..

Coleta e organização dos dados

A coleta de dados foi realizada no período de outubro de 2015 a março de 2016 (cerca de 120 dias). Trinta entrevistadores, dois supervisores e um coordenador (pertencentes a uma empresa de pesquisa de mercado do país) compuseram a equipe. Todos receberam treinamento prévio e foram supervisionados, durante a realização do trabalho, por pesquisadores do Núcleo de Estudos Saúde e Trabalho (NEST) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Inicialmente, foram realizadas ligações (por telefone fixo) para as escolas a fim de confirmar a vinculação do professor sorteado. Em caso de confirmação do vínculo do professor e de sua concordância em participar do estudo, a entrevista podia ser realizada tanto no telefone da escola (seja no contato inicial ou em momento subsequente) quanto em outro número informado pelo professor.

O questionário do Estudo Educatel 2015/2016 foi construído em respeito às particularidades da pesquisa por telefone com entrada de dados em tempo real em um sistema informatizado, e mediante a revisão de experiências nacionais e internacionais na área da saúde e, mais especificamente, a saúde dos professores. Trata-se de um questionário estruturado dividido em cinco módulos temáticos: (a) absenteísmo; (b) absenteísmo por doença; (c) saúde do(a) professor(a); (d) condições de trabalho; (e) qualidade da gestão. A adequação do questionário foi confirmada após a avaliação de cada uma das questões quanto à compreensão do enunciado e quanto ao seu objetivo. A organização interna do questionário, o formato das questões (aberta ou fechada) e das alternativas de resposta, a terminologia e a duração da entrevista foram confirmados por meio da aplicação de um teste piloto realizado junto a uma amostra de conveniência (n = 15). Mais informações estão publicadas em um estudo teórico e metodológico complementar 2525. Assunção AA, Medeiros AM, Claro RM, Maia EG, Vieira MT. Hipóteses, delineamento e instrumentos do Educatel, Brasil, 2015/2016. Cad Saúde Pública 2019; 35 Suppl 1:e00108618..

O autorrelato de problemas na docência por causa da voz foi aferido por meio da pergunta “Nas últimas 4 semanas, você está tendo problema no trabalho ou para desenvolver sua profissão por causa da sua voz?” (frequentemente/às vezes/raramente/nunca ou quase nunca). Essa questão baseou-se no Protocolo de Qualidade de Vida em Voz (QVV) 2626. Gasparini G, Behlau M. Quality of life: validation of the Brazilian version of the voice-related quality of life (V-RQOL) measure. J Voice 2009; 23:76-81.. Ao final, a pergunta referente a problemas na docência por causa da voz foi transformada em um indicador dicotômico, e suas respostas foram recodificadas em: sim (frequentemente/às vezes) e não (raramente/nunca ou quase nunca).

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), um indivíduo adulto (≥ 18 anos) precisa realizar no mínimo 150 minutos semanais de atividade física com intensidade moderada ou 75 minutos semanais com intensidade vigorosa (com tempo mínimo ininterrupto igual a 10 minutos) para que o mesmo tenha benefícios à saúde e prevenção efetiva contra as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) 2727. World Health Organization. Global recommendations on physical activity for health. Geneva: World Health Organization; 2010.. Baseado nessa recomendação, o indicador de atividade física suficiente no lazer (≥ 150 minutos/semana) tem sido usado, desde 2011, pelo Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL) 2828. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2016: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2016. Brasília: Ministério da Saúde; 2017., apresentando boa reprodutibilidade e suficientemente acurado 2929. Moreira AD, Claro RM, Felisbino-Mendes MS, Velasquez-Melendez G. Validade e reprodutibilidade de inquérito telefônico de atividade física no Brasil. Rev Bras Epidemiol 2017; 20:136-46.. As questões referentes à prática de atividade física desse sistema foram utilizadas no questionário do Estudo Educatel (Quadro 1).

Quadro 1
Questões utilizadas sobre a variável da prática de atividade física. Educatel Brasil, 2015-2016.

O indicador de atividade física suficiente no lazer foi calculado em etapas, considerando-se a modalidade (para classificar a intensidade da atividade física como moderada ou vigorosa), duração diária e frequência semanal desta prática. A classificação das modalidades de atividade física foi feita baseada no Compêndio de Atividades Físicas de 2011 3030. Ainsworth BE, Haskell WL, Herrmann SD, Meckes N, Bassett Jr. DR, Tudor-Locke C, et al. 2011 Compendium of Physical Activities: a second update of codes and MET values. Med Sci Sports Exerc 2011; 43:1575-81..

Com base no cálculo de minutos dispendidos por semana com a prática de atividade física no lazer (obtido por meio da multiplicação do número usual de minutos dos episódios de prática pelo número de dias de prática durante uma semana, usando-se o ponto médio das categorias reportadas), foi calculado o indicador dicotômico: < 150 minutos por semana de atividade física no lazer considerado “insuficientemente ativo” e ≥ 150 minutos por semana de atividade física no lazer definido como “suficientemente ativo”.

As variáveis idade (≤ 34 anos/35-44/45-54/≥ 55 anos), sexo (masculino/feminino) e jornada de trabalho (< 20 horas/20-40/> 40 horas) também foram incluídas nas análises.

Análise dos dados

A amostra deste estudo foi descrita por meio da distribuição de suas características sociodemográficas, da jornada de trabalho semanal, das variáveis referentes à prática de atividade física (intensidade, frequência semanal e a duração diária) e o indicador da prática suficiente de atividade física no lazer (≥ 150 minutos/semana).

A associação entre problemas na docência por causa da voz e a prática de atividade física no lazer foi analisada por meio de modelos de regressão de Poisson para o cálculo das razões de prevalência bruta (RPb) e ajustada (RPa). A presença de problemas na docência por causa da voz foi analisada como variável dependente (desfecho), e o indicador referente à prática de atividade física como variável independente (explicativa). No modelo ajustado, as características sociodemográficas e da jornada de trabalho foram inseridas em ordem crescente de valor de significância (valor de p).

A ponderação foi utilizada em todas as análises realizadas neste estudo com o intuito de garantir não só a representatividade da população-alvo, mas também de minimizar a influência das não respostas. O processamento e a análise dos dados foram realizados por meio do software estatístico Stata, versão 12.1 (https://www.stata.com), considerando-se o delineamento complexo da amostra do estudo. O Estudo Educatel foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (COEP) da Faculdade de Medicina da UFMG (CAAE: 48129115.0.0000.5149).

Resultados

Entre os professores brasileiros da Educação Básica que compõem a amostra do Estudo Educatel, observou-se predominância do sexo feminino (80,3%), da faixa etária de 18-34 anos (33%) e de 35-44 anos (30,1%), e jornada de trabalho de 40 horas semanais ou mais (56,2%). Problemas na docência por causa da voz foram referidos por 20,5% dos professores. Aproximadamente um terço relatou a prática de atividade física suficiente no lazer (≥ 150 minutos/semana) (37,8%). A prática de atividade física com intensidade moderada foi a mais relatada (46%), assim como a frequência semanal por três a quatro vezes (26,5%) e a duração diária de 30 minutos ou mais (39,1%) (Tabela 1).

Tabela 1
Descrição das características dos professores da Educação Básica. Educatel Brasil, 2015-2016.

Quanto à modalidade de atividade física praticada, destacaram-se a caminhada (38,7%), as atividades cardiorrespiratórias (spinning, step, jump e bicicleta) (17,1%) e os exercícios resistidos, conhecidos popularmente como musculação (16,6%) (Figura 1).

Figura 1
Descrição das principais modalidades de atividade física praticadas pelos professores. Educatel Brasil, 2015-2016.

No modelo multivariado 1, a prática suficiente de atividade física no lazer diminuiu em 19% a probabilidade de problemas na docência por causa da voz entre os professores da Educação Básica do Brasil (0,81; p < 0,05) (Tabela 2). No modelo multivariado 2, constatou-se que a frequência semanal de atividade física também apresentou associação inversa aos problemas de voz: 3-4 dias (0,84; p < 0,05) e 5 ou mais dias (0,70; p < 0,05) (Tabela 2).

Em ambos os modelos multivariados, com e sem o ajuste pelas covariáveis de sexo, faixa etária e jornada de trabalho semanal, as diferenças inicialmente identificadas permaneceram estatisticamente significantes (p < 0,05) (Tabela 2). Após o ajuste, a prática suficiente de atividade física no lazer diminuiu em 17% a probabilidade de problemas na docência por causa da voz (0,83; p < 0,05) e a frequência semanal de 5 ou mais dias de atividade física diminuiu em 28% (0,72; p < 0,05). A associação entre a frequência de 3-4 dias na semana de atividade física e os problemas na docência por causa da voz passou a não ter significância estatística (p ≥ 0,05) (Tabela 2).

Tabela 2
Modelos multivariados da associação entre as variáveis de atividade física e problemas na docência por causa da voz. Educatel Brasil, 2015-2016.

Discussão

O registro sistemático de informação a respeito da saúde dos professores da Educação Básica no Brasil e das condições que a cercam possibilitou um diagnóstico inédito da ocorrência de problemas vocais na categoria. A análise dos dados revelou a menor prevalência de problemas na docência por causa da voz entre os professores que se exercitavam na maior parte dos dias da semana.

Os benefícios da prática regular de atividade física se inclinam para a promoção da saúde integral do professor e, provavelmente, para a proteção da saúde da voz, instrumento primordial da docência. Porém, não se pode negligenciar o ambiente desafiador da escola, que diante de condições precárias de trabalho, é considerado como fator de risco para a saúde vocal e mental dos professores 1111. de Souza IR, dos Santos MER, Almeida INS. Mal-estar docente: a saúde do professor nos dias atuais. Revista Humanidades e Inoação 2016; 4:84-94..

Neste estudo, observou-se a predominância da prática das atividades cardiorrespiratórias e da frequência semanal por três ou mais vezes, com duração diária de trinta minutos ou mais. A prevalência de professores suficientemente ativos desta amostra, de acordo com os critérios estabelecidos pela OMS, é próxima da encontrada em outros estudos sobre a mesma categoria profissional 1515. Assunção AA, Medeiros AM, Barreto SM, Gama ACC. Does regular practice of physical activity reduce the risk of dysphonia? Prev Med 2009; 49:487-89.,3131. Canabarro LK, Neutzling MB, Rombaldi AJ. Leisure time physical activity level of primary and secondary school physical education teachers. Rev Bras Ativ Fís Saúde 2011; 16:11-7.,3232. Brito WF, Santos CL, Marcolongo AA, Campos MD, Bocalini DS, Antonio EL, et al. Nível de atividade física em professores da rede estadual de ensino. Rev Saúde Pública 2012; 46:104-9.. Essa evidência sugere a propensão dos docentes para a adoção do estilo de vida que tende a proporcionar melhor qualidade de vida e de saúde.

O resultado do estudo mostrou o relato de problemas na docência por causa da voz em um quinto dos professores (20,5%), e aproximadamente um terço referiu a prática suficiente de atividade física no lazer (37,8%). Verificou-se menor relato de problemas na docência por causa da voz entre os professores atuantes na Educação Básica do Brasil que praticam atividade física no lazer com a frequência semanal de três a quatro dias, cinco ou mais dias e duração de 150 minutos ou mais por semana.

A prevalência encontrada neste estudo de 20,5% de autorrelato de problemas no trabalho por causa da voz, em referência às quatro semanas anteriores à pesquisa, aproxima-se da prevalência verificada de 17% em uma pesquisa 3333. Assunção AA, Bassi IB, Medeiros AM, Rodrigues C, Gama ACC. Occupational and individual risk factors for dysphonia in teachers. Occup Med (Lond) 2012; 62:553-9. realizada com o mesmo protocolo autorreferido - QVV, que utilizou como período de referência as duas últimas semanas. Verifica-se, portanto, que o período de referência utilizado não se mostrou como um fator determinante dos resultados. O relato de problemas na docência por causa da voz, por si, não permite afirmar que todos os professores apresentavam distúrbio vocal 3333. Assunção AA, Bassi IB, Medeiros AM, Rodrigues C, Gama ACC. Occupational and individual risk factors for dysphonia in teachers. Occup Med (Lond) 2012; 62:553-9., pois o “problema” pode estar relacionado a algum sintoma vocal esporádico, ajustes vocais inadequados com impacto na comunicação e no processo de ensino, dentre outros.

Diante da multicausalidade dos problemas vocais, observam-se limitações quanto à sensibilidade e à especificidade nos inquéritos epidemiológicos sobre os distúrbios de voz 44. Giannini SPP, Latorre MRDO, Ferreira LP. Distúrbio de voz: definição de caso em estudos epidemiológicos. Distúrb Comun 2016; 28:658-64.. Isso porque, ao utilizar, por exemplo, apenas o domínio da autopercepção de limitação/restrição no trabalho por causa da voz, o professor com distúrbio vocal poderá apresentar tanto um escore elevado, revelando o grande impacto da voz na docência, como um escore de mediano a baixo, em decorrência do uso de recursos didáticos ou de comportamentos vocais favoráveis à vida profissional, que podem minimizar a percepção de um problema de voz em desenvolvimento.

Assim, para o diagnóstico de distúrbios vocais, é necessário que as avaliações vocal, médica e de autopercepção sejam complementares 44. Giannini SPP, Latorre MRDO, Ferreira LP. Distúrbio de voz: definição de caso em estudos epidemiológicos. Distúrb Comun 2016; 28:658-64.,66. Behlau M. The 2016 G. Paul Moore Lecture: Lessons in Voice Rehabilitation: Journal of Voice and Clinical Practice. J Voice 2018; pii:S0892-1997(18)30052-3.,1010. Costa V, Prada E, Roberts A, Cohen S. Voice disorders in primary school teachers and barriers to care. J Voice 2012; 26:69-76., e pode ser considerada uma limitação deste estudo. Porém, independentemente da confirmação do diagnóstico clínico, tal relato indica um prejuízo na docência desencadeado pelo uso da voz, que permite adotar uma perspectiva não diretamente relacionada à presença de doença, mas além da doença e voltada para atenção à saúde vocal do professor.

Entre os benefícios da prática de atividade física está a sua capacidade de prevenir diversas patologias crônicas, como doenças cardiovasculares, diabetes mellitus do tipo dois, obesidade, tipos de câncer, osteoporose, degeneração da saúde mental, e mortalidade global, bem como melhorar a qualidade de vida por apresentar benefícios para a saúde em curto e longo prazos 1616. Silva RS, Silva I, Silva RA, Souza L, Tomasi E. Atividade física e qualidade de vida. Ciênc Saúde Coletiva 2010; 15:115-20.,1717. Wen CP, Wai JPM, Tsai MK, Yang YC, Cheng TYD, Lee MC, et al. Minimum amount of physical activity for reduced mortality and extended life expectancy: a prospective cohort study. Lancet 2011; 378:1244-53.,1818. Hallal PC, Bauman AE, Heath GW, Kohl 3rd HW, Lee I-M, Pratt M. Physical activity: more of the same is not nough. Lancet 2012; 380:190-1.. Embora a prática de atividade física possa favorecer a saúde física e psíquica e, por conseguinte, auxiliar na rotina pessoal, social e de trabalho, seus benefícios não se limitam neste espaço, pois há tendência dos indivíduos fisicamente ativos priorizarem outros estilos de vida saudáveis 3434. Ministério do Esporte. Diagnóstico nacional do esporte, 2015. http://www.esporte.gov.br/diesporte/5.html (acessado em 29/Jun/2016).
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, como por exemplo, melhor hidratação diária, alimentação equilibrada e maior qualidade nas horas de sono.

Alguns estudos usam a descrição da frequência (em dias) da atividade física por semana, sem considerar a relevância do tipo, da duração e da intensidade da atividade praticada, na associação com os relatos de distúrbios de voz 1717. Wen CP, Wai JPM, Tsai MK, Yang YC, Cheng TYD, Lee MC, et al. Minimum amount of physical activity for reduced mortality and extended life expectancy: a prospective cohort study. Lancet 2011; 378:1244-53.. Ressalta-se as indicações, das publicações, de menores prevalências de distúrbios de voz entre aqueles que se exercitam por três ou mais vezes na semana, quando comparados aos que praticam com menor frequência, ou aos insuficientemente ativos 1414. Ferreira LC, Latorre MRDO, Gianini SPP, Ghirard ACAM, Karmann DF, Siva EE, et al. Influence of abusive vocal habits, hydration, mastication, and sleep in the occurrence of vocal symptoms in teachers. J Voice 2010; 24:86-92.,1515. Assunção AA, Medeiros AM, Barreto SM, Gama ACC. Does regular practice of physical activity reduce the risk of dysphonia? Prev Med 2009; 49:487-89.. Um estudo realizado com 3.142 professores de 129 escolas municipais de Belo Horizonte, que utilizou apenas a domínio da frequência (em dias) da prática, encontrou, em 52,5% dos professores, o relato de alguma atividade física. Desses, 31% relataram a prática por duas vezes na semana e 21% três ou mais vezes na semana 1515. Assunção AA, Medeiros AM, Barreto SM, Gama ACC. Does regular practice of physical activity reduce the risk of dysphonia? Prev Med 2009; 49:487-89..

Os possíveis benefícios da atividade física para a voz já foram estimados por pesquisadores ao analisar a maior prevalência de distúrbio de voz entre professores que não praticavam atividade física regular 1515. Assunção AA, Medeiros AM, Barreto SM, Gama ACC. Does regular practice of physical activity reduce the risk of dysphonia? Prev Med 2009; 49:487-89.. Entre os achados, destacam-se a possibilidade de relação entre a redução de estresse, a produção de voz com menor esforço físico, diante uma possível diminuição da tensão muscular no aparelho fonatório 1515. Assunção AA, Medeiros AM, Barreto SM, Gama ACC. Does regular practice of physical activity reduce the risk of dysphonia? Prev Med 2009; 49:487-89..

Nesse sentido, um estudo realizado com cantores verificou que o treino cardiorrespiratório tem impacto positivo no fluxo respiratório necessário para a produção vocal. Observou-se também a facilidade em aumentar o fluxo de ar durante a fonação, e com isto aumentar o nível de pressão sonora de forma saudável 2121. McHenry MA, Evans J. Aerobic exercise as a warm-up for singing: acoustic impacts. J Voice 2017; 31:438-41.. Tal habilidade é crucial para situações frequentes na docência, em que o professor necessita usar a voz por longo período de tempo e elevá-la para se comunicar com os alunos. Outro artigo, realizado com 12 cantores, verificou associação benéfica do aquecimento vocal combinado com atividade cardiorrespiratória de cantores, a fim de reduzir a pressão fonatória e o ruído vocal (Jitter e proporção harmônico-ruído), além de melhorar a regularidade do vibrato 3535. Moorecroft L, Kenny DT. Vocal warm-up produced acoustic change in singers' vibrato rate. J Voice 2012; 26:e13-8..

Em relação à influência dos fatores ocupacionais, existem evidências científicas de que a relação do indivíduo com o seu entorno (ocupacional ou não) está fortemente associada com a produção de tensões e de seus agravos na saúde, como as situações psicológicas adversas 3636. Assunção AA, Oliveira DA. Intensificação do trabalho e saúde dos professores. Educação & Sociedade 2009; 30:349-72.,3737. Virtanen M, Kivimäki M, Pentti J, Oksanen T, Ahola K, Linna A, et al. School neighborhood disadvantage as a predictor of long-term sick leave among teachers: prospective cohort study. Am J Epidemiol 2010; 171:785-92.. Destaca-se a influência da exaustiva jornada de trabalho, tanto na sobrecarga do uso da voz quanto na baixa adesão à prática de atividade física 3838. Rabacow FM, Levy RB, Menezes PR, Luiz OC, Malik AM, Burdorf A. The influence of lifestyle and gender on sickness absence in Brazilian workers. BMC Public Health 2014: 14:1-8., como fator de risco para problemas agudos e crônicos de saúde 3737. Virtanen M, Kivimäki M, Pentti J, Oksanen T, Ahola K, Linna A, et al. School neighborhood disadvantage as a predictor of long-term sick leave among teachers: prospective cohort study. Am J Epidemiol 2010; 171:785-92..

Nesse sentido, a ansiedade gerada pela sobreposição de demandas no processo de ensino, bem como as angústias derivadas da convivência com a situação do aluno em si 3838. Rabacow FM, Levy RB, Menezes PR, Luiz OC, Malik AM, Burdorf A. The influence of lifestyle and gender on sickness absence in Brazilian workers. BMC Public Health 2014: 14:1-8.,3939. Andrade JM. Jornada de trabalho prolongada no setor saúde do Município de Belo Horizonte [Dissertação de Mestrado]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2015., também aumentam as chances de estilos de vida desfavoráveis 3838. Rabacow FM, Levy RB, Menezes PR, Luiz OC, Malik AM, Burdorf A. The influence of lifestyle and gender on sickness absence in Brazilian workers. BMC Public Health 2014: 14:1-8.. Autores concluíram que entre os fatores associados à diminuição da produtividade estão: a falta de atividade física, a alta demanda de trabalho mental, a falta de autonomia e as condições do ambiente de trabalho inadequadas 4040. Karmann DF, Lancman S. Professor - intensificação do trabalho e o uso da voz. Audiol Commun Res 2013; 18:162-70.,4141. van den Berg TIJ, Elders LAM, de Zwart BCH, Burdorf A. The effects of work-related and individual factors on the Work Ability Index: a systematic review. Occup Environ Med 2009; 66:211-20.. Apesar da relevância dos fatores ocupacionais e individuais no contexto de trabalho do professor, este estudo, com base na análise multivariada, observou os benefícios da prática de atividade física como independentes dos fatores de confundimento (faixa etária, sexo e jornada de trabalho semanal), em relação às menores prevalências de problemas na docência por causa da voz.

Um aspecto a ser destacado neste estudo é seu caráter nacional e representativo da população de professores atuantes na Educação Básica no Brasil. Ressalta-se que a interpretação e a comparabilidade das evidências científicas precisam ser cautelosas devido à utilização de indicadores distintos para mensurar a prática de atividade física 2929. Moreira AD, Claro RM, Felisbino-Mendes MS, Velasquez-Melendez G. Validade e reprodutibilidade de inquérito telefônico de atividade física no Brasil. Rev Bras Epidemiol 2017; 20:136-46.. O desenho metodológico utilizado indica validade interna e externa desta pesquisa.

A presença de problema da docência por causa da voz e a prática da atividade física foram mensuradas por meio do autorrelato dos professores. Informações autorreferidas são frequentemente usadas em grandes inquéritos sobre condições de saúde e estilo de vida 4242. Centers for Disease Control and Prevention. Behavioral Risk Factor Surveillance System - BRFSS. About the BRFSS (on-line) 2015. https://www.cdc.gov/brfss/about/index.htm (acessado em 07/Jun/2018).
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devido à simplicidade e baixo custo de sua obtenção junto a grandes amostras populacionais 4343. Szolnokin G, Hoffmann D. Online, face-to-face and telephone surveys - comparing different sampling methods in wine consumer research. Wine Economics and Policy 2013; 2:57-66.. Além disso, a boa validade e reprodutibilidade dos indicadores da prática de atividade física (baseadas em informações autorreferidas e por inquérito telefônico) vêm sendo constatadas em todas as investigações realizadas até o momento 2929. Moreira AD, Claro RM, Felisbino-Mendes MS, Velasquez-Melendez G. Validade e reprodutibilidade de inquérito telefônico de atividade física no Brasil. Rev Bras Epidemiol 2017; 20:136-46.,4444. Monteiro CA, Florindo AA, Claro RM, Moura EC. Validade de indicadores de atividade física e sedentarismo obtidos por inquérito telefônico. Rev Saúde Pública 2008; 42:575-81..

É necessária a promoção da qualidade de vida do professor por meio da implementação de políticas públicas que incentivem a prática de atividade física, bem como o uso dos espaços públicos, as academias da cidade, as ciclovias, entre outros espaços destinados ao cuidado com a saúde física. Tal iniciativa visa à valorização e ao reconhecimento da fundamental importância do professor na construção da sociedade.

Conclusão

Observou-se a prevalência de problemas na docência por causa da voz em 20,5% dos professores brasileiros da Educação Básica. Um terço dos professores autorreferiu a prática suficiente de atividade física no lazer, com predominância da caminhada. A prática suficiente de atividade física no lazer, assim como a prática semanal por cinco ou mais dias, foram identificadas como potenciais estratégias para reduzir a prevalência de problemas na docência por causa da voz, independentemente do sexo, da faixa etária e da jornada de trabalho semanal do professor.

Agradecimentos

À Secretaria de Articulação de Sistemas de Ensino (SASE) do Ministério da Educação pelo financiamento, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    29 Out 2017
  • Revisado
    19 Jun 2018
  • Aceito
    02 Out 2018
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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