Satisfação dos médicos do Programa Mais Médicos na Paraíba, Brasil: avaliação por modelagem de equações estruturais

Physicians’ job satisfaction with the More Doctors Program in the State of Paraíba, Brazil: assessment with structural equation modeling

Satisfacción de los médicos del Programa Más Médicos de Paraíba, Brasil: evaluación mediante modelado de ecuaciones estructurales

Philipe Meneses Benevides Alexandre José de Melo Neto Isabelle Cristina Borba da Silva Maria Emília Chaves Tenório Gabriella Barreto Soares Ricardo de Sousa Soares Juliana Sampaio Sobre os autores

Resumos

O objetivo deste trabalho foi construir um modelo de avaliação da qualidade do trabalho no Programa Mais Médicos (PMM), baseado na satisfação do médico participante, utilizando a abordagem da modelagem de equações estruturais. Para isso, foi usado o banco de dados de respostas de um questionário desenvolvido por um grupo de supervisores do programa no Estado da Paraíba, Brasil, e aplicado aos médicos do estado entre dezembro de 2015 e setembro de 2016. Foi realizada análise fatorial exploratória para extrair os atributos significativos e formar as dimensões finais e, após, a análise fatorial confirmatória para avaliar a relação entre as variáveis. O modelo de satisfação proposto inicialmente sofreu algumas modificações com base nas análises, e o modelo final foi composto por 49 variáveis indicadoras agrupadas em seis dimensões: medicamentos, estrutura, aspectos do PMM, apoio, impressos e equipamentos. Medicamentos e estrutura foram os construtos com maior efeito direto na satisfação do médico (0,53 e 0,39), seguidos pelos aspectos do PMM e apoio (ambos com 0,29). Acredita-se que o instrumento proposto neste artigo possibilita uma visão ampla sobre os aspectos envolvidos na satisfação do trabalho do médico, sintetizando um ponto de partida para análises e validações posteriores sobre a qualidade do trabalho na atenção básica.

Palavras-chave:
Satisfação no Emprego; Qualidade da Assistência à Saúde; Médicos; Análise Fatorial; Modelos Estatísticos


This study aimed to build a job quality assessment model for the More Doctors Program (PMM, in Portuguese) based on participating physicians’ job satisfaction, using structural equation modeling. The assessment drew on a database with answers to a questionnaire developed by a group of the program’s supervisors in the State of Paraíba, Brazil, and applied to physicians between December 2015 and September 2016. Exploratory factor analysis was performed to extract significant attributes and form final dimensions, and later confirmatory factor analysis was used to assess the relationship between variables. The initially proposed satisfaction model underwent some changes based on the analyses, and the final model consisted of 49 variables grouped in 6 dimensions: medications, structure, characteristics of the program, support, printed materials, and equipment. Medications and structure were the constructs with the greatest effect on physician satisfaction (0.53 and 0.39), followed by program characteristics and support (both with 0.29). The instrument proposed in this article should allow a comprehensive view of aspects involved in physicians’ job satisfaction, providing a point of departure for future analyses and validations on job quality in primary care.

Keywords:
Job Satisfaction; Quality of Health Care; Physicians; Statistical Factorial Analysis; Statistical Models


El objetivo de este trabajo fue construir un modelo de evaluación de la calidad del trabajo en el Programa Más Médicos (PMM), basado en la satisfacción del médico participante, utilizando el abordaje del modelado de ecuaciones estructurales. Con este fin, se utilizó el banco de datos de respuestas de un cuestionario desarrollado por un grupo de supervisores del programa en el Estado de Paraíba, Brasil, y aplicado a los médicos del estado entre diciembre de 2015 y setiembre de 2016. Se realizó un análisis factorial exploratorio para extraer los atributos significativos y formar las dimensiones finales y, posteriormente, el análisis factorial confirmatorio para evaluar la relación entre las variables. El modelo de satisfacción propuesto inicialmente sufrió algunas modificaciones a partir de los análisis y el modelo final estuvo compuesto por 49 variables indicadoras agrupadas en 6 dimensiones: medicamentos, estructura, aspectos del PMM, apoyo, impresos y equipamientos. Medicamentos y estructura fueron los constructos con mayor efecto directo en la satisfacción del médico (0,53 y 0,39), seguidos por los aspectos del PMM y apoyo (ambos con 0,29). Se cree que el instrumento propuesto en este artículo posibilita una visión amplia sobre los aspectos implicados en la satisfacción del trabajo del médico, sintetizando un punto de partida para el análisis y validaciones posteriores sobre la calidad del trabajo en la atención básica.

Palabras-clave:
Satisfacción en el Trabajo; Calidad de la Atención de Salud; Médicos; Análisis Factorial; Modelos Estadísticos


Introdução

A distribuição heterogênea de médicos nos diferentes territórios é um problema de vários países que fazem uso de mecanismos variados para prover esses profissionais de saúde 11. Maciel Filho R. Estratégias para distribuição e fixação de médicos em sistemas nacionais de saúde [Tese de Doutorado]. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2007.. Muitos desses países com maior demanda do que formação de médicos equilibram esse déficit atraindo profissionais formados em outras nações 22. Pinto HA, Oliveira FP, Santana JSS, Santos FOS, Araujo SQ, Figueiredo AM, et al. The Brazilian More Doctors Program: evaluating the implementation of the »,» ®,® §,§ ­,­ ¹,¹ ²,² ³,³ ß,ß Þ,Þ þ,þ ×,× Ú,Ú ú,ú Û,Û û,û Ù,Ù ù,ù ¨,¨ Ü,Ü ü,ü Ý,Ý ý,ý ¥,¥ ÿ,ÿ ¶,¶ provision »,» ®,® §,§ ­,­ ¹,¹ ²,² ³,³ ß,ß Þ,Þ þ,þ ×,× Ú,Ú ú,ú Û,Û û,û Ù,Ù ù,ù ¨,¨ Ü,Ü ü,ü Ý,Ý ý,ý ¥,¥ ÿ,ÿ ¶,¶ axis from 2013 to 2015. Interface (Botucatu) 2017; 21 Suppl 1:1087-101..

Em julho de 2013, o Governo Federal do Brasil criou o Programa Mais Médicos, assumindo a tarefa de formular políticas públicas para enfrentar alguns desafios que vinham limitando a expansão e a efetivação da atenção básica no país, em especial a falta e a má distribuição de médicos para as necessidades da população brasileira e do Sistema Único de Saúde (SUS). O programa era composto por três eixos e um deles era o de provimento emergencial, em que havia seleção de médicos graduados no Brasil e fora do país, brasileiros ou estrangeiros, para atuarem nas áreas com maior necessidade.

A seleção de profissionais ocorreu em etapas e ordem de prioridade: primeiro foram ofertadas a brasileiros; em segundo lugar, a médicos brasileiros com registro no exterior; em terceiro, a médicos estrangeiros com registros em outros países; e por último, a médicos que participaram por meio da cooperação internacional realizada entre o Brasil, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e o Ministério de Saúde Pública de Cuba.

Até o fim de 2015, o PMM havia atendido toda a demanda de médicos realizada pelos gestores municipais, seja pela ocupação das vagas ociosas nas equipes já existentes, seja pelas geradas pela expansão de novas equipes. Além disso, o programa foi bem avaliado tanto pelos gestores municipais quanto por usuários e médicos do programa, estes últimos atribuindo nota média 9,1, em um máximo de 10 22. Pinto HA, Oliveira FP, Santana JSS, Santos FOS, Araujo SQ, Figueiredo AM, et al. The Brazilian More Doctors Program: evaluating the implementation of the »,» ®,® §,§ ­,­ ¹,¹ ²,² ³,³ ß,ß Þ,Þ þ,þ ×,× Ú,Ú ú,ú Û,Û û,û Ù,Ù ù,ù ¨,¨ Ü,Ü ü,ü Ý,Ý ý,ý ¥,¥ ÿ,ÿ ¶,¶ provision »,» ®,® §,§ ­,­ ¹,¹ ²,² ³,³ ß,ß Þ,Þ þ,þ ×,× Ú,Ú ú,ú Û,Û û,û Ù,Ù ù,ù ¨,¨ Ü,Ü ü,ü Ý,Ý ý,ý ¥,¥ ÿ,ÿ ¶,¶ axis from 2013 to 2015. Interface (Botucatu) 2017; 21 Suppl 1:1087-101.. Um estudo de 2016 concluiu que os usuários expressaram satisfação quanto ao atendimento médico, sendo o bom desempenho técnico e humanizado contributos desta avaliação 33. Comes Y, Trindade JS, Shimizu HE, Hamann EM, Bargioni F, Ramirez L, et al. Avaliação da satisfação dos usuários e da responsividade dos serviços em municípios inscritos no Programa Mais Médicos. Ciênc Saúde Colet 2016; 21:2749-59..

Em relação ao impacto do PMM, houve redução das internações hospitalares por causas sensíveis à atenção básica no período após a sua implantação, e uma redução 4% mais pronunciada desta nos municípios que participavam do programa, por aumento efetivo da cobertura e ampliação da resolubilidade 44. Rede Observatório Programa Mais Médicos. Relatório da pesquisa de dados secundários do Programa Mais Médicos até 2014. http://www.otics.org/estacoes-de-observacao/observatorio-mais-medicos (acessado em 08/Jan/2020).
http://www.otics.org/estacoes-de-observa...
. Ainda, um estudo realizado em Curitiba (Estado do Paraná) 55. Organização Pan-Americana da Saúde. Implementação do Programa »,» ®,® §,§ ­,­ ¹,¹ ²,² ³,³ ß,ß Þ,Þ þ,þ ×,× Ú,Ú ú,ú Û,Û û,û Ù,Ù ù,ù ¨,¨ Ü,Ü ü,ü Ý,Ý ý,ý ¥,¥ ÿ,ÿ ¶,¶ Mais Médicos »,» ®,® §,§ ­,­ ¹,¹ ²,² ³,³ ß,ß Þ,Þ þ,þ ×,× Ú,Ú ú,ú Û,Û û,û Ù,Ù ù,ù ¨,¨ Ü,Ü ü,ü Ý,Ý ý,ý ¥,¥ ÿ,ÿ ¶,¶ em Curitiba: experiências inovadoras e lições aprendidas. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2015. (Série Estudos de Caso Sobre o Programa Mais Médicos, 1). demonstrou que os médicos do PMM daquela cidade tinham resolutividade melhor do que os médicos residentes e demais médicos, com menores taxas de internação hospitalar e de encaminhamento para unidades de pronto atendimento.

Apesar da boa avaliação e dos bons resultados, como citados, em 2018, com a mudança do governo federal brasileiro e a admissão de novas diretrizes políticas pelo Ministério da Saúde, houve a quebra de contrato realizado entre o governo brasileiro e o governo cubano, que anunciou em novembro de 2018 66. Santos LMP, Millet C, Rasella D, Hone T. The end of Brazil's More Doctors programme? BMJ 2018; 363:k5247. a saída dos médicos de Cuba do PMM, desocupando cerca de 2/3 das vagas para médicos do programa, em especial as de mais difícil acesso, como as dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) 77. Dyer O. Cuba begins pulling 8,300 doctors out of Brazil following Bolsonaro's comments. BMJ 2018; 363:k5027.. Até setembro de 2019, foi difícil fazer com que médicos brasileiros ocupassem as vagas, o que provocou um alto nível de rotatividade.

Sabendo-se que rotatividade está relacionada inversamente com satisfação 88. Campos CVA, Malik AM. Satisfação no trabalho e rotatividade dos médicos do Programa de Saúde da Família. Rev Adm Pública 2008; 42:347-68., faz-se necessário estudar quais fatores mais satisfazem o médico no seu trabalho no programa. Assim, este estudo tem como objetivo identificar as dimensões da satisfação do médico que trabalha no PMM e como elas se correlacionam.

Métodos

O presente trabalho foi desenvolvido no Estado da Paraíba, que é uma Unidade Federativa do Nordeste brasileiro, e apresenta uma população de 3,996 milhões de habitantes, sendo o 14º estado mais populoso do Brasil. É a sexta maior economia do Nordeste e a 19a no contexto nacional. Tem um Produto Interno Bruto de R$ 155.143 milhões. Revela um dos menores IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do país (0,555) sendo o 24º entre 27 estados. O estado tem ainda uma alta taxa de analfabetismo (20,2%) o dobro da média nacional. A população economicamente ativa trabalha majoritariamente no setor de serviços, da agropecuária e do comércio. No tocante à infraestrutura dos serviços de saúde, 70% dos hospitais são do SUS. A maioria dos domicílios (83,7%) está cadastrada na Estratégia Saúde da Família e apenas 12,2% da população têm cobertura por planos de saúde 99. Mendes CC, Araújo Júnior IT, Fernandes AP, Lyra DM, Oliveira GL, Oliveira CG, et al. A Paraíba no contexto nacional, regional e interno. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2012. (Texto para Discussão, 1726)..

O Estado da Paraíba se destaca no cenário nacional por ter recebido uma quantidade representativa de médicos brasileiros e estrangeiros pelo PMM, o que contribuiu para uma cobertura de 70% dos municípios paraibanos. A distribuição desses profissionais permitiu abranger todas as quatro mesorregiões desse estado, ou seja, municípios de todos os portes, do litoral ao sertão, foram destino desses médicos. O impacto do programa no estado foi tanto que este passou a ser o quarto estado brasileiro com o maior crescimento do número de médicos no período de 2013 a 2018 1010. Conselho Regional de Medicina do Estado da Paraíba. Número de médicos na PB cresce 34% em cinco anos. http://www.crmpb.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=22940:2018-11-28-16-19-31&catid=3 (acessado em 08/Jan/2020).
http://www.crmpb.org.br/index.php?option...
. Por todas essas características, considera-se que a Paraíba é um importante campo de estudo sobre o PMM.

Para tanto, utilizando-se a abordagem da modelagem de equações estruturais (MEE), o presente estudo propõe um modelo explicativo da satisfação do médico do PMM com o seu trabalho. A estratégia metodológica foi a análise de dados secundários oriundos da aplicação de um instrumento denominado: Formulário de Avaliação do Programa Mais Médicos na Paraíba1111. Sassi AP. Dinâmicas da implantação do Programa Mais Médicos na Paraíba: contribuições sociológicas para a análise de uma política pública [Tese de Doutorado]. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba; 2018..

O instrumento foi criado a fim de estudar o impacto do PMM no Estado da Paraíba, a ser respondido pelos médicos participantes, sobre vários aspectos do programa e de sua atuação nele. Foi aplicado como parte das intervenções de uma tese de doutorado de um dos supervisores do programa 1111. Sassi AP. Dinâmicas da implantação do Programa Mais Médicos na Paraíba: contribuições sociológicas para a análise de uma política pública [Tese de Doutorado]. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba; 2018.. Ele continha 121 questões, com 291 subitens ao total, divididas em 11 dimensões, passando desde identificação do médico respondente, avaliação de estrutura física, rede, processo de trabalho, supervisão e satisfação com o programa de forma geral.

O instrumento foi ofertado no período de dezembro de 2015 a setembro de 2016 para o preenchimento autoaplicado on-line pelo software Google Docs (https://www.google.docs.com), para o total de médicos participantes do PMM (400) no Estado da Paraíba, obtendo um banco final de 296 respostas. Após a limpeza do banco e a exclusão das duplicidades e inconsistências, resultou uma amostra com 266 respostas (66,5% do universo). Por fim, foram excluídos 17 usuários que responderam “não” à pergunta 121 do formulário, que autorizava o uso dos dados para pesquisa, totalizando 249 respostas válidas e que deram origem ao banco usado neste artigo.

Além da expressiva participação dos médicos na referida pesquisa, destaca-se que na presente amostra foram contemplados médicos brasileiros e estrangeiros (em sua maioria cubanos), que trabalhavam em municípios de diferentes portes populacionais e de todas as três macrorregiões de saúde do estado, evidenciando as diferentes realidades de trabalho existentes.

Esta pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), e obteve aprovação sob o número CAAE 88015318.6.0000.8069. Por tanto, assegura-se que cumpriu os requisitos estabelecidos na Resolução nº 466, de 12 de outubro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde. Ressalta-se, ainda, que somente foram analisadas as respostas dos médicos que responderam ao formulário on-line e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e que concordaram em participar do estudo por meio da resposta “sim” à pergunta 121 do formulário, que autoriza o uso dos dados para pesquisa.

Para esta análise de satisfação pelo olhar do médico do programa, fez-se a seleção das questões do instrumento relacionadas à satisfação do médico com o programa nos seus vários aspectos e criou-se, com base na organização do instrumento, um modelo explicativo para a avaliação da satisfação por meio da MEE. Optou-se por esse modelo estatístico por ser um modelo multivariado amplamente utilizado em estudos de satisfação e com aplicações crescentes na saúde coletiva. Assim, foi possível, baseando-se na análise estatística 1212. Hair JF, Black WC, Babin NJ, Anderson RE, Tatham RL Sant'Anna MAGAS. Análise multivariada de dados. 6ª Ed. Porto Alegre: Bookman; 2009.,1313. Marôco J. Análise de equações estruturais: fundamentos teóricos, software & aplicações. 2ª Ed. Lisboa: ReportNumber; 2014., criar um modelo de causalidade validado.

Foi usado o software estatístico IBM SPSS versão 22 (https://www.ibm.com/), associado ao pacote Amos versão 25. O modelo estruturado foi constituído por seis construtos e 59 variáveis indicadoras, de acordo com a Figura 1. A análise de equações estruturais aconteceu em dois momentos: a análise fatorial exploratória (AFE) e a análise fatorial confirmatória (AFC). A AFE foi realizada no SPSS para validação. Ela foi realizada por intermédio da fatoração pelo eixo principal, com rotação varimax, considerando-se o máximo de seis fatores.

Figura 1
Diagrama de caminhos, modelo proposto inicial pelo método de máxima verossimilhança (n = 249).

Foram realizados os testes de esfericidade de Bartlett e Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), sendo excluídas as variáveis com cargas abaixo de 0,3. O teste de esfericidade Bartlett obteve um qui-quadrado de 11.071,632 e significância de 0,00. O KMO foi 0,844. O resultado dos testes de Bartlett e KMO indicam que há a correlação entre os dados. Assim, a amostra atendeu os pré-requisitos para a realização da análise fatorial exploratória.

A AFC foi realizada no Amos por meio do método de máxima verossimilhança com a análise dos indicadores de ajuste do modelo inicialmente proposto. As dimensões foram avaliadas pela confiabilidade, validade convergente e validade discriminante. Entre os coeficientes de confiabilidade mais utilizados está o alfa de Cronbach (α) que, apesar de serem preferidos valores acima 0,7, pode ser considerado 0,6 em pesquisas exploratórias 1212. Hair JF, Black WC, Babin NJ, Anderson RE, Tatham RL Sant'Anna MAGAS. Análise multivariada de dados. 6ª Ed. Porto Alegre: Bookman; 2009.. Esse foi estimado usando-se o software SPSS. A confiabilidade composta e a variância extraída também foram calculadas para avaliar os construtos, utilizando-se suas fórmulas matemáticas.

Foram usados índices de qualidade do ajustamento (a) absolutos: qui-quadrado (χ2), qui-quadrado normado (χ2/g.l.), razão do quadrado normático médio (RMR), índice de qualidade de ajuste (GFI); (b) relativos: índice de ajuste normalizado (NFI), índice de ajuste comparativo (CFI), índice de Turkey-Lewis (TLI); (c) de parcimônia: índice de ajuste comparativo parcimonioso (PCFI), índice de qualidade de ajuste parcimonioso (PGFI), índice de ajuste normalizado parcimonioso (PNFI); e (d) de discrepância populacional: raiz média quadrática dos erros de aproximação residual (RMSEA).

A variância total explicada foi extraída pelo método de fatoração pelo eixo principal, com rotação varimax com normalização de Kaiser, encontrando-se seis fatores (de 60) com autovalores maiores do que 2, com variância extraída acumulada de 54,624%. Todas as questões apresentaram uma carga fatorial de no mínimo 0,4 em, pelo menos, um fator, em um primeiro momento. Ainda, retirou-se a questão I05 (presença do insumo carbono), a qual por ausência de algumas respostas, impossibilitava o procedimento de análise no pacote Amos.

Resultados

Após a realização dos procedimentos metodológicos descritos, foi obtido o modelo final explicativo da satisfação do médico do PMM com o seu trabalho. Esse modelo resultou em seis dimensões: medicamentos, estrutura, aspectos do PMM, apoio, impressos e equipamentos, relacionadas à satisfação, conforme a Figura 2.

Figura 2
Diagrama de caminhos, modelo proposto final pelo método de máxima verossimilhança (n = 249).

Comparando-se o modelo inicial (Figura 1) e o final (Figura 2), é possível observar que:

(1) A dimensão medicamentos perdeu dois itens (M11 e M12), correspondentes à penicilina benzatina e medicamentos oftalmológicos, que sabidamente são pouco presentes nas unidades de saúde da família.

(2) Itens referentes a duas questões (relacionadas a salas e conforto) do questionário original foram agrupados e formaram a dimensão estrutura. Ficaram de fora do modelo final os itens de C15 a C24, a saber: farmácia, martelo, lanterna, mesa auxiliar de exame ginecológico, pilhas para lanterna, computador, Internet, DIU, otoscópio e impressora.

(3) Questões referentes a dois quesitos do questionário que perguntavam sobre equipamentos de trabalho e insumos de uso cotidiano foram agrupadas em torno da dimensão equipamento. Ficaram de fora do modelo os itens P11, P13, e P16: tira para hemoglicoteste, régua infantil e balança infantil.

(4) A dimensão aspectos do PMM reuniu os itens do questionário que perguntavam sobre a satisfação com questões inerentes ao programa. Esse foi o fator com as maiores perdas proporcionais de itens, de S01 a S17, ficando apenas S01 e S04 no modelo final, satisfação com apoio institucional do Ministério da Educação e com referência descentralizada do Ministério da Saúde. Ficaram de fora questões que avaliaram satisfação com: o telessaúde, a Comissão Coordenadora Estadual (CCE), a plataforma 0800 do telessaúde, o AVASUS, as supervisões locorregionais, a Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde (UNA-SUS), o tutor, o trabalho na atenção primária à saúde, a discussão de indicadores, a equipe, a remuneração, discussão de casos, planejamento de atividades e monofilamento e negatoscópio.

(5) Itens referentes ao quesito sobre a presença regular de impressos no trabalho foram agrupados na dimensão impressos, saindo do modelo final o item I05 (carbono), I07 (atestado médico) e I09 (pasta de prontuário).

(6) Questões referentes a dois quesitos do questionário, que perguntaram sobre a satisfação com questões de supervisão e seu suporte técnico-pedagógico, foram agrupadas em uma dimensão, denominada apoio. Ficaram de fora do modelo final o item A05 (suporte em atividades de grupo). Nota-se que os agrupamentos de itens referentes às questões do questionário foram realizados não só a partir de sua relevância estatística, mas também seguiram a estrutura original do formulário.

Para a melhoria dos indicadores de ajuste, procedeu-se as estratégias de qualificação do modelo proposto. Assim, foram descartadas as variáveis com cargas fatoriais menores que 0,5: C15 (farmácia), I07 (folha de atestado médico), P11 (tira para hemoglicoteste), P13 (régua infantil), P16 (balança infantil), S02 (satisfação com o telessaúde), S06 (satisfação com o AVASUS), S07 (satisfação com locorregionais), S08 (satisfação com a UNA-SUS) e S10 (satisfação com o trabalho na atenção primária à saúde), restando no modelo final 49 variáveis. Posteriormente, foram realizadas as correlações entre as variáveis propostas pelo pacote Amos de acordo com os índices de modificação que estavam acima de 10 mil. Assim, chegou-se ao modelo proposto final, com resultados apresentados no diagrama de caminho (Figura 2) e as cargas fatoriais padronizadas e não padronizadas (Tabela 1).

Tabela 1
Modelo proposto final, pelo método da máxima verossimilhança (n = 249).

Ao se proceder a análise dos indicadores de ajustamento referentes ao modelo inicial, apresentados na Tabela 2, nota-se o χ2 com valor muito elevado e parâmetros com valores não satisfatórios, o que demandou os ajustes no modelo inicial propostos para chegar ao modelo final.

Houve melhoras dos índices de ajuste do modelo, como pode ser observado na Tabela 2, como a diminuição do χ2 e o CFI, TLI, PGFI, PCFI, PNFI apresentando valores aceitáveis.

Tabela 2
Índices de ajuste do modelo de equações estruturais.

Seguiu-se com a avaliação das dimensões pela confiabilidade, validade convergente e validade discriminante, demonstradas na Tabela 3. Percebe-se que, apesar da necessidade de cortar construtos, manteve-se a consistência das dimensões. Apesar da melhora no ajuste do modelo, o construto equipamentos manteve a variância extraída abaixo de 0,5. Embora esse construto (equipamentos) não tenha atingindo os valores recomendados (≥ 0,5), considerou-se que ele não apresentou grande distanciamento do valor desejado. Destaca-se ainda que os demais parâmetros apontavam para a validade dos construtos.

Tabela 3
Consistência interna, confiabilidade composta e variância explicada do modelo final (n = 249).

O construto medicamentos foi a dimensão com o maior efeito direto na satisfação do médico do programa, com uma carga de 0,53. Essa é uma das dimensões que se refere a insumos da atenção básica. Equipamentos é o construto que tem a menor contribuição na explicação da satisfação (0,21). A estrutura explica a satisfação com uma carga de 0,39 e o apoio e aspectos do PMM estão com cargas iguais de 0,29. O modelo contém correlações entre as dimensões: estrutura e equipamentos; equipamentos e impressos; impressos e estrutura; e aspectos do PMM e apoio. Todas as variáveis indicadoras registraram correlações significativas.

Discussão

A satisfação no trabalho pode ser compreendida como uma avaliação do trabalhador sobre o trabalho em si, o ambiente do trabalho, as relações que ocorrem nele e o estado de bem-estar e realização pessoal, proporcionados por ele. No caso aqui estudado, tratando-se da participação específica dos médicos no PMM, a satisfação no trabalho é também uma avaliação do próprio programa, sendo um dos possíveis fatores que determinam a sua qualidade.

Diversos autores têm relacionado a satisfação com o trabalho como um elemento importante para a atração ou fixação de profissionais médicos, tendo particular importância quando se trata de áreas remotas ou pouco atrativas como pequenos municípios, interiores e zona rural 1414. Campos FE, Machado MH, Girardi SN. A fixação de profissionais de saúde em regiões de necessidades. Saúde Debate 2009; 44:13-24.,1515. Stralen ACS, Massote AW, Carvalho CL, Girardi SN. Percepção de médicos sobre fatores de atração e fixação em áreas remotas desassistidas: rota da escassez. Physis (Rio J.) 2017; 27:147-72..

Baseando-se no modelo produzido é possível identificar dois grupos de fatores que impactam na satisfação dos médicos com o seu trabalho na atenção básica. O primeiro grupo de fatores está relacionado às condições do trabalho do médico e da equipe de saúde a qual pertence, que inclui os dois fatores que mais explicam a satisfação (medicamentos e estrutura), bem como os dois fatores que menos explicam a satisfação (impressos e equipamentos), com, respectivamente, relações de 0,53, 0,39, 0,25 e 0,21.

O segundo grupo de fatores que impactam na satisfação dos médicos com o seu trabalho na atenção básica, que pode ser identificado com base no modelo construído, é formado pelos fatores aspectos do PMM e apoio, que se correlacionam e explicam igualmente a satisfação do médico no PMM (0,29), estando relacionados ao apoio institucional e técnico do programa.

Para compreender a satisfação dos médicos com o trabalho na atenção básica é importante considerar as condições de trabalho às quais eles estão expostos. Condições de trabalho precárias podem produzir cotidianos estressantes e práticas profissionais inadequadas 1616. Degani VR. A resolutividade dos problemas de saúde: opinião de usuários em uma unidade básica de saúde [Dissertação de Mestrado]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2002.. Assim, a ausência de condições mínimas de trabalho limita a resolutividade e a satisfação com o trabalho realizado. Nessa direção, pesquisa com médicos da atenção básica no Município de São Paulo, em 2003 1717. Capozzolo AA. No olho do furacão: trabalho médico e o Programa Saúde da Família [Tese de Doutorado]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2003., apresenta como motivos para a satisfação dos médicos, as condições de trabalho e a possibilidade de exercer uma medicina mais integral e humanizada, além do salário. No que tange às condições de trabalho, destaca-se nos resultados do presente estudo a relevância da estrutura das unidades básicas de saúde (UBS) para a satisfação dos médicos. Vale destacar que dentre os fatores que comportam a avaliação de estrutura, foram elencados tanto os elementos relacionados às condições dos consultórios médicos quanto das demais áreas das unidades de saúde. Esse dado destaca que para a satisfação dos médicos não basta que a unidade lhe ofereça condições de conforto apenas em seu consultório, mas que garanta a infraestrutura necessária para o trabalho da equipe de saúde da qual faz parte.

Nesse sentido, a lei do PMM determinou, como um dos seus eixos estruturantes, a qualificação da estrutura da atenção básica no Brasil. O texto determina a provisão de UBS com qualidade de infraestrutura e equipamentos. Para isso, incorporou o programa de requalificação das UBS (Requalifica UBS), criado em 2011, e triplicou o seu orçamento, com o objetivo de melhorar a ambiência das UBS para os usuários, as condições de atuação dos profissionais e o funcionamento e ampliação do escopo de práticas do serviço 1818. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Ministério da Saúde. Programa Mais Médicos - dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde; 2015..

O Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) nasceu como inovação da gestão da atenção básica brasileira, sendo entendida como uma avaliação de padrões de qualidade que geram certificação e pagamento por desempenho. Estudos comprovam as suas ações como indutoras de mudanças no processo de trabalho e na infraestrutura de unidades de saúde, em especial das equipes de atenção básica, melhorando a qualidade destas 1919. Uchôa SAC, Martiniano CS, Queiroz AAR, Bay Júnior OG, Nascimento WG, Diniz IVA. Inovação e utilidade: avaliação externa do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica. Saúde Debate 2018; 42(n.spe. 1):100-13..

Programas como o PMAQ-AB e o Requalifica UBS têm produzido impactos significativos nas condições das UBS, o que é evidenciado por um estudo realizado em 2017 22. Pinto HA, Oliveira FP, Santana JSS, Santos FOS, Araujo SQ, Figueiredo AM, et al. The Brazilian More Doctors Program: evaluating the implementation of the »,» ®,® §,§ ­,­ ¹,¹ ²,² ³,³ ß,ß Þ,Þ þ,þ ×,× Ú,Ú ú,ú Û,Û û,û Ù,Ù ù,ù ¨,¨ Ü,Ü ü,ü Ý,Ý ý,ý ¥,¥ ÿ,ÿ ¶,¶ provision »,» ®,® §,§ ­,­ ¹,¹ ²,² ³,³ ß,ß Þ,Þ þ,þ ×,× Ú,Ú ú,ú Û,Û û,û Ù,Ù ù,ù ¨,¨ Ü,Ü ü,ü Ý,Ý ý,ý ¥,¥ ÿ,ÿ ¶,¶ axis from 2013 to 2015. Interface (Botucatu) 2017; 21 Suppl 1:1087-101. que mostrou que para 65% dos médicos a estrutura das UBS no PMM era boa, considerando estrutura física, equipamentos, medicamentos, imunobiológicos e condições de trabalho, sendo ruim ou péssimo para 8%, e regular para o restante. Na mesma direção, Santos et al. 2020. Santos LMP, Costa AM, Girardi SN. Programa Mais Médicos: uma ação efetiva para reduzir iniquidades em saúde. Ciênc Saúde Colet 2015; 20:3547-52. apontam que o PMM deu passos importantes para viabilizar o direito à saúde ao tornar obrigatória a adesão dos municípios ao Requalifica UBS, levando investimentos para a (re)construção de UBS.

Dessa forma, percebe-se o PMM como uma política indutora e promotora de outras, ao desenvolver ações norteadas pelo seu eixo de investimento na melhoria da infraestrutura da rede de saúde. Como visto, ao promover melhores condições de trabalho, o programa melhora também a satisfação dos profissionais e a resolutividade de seu trabalho.

O segundo grupo de fatores que impactam na satisfação dos médicos com o seu trabalho na atenção básica é formado pelos fatores aspectos do PMM, que diz respeito à referência técnica do Ministério da Saúde e Ministério da Educação no território; e ao apoio, que diz respeito às questões de supervisão técnico-pedagógica ofertada pelo programa.

Nesse âmbito, destaca-se que o PMM apresentava gestão interministerial e trouxe dois atores para esta operacionalização: as referências descentralizadas do Ministério da Saúde que faziam parte da equipe do Ministério da Saúde de forma regionalizada, residiam nos estados onde atuavam, participavam de forma integrada no território, respondendo às demandas das diversas áreas do Departamento de Planejamento e Regulação da Provisão de Profissionais de Saúde (DEPREPS), atuando no diálogo e orientações aos gestores municipais e médicos participantes do programa, e monitoravam deveres e obrigações por meio de visitas técnicas 2121. Ministério da Saúde. Equipe Técnica do Programa Mais Médicos participa de Oficina. http://portalms.saude.gov.br/noticias/sgtes/42137-equipe-tecnica-do-programa-mais-medicos-participa-de-oficina (acessado em 08/Jan/2020).
http://portalms.saude.gov.br/noticias/sg...
. Já o Ministério da Educação contava com a presença do apoiador institucional descentralizado, com papéis de elaboração, implementação e execução de projetos e políticas públicas, enquanto apoiava a construção de sujeitos, individuais e coletivos 2222. Almeida ER, Macedo HM, Silva JC. Gestão federal do Programa Mais Médicos: o papel do Ministério da Educação. Interface (Botucatu) 2019; 23 Suppl 1:e180011..

Na prática, esses dois atores tinham um papel de mediação, seja entre as instituições que realizavam a gestão de saúde localmente, seja entre as instituições que realizavam a supervisão e tutoria aos médicos participantes e a gestão federal do PMM. Almeida et al. 2222. Almeida ER, Macedo HM, Silva JC. Gestão federal do Programa Mais Médicos: o papel do Ministério da Educação. Interface (Botucatu) 2019; 23 Suppl 1:e180011. relatam que esses atores tinham formação e experiência na área da Saúde e Educação e tiveram seu processo de trabalho organizado fortemente à luz do referencial da educação popular e da educação permanente em saúde. Porém, segundo o autor, com o tempo houve mudança de perfil, de uma perspectiva de apoio institucional para um caráter mais burocrático.

Por desempenharem atuação semelhante de mediação em um cenário de gestão compartilhada entre dois ministérios e instituições locais diversas, os médicos podem identificar os dois atores como um só, e isto explicar a presença de ambos na dimensão aspectos do PMM e nenhum outro item do questionário.

A outra dimensão que completa esse segundo grupo é a que agrupou os fatores referentes às questões de avaliação da supervisão acadêmica do PMM. Essa era realizada periodicamente junto aos médicos do programa, quando era ofertado apoio pedagógico para o desenvolvimento das competências necessárias e aperfeiçoamento das ações e qualificação da atenção básica. Esta acontecia pela integração ensino/serviço no componente assistencial da formação dos médicos do programa, sendo um dos seus eixos educacionais 1818. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Ministério da Saúde. Programa Mais Médicos - dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde; 2015.. A satisfação com esses componentes está relacionada ao processo de educação no trabalho, e tem impacto no eixo formação e fixação dos profissionais na atenção básica. Há uma percepção dos médicos de que as formações ofertadas contribuem para o seu aperfeiçoamento profissional, o que leva à permanência deste na equipe por mais tempo 2323. Ministério da Educação. Portaria nº 585, de 15 de junho de 2015. Dispõe sobre a regulamentação da supervisão acadêmica no âmbito do Projeto Mais Médicos para o Brasil e dá outras providências. Diário Oficial da União 2015; 16 jun..

Em um estudo de satisfação e rotatividade de médicos do então Programa Saúde da Família, realizado em 2008 88. Campos CVA, Malik AM. Satisfação no trabalho e rotatividade dos médicos do Programa de Saúde da Família. Rev Adm Pública 2008; 42:347-68., indicou-se grande correlação entre rotatividade e formação técnica dos profissionais. Assim, quanto mais os profissionais se sentem preparados para o trabalho na atenção básica, menor sua rotatividade. Neste estudo, os médicos sentiram, de forma geral, pouco preparo para exercerem suas funções, sendo a ausência de formação adequada o terceiro pior fator avaliado em termos de satisfação 88. Campos CVA, Malik AM. Satisfação no trabalho e rotatividade dos médicos do Programa de Saúde da Família. Rev Adm Pública 2008; 42:347-68..

Sobre a sensação de preparo para o trabalho na atenção básica, cabe ressaltar a relevância do suporte pedagógico ofertado pela supervisão do PMM como uma das soluções para a fragilidade da formação médica no país. Diversos estudos vêm apontando para a fragilidade da formação médica no nível de graduação, em especial quando se problematiza a formação para a atenção básica. Apesar das orientações das diretrizes curriculares de 2014 2424. Ministério da Educação. Resolução nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em medicina e dá outras providências. Diário Oficial da União 2014; 21 jun., para que a formação seja orientada pelas reais demandas do SUS, ainda há grandes desafios para romper com a formação biomédica, técnico-centrada e uniprofissional, organizada em disciplinas fragmentadas em especialidades e com o ambiente hospitalar sendo cenário de prática prioritário 2525. Adler MS, Gallian DMC. Formação médica e serviço único de saúde: propostas e práticas descritas na literatura especializada. Rev Bras Educ Méd 2014, 38:388-96.,2626. Vieira SP, Pierantoni CR, Magnango C, Ney MS, Miranda RG. A graduação em medicina no Brasil ante os desafios da formação para a atenção primária à saúde. Saúde Debate 2018; 42(n.spe. 1):189-207.,2727. Herculano TB, Brilhante MAA, Silva DSAME, Nóbrega GEM, Sampaio J, Lins TS. A extensão universitária como estratégia de reorientação da formação médica em obstetrícia: um relato de experiência. In: Cruz PJSC, Xavier Filho MCS, organizadores. Extensão, saúde e formação médica: caminhos de construção de experiências extensionistas, suas possibilidades e limites para a promoção da saúde e a formação médica. João Pessoa: Editora do CCTA; 2017. p. 205-24..

O PMM procedeu sob as diretrizes da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, ora por meio das ofertas educacionais formais, ora por ações envolvendo todos os atores. Apesar do espaço privilegiado para educação permanente de supervisores, tutores e apoios dos Ministérios da Educação e da Saúde, percebe-se que na prática este potencial não foi todo utilizado, já que a supervisão ocorre de supervisores médicos para os médicos supervisionados, envolvendo apenas pontualmente o restante da equipe 2828. Aguiar RAT, Macedo HM. O Programa Mais Médicos em áreas remotas: a experiência do Grupo Especial de Supervisão no Pará, Brasil. Interface 2019; 23 Suppl 1:e180042..

Ainda sobre o perfil de formação do médico, destaca-se que a maioria dos médicos brasileiros do programa não tem formação de pós-graduação nas áreas correlacionadas à atenção básica. Em contrapartida, os que apresentaram tal formação eram os médicos cubanos. Com a saída desses do PMM 77. Dyer O. Cuba begins pulling 8,300 doctors out of Brazil following Bolsonaro's comments. BMJ 2018; 363:k5027., restou-nos um corpo de profissionais sem formação específica para atuar na atenção básica. Assim, reforça-se a necessidade de serem mantidos e fortalecidos programas/políticas públicas que garantam o suporte técnico-pedagógico proposto no papel dos supervisores do PMM.

Conclusão

O presente estudo verificou a estrutura fatorial de um questionário estratégico para outros pesquisadores ou gestores estudarem a satisfação do médico que atua em sistemas de saúde. Acredita-se que o instrumento proposto neste artigo possibilita uma visão ampla sobre os aspectos envolvidos na satisfação do trabalho do médico, sintetizando um ponto de partida para análises e validações posteriores sobre a qualidade do trabalho na atenção básica. O estudo é destinado também a gestores que busquem quais aspectos influenciam na satisfação, que estão inversamente relacionados à rotatividade dos profissionais de saúde e, assim, menores custos e possibilidades de melhores índices de saúde da população.

Também é necessário destacar que a satisfação está diretamente ligada à sensação de possibilidade de exercício pleno do trabalho e inversamente à rotatividade 88. Campos CVA, Malik AM. Satisfação no trabalho e rotatividade dos médicos do Programa de Saúde da Família. Rev Adm Pública 2008; 42:347-68., e que proporciona um dos fatores necessários para a ampliação das competências, resultados e integração dos profissionais aos sistemas de saúde 2929. World Health Organization. Family practice development strategies. Ankara: WHO Regional Office for Europe; 1997..

Nesse sentido, este estudo torna-se ainda mais relevante se considerada a saída dos médicos cubanos e o fim do PMM, que desafiam os gestores a procurar fortalecer ou criar novas formas de prover e fixar médicos, em especial nas áreas prioritárias para o SUS 66. Santos LMP, Millet C, Rasella D, Hone T. The end of Brazil's More Doctors programme? BMJ 2018; 363:k5247.. Nesse âmbito, vale destacar que as vagas em áreas mais pobres, distantes e de difícil acesso do Brasil eram predominantemente ocupadas pelos médicos estrangeiros cubanos. Assim, torna-se um grande desafio investir em estratégias que aumentem a satisfação dos médicos em trabalhar na atenção básica, em especial nas áreas mais desassistidas por médicos.

Agradecimentos

Agradecemos à participação de todas e todos os médicos que contribuíram com o estudo, componentes do Programa Mais Médicos na Paraíba.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    08 Out 2019
  • Revisado
    14 Jan 2020
  • Aceito
    27 Fev 2020
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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