Aborto inseguro no Brasil: revisão sistemática da produção científica, 2008-2018

Aborto inseguro en Brasil: revisión sistemática de la producción científica, 2008-2018

Rosa Maria Soares Madeira Domingues Sandra Costa Fonseca Maria do Carmo Leal Estela M. L. Aquino Greice M. S. Menezes Sobre os autores

Resumos

O objetivo deste estudo é atualizar o conhecimento sobre o aborto inseguro no país. Foi realizada uma revisão sistemática com busca e seleção de estudos via MEDLINE e LILACS, sem restrição de idiomas, no período 2008 a 2018, com avaliação da qualidade dos artigos por meio dos instrumentos elaborados pelo Instituto Joanna Briggs. Foram avaliados 50 artigos. A prevalência de aborto induzido no Brasil foi estimada por método direto em 15% no ano de 2010 e 13% no ano de 2016. Prevalências mais elevadas foram observadas em populações socialmente mais vulneráveis. A razão de aborto induzido por 1.000 mulheres em idade fértil reduziu no período 1995-2013, sendo de 16 por 1.000 em 2013. Metade das mulheres referiu a utilização de medicamentos para a interrupção da gestação e o número de internações por complicações do aborto, principalmente complicações graves, reduziu no período 1992-2009. A morbimortalidade materna por aborto apresentou frequência reduzida, mas alcançou valores elevados em contextos específicos. Há um provável sub-registro de óbitos maternos por aborto. Transtornos mentais comuns na gestação e depressão pós-parto foram mais frequentes em mulheres que tentaram induzir um aborto sem sucesso. Os resultados encontrados indicam que o aborto é usado com frequência no Brasil, principalmente nas regiões menos desenvolvidas e por mulheres socialmente mais vulneráveis. O acesso a métodos mais seguros provavelmente contribuiu para a redução de internações por complicações e para a redução da morbimortalidade por aborto. Entretanto, metade das mulheres ainda recorre a outros métodos e o número de internações por complicações do aborto é ainda elevado.

Palavras-chave:
Aborto Induzido; Revisão Sistemática; Inquéritos Epidemiológicos


El objetivo de este estudio es actualizar el conocimiento sobre el aborto inseguro en el país. Se realizó una revisión sistemática con búsqueda y selección de estudios vía MEDLINE y LILACS, sin restricción de idiomas, durante el período de 2008 a 2018, con una evaluación de la calidad de los artículos mediante instrumentos elaborados por el Instituto Joanna Briggs. Se evaluaron 50 artículos. La prevalencia de aborto inducido en Brasil se estimó por el método directo en un 15% durante el año 2010 y en un 13% durante el año 2016. Se observaron prevalencias más elevadas en poblaciones socialmente más vulnerables. La razón de aborto inducido por 1.000 mujeres en edad fértil se redujo durante el período de 1995-2013, siendo de 16 por 1.000 en 2013. La mitad de las mujeres informó sobre la utilización de medicamentos para la interrupción de la gestación y el número de internamientos por complicaciones del aborto, principalmente complicaciones graves, se redujo durante el período 1992-2009. La morbimortalidad materna por aborto presentó una frecuencia reducida, pero alcanzó valores elevados en contextos específicos. Existe un probable subregistro de óbitos maternos por aborto. Trastornos mentales comunes en la gestación y depresión posparto fueron más frecuentes en mujeres que intentaron inducir un aborto sin éxito. Los resultados encontrados indican que el aborto es usado con frecuencia en Brasil, principalmente en las regiones menos desarrolladas y por mujeres socialmente más vulnerables. El acceso a métodos más seguros probablemente contribuyó a la reducción de internamientos por complicaciones y a la reducción de la morbimortalidad por aborto. Sin embargo, la mitad de las mujeres todavía recurre a otros métodos y el número de internamientos por complicaciones del aborto es todavía elevado.

Palabras-clave:
Aborto Inducido; Revisión Sistemática; Encuestas Epidemiológicas


Introdução

Abortos podem ser classificados em seguros, menos seguros ou inseguros, dependendo do método utilizado para sua indução e do profissional responsável pela assistência 11. Ganatra B, Gerdts C, Rossier C, Johnson Jr BR, Tunçalp Ö, Assifi A, et al. Global, regional, and subregional classification of abortions by safety, 2010-14: estimates from a Bayesian hierarchical model. Lancet 2017; 390:2372-81.. Entre 2010 e 2014 estimou-se, em nível global, a ocorrência anual de 35 abortos inseguros por 1.000 mulheres entre 15-44 anos 22. Sedgh G, Bearak J, Singh S, Bankole A, Popinchalk A, Ganatra B, et al. Abortion incidence between 1990 and 2014: global, regional, and subregional levels and trends. Lancet 2016; 388:258-67., e aproximadamente 7 milhões de internações por complicações de aborto em países em desenvolvimento em 2012 33. Singh S, Maddow-Zimet I. Facility-based treatment for medical complications resulting from unsafe pregnancy termination in the developing world, 2012: a review of evidence from 26 countries. BJOG 2016; 123:1489-98.. Relativamente ao período 1990-1994, houve decréscimo expressivo da taxa de aborto inseguro, ainda que de forma desigual. Houve queda significativa, de 46 para 27/1.000, nos países desenvolvidos e diminuição não significativa, de 39 para 37/1.000, naqueles em desenvolvimento 22. Sedgh G, Bearak J, Singh S, Bankole A, Popinchalk A, Ganatra B, et al. Abortion incidence between 1990 and 2014: global, regional, and subregional levels and trends. Lancet 2016; 388:258-67.. A América Latina se destaca como uma das regiões de maior frequência de aborto inseguro (44/1.000), apesar de legislações restritivas na maioria dos seus países, excetuando-se o Uruguai, a Colômbia e Cuba. No Brasil, o aborto é permitido em casos de risco de vida para mulheres, de gravidez resultante de estupro e, desde 2012, em casos de anencefalia fetal.

Em revisões da literatura sobre esse tema no Brasil, em 2009 44. Departamento de Ciência e Tecnologia, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Ministério da Saúde. 20 anos de pesquisas sobre aborto no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. (Série B. Textos Básicos de Saúde).,55. Menezes G, Aquino EML. Pesquisa sobre o aborto no Brasil: avanços e desafios para o campo da saúde coletiva. Cad Saúde Pública 2009; 25 Suppl 2:S193-204., já se registrava a redução de abortos entre 1991 e 1996, com estabilização até 2005. Com base nas hospitalizações registradas no Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS), em 2005, estimava-se a realização de cerca de 1 milhão de abortos anuais no país, correspondendo à taxa de 20,7/1.000 mulheres em idade fértil. Independentemente da posição socioeconômica, raça/cor, idade e credo religioso, mulheres recorreram ao aborto, mas práticas inseguras eram mais comuns entre jovens, com baixa escolaridade, sem companheiro, estudantes ou trabalhadoras domésticas 55. Menezes G, Aquino EML. Pesquisa sobre o aborto no Brasil: avanços e desafios para o campo da saúde coletiva. Cad Saúde Pública 2009; 25 Suppl 2:S193-204.. O aborto foi causa de 11,4% das mortes maternas na única investigação realizada, em 2002, nas capitais dos estados e no Distrito Federal 66. Laurenti R, Mello-Jorge MH, Gotlieb SLD. A mortalidade materna nas capitais brasileiras: algumas características e estimativa de um fator de ajuste. Rev Bras Epidemiol 2004; 7:449-60.. Desigualdades regionais foram constatadas e mulheres negras, de classes sociais desfavorecidas e residentes em periferias, foram as mais atingidas 55. Menezes G, Aquino EML. Pesquisa sobre o aborto no Brasil: avanços e desafios para o campo da saúde coletiva. Cad Saúde Pública 2009; 25 Suppl 2:S193-204.. Lacunas no conhecimento identificadas à época embasaram a recomendação de estudos populacionais, comparando distintas regiões do país, áreas rurais e urbanas, bem como a investigação de determinantes sociais.

Embora nem todo aborto induzido não previsto por lei seja inseguro, já que pode ser realizado com métodos adequados e profissional qualificado 77. Sedgh G, Filippi V, Owolabi OO, Singh SD, Askew I, Bankole A, et al. Insights from an expert group meeting on the definition and measurement of unsafe abortion. Int J Gynaecol Obstet 2016; 134:104-6., a ilegalidade e a clandestinidade aumentam os riscos à saúde associados ao procedimento, razão pela qual adotaremos a terminologia aborto inseguro para os casos de abortos não previstos em lei. O objetivo deste trabalho é realizar uma revisão sistemática sobre estimativas, características das mulheres associadas e complicações decorrentes dos abortos inseguros no país.

Métodos

Trata-se de um estudo de revisão sistemática sobre aborto legal e sobre aborto inseguro no Brasil. Todas as etapas da revisão foram realizadas de forma independente por duas pesquisadoras (R. M. S. M. D. e S. C. F.), sendo utilizadas as recomendações do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) 88. Liberati A, Altman DG, Tetzlaff J, Mulrow C, Gøtzsche P, Ioannidis JPA, et al. The PRISMA statement for reporting systematic reviews and meta-analyses of studies that evaluate health care interventions: explanation and elaboration. PLoS Med 2009; 6:e1000100. para o relato das etapas da revisão realizada. Os resultados relativos ao tema do aborto legal serão apresentados em outra publicação.

Critérios de elegibilidade

Foram incluídos artigos científicos originais publicados entre 2008 e 2018 sobre os temas aborto legal e aborto inseguro, que usaram metodologia quantitativa, sem restrição quanto ao tipo de desenho. A escolha do período baseou-se na última revisão publicada sobre o tema, que encerrou a inclusão de estudos em dezembro de 2007. Para o aborto inseguro, foram considerados elegíveis trabalhos que investigaram estimativas da sua ocorrência, características das mulheres a ele associadas e complicações. Para o aborto legal, foram considerados elegíveis todos os estudos que investigaram esta temática.

Foram excluídas as investigações com metodologia qualitativa, revisões não sistemáticas, ensaios teóricos, protocolos de pesquisa, artigos metodológicos, teses e dissertações, bem como estudos que avaliaram aspectos diagnósticos e terapêuticos do aborto.

Estratégia de busca bibliográfica

Foram consultadas as bases de dados eletrônicas MEDLINE e LILACS. As palavras-chave usadas de forma combinada na busca estão descritas no Quadro 1. Adicionalmente, foram incluídas as referências citadas nas publicações selecionadas e que atendiam aos critérios de inclusão. As buscas eletrônicas, sem restrição de idiomas, foram iniciadas em 10 de outubro de 2017, concluídas em 6 de junho de 2017 e posteriormente atualizadas em 28 de fevereiro de 2019.

Quadro 1
Busca bibliográfica: descritores e operadores booleanos.

Seleção dos estudos

Após exclusão manual das publicações repetidas, foi realizada a triagem inicial baseada nos títulos, com exclusão de todas aquelas não relacionadas ao aborto inseguro ou abortos legais no Brasil. Após a leitura dos resumos, artigos que não atendiam aos critérios de elegibilidade foram excluídos. Novas exclusões foram feitas após a leitura completa dos estudos. Todo o processo de seleção foi realizado de forma independente pelas duas pesquisadoras, sendo as poucas discordâncias decididas por consenso.

Avaliação da qualidade dos estudos

A qualidade dos artigos foi apreciada usando-se instrumentos validados na literatura científica, elaborados pelo Instituto Joanna Briggs 99. Joanna Briggs Institute. Clinical appraisal tools. http://joannabriggs.org/research/critical-appraisal-tools.html (acessado em 10/Jan/2018).
http://joannabriggs.org/research/critica...
, que contemplam os diferentes tipos de estudos incluídos nesta revisão. Esses instrumentos, guardadas as especificidades de cada desenho epidemiológico, valorizam critérios de inclusão e amostragem da população, métodos de aferição das variáveis e análise estatística. Instrumentos distintos foram usados para a avaliação da qualidade de trabalhos que estimaram prevalência e verificaram fatores associados. Sendo assim, um estudo que tenha avaliado esses dois aspectos do aborto inseguro pode apresentar limitações diferentes para cada aspecto avaliado. Não houve exclusão de trabalhos baseada na qualidade. Na apresentação e discussão dos resultados, foram apresentadas as principais limitações identificadas.

Apresentação dos resultados

Para cada estudo incluído foram extraídos os seguintes dados: autores, ano de publicação e de realização do trabalho, desenho do estudo, local, população estudada, desfecho avaliado, limitações metodológicas e principais resultados.

Resultados

Foram identificados 749 títulos com seleção de 233 resumos. Desses, 140 foram excluídos por se tratar de estudos qualitativos (30%), ensaios teóricos (22,1%), análises de outros aspectos do abortamento (18,6%), estudos de revisão (10%), outros tipos de publicação (editorial, cartas, protocolo, artigo metodológico, teses e dissertações, representando 19,3%). Procedeu-se a leitura na íntegra dos 90 restantes (não foi possível a leitura de um artigo sobre aborto inseguro) e após a aplicação dos critérios de elegibilidade, 50 estudos sobre aborto inseguro foram objeto da presente análise (Figura 1). Os artigos relacionados ao aborto legal (n = 20) serão abordados em outra publicação.

Figura 1
Fluxograma da seleção de artigos incluídos na revisão sobre aborto inseguro no Brasil.

Os 50 artigos incluídos apresentam resultados de 48 estudos. Na análise foram categorizados segundo tema investigado: estimativas da ocorrência do aborto inseguro; perfil das mulheres e fatores associados; complicações decorrentes. Alguns estudos avaliaram mais de um tema, sendo incluídos em mais de uma Tabela.

Prevalência e taxas de aborto induzido no Brasil

Vinte e cinco artigos apresentam dados sobre estimativas de aborto (Tabela 1), sendo oito de âmbito nacional: dois derivados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), de 1996 e de 2006 1010. Cecatti JG, Guerra GV, Sousa MH, Menezes GM. Aborto no Brasil: um enfoque demográfico. Rev Bras Ginecol Obstet 2010; 32:105-11.,1111. Camargo RS, Santana DS, Cecatti JG, Pacagnella RC, Tedesco RP, Melo Jr. EF, et al. Severe maternal morbidity and factors associated with the occurrence of abortion in Brazil. Int J Gynaecol Obstet 2011; 112:88-92.; dois da Pesquisa Nacional de Aborto (PNA), realizada em 2010 e repetida em 2016 1212. Diniz D, Medeiros M. Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna. Ciênc Saúde Colet 2010; 15 Suppl 1:959-66.,1313. Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:653-60.; um do Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD) 1414. Massaro LTS, Abdalla RR, Laranjeira R, Caetano R, Pinsky I, Madruga CS. Alcohol misuse among women in Brazil: recent trends and associations with unprotected sex, early pregnancy, and abortion. Braz J Psychiatry 2019; 41:131-7.; dois com dados secundários do SIH/SUS 1515. Martins-Melo FR, Lima MS, Alencar CH, Ramos Jr. AN, Carvalho FH, Machado MM, et al. Tendência temporal e distribuição espacial do aborto inseguro no Brasil, 1996-2012. Rev Saúde Pública 2014; 48:508-20.,1616. Monteiro MFG, Adesse L, Drezett J. Atualização das estimativas da magnitude do aborto induzido, taxas por mil mulheres e razões por 100 nascimentos vivos do aborto induzido por faixa etária e grandes regiões. Brasil, 1995 a 2013. Reprod Clim 2015; 30:11-8.; e, por último, um inquérito em maternidades de 24 estados 1717. Machado CJ, Lobato AC, Melo VH, Guimarães MD. Perdas fetais espontâneas e voluntárias no Brasil em 1999-2000: um estudo de fatores associados. Rev Bras Epidemiol 2013; 16:18-29..

Tabela 1
Estimativas de prevalência/taxas de aborto inseguro no Brasil, 1993-2016.

Estudos com base nas PNDS, de 1996 1010. Cecatti JG, Guerra GV, Sousa MH, Menezes GM. Aborto no Brasil: um enfoque demográfico. Rev Bras Ginecol Obstet 2010; 32:105-11. e 2006 1111. Camargo RS, Santana DS, Cecatti JG, Pacagnella RC, Tedesco RP, Melo Jr. EF, et al. Severe maternal morbidity and factors associated with the occurrence of abortion in Brazil. Int J Gynaecol Obstet 2011; 112:88-92., estimaram de forma direta, ou seja, por meio de entrevista a mulheres, uma prevalência de aborto induzido de 2,4% 1010. Cecatti JG, Guerra GV, Sousa MH, Menezes GM. Aborto no Brasil: um enfoque demográfico. Rev Bras Ginecol Obstet 2010; 32:105-11. e 2,3% 1111. Camargo RS, Santana DS, Cecatti JG, Pacagnella RC, Tedesco RP, Melo Jr. EF, et al. Severe maternal morbidity and factors associated with the occurrence of abortion in Brazil. Int J Gynaecol Obstet 2011; 112:88-92., respectivamente. Em ambos, as regiões Nordeste e Norte apresentaram os maiores valores (3,1% e 2,3% em 1996 1010. Cecatti JG, Guerra GV, Sousa MH, Menezes GM. Aborto no Brasil: um enfoque demográfico. Rev Bras Ginecol Obstet 2010; 32:105-11.; 3,5 e 4,3% em 2006 1111. Camargo RS, Santana DS, Cecatti JG, Pacagnella RC, Tedesco RP, Melo Jr. EF, et al. Severe maternal morbidity and factors associated with the occurrence of abortion in Brazil. Int J Gynaecol Obstet 2011; 112:88-92.) e a Região Sul, o menor (1,7% em 1996 1010. Cecatti JG, Guerra GV, Sousa MH, Menezes GM. Aborto no Brasil: um enfoque demográfico. Rev Bras Ginecol Obstet 2010; 32:105-11., 0,8% em 2006 1111. Camargo RS, Santana DS, Cecatti JG, Pacagnella RC, Tedesco RP, Melo Jr. EF, et al. Severe maternal morbidity and factors associated with the occurrence of abortion in Brazil. Int J Gynaecol Obstet 2011; 112:88-92.). Destaca-se, em 1996, o Rio de Janeiro, com prevalência de 6,5%, superior à dos demais estados 1010. Cecatti JG, Guerra GV, Sousa MH, Menezes GM. Aborto no Brasil: um enfoque demográfico. Rev Bras Ginecol Obstet 2010; 32:105-11.. Comparando-se dados de 1996 e 2006, observou-se aumento da ocorrência no Norte e redução no Sul 1111. Camargo RS, Santana DS, Cecatti JG, Pacagnella RC, Tedesco RP, Melo Jr. EF, et al. Severe maternal morbidity and factors associated with the occurrence of abortion in Brazil. Int J Gynaecol Obstet 2011; 112:88-92..

As PNA de 2010 1212. Diniz D, Medeiros M. Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna. Ciênc Saúde Colet 2010; 15 Suppl 1:959-66. e de 2016 1313. Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:653-60. produziram estimativas diretas por meio do método de urna. Nesse método, as mulheres depositam em uma urna questionários autopreenchidos e não identificados, contendo respostas referentes às perguntas sobre aborto induzido, visando a aumentar o sigilo da informação. Foram entrevistadas mulheres alfabetizadas, entre 18-39 anos, residentes em áreas urbanas do país 1212. Diniz D, Medeiros M. Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna. Ciênc Saúde Colet 2010; 15 Suppl 1:959-66.,1313. Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:653-60.. A prevalência de aborto ao longo da vida foi de 15%, em 2010 1212. Diniz D, Medeiros M. Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna. Ciênc Saúde Colet 2010; 15 Suppl 1:959-66., e 13%, em 2016 1313. Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:653-60.; maior entre mulheres de 35-39 anos (22% em 2010 1212. Diniz D, Medeiros M. Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna. Ciênc Saúde Colet 2010; 15 Suppl 1:959-66., 18% em 2016 1313. Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:653-60.), residentes nas regiões Norte/Centro-oeste (19% em 2010 1212. Diniz D, Medeiros M. Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna. Ciênc Saúde Colet 2010; 15 Suppl 1:959-66., 15% em 2016 1313. Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:653-60.) e Nordeste (20% em 2010 1212. Diniz D, Medeiros M. Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna. Ciênc Saúde Colet 2010; 15 Suppl 1:959-66., 18% em 2016 1313. Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:653-60.), de baixa renda (17% em 2010 1212. Diniz D, Medeiros M. Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna. Ciênc Saúde Colet 2010; 15 Suppl 1:959-66. e 16% em 2016 1313. Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:653-60. em mulheres com renda de até 1 salário mínimo) e escolaridade (23% em 2010 1212. Diniz D, Medeiros M. Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna. Ciênc Saúde Colet 2010; 15 Suppl 1:959-66. e 22% em 2016 1313. Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:653-60. em mulheres com até a 4a série) e entre aquelas que se declararam pretas (15%) e indígenas (24%) em 2016 1313. Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:653-60. (informação não mensurada em 2010). Quando considerada a informação sobre o último aborto, e não sobre algum aborto na vida, o relato foi mais frequente entre as mais jovens - 29% nas de 12-19 anos e 28% nas de 20-24 anos - comparadas àquelas com mais de 25 anos (13%). Não foram observadas diferenças segundo o pertencimento religioso 1313. Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:653-60.. O uso de medicamentos foi citado como o principal método de aborto por metade das mulheres, em ambos os anos 1212. Diniz D, Medeiros M. Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna. Ciênc Saúde Colet 2010; 15 Suppl 1:959-66.,1313. Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:653-60.. Na PNA 2016, foi possível estimar a ocorrência de 503 mil procedimentos realizados no ano anterior, ou seja, em 2015 1313. Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:653-60.. Cerca de metade das mulheres informou internação após o aborto, com redução de 55% para 48%, entre as duas pesquisas 1212. Diniz D, Medeiros M. Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna. Ciênc Saúde Colet 2010; 15 Suppl 1:959-66.,1313. Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:653-60..

O estudo LENAD, realizado em 2012 com mulheres de idade ≥ 14 anos, aferiu aborto na vida, por meio de entrevista direta, constatando ocorrência de aborto inseguro em 16,3% (14,5%-18,3%) das mulheres, e efeito dose resposta segundo o uso de álcool. Entre mulheres sem binge drinking (BD), definido como o consumo de 4 ou mais drinks num período aproximado de 2 horas, ou distúrbio no uso de álcool (alcohol use disorders - AUD, aferido pela escala - Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-5), a prevalência de aborto inseguro foi de 15% (13,2%-17,0%), alcançando 24,9% (16,3%-36,2%) naquelas com BD e AUD 1414. Massaro LTS, Abdalla RR, Laranjeira R, Caetano R, Pinsky I, Madruga CS. Alcohol misuse among women in Brazil: recent trends and associations with unprotected sex, early pregnancy, and abortion. Braz J Psychiatry 2019; 41:131-7..

Nos trabalhos com base no SIH/SUS, estimativas indiretas utilizaram a metodologia do Instituto Guttmacher (IAG) 1818. Guttmacher Institute. Good reproductive health policy starts with credible research. https://www.guttmacher.org/international/abortion (acessado em Nov/2017).
https://www.guttmacher.org/international...
. Para o Brasil, o primeiro estudo abrangeu o período 1996-2012 1515. Martins-Melo FR, Lima MS, Alencar CH, Ramos Jr. AN, Carvalho FH, Machado MM, et al. Tendência temporal e distribuição espacial do aborto inseguro no Brasil, 1996-2012. Rev Saúde Pública 2014; 48:508-20. e analisou a tendência temporal do coeficiente de abortos induzidos/1.000 mulheres em idade fértil (AI/MIF) - e da razão de abortos/100 nascidos vivos (AI/NV) 1515. Martins-Melo FR, Lima MS, Alencar CH, Ramos Jr. AN, Carvalho FH, Machado MM, et al. Tendência temporal e distribuição espacial do aborto inseguro no Brasil, 1996-2012. Rev Saúde Pública 2014; 48:508-20.. Estimou-se uma média anual de 994.465 abortos induzidos, no Brasil, o que correspondeu a um coeficiente AI/MIF de 17/1.000 e razão de 33,2 abortos induzidos/100 nascidos vivos. Constatou-se queda estatisticamente significante do AI/MIF, entre 1996 e 2012 (R2: 94%; p < 0,001), em nível nacional e nas regiões Nordeste, Sudeste e Centro-oeste, estabilidade no Sul e aumento no Norte. A maior queda foi observada no Nordeste, com redução anual de 0,63 aborto inseguro/1.000 mulheres em idade fértil. Quanto à razão AI/NV, o declínio ocorreu apenas nas regiões mais populosas, Nordeste e Sudeste; nas demais, houve crescimento constante, com estabilidade em nível nacional. Espacialmente, foram detectados clusters de alta prevalência de abortos no Norte, Nordeste e Sudeste 1515. Martins-Melo FR, Lima MS, Alencar CH, Ramos Jr. AN, Carvalho FH, Machado MM, et al. Tendência temporal e distribuição espacial do aborto inseguro no Brasil, 1996-2012. Rev Saúde Pública 2014; 48:508-20.. No segundo estudo 1616. Monteiro MFG, Adesse L, Drezett J. Atualização das estimativas da magnitude do aborto induzido, taxas por mil mulheres e razões por 100 nascimentos vivos do aborto induzido por faixa etária e grandes regiões. Brasil, 1995 a 2013. Reprod Clim 2015; 30:11-8., analisando série entre 1995 e 2013 1616. Monteiro MFG, Adesse L, Drezett J. Atualização das estimativas da magnitude do aborto induzido, taxas por mil mulheres e razões por 100 nascimentos vivos do aborto induzido por faixa etária e grandes regiões. Brasil, 1995 a 2013. Reprod Clim 2015; 30:11-8., foram usados dois fatores de correção e também se detectou queda da ocorrência de abortos anuais no período. A estimativa máxima reduziu de 1.086.708 abortos anuais, em 1995, para 865.160; e a mínima de 864.628 em 1995 para 687.347, em 2013. O coeficiente AI/MIF também diminuiu no país (de 27 para 16/1.000 mulheres em idade fértil) em todas as regiões, mas manteve-se mais alto no Norte e Nordeste e entre mulheres de 20-29 anos (22/1.000 mulheres em idade fértil). A razão aborto inseguro/100 nascidos vivos declinou de 35 para 30/100 nascidos vivos, mas cresceu nas regiões Norte e Sul 1616. Monteiro MFG, Adesse L, Drezett J. Atualização das estimativas da magnitude do aborto induzido, taxas por mil mulheres e razões por 100 nascimentos vivos do aborto induzido por faixa etária e grandes regiões. Brasil, 1995 a 2013. Reprod Clim 2015; 30:11-8.. Por último, um estudo multicêntrico, de base hospitalar, usando estimativa direta por meio de entrevista com puérperas em maternidades brasileiras, estimou 9,7% de abortos induzidos em gestações prévias 1717. Machado CJ, Lobato AC, Melo VH, Guimarães MD. Perdas fetais espontâneas e voluntárias no Brasil em 1999-2000: um estudo de fatores associados. Rev Bras Epidemiol 2013; 16:18-29..

Em nível local, Mello et al. 1919. Mello FM, Sousa JL, Figueroa JN. Magnitude do aborto inseguro em Pernambuco, Brasil, 1996 a 2006. Cad Saúde Pública 2011; 27:87-93. analisaram internações hospitalares em Pernambuco, entre 1996-2006, e Madeiro et al. 2020. Madeiro AP, Rufino AC, Santos IS, Carvalho MS. Estimativas e tendências de aborto provocado no Piauí: um estudo ecológico no período de 2000-2010. Rev Bras Promoc Saúde 2015; 28:168-75., no Piauí, entre 2000-2010. Em Pernambuco, constatou-se um número elevado de internações por aborto, com estimativa de 621.022 aborto inseguro e razão AI/NV de 36,1/100 nascidos vivos 1919. Mello FM, Sousa JL, Figueroa JN. Magnitude do aborto inseguro em Pernambuco, Brasil, 1996 a 2006. Cad Saúde Pública 2011; 27:87-93.. Foram observadas diferenças entre as regiões de saúde do estado, tanto nas frequências de aborto inseguro quanto nas tendências temporais. Houve redução de 7,7% nas internações por complicações de aborto no estado durante o período, com decréscimo estatisticamente significante apenas na Região Metropolitana de Recife. As demais regiões apresentaram aumento do número de aborto inseguro, com duas regiões mais do que duplicando os casos. O estudo no Piauí identificou 55.678 internações por complicações de aborto no período analisado, com declínio da razão AI/NV no estado, de 17,6/100 para 13,5/100, com queda anual estatisticamente significante de 2,2% 2020. Madeiro AP, Rufino AC, Santos IS, Carvalho MS. Estimativas e tendências de aborto provocado no Piauí: um estudo ecológico no período de 2000-2010. Rev Bras Promoc Saúde 2015; 28:168-75..

Quatro inquéritos domiciliares, no Estado de São Paulo, estimaram a prevalência de aborto em mulheres com gestação prévia, que variou de 4,4% 2121. Silva RS, Vieira EM. Frequency and characteristics of induced abortion among married and single women in São Paulo, Brazil. Cad Saúde Pública 2009; 25:179-87. e 4,5% 2222. Souza MG, Fusco CLB, Andreoni SA, Souza e Silva R. Prevalência e características sociodemográficas de mulheres com aborto provocado em uma amostra da população da Cidade de São Paulo, Brasil. Rev Bras Epidemiol 2014; 17:297-312. em residentes na capital (em 1993 e 2008, respectivamente) a 6,9% e 18,3% em duas favelas 2323. Fusco CLB, Silva RS, Andreoni S. Unsafe abortion: social determinants and health inequities in a vulnerable population in São Paulo, Brazil. Cad Saúde Pública 2012; 28:709-19.,2424. Santos TF, Andreoni S, Souza e Silva R. Prevalência e características de aborto induzido - Favela México 70, São Vicente - São Paulo. Rev Bras Epidemiol 2012; 15:123-33.. Para o cálculo, os estudos utilizaram diferentes definições de idade reprodutiva nos denominadores. No estudo realizado em 1993 na capital do estado, os autores usaram dois métodos distintos - entrevista direta e o Randomized Response Technique (RRT) - para estimar a ocorrência de aborto inseguro no último ano, encontrando valor bem mais elevado ao utilizar o RRT do que a entrevista (42 vs. 1 por 1.000) 2121. Silva RS, Vieira EM. Frequency and characteristics of induced abortion among married and single women in São Paulo, Brazil. Cad Saúde Pública 2009; 25:179-87..

Onze trabalhos enfocaram populações específicas, utilizando estimativa direta, a maioria por meio de entrevista, sendo cinco entre jovens e adolescentes. Em uma favela paulista, 6,1% das mulheres e 10,8%, dos homens (falando sobre gravidezes de parceiras), entre 15 e 25 anos, relataram experiência prévia de aborto 2525. Silva RS, Andreoni S. Fatores associados ao aborto induzido entre jovens pobres na cidade de São Paulo, 2007. Rev Bras Estud Popul 2012; 29:409-19.. Em outra favela dessa cidade, 1,2% das moças e 2,8% dos rapazes de 15-24 anos informaram pelo menos um aborto prévio 2626. Silva RS, Fusco CLB. Comportamento do aborto induzido entre jovens em situação de pobreza de ambos os sexos - Favela México 70, São Paulo, Brasil, 2013. Reprod Clim 2016; 31:13-21.. A pesquisa GRAVAD (Gravidez na Adolescência: Estudo Multicêntrico sobre Jovens, Sexualidade e Reprodução no Brasil), inquérito domiciliar em três capitais brasileiras, constatou, entre jovens de 18-24 anos com relato de alguma gravidez, interrupção em 21,5%, sendo mais frequente no Rio de Janeiro (52,8%) e em Salvador, Bahia (42,1%), do que em Porto Alegre, Rio Grande do Sul (5,1%) 2727. Pilecco FB, Knauth DR, Vigo A. Aborto e coerção sexual: o contexto de vulnerabilidade entre mulheres jovens. Cad Saúde Pública 2011; 27:427-39.. Já em pesquisa com escolares de 12-19 anos das redes pública e privada de Maceió, Alagoas, utilizando questionário autoaplicado, 81,9% das estudantes que já haviam engravidado relataram aborto inseguro prévio 2828. Correia DS, Cavalcante JC, Egito ES, Maia EMC. Prática do abortamento entre adolescentes: um estudo em dez escolas de Maceió - AL, Brasil. Ciênc Saúde Colet 2011; 16:2469-76.. Em Porto Alegre e Rio Grande, Rio Grande do Sul, um estudo com crianças, jovens e adolescentes de 10-21 anos, vivendo em situação de rua, identificou gestação prévia em 29,3%, com prevalência de 15,6% de aborto inseguro naqueles com gestação prévia, e maior experiência de abortos (espontâneos e/ou provocados) entre meninas do que em meninos (17,4% vs. 8,8%) 2929. Neiva-Silva L, Demenech LM, Moreira LR, Oliveira AT, Carvalho FT, Paludo SDS. Pregnancy and abortion experience among children, adolescents and youths living on the streets. Ciênc Saúde Colet 2018; 23:1055-66..

Quatro estudos avaliaram a ocorrência de aborto inseguro em mulheres vivendo com HIV/aids, três deles com metodologia semelhante, comparando mulheres vivendo com HIV/aids (MVHA) atendidas em serviços de referência e mulheres não vivendo com HIV/aids (MNVHA) atendidas em serviços de atenção básica. O primeiro deles, realizado em 13 municípios das cinco macrorregiões brasileiras, em 2003-2004, e utilizando método de urna, encontrou prevalência de aborto inseguro de 17,5% em MVHA e 10,4% em MNVHA (p < 0,001) 3030. Barbosa RM, Pinho AA, Santos NS, Filipe E, Villela W, Aidar T. Induced abortion in women of reproductive age living with and without HIV/Aids in Brazil. Ciênc Saúde Colet 2009; 14:1085-99.. Posteriormente, em 2011, no Rio Grande do Sul 3131. Pilecco FB, Teixeira LB, Vigo A, Dewey ME, Knauth DR. Lifetime induced abortion: a comparison between women living and not living with HIV. PLoS One 2014; 9:e95570. e em São Paulo 3232. Pinho AA, Cabral CDS, Barbosa RM. Differences and similarities in women living and not living with HIV: contributions by the GENIH study to sexual and reproductive healthcare. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00057916., durante 2013-2014, utilizando entrevista direta, encontrou-se, respectivamente, prevalência de aborto inseguro na vida de 13% e 14,1% em MVHA e 4,9% e 3,2% em MNVHA. O quarto estudo, realizado em serviço de referência para MVHA no Rio de Janeiro, encontrou incidência de aborto inseguro de 2,1% (intervalo de 95% de confiança - IC95%: 1,2%-3,0%) por mulheres/ano, no período 1996-2003, com 31% das gestações resultando em aborto inseguro 3333. Friedman RK, Bastos FI, Leite IC, Veloso VG, Moreira RI, Cardoso SW, et al. Pregnancy rates and predictors in women with HIV/AIDS in Rio de Janeiro, Southeastern Brazil. Rev Saúde Pública 2011; 45:373-81..

Em Teresina, Piauí, um trabalho de estimativa direta com profissionais do sexo, utilizando método de urna, revelou prevalência de aborto inseguro na vida de 52,6%, que alcança 71,2% se consideradas aquelas entre 35-39 anos 3434. Madeiro AP, Rufino AC. Aborto induzido entre prostitutas: um levantamento pela técnica de urna em Teresina - Piauí. Ciênc Saúde Colet 2012; 17:1735-43.. Por último, em um estudo seccional em São Paulo, com adultos internados em clínica para tratamento de dependência química, 40,7% das mulheres e 23,8% dos homens relataram aborto inseguro na vida em entrevista direta 3535. Diehl A, Pillon SC, Santos MA, Laranjeira R. Abortion and sex-related conditions in substance-dependent Brazilian patients. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00143416..

Perfil das mulheres e fatores associados ao aborto induzido no Brasil

Vinte e dois estudos abordaram as características das mulheres e/ou os fatores associados ao aborto inseguro 1010. Cecatti JG, Guerra GV, Sousa MH, Menezes GM. Aborto no Brasil: um enfoque demográfico. Rev Bras Ginecol Obstet 2010; 32:105-11.,1111. Camargo RS, Santana DS, Cecatti JG, Pacagnella RC, Tedesco RP, Melo Jr. EF, et al. Severe maternal morbidity and factors associated with the occurrence of abortion in Brazil. Int J Gynaecol Obstet 2011; 112:88-92.,1414. Massaro LTS, Abdalla RR, Laranjeira R, Caetano R, Pinsky I, Madruga CS. Alcohol misuse among women in Brazil: recent trends and associations with unprotected sex, early pregnancy, and abortion. Braz J Psychiatry 2019; 41:131-7.,1717. Machado CJ, Lobato AC, Melo VH, Guimarães MD. Perdas fetais espontâneas e voluntárias no Brasil em 1999-2000: um estudo de fatores associados. Rev Bras Epidemiol 2013; 16:18-29.,2121. Silva RS, Vieira EM. Frequency and characteristics of induced abortion among married and single women in São Paulo, Brazil. Cad Saúde Pública 2009; 25:179-87.,2222. Souza MG, Fusco CLB, Andreoni SA, Souza e Silva R. Prevalência e características sociodemográficas de mulheres com aborto provocado em uma amostra da população da Cidade de São Paulo, Brasil. Rev Bras Epidemiol 2014; 17:297-312.,2323. Fusco CLB, Silva RS, Andreoni S. Unsafe abortion: social determinants and health inequities in a vulnerable population in São Paulo, Brazil. Cad Saúde Pública 2012; 28:709-19.,2424. Santos TF, Andreoni S, Souza e Silva R. Prevalência e características de aborto induzido - Favela México 70, São Vicente - São Paulo. Rev Bras Epidemiol 2012; 15:123-33.,2525. Silva RS, Andreoni S. Fatores associados ao aborto induzido entre jovens pobres na cidade de São Paulo, 2007. Rev Bras Estud Popul 2012; 29:409-19.,2727. Pilecco FB, Knauth DR, Vigo A. Aborto e coerção sexual: o contexto de vulnerabilidade entre mulheres jovens. Cad Saúde Pública 2011; 27:427-39.,2828. Correia DS, Cavalcante JC, Egito ES, Maia EMC. Prática do abortamento entre adolescentes: um estudo em dez escolas de Maceió - AL, Brasil. Ciênc Saúde Colet 2011; 16:2469-76.,3030. Barbosa RM, Pinho AA, Santos NS, Filipe E, Villela W, Aidar T. Induced abortion in women of reproductive age living with and without HIV/Aids in Brazil. Ciênc Saúde Colet 2009; 14:1085-99.,3131. Pilecco FB, Teixeira LB, Vigo A, Dewey ME, Knauth DR. Lifetime induced abortion: a comparison between women living and not living with HIV. PLoS One 2014; 9:e95570.,3434. Madeiro AP, Rufino AC. Aborto induzido entre prostitutas: um levantamento pela técnica de urna em Teresina - Piauí. Ciênc Saúde Colet 2012; 17:1735-43.,3535. Diehl A, Pillon SC, Santos MA, Laranjeira R. Abortion and sex-related conditions in substance-dependent Brazilian patients. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00143416.,3636. Nader PRA, Macedo CR, Miranda AE, Maciel ELN. Aspectos sociodemográficos e reprodutivos do abortamento induzido de mulheres internadas em uma maternidade de Serra - ES. Esc Anna Nery Rev Enferm 2008; 12:699-705.,3737. Silva DFO, Bedone AJ, Faundes A, Fernandes AMS, Moura VGAL. Aborto provocado: redução da frequência e gravidade das complicações. consequência do uso de misoprostol? Rev Bras Saúde Mater Infant 2010; 10:441-7.,3838. Ramos KS, Ferreira ALC, Souza AI. Mulheres hospitalizadas por abortamento em uma Maternidade Escola na Cidade do Recife, Brasil. Rev Esc Enferm USP 2010; 44:605-10.,3939. Chaves JHB, Pessini L, Bezerra AFS, Rego G, Nunes R. Abortamento provocado na adolescência sob a perspectiva bioética. Rev Bras Saúde Mater Infant 2010; 10 Suppl 2:S311-9.,4040. Borsari CMG, Nomura RMY, Benute GRG, Lucia MCS, Francisco RPV, Zugaib M. Aborto provocado em mulheres da periferia da Cidade de São Paulo: vivência e aspectos socioeconômicos. Rev Bras Ginecol Obstet 2013; 35:27-32.,4141. Dias TZ, Passini Jr. R, Duarte GA, Sousa MH, Faúndes A. Association between educational level and access to safe abortion in a Brazilian population. Int J Gynaecol Obstet 2015; 128:224-7.,4242. Fusco C, Akerman M, Drezett J, Silva RS. Social determinants of health: from the concept to the practice in outcomes of unintended pregnancies which result in induced abortion. Reprod Clim 2016; 31:22-30. (Tabela 2).

Tabela 2
Características/fatores associados ao aborto inseguro no Brasil, 1996-2012.

Naqueles de base populacional ou em serviços de atenção básica, incluindo mulheres de várias faixas etárias, mostraram-se associados positivamente ao aborto inseguro: aumento da idade 1010. Cecatti JG, Guerra GV, Sousa MH, Menezes GM. Aborto no Brasil: um enfoque demográfico. Rev Bras Ginecol Obstet 2010; 32:105-11.,2222. Souza MG, Fusco CLB, Andreoni SA, Souza e Silva R. Prevalência e características sociodemográficas de mulheres com aborto provocado em uma amostra da população da Cidade de São Paulo, Brasil. Rev Bras Epidemiol 2014; 17:297-312.,2424. Santos TF, Andreoni S, Souza e Silva R. Prevalência e características de aborto induzido - Favela México 70, São Vicente - São Paulo. Rev Bras Epidemiol 2012; 15:123-33.,3030. Barbosa RM, Pinho AA, Santos NS, Filipe E, Villela W, Aidar T. Induced abortion in women of reproductive age living with and without HIV/Aids in Brazil. Ciênc Saúde Colet 2009; 14:1085-99.,3131. Pilecco FB, Teixeira LB, Vigo A, Dewey ME, Knauth DR. Lifetime induced abortion: a comparison between women living and not living with HIV. PLoS One 2014; 9:e95570., raça/cor não branca 1010. Cecatti JG, Guerra GV, Sousa MH, Menezes GM. Aborto no Brasil: um enfoque demográfico. Rev Bras Ginecol Obstet 2010; 32:105-11.,2323. Fusco CLB, Silva RS, Andreoni S. Unsafe abortion: social determinants and health inequities in a vulnerable population in São Paulo, Brazil. Cad Saúde Pública 2012; 28:709-19.,3030. Barbosa RM, Pinho AA, Santos NS, Filipe E, Villela W, Aidar T. Induced abortion in women of reproductive age living with and without HIV/Aids in Brazil. Ciênc Saúde Colet 2009; 14:1085-99.,4242. Fusco C, Akerman M, Drezett J, Silva RS. Social determinants of health: from the concept to the practice in outcomes of unintended pregnancies which result in induced abortion. Reprod Clim 2016; 31:22-30., baixa renda 2424. Santos TF, Andreoni S, Souza e Silva R. Prevalência e características de aborto induzido - Favela México 70, São Vicente - São Paulo. Rev Bras Epidemiol 2012; 15:123-33.,4242. Fusco C, Akerman M, Drezett J, Silva RS. Social determinants of health: from the concept to the practice in outcomes of unintended pregnancies which result in induced abortion. Reprod Clim 2016; 31:22-30., residência em zona rural 1010. Cecatti JG, Guerra GV, Sousa MH, Menezes GM. Aborto no Brasil: um enfoque demográfico. Rev Bras Ginecol Obstet 2010; 32:105-11. ou migração 4242. Fusco C, Akerman M, Drezett J, Silva RS. Social determinants of health: from the concept to the practice in outcomes of unintended pregnancies which result in induced abortion. Reprod Clim 2016; 31:22-30., ter trabalho remunerado 1010. Cecatti JG, Guerra GV, Sousa MH, Menezes GM. Aborto no Brasil: um enfoque demográfico. Rev Bras Ginecol Obstet 2010; 32:105-11., não ter religião 1010. Cecatti JG, Guerra GV, Sousa MH, Menezes GM. Aborto no Brasil: um enfoque demográfico. Rev Bras Ginecol Obstet 2010; 32:105-11., ser solteira/não viver com o parceiro 2121. Silva RS, Vieira EM. Frequency and characteristics of induced abortion among married and single women in São Paulo, Brazil. Cad Saúde Pública 2009; 25:179-87.,2222. Souza MG, Fusco CLB, Andreoni SA, Souza e Silva R. Prevalência e características sociodemográficas de mulheres com aborto provocado em uma amostra da população da Cidade de São Paulo, Brasil. Rev Bras Epidemiol 2014; 17:297-312.,3131. Pilecco FB, Teixeira LB, Vigo A, Dewey ME, Knauth DR. Lifetime induced abortion: a comparison between women living and not living with HIV. PLoS One 2014; 9:e95570., início precoce da atividade sexual 2323. Fusco CLB, Silva RS, Andreoni S. Unsafe abortion: social determinants and health inequities in a vulnerable population in São Paulo, Brazil. Cad Saúde Pública 2012; 28:709-19.,3030. Barbosa RM, Pinho AA, Santos NS, Filipe E, Villela W, Aidar T. Induced abortion in women of reproductive age living with and without HIV/Aids in Brazil. Ciênc Saúde Colet 2009; 14:1085-99., ter mais de um ou dois parceiros no último ano 2323. Fusco CLB, Silva RS, Andreoni S. Unsafe abortion: social determinants and health inequities in a vulnerable population in São Paulo, Brazil. Cad Saúde Pública 2012; 28:709-19., maior número de parceiros sexuais na vida 3030. Barbosa RM, Pinho AA, Santos NS, Filipe E, Villela W, Aidar T. Induced abortion in women of reproductive age living with and without HIV/Aids in Brazil. Ciênc Saúde Colet 2009; 14:1085-99.,3131. Pilecco FB, Teixeira LB, Vigo A, Dewey ME, Knauth DR. Lifetime induced abortion: a comparison between women living and not living with HIV. PLoS One 2014; 9:e95570., uso de álcool 1414. Massaro LTS, Abdalla RR, Laranjeira R, Caetano R, Pinsky I, Madruga CS. Alcohol misuse among women in Brazil: recent trends and associations with unprotected sex, early pregnancy, and abortion. Braz J Psychiatry 2019; 41:131-7. e drogas 3030. Barbosa RM, Pinho AA, Santos NS, Filipe E, Villela W, Aidar T. Induced abortion in women of reproductive age living with and without HIV/Aids in Brazil. Ciênc Saúde Colet 2009; 14:1085-99.. Quanto à escolaridade, dois trabalhos encontraram associação do aborto inseguro com baixa escolaridade 2323. Fusco CLB, Silva RS, Andreoni S. Unsafe abortion: social determinants and health inequities in a vulnerable population in São Paulo, Brazil. Cad Saúde Pública 2012; 28:709-19.,4242. Fusco C, Akerman M, Drezett J, Silva RS. Social determinants of health: from the concept to the practice in outcomes of unintended pregnancies which result in induced abortion. Reprod Clim 2016; 31:22-30., e em Campinas 4141. Dias TZ, Passini Jr. R, Duarte GA, Sousa MH, Faúndes A. Association between educational level and access to safe abortion in a Brazilian population. Int J Gynaecol Obstet 2015; 128:224-7., São Paulo, e no Rio Grande do Sul 3131. Pilecco FB, Teixeira LB, Vigo A, Dewey ME, Knauth DR. Lifetime induced abortion: a comparison between women living and not living with HIV. PLoS One 2014; 9:e95570., encontrou-se associação positiva entre alta escolaridade e interrupção de gestações consideradas indesejadas. A razão número de filhos/gestações apresentou resultados contraditórios: ora a ausência de filhos 2424. Santos TF, Andreoni S, Souza e Silva R. Prevalência e características de aborto induzido - Favela México 70, São Vicente - São Paulo. Rev Bras Epidemiol 2012; 15:123-33., ora o maior número de gestações/filhos 1010. Cecatti JG, Guerra GV, Sousa MH, Menezes GM. Aborto no Brasil: um enfoque demográfico. Rev Bras Ginecol Obstet 2010; 32:105-11.,2222. Souza MG, Fusco CLB, Andreoni SA, Souza e Silva R. Prevalência e características sociodemográficas de mulheres com aborto provocado em uma amostra da população da Cidade de São Paulo, Brasil. Rev Bras Epidemiol 2014; 17:297-312.,2323. Fusco CLB, Silva RS, Andreoni S. Unsafe abortion: social determinants and health inequities in a vulnerable population in São Paulo, Brazil. Cad Saúde Pública 2012; 28:709-19.,2424. Santos TF, Andreoni S, Souza e Silva R. Prevalência e características de aborto induzido - Favela México 70, São Vicente - São Paulo. Rev Bras Epidemiol 2012; 15:123-33.,3131. Pilecco FB, Teixeira LB, Vigo A, Dewey ME, Knauth DR. Lifetime induced abortion: a comparison between women living and not living with HIV. PLoS One 2014; 9:e95570.,3434. Madeiro AP, Rufino AC. Aborto induzido entre prostitutas: um levantamento pela técnica de urna em Teresina - Piauí. Ciênc Saúde Colet 2012; 17:1735-43. estiveram associados ao aborto inseguro. Um estudo que avaliou a ocorrência de aborto inseguro segundo a diferença entre número de filhos vivos e aquele relatado como ideal, encontrou proporções mais elevadas de aborto inseguro entre mulheres que ainda não tinham o número de filhos desejado, sendo estes valores maiores em solteiras (29,5%) do que em casadas (2,9%) 2121. Silva RS, Vieira EM. Frequency and characteristics of induced abortion among married and single women in São Paulo, Brazil. Cad Saúde Pública 2009; 25:179-87.. Outros fatores, como a presença de infecção sexualmente transmissível 3030. Barbosa RM, Pinho AA, Santos NS, Filipe E, Villela W, Aidar T. Induced abortion in women of reproductive age living with and without HIV/Aids in Brazil. Ciênc Saúde Colet 2009; 14:1085-99. e a atitude de maior aceitação do aborto (por diferentes razões) 2323. Fusco CLB, Silva RS, Andreoni S. Unsafe abortion: social determinants and health inequities in a vulnerable population in São Paulo, Brazil. Cad Saúde Pública 2012; 28:709-19.,2424. Santos TF, Andreoni S, Souza e Silva R. Prevalência e características de aborto induzido - Favela México 70, São Vicente - São Paulo. Rev Bras Epidemiol 2012; 15:123-33., estiveram positivamente associados à interrupção da gravidez (Tabela 2).

Três pesquisas entrevistaram jovens e encontraram associação positiva entre aborto e número de parceiros 2727. Pilecco FB, Knauth DR, Vigo A. Aborto e coerção sexual: o contexto de vulnerabilidade entre mulheres jovens. Cad Saúde Pública 2011; 27:427-39., maior número de gestações/filhos 2525. Silva RS, Andreoni S. Fatores associados ao aborto induzido entre jovens pobres na cidade de São Paulo, 2007. Rev Bras Estud Popul 2012; 29:409-19.,2727. Pilecco FB, Knauth DR, Vigo A. Aborto e coerção sexual: o contexto de vulnerabilidade entre mulheres jovens. Cad Saúde Pública 2011; 27:427-39., coerção sexual 2727. Pilecco FB, Knauth DR, Vigo A. Aborto e coerção sexual: o contexto de vulnerabilidade entre mulheres jovens. Cad Saúde Pública 2011; 27:427-39., ser residente no Rio de Janeiro ou em Salvador 2727. Pilecco FB, Knauth DR, Vigo A. Aborto e coerção sexual: o contexto de vulnerabilidade entre mulheres jovens. Cad Saúde Pública 2011; 27:427-39., e ter obtido informações sobre relação sexual com outras pessoas que não os pais 2727. Pilecco FB, Knauth DR, Vigo A. Aborto e coerção sexual: o contexto de vulnerabilidade entre mulheres jovens. Cad Saúde Pública 2011; 27:427-39.. Um estudo com escolares de Maceió, identificou maior frequência de abortos entre adolescentes em união conjugal 2828. Correia DS, Cavalcante JC, Egito ES, Maia EMC. Prática do abortamento entre adolescentes: um estudo em dez escolas de Maceió - AL, Brasil. Ciênc Saúde Colet 2011; 16:2469-76.. Na pesquisa GRAVAD, a escolaridade apresentou gradiente positivo com aborto provocado entre jovens 2727. Pilecco FB, Knauth DR, Vigo A. Aborto e coerção sexual: o contexto de vulnerabilidade entre mulheres jovens. Cad Saúde Pública 2011; 27:427-39., já em Maceió verificou-se associação positiva entre estudar em escola pública e a realização do aborto 2828. Correia DS, Cavalcante JC, Egito ES, Maia EMC. Prática do abortamento entre adolescentes: um estudo em dez escolas de Maceió - AL, Brasil. Ciênc Saúde Colet 2011; 16:2469-76.. Na periferia de São Paulo, o aborto foi mais frequentemente relatado pelos homens (em relação às suas parceiras) e entre as pessoas que moravam sós (Tabela 2) 2525. Silva RS, Andreoni S. Fatores associados ao aborto induzido entre jovens pobres na cidade de São Paulo, 2007. Rev Bras Estud Popul 2012; 29:409-19..

Pesquisas hospitalares na rede pública descreveram as características de mulheres internadas por aborto, com amostras variando entre 104 e 1.838 usuárias. Um estudo em maternidades de referência para HIV em todo o país encontrou associação com idade jovem na primeira relação sexual, raça/cor não branca, menor número de filhos, infecções sexualmente transmissíveis, ausência de pré-natal naquela gestação e maior número de parceiros 1717. Machado CJ, Lobato AC, Melo VH, Guimarães MD. Perdas fetais espontâneas e voluntárias no Brasil em 1999-2000: um estudo de fatores associados. Rev Bras Epidemiol 2013; 16:18-29.. Quatro estudos 3636. Nader PRA, Macedo CR, Miranda AE, Maciel ELN. Aspectos sociodemográficos e reprodutivos do abortamento induzido de mulheres internadas em uma maternidade de Serra - ES. Esc Anna Nery Rev Enferm 2008; 12:699-705.,3737. Silva DFO, Bedone AJ, Faundes A, Fernandes AMS, Moura VGAL. Aborto provocado: redução da frequência e gravidade das complicações. consequência do uso de misoprostol? Rev Bras Saúde Mater Infant 2010; 10:441-7.,3838. Ramos KS, Ferreira ALC, Souza AI. Mulheres hospitalizadas por abortamento em uma Maternidade Escola na Cidade do Recife, Brasil. Rev Esc Enferm USP 2010; 44:605-10.,3939. Chaves JHB, Pessini L, Bezerra AFS, Rego G, Nunes R. Abortamento provocado na adolescência sob a perspectiva bioética. Rev Bras Saúde Mater Infant 2010; 10 Suppl 2:S311-9. usaram os critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a classificação dos abortos 4343. World Health Organization. Studying unsafe abortion: a practical guide. http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/63596/1/WHO_RHT_MSM_96.25.pdf (acessado em 10/Jan/2018).
http://apps.who.int/iris/bitstream/10665...
, cuja maioria foi considerada como certamente ou provavelmente induzida. Constatou-se associação entre indução de aborto e maior número de filhos 3838. Ramos KS, Ferreira ALC, Souza AI. Mulheres hospitalizadas por abortamento em uma Maternidade Escola na Cidade do Recife, Brasil. Rev Esc Enferm USP 2010; 44:605-10., ausência de companheiro 3636. Nader PRA, Macedo CR, Miranda AE, Maciel ELN. Aspectos sociodemográficos e reprodutivos do abortamento induzido de mulheres internadas em uma maternidade de Serra - ES. Esc Anna Nery Rev Enferm 2008; 12:699-705.,3737. Silva DFO, Bedone AJ, Faundes A, Fernandes AMS, Moura VGAL. Aborto provocado: redução da frequência e gravidade das complicações. consequência do uso de misoprostol? Rev Bras Saúde Mater Infant 2010; 10:441-7.,3838. Ramos KS, Ferreira ALC, Souza AI. Mulheres hospitalizadas por abortamento em uma Maternidade Escola na Cidade do Recife, Brasil. Rev Esc Enferm USP 2010; 44:605-10. e gestação não desejada 3636. Nader PRA, Macedo CR, Miranda AE, Maciel ELN. Aspectos sociodemográficos e reprodutivos do abortamento induzido de mulheres internadas em uma maternidade de Serra - ES. Esc Anna Nery Rev Enferm 2008; 12:699-705.. Outra investigação comparou abortos inseguros e seguros, observando maior frequência dos primeiros entre mulheres de menor renda, escolaridade, de raça/cor preta e migrantes 4242. Fusco C, Akerman M, Drezett J, Silva RS. Social determinants of health: from the concept to the practice in outcomes of unintended pregnancies which result in induced abortion. Reprod Clim 2016; 31:22-30.. Uma pesquisa realizada numa clínica para dependência química, com 616 usuários, sendo 82,5% do sexo masculino, encontrou associação entre aborto inseguro e sexo feminino, estado civil solteiro, desemprego, uso de tabaco, atividade sexual nos últimos 12 meses, uso irregular de preservativo, histórico de DST, testagem para HIV e uso de contracepção de emergência 3535. Diehl A, Pillon SC, Santos MA, Laranjeira R. Abortion and sex-related conditions in substance-dependent Brazilian patients. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00143416. (Tabela 2).

Complicações associadas aos abortos induzidos

Vinte e dois estudos avaliaram complicações do aborto inseguro (Tabela 3). Quatro avaliaram hospitalizações por complicações, sendo dois de âmbito nacional - um relativo ao período 1992-2009 4444. Singh S, Monteiro MF, Levin J. Trends in hospitalization for abortion-related complications in Brazil, 1992-2009: why the decline in numbers and severity? Int J Gynaecol Obstet 2012; 118 Suppl 2:S99-106., outro a 2006 4545. Mariutti MG, Silva HLR, Costa Jr ML, Furegato ARF. Abortamento: um estudo da morbidade hospitalar no país. Rev Bras Med 2010; 67:97-103. - e duas investigações locais, no Paraná 4646. Veras TCS, Mathias TAF. Principais causas de internações hospitalares por transtornos maternos. Rev Esc Enferm USP 2014; 48:401-8. e em Santa Catarina 4747. Bonassa RT, Rosa MI, Madeira K, Simões PW. Caracterização de casos de internação por abortos complicados na Macrorregião Sul Catarinense. Arq Catarin Med 2015; 44:88-100.. Todos usaram o SIH/SUS e evidenciaram a redução das internações por aborto. A taxa de hospitalização por aborto no país alcançou 3,1/1.000 mulheres no ano de 2009, redução de 57%, relativamente a 1992 4444. Singh S, Monteiro MF, Levin J. Trends in hospitalization for abortion-related complications in Brazil, 1992-2009: why the decline in numbers and severity? Int J Gynaecol Obstet 2012; 118 Suppl 2:S99-106.. Queda mais acentuada (69%) foi observada para as complicações mais graves, comparadas às menos graves (52%), principalmente por infecção e hemorragia. Todos os trabalhos evidenciaram diferenças regionais e entre os estados. Taxas maiores foram observadas no Norte e Nordeste e menores no Sul 4444. Singh S, Monteiro MF, Levin J. Trends in hospitalization for abortion-related complications in Brazil, 1992-2009: why the decline in numbers and severity? Int J Gynaecol Obstet 2012; 118 Suppl 2:S99-106.,4545. Mariutti MG, Silva HLR, Costa Jr ML, Furegato ARF. Abortamento: um estudo da morbidade hospitalar no país. Rev Bras Med 2010; 67:97-103.. Em 2006, Roraima e Amapá destacaram-se pelas maiores taxas (101 e 94 por 1.000, respectivamente) e dos 50 municípios com valores mais elevados, 17 pertenciam à Bahia 4545. Mariutti MG, Silva HLR, Costa Jr ML, Furegato ARF. Abortamento: um estudo da morbidade hospitalar no país. Rev Bras Med 2010; 67:97-103.. Vários municípios não registraram internação por aborto em 2006, provavelmente denotando sub-registro 4545. Mariutti MG, Silva HLR, Costa Jr ML, Furegato ARF. Abortamento: um estudo da morbidade hospitalar no país. Rev Bras Med 2010; 67:97-103.. No Paraná, hospitalizações por aborto corresponderam a 24,1% das internações obstétricas (razão 9,1/100 partos), com maiores valores entre mulheres de 35-49 anos, respectivamente, 36,9% e 20,2 abortos/100 partos 4646. Veras TCS, Mathias TAF. Principais causas de internações hospitalares por transtornos maternos. Rev Esc Enferm USP 2014; 48:401-8.. Em Santa Catarina, houve queda da taxa de hospitalização no período 1999-2010, com média de 2,1/1.000 4747. Bonassa RT, Rosa MI, Madeira K, Simões PW. Caracterização de casos de internação por abortos complicados na Macrorregião Sul Catarinense. Arq Catarin Med 2015; 44:88-100..

Tabela 3
Complicações associadas ao aborto inseguro no Brasil, 1992-2013.

Seis estudos avaliaram as complicações do aborto. No Maranhão, série de casos em duas maternidades públicas de São Luis identificou 17,5% de aborto inseguro dentre as internações por abortamento, com a utilização de misoprostol isolado ou combinado, por 65% das mulheres. As complicações foram leves, principalmente cólicas e sangramentos, com tempo médio de permanência de 2,5 dias 4848. Araújo MCR, Mochel EG. Aborto provocado: fatores associados em mulheres admitidas em maternidades públicas em São Luís, Maranhão, Brasil. Rev Paul Enferm 2008; 27:79-86.. Em Maceió, um estudo com 2.592 escolares revelou 16,1% de complicações e 10,1% de hospitalizações após 149 abortos inseguros 4949. Correia DS, Monteiro VG, Egito ES, Maia EM. Aborto provocado na adolescência: quem o praticou na Cidade de Maceió, Alagoas, Brasil. Rev Gaúcha Enferm 2009; 30:167-74.. Em Campinas 3737. Silva DFO, Bedone AJ, Faundes A, Fernandes AMS, Moura VGAL. Aborto provocado: redução da frequência e gravidade das complicações. consequência do uso de misoprostol? Rev Bras Saúde Mater Infant 2010; 10:441-7., complicações infecciosas (10%) e hemorrágicas (13%) foram significativamente mais frequentes entre abortos certamente induzidos. Não houve associação entre o uso do misoprostol e a menor ocorrência de complicações. Também em Maceió 3939. Chaves JHB, Pessini L, Bezerra AFS, Rego G, Nunes R. Abortamento provocado na adolescência sob a perspectiva bioética. Rev Bras Saúde Mater Infant 2010; 10 Suppl 2:S311-9., identificaram-se 81,5% de abortos certamente induzidos entre 201 adolescentes internadas, com o uso de misoprostol por 77,4% delas. Ocorreram três casos de perfuração uterina e oito hemotransfusões, todos entre abortos certamente ou provavelmente induzidos 3939. Chaves JHB, Pessini L, Bezerra AFS, Rego G, Nunes R. Abortamento provocado na adolescência sob a perspectiva bioética. Rev Bras Saúde Mater Infant 2010; 10 Suppl 2:S311-9.. Em 2010, um estudo com funcionários públicos no Estado de São Paulo constatou que o aborto foi o desfecho de 55,7% das gestações não planejadas. A maioria dos abortos foi realizada por médicos e este fator esteve associado a menos complicações e hospitalizações 4141. Dias TZ, Passini Jr. R, Duarte GA, Sousa MH, Faúndes A. Association between educational level and access to safe abortion in a Brazilian population. Int J Gynaecol Obstet 2015; 128:224-7.. Gomperts et al. 5050. Gomperts R, van der Vleuten K, Jelinska K, Costa CV, Gemzell-Danielsson K, Kleiverda G. Provision of medical abortion using telemedicine in Brazil. Contraception 2014; 89:129-33., analisando registros completos de 307 mulheres que realizaram abortos medicamentosos apoiados pela organização Women on Web em 2011 5050. Gomperts R, van der Vleuten K, Jelinska K, Costa CV, Gemzell-Danielsson K, Kleiverda G. Provision of medical abortion using telemedicine in Brazil. Contraception 2014; 89:129-33., evidenciaram que a maioria (76,9%) evoluiu para aborto completo; 20,9% das mulheres tiveram de ser submetidas a procedimento cirúrgico posterior, sendo mais frequente nas gestações com 13 ou mais semanas.

Nove estudos investigaram morbidade materna grave e mortalidade materna associadas ao aborto 1111. Camargo RS, Santana DS, Cecatti JG, Pacagnella RC, Tedesco RP, Melo Jr. EF, et al. Severe maternal morbidity and factors associated with the occurrence of abortion in Brazil. Int J Gynaecol Obstet 2011; 112:88-92.,5151. Santana DS, Cecatti JG, Parpinelli MA, Haddad SM, Costa ML, Sousa MH, et al. Severe maternal morbidity due to abortion prospectively identified in a surveillance network in Brazil. Int J Gynaecol Obstet 2012; 119:44-8.,5252. Souza KV, Almeida MRCB, Soares VMN. Perfil da mortalidade materna por aborto no Paraná: 2003-2005. Esc Anna Nery Rev Enferm 2008; 12:741-9.,5353. Souza ML, Ferreira LAP, Burgardt D, Monticelli M, Bub MBC. Mortalidade por aborto no Estado de Santa Catarina: 1996 a 2005. Esc Anna Nery Rev Enferm 2008; 12:735-40.,5454. Figueiredo YMD, Malta DC, Rezende EM. Análise da mortalidade materna no município de Governador Valadares, 2002-2004. REME Rev Min Enferm 2010; 14:376-85.,5555. Martins EF, Almeida PF, Paixão CO, Bicalho PG, Errico LS. Causas múltiplas de mortalidade materna relacionada ao aborto no Estado de Minas Gerais, Brasil, 2000-2011. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00133115.,5656. Galvão LP, Alvim-Pereira F, Mendonça CM, Menezes FE, Góis KA, Ribeiro Jr. RF, et al. The prevalence of severe maternal morbidity and near miss associated factors in Sergipe, Northeast Brazil. BMC Pregnancy Childbirth 2014; 14:25.,5757. Madeiro AP, Rufino AC, Lacerda ÉZ, Brasil LG. Incidence and determinants of severe maternal morbidity: a transversal study in a referral hospital in Teresina, Piauí, Brazil. BMC Pregnancy Childbirth 2015; 15:210.,5858. Kale PL, Jorge MHPM, Fonseca SC, Cascão AM, Silva KS, Reis AC, et al. Deaths of women hospitalized for childbirth and abortion, and of their concept, in maternity wards of Brazilian public hospitals. Ciênc Saúde Colet 2018; 23:1577-90., sendo dois de âmbito nacional 1111. Camargo RS, Santana DS, Cecatti JG, Pacagnella RC, Tedesco RP, Melo Jr. EF, et al. Severe maternal morbidity and factors associated with the occurrence of abortion in Brazil. Int J Gynaecol Obstet 2011; 112:88-92.,5151. Santana DS, Cecatti JG, Parpinelli MA, Haddad SM, Costa ML, Sousa MH, et al. Severe maternal morbidity due to abortion prospectively identified in a surveillance network in Brazil. Int J Gynaecol Obstet 2012; 119:44-8.. Os dados da PNDS 2006 indicaram ocorrência duas vezes maior de complicações (principalmente hemorrágicas e infecciosas) entre mulheres com aborto quando comparadas àquelas que tiveram parto 1111. Camargo RS, Santana DS, Cecatti JG, Pacagnella RC, Tedesco RP, Melo Jr. EF, et al. Severe maternal morbidity and factors associated with the occurrence of abortion in Brazil. Int J Gynaecol Obstet 2011; 112:88-92.. Um estudo conduzido em 27 hospitais de referência 5151. Santana DS, Cecatti JG, Parpinelli MA, Haddad SM, Costa ML, Sousa MH, et al. Severe maternal morbidity due to abortion prospectively identified in a surveillance network in Brazil. Int J Gynaecol Obstet 2012; 119:44-8. verificou que, apesar de apenas 2,5% dos casos de morbidade materna grave, near miss materno (mulher que quase morreu, mas sobreviveu a uma complicação grave durante a gestação, o parto ou até os 42 dias após o parto) e óbito materno serem resultantes de complicações de abortos, estas, quando presentes, apresentaram maior gravidade, com proporção de near miss materno significativamente mais elevada, relativamente às demais causas obstétricas. Condições preexistentes das mulheres, baixo peso materno, admissão no serviço por referência ou transferência de outras unidades e qualquer tipo de demora em receber a atenção adequada mostraram-se associados ao near miss materno em casos de aborto 5151. Santana DS, Cecatti JG, Parpinelli MA, Haddad SM, Costa ML, Sousa MH, et al. Severe maternal morbidity due to abortion prospectively identified in a surveillance network in Brazil. Int J Gynaecol Obstet 2012; 119:44-8..

Dois estudos locais de base populacional avaliaram a mortalidade materna utilizando dados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM). No Paraná, dados do Comitê Estadual de Prevenção da Mortalidade Materna demonstram estabilidade na Razão de Mortalidade Materna (RMM) por aborto/100.000 nascidos vivos nos triênios 1997-1999 (3,7), 2000-2002 (4,3) e 2003-2005 (3,6). No último triênio, 59% dos óbitos por aborto foram decorrentes de complicações infecciosas 5252. Souza KV, Almeida MRCB, Soares VMN. Perfil da mortalidade materna por aborto no Paraná: 2003-2005. Esc Anna Nery Rev Enferm 2008; 12:741-9.. Em Santa Catarina, entre 1996-2005, a RMM por aborto, segundo dados do SIM (excluídos os casos de gestação ectópica, mola hidatiforme e outros produtos anormais da concepção), foi de 1,5 por 100.000 nascidos vivos, com variação de 1,3 a 5,1 nas seis regiões do estado. Maior proporção de óbitos foi observada em mulheres de 20-29 anos (45,2%), com 1 a 8 anos de escolaridade (38,7%) e casadas (51,6%) 5353. Souza ML, Ferreira LAP, Burgardt D, Monticelli M, Bub MBC. Mortalidade por aborto no Estado de Santa Catarina: 1996 a 2005. Esc Anna Nery Rev Enferm 2008; 12:735-40.. Em Governador Valadares, Minas Gerais, foram registrados apenas cinco óbitos maternos no triênio 2002-2004, dos quais três decorrentes de complicações do aborto 5454. Figueiredo YMD, Malta DC, Rezende EM. Análise da mortalidade materna no município de Governador Valadares, 2002-2004. REME Rev Min Enferm 2010; 14:376-85.. Série temporal da mortalidade materna, de 2000-2011, em Minas Gerais 5555. Martins EF, Almeida PF, Paixão CO, Bicalho PG, Errico LS. Causas múltiplas de mortalidade materna relacionada ao aborto no Estado de Minas Gerais, Brasil, 2000-2011. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00133115., identificou aumento em 38% das mortes por aborto, quando incluídas as causas associadas e não apenas a causa básica de óbito; 44% dos novos óbitos identificados não tinham sido declarados como maternos na causa básica 5555. Martins EF, Almeida PF, Paixão CO, Bicalho PG, Errico LS. Causas múltiplas de mortalidade materna relacionada ao aborto no Estado de Minas Gerais, Brasil, 2000-2011. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00133115..

Três estudos de base hospitalar em âmbito local avaliaram a morbimortalidade materna. Em Sergipe, verificou-se que o aborto foi a causa de 11,8% dos óbitos maternos entre 2011-2012 5656. Galvão LP, Alvim-Pereira F, Mendonça CM, Menezes FE, Góis KA, Ribeiro Jr. RF, et al. The prevalence of severe maternal morbidity and near miss associated factors in Sergipe, Northeast Brazil. BMC Pregnancy Childbirth 2014; 14:25., e no Piauí, uma investigação realizada entre 2012-2013 apontou o aborto infectado como a causa isolada mais frequente de óbito materno (30%) 5757. Madeiro AP, Rufino AC, Lacerda ÉZ, Brasil LG. Incidence and determinants of severe maternal morbidity: a transversal study in a referral hospital in Teresina, Piauí, Brazil. BMC Pregnancy Childbirth 2015; 15:210.. Ambos os estudos avaliaram também a ocorrência de near miss materno, estando o aborto prévio associado ao near miss materno naquela gestação em Sergipe 5656. Galvão LP, Alvim-Pereira F, Mendonça CM, Menezes FE, Góis KA, Ribeiro Jr. RF, et al. The prevalence of severe maternal morbidity and near miss associated factors in Sergipe, Northeast Brazil. BMC Pregnancy Childbirth 2014; 14:25.. No estudo do Piauí, apenas a cesariana na gestação atual mostrou-se associada ao near miss materno 5757. Madeiro AP, Rufino AC, Lacerda ÉZ, Brasil LG. Incidence and determinants of severe maternal morbidity: a transversal study in a referral hospital in Teresina, Piauí, Brazil. BMC Pregnancy Childbirth 2015; 15:210.. Por fim, uma investigação realizada em hospitais nos municípios do Rio de Janeiro, Niterói e São Paulo, com 7.845 mulheres, identificou apenas um óbito materno, que não estava associado ao aborto 5858. Kale PL, Jorge MHPM, Fonseca SC, Cascão AM, Silva KS, Reis AC, et al. Deaths of women hospitalized for childbirth and abortion, and of their concept, in maternity wards of Brazilian public hospitals. Ciênc Saúde Colet 2018; 23:1577-90..

Estudos que avaliaram desfechos na saúde mental também foram identificados. Um deles, com muitas limitações metodológicas, avaliou o escore de depressão e ansiedade de mulheres 30 dias após o abortamento, utilizando a escala Hospital Anxiety and Depression. Foi verificada média significativamente mais elevada de depressão (8,3 vs. 6,1, p < 0.05) e ansiedade (11,0 vs. 8,7, p < 0,05) entre mulheres com aborto inseguro, quando comparadas àquelas com aborto espontâneo 5959. Benute GR, Nomura RM, Pereira PP, Lucia MC, Zugaib M. Abortamento espontâneo e provocado: ansiedade, depressão e culpa. Rev Assoc Med Bras 2009; 55:322-7.. Dois artigos 6060. Ludermir AB, de Araújo TV, Valongueiro SA, Lewis G. Common mental disorders in late pregnancy in women who wanted or attempted an abortion. Psychol Med 2010; 40:1467-73.,6161. Ludermir AB, Araya R, Araújo TV, Valongueiro SA, Lewis G. Postnatal depression in women after unsuccessful attempted abortion. Br J Psychiatry 2011; 198:237-8. de um estudo longitudinal avaliaram a saúde mental de mulheres de Recife, entrevistadas no terceiro trimestre da gestação. Na linha de base, a prevalência global de transtornos mentais comuns (TMC), aferida pelo SRQ-20, foi de 43,1%, já entre aquelas que declararam ter tentado fazer um aborto (13,7%), a ocorrência ficou em 63,6% 6060. Ludermir AB, de Araújo TV, Valongueiro SA, Lewis G. Common mental disorders in late pregnancy in women who wanted or attempted an abortion. Psychol Med 2010; 40:1467-73.. Nas entrevistas de seguimento, realizadas, em média, 8,1 meses após o parto, a tentativa de aborto esteve associada à depressão pós-parto, utilizando-se a Escala de Edimburgo6161. Ludermir AB, Araya R, Araújo TV, Valongueiro SA, Lewis G. Postnatal depression in women after unsuccessful attempted abortion. Br J Psychiatry 2011; 198:237-8..

Discussão

Aproximadamente um quarto da produção científica sobre aborto inseguro no período foi composta por estudos quantitativos analisando os três aspectos abordados nesta revisão. Estimativas diretas de prevalência de aborto inseguro em estudos com abrangência nacional variaram de 2,3% 1111. Camargo RS, Santana DS, Cecatti JG, Pacagnella RC, Tedesco RP, Melo Jr. EF, et al. Severe maternal morbidity and factors associated with the occurrence of abortion in Brazil. Int J Gynaecol Obstet 2011; 112:88-92. a 16,3% 1414. Massaro LTS, Abdalla RR, Laranjeira R, Caetano R, Pinsky I, Madruga CS. Alcohol misuse among women in Brazil: recent trends and associations with unprotected sex, early pregnancy, and abortion. Braz J Psychiatry 2019; 41:131-7.. Em estudos locais, essas estimativas variaram de 1,2%, entre mulheres de 15-24 anos 2626. Silva RS, Fusco CLB. Comportamento do aborto induzido entre jovens em situação de pobreza de ambos os sexos - Favela México 70, São Paulo, Brasil, 2013. Reprod Clim 2016; 31:13-21., a 81,9% em meninas de 12-19 anos com vida sexual ativa que já haviam engravidado 2828. Correia DS, Cavalcante JC, Egito ES, Maia EMC. Prática do abortamento entre adolescentes: um estudo em dez escolas de Maceió - AL, Brasil. Ciênc Saúde Colet 2011; 16:2469-76.. Já a ocorrência estimada variou de 865 mil 1616. Monteiro MFG, Adesse L, Drezett J. Atualização das estimativas da magnitude do aborto induzido, taxas por mil mulheres e razões por 100 nascimentos vivos do aborto induzido por faixa etária e grandes regiões. Brasil, 1995 a 2013. Reprod Clim 2015; 30:11-8. a 503 mil 1313. Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:653-60. abortos entre 2013-2015 no país.

Essa grande variação nos números pode ser explicada, em grande parte, pelas diferentes abordagens metodológicas e populações estudadas. Alguns trabalhos incluíram o total de mulheres em idade reprodutiva (com limites etários diferentes) 1010. Cecatti JG, Guerra GV, Sousa MH, Menezes GM. Aborto no Brasil: um enfoque demográfico. Rev Bras Ginecol Obstet 2010; 32:105-11.,1111. Camargo RS, Santana DS, Cecatti JG, Pacagnella RC, Tedesco RP, Melo Jr. EF, et al. Severe maternal morbidity and factors associated with the occurrence of abortion in Brazil. Int J Gynaecol Obstet 2011; 112:88-92.,1212. Diniz D, Medeiros M. Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna. Ciênc Saúde Colet 2010; 15 Suppl 1:959-66.,1313. Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:653-60.,1414. Massaro LTS, Abdalla RR, Laranjeira R, Caetano R, Pinsky I, Madruga CS. Alcohol misuse among women in Brazil: recent trends and associations with unprotected sex, early pregnancy, and abortion. Braz J Psychiatry 2019; 41:131-7.,1515. Martins-Melo FR, Lima MS, Alencar CH, Ramos Jr. AN, Carvalho FH, Machado MM, et al. Tendência temporal e distribuição espacial do aborto inseguro no Brasil, 1996-2012. Rev Saúde Pública 2014; 48:508-20.,1616. Monteiro MFG, Adesse L, Drezett J. Atualização das estimativas da magnitude do aborto induzido, taxas por mil mulheres e razões por 100 nascimentos vivos do aborto induzido por faixa etária e grandes regiões. Brasil, 1995 a 2013. Reprod Clim 2015; 30:11-8.,1919. Mello FM, Sousa JL, Figueroa JN. Magnitude do aborto inseguro em Pernambuco, Brasil, 1996 a 2006. Cad Saúde Pública 2011; 27:87-93.,2020. Madeiro AP, Rufino AC, Santos IS, Carvalho MS. Estimativas e tendências de aborto provocado no Piauí: um estudo ecológico no período de 2000-2010. Rev Bras Promoc Saúde 2015; 28:168-75.,2121. Silva RS, Vieira EM. Frequency and characteristics of induced abortion among married and single women in São Paulo, Brazil. Cad Saúde Pública 2009; 25:179-87.,2323. Fusco CLB, Silva RS, Andreoni S. Unsafe abortion: social determinants and health inequities in a vulnerable population in São Paulo, Brazil. Cad Saúde Pública 2012; 28:709-19., e outros enfocaram apenas jovens 2525. Silva RS, Andreoni S. Fatores associados ao aborto induzido entre jovens pobres na cidade de São Paulo, 2007. Rev Bras Estud Popul 2012; 29:409-19.,2626. Silva RS, Fusco CLB. Comportamento do aborto induzido entre jovens em situação de pobreza de ambos os sexos - Favela México 70, São Paulo, Brasil, 2013. Reprod Clim 2016; 31:13-21.,2727. Pilecco FB, Knauth DR, Vigo A. Aborto e coerção sexual: o contexto de vulnerabilidade entre mulheres jovens. Cad Saúde Pública 2011; 27:427-39.,2828. Correia DS, Cavalcante JC, Egito ES, Maia EMC. Prática do abortamento entre adolescentes: um estudo em dez escolas de Maceió - AL, Brasil. Ciênc Saúde Colet 2011; 16:2469-76., ou mulheres com gestação anterior 1717. Machado CJ, Lobato AC, Melo VH, Guimarães MD. Perdas fetais espontâneas e voluntárias no Brasil em 1999-2000: um estudo de fatores associados. Rev Bras Epidemiol 2013; 16:18-29.,2222. Souza MG, Fusco CLB, Andreoni SA, Souza e Silva R. Prevalência e características sociodemográficas de mulheres com aborto provocado em uma amostra da população da Cidade de São Paulo, Brasil. Rev Bras Epidemiol 2014; 17:297-312.,2323. Fusco CLB, Silva RS, Andreoni S. Unsafe abortion: social determinants and health inequities in a vulnerable population in São Paulo, Brazil. Cad Saúde Pública 2012; 28:709-19.,2424. Santos TF, Andreoni S, Souza e Silva R. Prevalência e características de aborto induzido - Favela México 70, São Vicente - São Paulo. Rev Bras Epidemiol 2012; 15:123-33., ou grupo populacional específico 2929. Neiva-Silva L, Demenech LM, Moreira LR, Oliveira AT, Carvalho FT, Paludo SDS. Pregnancy and abortion experience among children, adolescents and youths living on the streets. Ciênc Saúde Colet 2018; 23:1055-66.,3030. Barbosa RM, Pinho AA, Santos NS, Filipe E, Villela W, Aidar T. Induced abortion in women of reproductive age living with and without HIV/Aids in Brazil. Ciênc Saúde Colet 2009; 14:1085-99.,3131. Pilecco FB, Teixeira LB, Vigo A, Dewey ME, Knauth DR. Lifetime induced abortion: a comparison between women living and not living with HIV. PLoS One 2014; 9:e95570.,3232. Pinho AA, Cabral CDS, Barbosa RM. Differences and similarities in women living and not living with HIV: contributions by the GENIH study to sexual and reproductive healthcare. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00057916.,3333. Friedman RK, Bastos FI, Leite IC, Veloso VG, Moreira RI, Cardoso SW, et al. Pregnancy rates and predictors in women with HIV/AIDS in Rio de Janeiro, Southeastern Brazil. Rev Saúde Pública 2011; 45:373-81.,3434. Madeiro AP, Rufino AC. Aborto induzido entre prostitutas: um levantamento pela técnica de urna em Teresina - Piauí. Ciênc Saúde Colet 2012; 17:1735-43.,3535. Diehl A, Pillon SC, Santos MA, Laranjeira R. Abortion and sex-related conditions in substance-dependent Brazilian patients. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00143416.. Nos estudos com métodos diretos, utilizou-se entrevistas face a face 1010. Cecatti JG, Guerra GV, Sousa MH, Menezes GM. Aborto no Brasil: um enfoque demográfico. Rev Bras Ginecol Obstet 2010; 32:105-11.,1111. Camargo RS, Santana DS, Cecatti JG, Pacagnella RC, Tedesco RP, Melo Jr. EF, et al. Severe maternal morbidity and factors associated with the occurrence of abortion in Brazil. Int J Gynaecol Obstet 2011; 112:88-92.,1414. Massaro LTS, Abdalla RR, Laranjeira R, Caetano R, Pinsky I, Madruga CS. Alcohol misuse among women in Brazil: recent trends and associations with unprotected sex, early pregnancy, and abortion. Braz J Psychiatry 2019; 41:131-7.,1717. Machado CJ, Lobato AC, Melo VH, Guimarães MD. Perdas fetais espontâneas e voluntárias no Brasil em 1999-2000: um estudo de fatores associados. Rev Bras Epidemiol 2013; 16:18-29.,2121. Silva RS, Vieira EM. Frequency and characteristics of induced abortion among married and single women in São Paulo, Brazil. Cad Saúde Pública 2009; 25:179-87.,2222. Souza MG, Fusco CLB, Andreoni SA, Souza e Silva R. Prevalência e características sociodemográficas de mulheres com aborto provocado em uma amostra da população da Cidade de São Paulo, Brasil. Rev Bras Epidemiol 2014; 17:297-312.,2323. Fusco CLB, Silva RS, Andreoni S. Unsafe abortion: social determinants and health inequities in a vulnerable population in São Paulo, Brazil. Cad Saúde Pública 2012; 28:709-19.,2424. Santos TF, Andreoni S, Souza e Silva R. Prevalência e características de aborto induzido - Favela México 70, São Vicente - São Paulo. Rev Bras Epidemiol 2012; 15:123-33.,2525. Silva RS, Andreoni S. Fatores associados ao aborto induzido entre jovens pobres na cidade de São Paulo, 2007. Rev Bras Estud Popul 2012; 29:409-19.,2626. Silva RS, Fusco CLB. Comportamento do aborto induzido entre jovens em situação de pobreza de ambos os sexos - Favela México 70, São Paulo, Brasil, 2013. Reprod Clim 2016; 31:13-21.,2727. Pilecco FB, Knauth DR, Vigo A. Aborto e coerção sexual: o contexto de vulnerabilidade entre mulheres jovens. Cad Saúde Pública 2011; 27:427-39.,2929. Neiva-Silva L, Demenech LM, Moreira LR, Oliveira AT, Carvalho FT, Paludo SDS. Pregnancy and abortion experience among children, adolescents and youths living on the streets. Ciênc Saúde Colet 2018; 23:1055-66.,3131. Pilecco FB, Teixeira LB, Vigo A, Dewey ME, Knauth DR. Lifetime induced abortion: a comparison between women living and not living with HIV. PLoS One 2014; 9:e95570.,3232. Pinho AA, Cabral CDS, Barbosa RM. Differences and similarities in women living and not living with HIV: contributions by the GENIH study to sexual and reproductive healthcare. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00057916.,3333. Friedman RK, Bastos FI, Leite IC, Veloso VG, Moreira RI, Cardoso SW, et al. Pregnancy rates and predictors in women with HIV/AIDS in Rio de Janeiro, Southeastern Brazil. Rev Saúde Pública 2011; 45:373-81.,3535. Diehl A, Pillon SC, Santos MA, Laranjeira R. Abortion and sex-related conditions in substance-dependent Brazilian patients. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00143416., questionário autoaplicado 2828. Correia DS, Cavalcante JC, Egito ES, Maia EMC. Prática do abortamento entre adolescentes: um estudo em dez escolas de Maceió - AL, Brasil. Ciênc Saúde Colet 2011; 16:2469-76., método da urna 1212. Diniz D, Medeiros M. Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna. Ciênc Saúde Colet 2010; 15 Suppl 1:959-66.,1313. Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:653-60.,3030. Barbosa RM, Pinho AA, Santos NS, Filipe E, Villela W, Aidar T. Induced abortion in women of reproductive age living with and without HIV/Aids in Brazil. Ciênc Saúde Colet 2009; 14:1085-99.,3434. Madeiro AP, Rufino AC. Aborto induzido entre prostitutas: um levantamento pela técnica de urna em Teresina - Piauí. Ciênc Saúde Colet 2012; 17:1735-43. ou o RRT 2121. Silva RS, Vieira EM. Frequency and characteristics of induced abortion among married and single women in São Paulo, Brazil. Cad Saúde Pública 2009; 25:179-87., estes últimos com menor possibilidade de subdeclaração do evento. Já as estimativas indiretas 1515. Martins-Melo FR, Lima MS, Alencar CH, Ramos Jr. AN, Carvalho FH, Machado MM, et al. Tendência temporal e distribuição espacial do aborto inseguro no Brasil, 1996-2012. Rev Saúde Pública 2014; 48:508-20.,1616. Monteiro MFG, Adesse L, Drezett J. Atualização das estimativas da magnitude do aborto induzido, taxas por mil mulheres e razões por 100 nascimentos vivos do aborto induzido por faixa etária e grandes regiões. Brasil, 1995 a 2013. Reprod Clim 2015; 30:11-8.,1919. Mello FM, Sousa JL, Figueroa JN. Magnitude do aborto inseguro em Pernambuco, Brasil, 1996 a 2006. Cad Saúde Pública 2011; 27:87-93.,2020. Madeiro AP, Rufino AC, Santos IS, Carvalho MS. Estimativas e tendências de aborto provocado no Piauí: um estudo ecológico no período de 2000-2010. Rev Bras Promoc Saúde 2015; 28:168-75. usaram a metodologia do IAG, com parâmetros para a correção de abortamentos espontâneos, abortamentos que não resultam em internação e abortamentos com internação no setor privado, que não são captados na base do SIH, restrita a internações com financiamento público. Esses parâmetros são sujeitos a imprecisões e têm sido tema de debate. Ressalte-se que em função da ilegalidade e do estigma que cercam o aborto, imprecisões ocorrem independentemente do método e da técnica utilizados 6262. Menezes G, Aquino EML, Domingues RMSM, Fonseca SC. Aborto e saúde no Brasil: desafios para pesquisas quantitativas em um contexto de ilegalidade. Cad Saúde Pública 2009; Suppl 2:S193-204..

A taxa de aborto inseguro de 16/1.000 mulheres em idade fértil em 2013 1616. Monteiro MFG, Adesse L, Drezett J. Atualização das estimativas da magnitude do aborto induzido, taxas por mil mulheres e razões por 100 nascimentos vivos do aborto induzido por faixa etária e grandes regiões. Brasil, 1995 a 2013. Reprod Clim 2015; 30:11-8., estimada por método indireto, é inferior às estimativas globais para o período 2010-2014, com valor semelhante àqueles observados na América do Norte (17/1.000), países da Europa Ocidental (18/1.000) e Oceania (19/1.000) 22. Sedgh G, Bearak J, Singh S, Bankole A, Popinchalk A, Ganatra B, et al. Abortion incidence between 1990 and 2014: global, regional, and subregional levels and trends. Lancet 2016; 388:258-67.. A estimativa da PNA 2016, de 503 mil abortos em 2015, correspondendo a aproximadamente 17,5% dos nascimentos ocorridos naquele ano, é também inferior às estimativas globais de 25% de abortos nas gestações ocorridas no período 2010-2014, sendo similar às observadas na América do Norte (17%), Oceania (16%) e países de todas as regiões da África 22. Sedgh G, Bearak J, Singh S, Bankole A, Popinchalk A, Ganatra B, et al. Abortion incidence between 1990 and 2014: global, regional, and subregional levels and trends. Lancet 2016; 388:258-67.. Destacam-se, entretanto, persistentes diferenças entre regiões, estados e municípios do país 15,16; desigualdades sociais com maiores taxas entre mulheres pretas 1313. Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:653-60.,2323. Fusco CLB, Silva RS, Andreoni S. Unsafe abortion: social determinants and health inequities in a vulnerable population in São Paulo, Brazil. Cad Saúde Pública 2012; 28:709-19., de baixa renda e escolaridade 1313. Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:653-60.,2323. Fusco CLB, Silva RS, Andreoni S. Unsafe abortion: social determinants and health inequities in a vulnerable population in São Paulo, Brazil. Cad Saúde Pública 2012; 28:709-19.,2424. Santos TF, Andreoni S, Souza e Silva R. Prevalência e características de aborto induzido - Favela México 70, São Vicente - São Paulo. Rev Bras Epidemiol 2012; 15:123-33.; e de populações específicas, como jovens no início da vida reprodutiva 2727. Pilecco FB, Knauth DR, Vigo A. Aborto e coerção sexual: o contexto de vulnerabilidade entre mulheres jovens. Cad Saúde Pública 2011; 27:427-39.,2828. Correia DS, Cavalcante JC, Egito ES, Maia EMC. Prática do abortamento entre adolescentes: um estudo em dez escolas de Maceió - AL, Brasil. Ciênc Saúde Colet 2011; 16:2469-76.; crianças, adolescentes e jovens em situação de rua 2929. Neiva-Silva L, Demenech LM, Moreira LR, Oliveira AT, Carvalho FT, Paludo SDS. Pregnancy and abortion experience among children, adolescents and youths living on the streets. Ciênc Saúde Colet 2018; 23:1055-66., profissionais do sexo 3434. Madeiro AP, Rufino AC. Aborto induzido entre prostitutas: um levantamento pela técnica de urna em Teresina - Piauí. Ciênc Saúde Colet 2012; 17:1735-43., usuárias de álcool 1414. Massaro LTS, Abdalla RR, Laranjeira R, Caetano R, Pinsky I, Madruga CS. Alcohol misuse among women in Brazil: recent trends and associations with unprotected sex, early pregnancy, and abortion. Braz J Psychiatry 2019; 41:131-7. e drogas 3535. Diehl A, Pillon SC, Santos MA, Laranjeira R. Abortion and sex-related conditions in substance-dependent Brazilian patients. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00143416. e MVHA 3030. Barbosa RM, Pinho AA, Santos NS, Filipe E, Villela W, Aidar T. Induced abortion in women of reproductive age living with and without HIV/Aids in Brazil. Ciênc Saúde Colet 2009; 14:1085-99.,3131. Pilecco FB, Teixeira LB, Vigo A, Dewey ME, Knauth DR. Lifetime induced abortion: a comparison between women living and not living with HIV. PLoS One 2014; 9:e95570.,3232. Pinho AA, Cabral CDS, Barbosa RM. Differences and similarities in women living and not living with HIV: contributions by the GENIH study to sexual and reproductive healthcare. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00057916.,3333. Friedman RK, Bastos FI, Leite IC, Veloso VG, Moreira RI, Cardoso SW, et al. Pregnancy rates and predictors in women with HIV/AIDS in Rio de Janeiro, Southeastern Brazil. Rev Saúde Pública 2011; 45:373-81..

Em relação a revisões prévias 44. Departamento de Ciência e Tecnologia, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Ministério da Saúde. 20 anos de pesquisas sobre aborto no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. (Série B. Textos Básicos de Saúde).,55. Menezes G, Aquino EML. Pesquisa sobre o aborto no Brasil: avanços e desafios para o campo da saúde coletiva. Cad Saúde Pública 2009; 25 Suppl 2:S193-204., houve aumento dos estudos de base populacional e na Região Nordeste, investigando os fatores associados ao aborto inseguro. A interpretação dos determinantes do aborto deve ser feita com cautela, em função das limitações metodológicas encontradas como, por exemplo: ampla utilização do desenho transversal, menos adequado para inferências causais; formas distintas de aferição do aborto inseguro; ausência de modelos teóricos explícitos; e aferição de variáveis no momento da entrevista e não à época da ocorrência do aborto inseguro. Além disso, o uso de populações selecionadas e de amostras pequenas reduz o potencial de generalização dos resultados. Considerando-se essas ressalvas, manteve-se a associação do aborto inseguro com a baixa renda 2424. Santos TF, Andreoni S, Souza e Silva R. Prevalência e características de aborto induzido - Favela México 70, São Vicente - São Paulo. Rev Bras Epidemiol 2012; 15:123-33.,4242. Fusco C, Akerman M, Drezett J, Silva RS. Social determinants of health: from the concept to the practice in outcomes of unintended pregnancies which result in induced abortion. Reprod Clim 2016; 31:22-30., raça/cor não branca 1010. Cecatti JG, Guerra GV, Sousa MH, Menezes GM. Aborto no Brasil: um enfoque demográfico. Rev Bras Ginecol Obstet 2010; 32:105-11.,1717. Machado CJ, Lobato AC, Melo VH, Guimarães MD. Perdas fetais espontâneas e voluntárias no Brasil em 1999-2000: um estudo de fatores associados. Rev Bras Epidemiol 2013; 16:18-29.,2323. Fusco CLB, Silva RS, Andreoni S. Unsafe abortion: social determinants and health inequities in a vulnerable population in São Paulo, Brazil. Cad Saúde Pública 2012; 28:709-19.,3030. Barbosa RM, Pinho AA, Santos NS, Filipe E, Villela W, Aidar T. Induced abortion in women of reproductive age living with and without HIV/Aids in Brazil. Ciênc Saúde Colet 2009; 14:1085-99.,4242. Fusco C, Akerman M, Drezett J, Silva RS. Social determinants of health: from the concept to the practice in outcomes of unintended pregnancies which result in induced abortion. Reprod Clim 2016; 31:22-30. e ser solteira 2121. Silva RS, Vieira EM. Frequency and characteristics of induced abortion among married and single women in São Paulo, Brazil. Cad Saúde Pública 2009; 25:179-87.,2222. Souza MG, Fusco CLB, Andreoni SA, Souza e Silva R. Prevalência e características sociodemográficas de mulheres com aborto provocado em uma amostra da população da Cidade de São Paulo, Brasil. Rev Bras Epidemiol 2014; 17:297-312.,3131. Pilecco FB, Teixeira LB, Vigo A, Dewey ME, Knauth DR. Lifetime induced abortion: a comparison between women living and not living with HIV. PLoS One 2014; 9:e95570.,3535. Diehl A, Pillon SC, Santos MA, Laranjeira R. Abortion and sex-related conditions in substance-dependent Brazilian patients. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00143416.,3636. Nader PRA, Macedo CR, Miranda AE, Maciel ELN. Aspectos sociodemográficos e reprodutivos do abortamento induzido de mulheres internadas em uma maternidade de Serra - ES. Esc Anna Nery Rev Enferm 2008; 12:699-705.,3737. Silva DFO, Bedone AJ, Faundes A, Fernandes AMS, Moura VGAL. Aborto provocado: redução da frequência e gravidade das complicações. consequência do uso de misoprostol? Rev Bras Saúde Mater Infant 2010; 10:441-7.,3838. Ramos KS, Ferreira ALC, Souza AI. Mulheres hospitalizadas por abortamento em uma Maternidade Escola na Cidade do Recife, Brasil. Rev Esc Enferm USP 2010; 44:605-10., corroborando a vulnerabilidade de segmentos de mulheres que abortam de forma insegura no Brasil, assim como em outros países de baixa e média rendas 6363. Chae S, Desai S, Crowell M, Sedgh G, Singh S. Characteristics of women obtaining induced abortions in selected low- and middle-income countries. PLoS One 2017; 12:e0172976.,6464. Aghaei F, Shaghaghi A, Sarbakhsh P. A systematic review of the research evidence on cross-country features of illegal abortions. Health Promot Perspect 2017; 7:117-23.. Embora o pico de realização esteja situado entre 20-29 anos, a ocorrência aumentou com a idade 1010. Cecatti JG, Guerra GV, Sousa MH, Menezes GM. Aborto no Brasil: um enfoque demográfico. Rev Bras Ginecol Obstet 2010; 32:105-11.,1717. Machado CJ, Lobato AC, Melo VH, Guimarães MD. Perdas fetais espontâneas e voluntárias no Brasil em 1999-2000: um estudo de fatores associados. Rev Bras Epidemiol 2013; 16:18-29.,2222. Souza MG, Fusco CLB, Andreoni SA, Souza e Silva R. Prevalência e características sociodemográficas de mulheres com aborto provocado em uma amostra da população da Cidade de São Paulo, Brasil. Rev Bras Epidemiol 2014; 17:297-312.,2424. Santos TF, Andreoni S, Souza e Silva R. Prevalência e características de aborto induzido - Favela México 70, São Vicente - São Paulo. Rev Bras Epidemiol 2012; 15:123-33.,3030. Barbosa RM, Pinho AA, Santos NS, Filipe E, Villela W, Aidar T. Induced abortion in women of reproductive age living with and without HIV/Aids in Brazil. Ciênc Saúde Colet 2009; 14:1085-99.,3131. Pilecco FB, Teixeira LB, Vigo A, Dewey ME, Knauth DR. Lifetime induced abortion: a comparison between women living and not living with HIV. PLoS One 2014; 9:e95570., na maioria dos estudos, o que pode ser explicado pelo maior tempo de exposição a gestações não planejadas. Da mesma forma, houve associação positiva com o maior número de gestações e/ou filhos vivos 1010. Cecatti JG, Guerra GV, Sousa MH, Menezes GM. Aborto no Brasil: um enfoque demográfico. Rev Bras Ginecol Obstet 2010; 32:105-11.,2222. Souza MG, Fusco CLB, Andreoni SA, Souza e Silva R. Prevalência e características sociodemográficas de mulheres com aborto provocado em uma amostra da população da Cidade de São Paulo, Brasil. Rev Bras Epidemiol 2014; 17:297-312.,2424. Santos TF, Andreoni S, Souza e Silva R. Prevalência e características de aborto induzido - Favela México 70, São Vicente - São Paulo. Rev Bras Epidemiol 2012; 15:123-33.,2525. Silva RS, Andreoni S. Fatores associados ao aborto induzido entre jovens pobres na cidade de São Paulo, 2007. Rev Bras Estud Popul 2012; 29:409-19.,2727. Pilecco FB, Knauth DR, Vigo A. Aborto e coerção sexual: o contexto de vulnerabilidade entre mulheres jovens. Cad Saúde Pública 2011; 27:427-39.,3131. Pilecco FB, Teixeira LB, Vigo A, Dewey ME, Knauth DR. Lifetime induced abortion: a comparison between women living and not living with HIV. PLoS One 2014; 9:e95570.,3434. Madeiro AP, Rufino AC. Aborto induzido entre prostitutas: um levantamento pela técnica de urna em Teresina - Piauí. Ciênc Saúde Colet 2012; 17:1735-43.,3838. Ramos KS, Ferreira ALC, Souza AI. Mulheres hospitalizadas por abortamento em uma Maternidade Escola na Cidade do Recife, Brasil. Rev Esc Enferm USP 2010; 44:605-10., sugerindo o recurso ao aborto como forma de regulação da procriação, na ausência ou falha de métodos contraceptivos 6565. Stover J, Winfrey W. The effects of family planning and other factors on fertility, abortion, miscarriage, and stillbirths in the Spectrum model. BMC Public Health 2017; 17 Suppl 4:775.,6666. Brandão ER, Cabral CD. Da gravidez imprevista à contracepção: aportes para um debate. Cad Saúde Publica 2017; 33:e00211216.. Ter o número suficiente de filhos foi o principal motivo para a realização do aborto inseguro em revisão sistemática sobre o tema 6464. Aghaei F, Shaghaghi A, Sarbakhsh P. A systematic review of the research evidence on cross-country features of illegal abortions. Health Promot Perspect 2017; 7:117-23..

Sexualidade e reprodução na adolescência envolvem questões complexas e singulares, dependentes do contexto socioeconômico 6767. Alves CA, Brandão ER. Vulnerabilidades no uso de métodos contraceptivos entre adolescentes e jovens: interseções entre políticas públicas e atenção à saúde. Ciênc Saúde Colet 2009; 14:661-70.,6868. Vieira EM, Bousquat A, Barros CRS, Alves MCG. Gravidez na adolescência e transição para a vida adulta em jovens usuárias do SUS. Rev Saúde Pública 2017; 51:25.,6969. Munakampe MN, Zulu JM, Michelo C. Contraception and abortion knowledge, attitudes and practices among adolescents from low and middle-income countries: a systematic review. BMC Health Serv Res 2018; 18:909.. Nesta revisão, a análise de populações jovens não encontrou resultados consistentes entre idade e prática do aborto 2525. Silva RS, Andreoni S. Fatores associados ao aborto induzido entre jovens pobres na cidade de São Paulo, 2007. Rev Bras Estud Popul 2012; 29:409-19.,2727. Pilecco FB, Knauth DR, Vigo A. Aborto e coerção sexual: o contexto de vulnerabilidade entre mulheres jovens. Cad Saúde Pública 2011; 27:427-39.,2828. Correia DS, Cavalcante JC, Egito ES, Maia EMC. Prática do abortamento entre adolescentes: um estudo em dez escolas de Maceió - AL, Brasil. Ciênc Saúde Colet 2011; 16:2469-76.. Um único trabalho que avaliou escolaridade nessa população, encontrou associação positiva e crescente com o número de anos de estudos 2727. Pilecco FB, Knauth DR, Vigo A. Aborto e coerção sexual: o contexto de vulnerabilidade entre mulheres jovens. Cad Saúde Pública 2011; 27:427-39.. O acesso à contracepção é maior para aquelas com maior escolaridade e renda, segmento em que uma gravidez não prevista concorre com projetos de estudos, profissionalização e carreira, incitando sua interrupção 6969. Munakampe MN, Zulu JM, Michelo C. Contraception and abortion knowledge, attitudes and practices among adolescents from low and middle-income countries: a systematic review. BMC Health Serv Res 2018; 18:909.,7070. Menezes G, Aquino EML, Silva D. Induced abortion during youth: social inequalities in the outcome of the first pregnancy. Cad Saúde Pública 2006; 22:1431-46.. Além disso, é provável que essas adolescentes tenham maior acesso a recursos para a interrupção da gravidez em condições seguras, com maior probabilidade de sobrevivência a um aborto para poder reportá-lo.

O número de parceiros também se mostrou associado ao aborto 1717. Machado CJ, Lobato AC, Melo VH, Guimarães MD. Perdas fetais espontâneas e voluntárias no Brasil em 1999-2000: um estudo de fatores associados. Rev Bras Epidemiol 2013; 16:18-29.,2323. Fusco CLB, Silva RS, Andreoni S. Unsafe abortion: social determinants and health inequities in a vulnerable population in São Paulo, Brazil. Cad Saúde Pública 2012; 28:709-19.,2727. Pilecco FB, Knauth DR, Vigo A. Aborto e coerção sexual: o contexto de vulnerabilidade entre mulheres jovens. Cad Saúde Pública 2011; 27:427-39.,3030. Barbosa RM, Pinho AA, Santos NS, Filipe E, Villela W, Aidar T. Induced abortion in women of reproductive age living with and without HIV/Aids in Brazil. Ciênc Saúde Colet 2009; 14:1085-99.,3131. Pilecco FB, Teixeira LB, Vigo A, Dewey ME, Knauth DR. Lifetime induced abortion: a comparison between women living and not living with HIV. PLoS One 2014; 9:e95570., provavelmente pela gravidez ocorrer em relações menos estabelecidas, nas quais a contracepção pode ser mais irregular e ser menos provável a aceitação do projeto de um filho 7171. Bajos N, Ferrand M. l'équipe Giné: de la contraception à l'avortement: sociologie des grossesses non prévues. Paris: Institut National de la Santé et de la Recherche Médicale; 2002.. Ressalta-se que o papel masculino nas trajetórias até o aborto é uma lacuna apontada em revisões anteriores sobre o tema 44. Departamento de Ciência e Tecnologia, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Ministério da Saúde. 20 anos de pesquisas sobre aborto no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. (Série B. Textos Básicos de Saúde).,55. Menezes G, Aquino EML. Pesquisa sobre o aborto no Brasil: avanços e desafios para o campo da saúde coletiva. Cad Saúde Pública 2009; 25 Suppl 2:S193-204. e que persiste na atual. Apenas três estudos recentes incluíram homens 2525. Silva RS, Andreoni S. Fatores associados ao aborto induzido entre jovens pobres na cidade de São Paulo, 2007. Rev Bras Estud Popul 2012; 29:409-19.,2626. Silva RS, Fusco CLB. Comportamento do aborto induzido entre jovens em situação de pobreza de ambos os sexos - Favela México 70, São Paulo, Brasil, 2013. Reprod Clim 2016; 31:13-21.,2929. Neiva-Silva L, Demenech LM, Moreira LR, Oliveira AT, Carvalho FT, Paludo SDS. Pregnancy and abortion experience among children, adolescents and youths living on the streets. Ciênc Saúde Colet 2018; 23:1055-66., todos entre populações de adolescentes e jovens, abordando apenas o relato da experiência de aborto. Em dois deles 2525. Silva RS, Andreoni S. Fatores associados ao aborto induzido entre jovens pobres na cidade de São Paulo, 2007. Rev Bras Estud Popul 2012; 29:409-19.,2626. Silva RS, Fusco CLB. Comportamento do aborto induzido entre jovens em situação de pobreza de ambos os sexos - Favela México 70, São Paulo, Brasil, 2013. Reprod Clim 2016; 31:13-21., a declaração do aborto entre homens foi mais frequente do que entre as mulheres investigadas, o que pode ser explicado pelo menor constrangimento em declará-lo ou pelo maior número de relacionamentos afetivo-sexuais suscetíveis a gestações indesejadas.

Estudos com populações específicas, tais como crianças, adolescentes e jovens em situação de rua 2929. Neiva-Silva L, Demenech LM, Moreira LR, Oliveira AT, Carvalho FT, Paludo SDS. Pregnancy and abortion experience among children, adolescents and youths living on the streets. Ciênc Saúde Colet 2018; 23:1055-66., pacientes em tratamento de dependência química 3535. Diehl A, Pillon SC, Santos MA, Laranjeira R. Abortion and sex-related conditions in substance-dependent Brazilian patients. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00143416. e MVHA 3030. Barbosa RM, Pinho AA, Santos NS, Filipe E, Villela W, Aidar T. Induced abortion in women of reproductive age living with and without HIV/Aids in Brazil. Ciênc Saúde Colet 2009; 14:1085-99.,3131. Pilecco FB, Teixeira LB, Vigo A, Dewey ME, Knauth DR. Lifetime induced abortion: a comparison between women living and not living with HIV. PLoS One 2014; 9:e95570.,3232. Pinho AA, Cabral CDS, Barbosa RM. Differences and similarities in women living and not living with HIV: contributions by the GENIH study to sexual and reproductive healthcare. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00057916., identificaram vulnerabilidade aumentada destas populações, com início precoce da atividade sexual 2929. Neiva-Silva L, Demenech LM, Moreira LR, Oliveira AT, Carvalho FT, Paludo SDS. Pregnancy and abortion experience among children, adolescents and youths living on the streets. Ciênc Saúde Colet 2018; 23:1055-66.,3030. Barbosa RM, Pinho AA, Santos NS, Filipe E, Villela W, Aidar T. Induced abortion in women of reproductive age living with and without HIV/Aids in Brazil. Ciênc Saúde Colet 2009; 14:1085-99.,3232. Pinho AA, Cabral CDS, Barbosa RM. Differences and similarities in women living and not living with HIV: contributions by the GENIH study to sexual and reproductive healthcare. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00057916.,7272. Heywood W, Patrick K, Smith AM, Pitts MK. Associations between early first sexual intercourse and later sexual and reproductive outcomes: a systematic review of population-based data. Arch Sex Behav 2015; 44:531-69., uso de drogas 3232. Pinho AA, Cabral CDS, Barbosa RM. Differences and similarities in women living and not living with HIV: contributions by the GENIH study to sexual and reproductive healthcare. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00057916.,3535. Diehl A, Pillon SC, Santos MA, Laranjeira R. Abortion and sex-related conditions in substance-dependent Brazilian patients. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00143416., maior número de parceiros sexuais 2929. Neiva-Silva L, Demenech LM, Moreira LR, Oliveira AT, Carvalho FT, Paludo SDS. Pregnancy and abortion experience among children, adolescents and youths living on the streets. Ciênc Saúde Colet 2018; 23:1055-66.,3030. Barbosa RM, Pinho AA, Santos NS, Filipe E, Villela W, Aidar T. Induced abortion in women of reproductive age living with and without HIV/Aids in Brazil. Ciênc Saúde Colet 2009; 14:1085-99.,3131. Pilecco FB, Teixeira LB, Vigo A, Dewey ME, Knauth DR. Lifetime induced abortion: a comparison between women living and not living with HIV. PLoS One 2014; 9:e95570.,3232. Pinho AA, Cabral CDS, Barbosa RM. Differences and similarities in women living and not living with HIV: contributions by the GENIH study to sexual and reproductive healthcare. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00057916.,3535. Diehl A, Pillon SC, Santos MA, Laranjeira R. Abortion and sex-related conditions in substance-dependent Brazilian patients. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00143416., sexo em troca de dinheiro 29,32, uso irregular de preservativos 3535. Diehl A, Pillon SC, Santos MA, Laranjeira R. Abortion and sex-related conditions in substance-dependent Brazilian patients. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00143416. e violência física e/ou sexual 3232. Pinho AA, Cabral CDS, Barbosa RM. Differences and similarities in women living and not living with HIV: contributions by the GENIH study to sexual and reproductive healthcare. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00057916.,7373. Hall M, Chappell LC, Parnell BL, Seed PT, Bewley S. Associations between intimate partner violence and termination of pregnancy: a systematic review and meta-analysis. PLoS Med 2014; 11:e1001581., resultando em gestações precoces 2929. Neiva-Silva L, Demenech LM, Moreira LR, Oliveira AT, Carvalho FT, Paludo SDS. Pregnancy and abortion experience among children, adolescents and youths living on the streets. Ciênc Saúde Colet 2018; 23:1055-66.,3232. Pinho AA, Cabral CDS, Barbosa RM. Differences and similarities in women living and not living with HIV: contributions by the GENIH study to sexual and reproductive healthcare. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00057916. ou não planejadas/desejadas 3232. Pinho AA, Cabral CDS, Barbosa RM. Differences and similarities in women living and not living with HIV: contributions by the GENIH study to sexual and reproductive healthcare. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00057916. e maior recurso ao aborto inseguro. Efeito dose resposta entre uso de álcool e relações sexuais desprotegidas, gestação antes dos 20 anos e realização de aborto inseguro na vida também foi verificado em inquérito nacional 1414. Massaro LTS, Abdalla RR, Laranjeira R, Caetano R, Pinsky I, Madruga CS. Alcohol misuse among women in Brazil: recent trends and associations with unprotected sex, early pregnancy, and abortion. Braz J Psychiatry 2019; 41:131-7..

Um achado relevante e consistente em relação às revisões anteriores é a tendência de redução acentuada das hospitalizações por aborto entre 1995 e 2013 1515. Martins-Melo FR, Lima MS, Alencar CH, Ramos Jr. AN, Carvalho FH, Machado MM, et al. Tendência temporal e distribuição espacial do aborto inseguro no Brasil, 1996-2012. Rev Saúde Pública 2014; 48:508-20.,1616. Monteiro MFG, Adesse L, Drezett J. Atualização das estimativas da magnitude do aborto induzido, taxas por mil mulheres e razões por 100 nascimentos vivos do aborto induzido por faixa etária e grandes regiões. Brasil, 1995 a 2013. Reprod Clim 2015; 30:11-8.,1919. Mello FM, Sousa JL, Figueroa JN. Magnitude do aborto inseguro em Pernambuco, Brasil, 1996 a 2006. Cad Saúde Pública 2011; 27:87-93.,2020. Madeiro AP, Rufino AC, Santos IS, Carvalho MS. Estimativas e tendências de aborto provocado no Piauí: um estudo ecológico no período de 2000-2010. Rev Bras Promoc Saúde 2015; 28:168-75.,4444. Singh S, Monteiro MF, Levin J. Trends in hospitalization for abortion-related complications in Brazil, 1992-2009: why the decline in numbers and severity? Int J Gynaecol Obstet 2012; 118 Suppl 2:S99-106.,4545. Mariutti MG, Silva HLR, Costa Jr ML, Furegato ARF. Abortamento: um estudo da morbidade hospitalar no país. Rev Bras Med 2010; 67:97-103.,4646. Veras TCS, Mathias TAF. Principais causas de internações hospitalares por transtornos maternos. Rev Esc Enferm USP 2014; 48:401-8.,4747. Bonassa RT, Rosa MI, Madeira K, Simões PW. Caracterização de casos de internação por abortos complicados na Macrorregião Sul Catarinense. Arq Catarin Med 2015; 44:88-100., principalmente por complicações graves 4444. Singh S, Monteiro MF, Levin J. Trends in hospitalization for abortion-related complications in Brazil, 1992-2009: why the decline in numbers and severity? Int J Gynaecol Obstet 2012; 118 Suppl 2:S99-106.. Estimativa de 2012, das internações por complicações do aborto inseguro entre mulheres de 15-44 anos em países em desenvolvimento, encontrou taxas variando de 2,4 a 14,6 por 1.000, sendo a menor observada no Brasil 33. Singh S, Maddow-Zimet I. Facility-based treatment for medical complications resulting from unsafe pregnancy termination in the developing world, 2012: a review of evidence from 26 countries. BJOG 2016; 123:1489-98.. Desigualdades regionais, com valores mais elevados no Norte e Nordeste, entretanto, mantiveram-se tanto com estimativa direta 1313. Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:653-60.,3030. Barbosa RM, Pinho AA, Santos NS, Filipe E, Villela W, Aidar T. Induced abortion in women of reproductive age living with and without HIV/Aids in Brazil. Ciênc Saúde Colet 2009; 14:1085-99. quanto indireta 1515. Martins-Melo FR, Lima MS, Alencar CH, Ramos Jr. AN, Carvalho FH, Machado MM, et al. Tendência temporal e distribuição espacial do aborto inseguro no Brasil, 1996-2012. Rev Saúde Pública 2014; 48:508-20.,1616. Monteiro MFG, Adesse L, Drezett J. Atualização das estimativas da magnitude do aborto induzido, taxas por mil mulheres e razões por 100 nascimentos vivos do aborto induzido por faixa etária e grandes regiões. Brasil, 1995 a 2013. Reprod Clim 2015; 30:11-8.,4545. Mariutti MG, Silva HLR, Costa Jr ML, Furegato ARF. Abortamento: um estudo da morbidade hospitalar no país. Rev Bras Med 2010; 67:97-103..

Como não foi observada redução na prevalência de aborto inseguro nos estudos nacionais com estimativa direta - 2,4% e 2,3% nas PNDS com 10 anos de diferença 1010. Cecatti JG, Guerra GV, Sousa MH, Menezes GM. Aborto no Brasil: um enfoque demográfico. Rev Bras Ginecol Obstet 2010; 32:105-11.,1111. Camargo RS, Santana DS, Cecatti JG, Pacagnella RC, Tedesco RP, Melo Jr. EF, et al. Severe maternal morbidity and factors associated with the occurrence of abortion in Brazil. Int J Gynaecol Obstet 2011; 112:88-92., 15% e 13% nas PNA de 2010 e 2016 1212. Diniz D, Medeiros M. Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna. Ciênc Saúde Colet 2010; 15 Suppl 1:959-66.,1313. Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:653-60. - uma possível explicação para a redução das hospitalizações é a menor ocorrência de complicações dos aborto inseguro decorrente do uso de métodos mais seguros, dentre eles o misoprostol 7474. Arilha MM. Misoprostol: percursos, mediações e redes sociais para o acesso ao aborto medicamentoso em contextos de ilegalidade no Estado de São Paulo. Ciênc Saúde Colet 2012; 17:1785-94.. Nas duas PNA 1212. Diniz D, Medeiros M. Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna. Ciênc Saúde Colet 2010; 15 Suppl 1:959-66.,1313. Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:653-60., aproximadamente metade das mulheres usou medicamentos para a interrupção da gestação, achado confirmado em estudos locais 3434. Madeiro AP, Rufino AC. Aborto induzido entre prostitutas: um levantamento pela técnica de urna em Teresina - Piauí. Ciênc Saúde Colet 2012; 17:1735-43.,3939. Chaves JHB, Pessini L, Bezerra AFS, Rego G, Nunes R. Abortamento provocado na adolescência sob a perspectiva bioética. Rev Bras Saúde Mater Infant 2010; 10 Suppl 2:S311-9.,4848. Araújo MCR, Mochel EG. Aborto provocado: fatores associados em mulheres admitidas em maternidades públicas em São Luís, Maranhão, Brasil. Rev Paul Enferm 2008; 27:79-86.,5858. Kale PL, Jorge MHPM, Fonseca SC, Cascão AM, Silva KS, Reis AC, et al. Deaths of women hospitalized for childbirth and abortion, and of their concept, in maternity wards of Brazilian public hospitals. Ciênc Saúde Colet 2018; 23:1577-90.. O aborto medicamentoso é um método seguro e eficiente quando realizado no primeiro trimestre gestacional 7575. Raymond EG, Harrison MS, Weaver MA. Efficacy of Misoprostol alone for first-trimester medical abortion: a systematic review. Obstet Gynecol 2019; 133:137-47.. Nesta revisão, no único estudo em que não se encontrou associação do misoprostol com a redução de complicações, parece ter havido sub-registro do uso do medicamento; de toda forma, mulheres que utilizaram outros métodos abortivos apresentaram proporção mais elevada de complicações hemorrágicas e infecciosas 3737. Silva DFO, Bedone AJ, Faundes A, Fernandes AMS, Moura VGAL. Aborto provocado: redução da frequência e gravidade das complicações. consequência do uso de misoprostol? Rev Bras Saúde Mater Infant 2010; 10:441-7..

Apesar da redução da taxa de hospitalizações, o número absoluto de internações por complicações de aborto inseguro é elevado, estimado em aproximadamente 110 mil para o ano 2012, com custos para o sistema de saúde 33. Singh S, Maddow-Zimet I. Facility-based treatment for medical complications resulting from unsafe pregnancy termination in the developing world, 2012: a review of evidence from 26 countries. BJOG 2016; 123:1489-98.. Hipóteses para esse número elevado incluem necessidades não atendidas de contracepção, principalmente entre mulheres com maior vulnerabilidade social e econômica 7676. Ministério da Saúde. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher - PNDS 2006: dimensões do processo reprodutivo e da saúde da criança. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.; acesso ainda limitado aos métodos seguros de interrupção de gravidezes 7777. Heilborn ML, Cabral CS, Brandão ER, Faro L, Cordeiro F, Azize RL. Itinerários abortivos em contextos de clandestinidade na cidade do Rio de Janeiro - Brasil. Ciênc Saúde Colet 2012; 17:1699-708.,7878. Silveira P, McCallum C, Menezes G. Experiências de abortos provocados em clínicas privadas no Nordeste brasileiro. Cad Saúde Pública 2016; 32:e00004815.,7979. Souza ZCSN, Diniz NMF, Couto TM, Gesteira SMA. Trajetória de mulheres em situação de aborto provocado no discurso sobre clandestinidade. Acta Paul Enferm 2010; 23:732-6., incluindo o uso adequado do misoprostol 8080. Diniz D, Medeiros M. Itinerários e métodos do aborto ilegal em cinco capitais brasileiras. Ciênc Saúde Colet 2012; 17:1671-81.,8181. Nunes MD, Madeiro A, Diniz D. Histórias de aborto provocado entre adolescentes em Teresina, Piauí, Brasil. Ciênc Saúde Colet 2013; 18:2311-8.,8282. Diniz D, Madeiro A. Cytotec e aborto: a polícia, os vendedores e as mulheres. Ciênc Saúde Colet 2012; 17:1795-804.; e práticas assistenciais locais, de hospitalização da mulher antes do aborto estar concluído. Estudos sobre trajetórias das mulheres indicam que elas são orientadas a procurar um hospital assim que iniciado o sangramento 8080. Diniz D, Medeiros M. Itinerários e métodos do aborto ilegal em cinco capitais brasileiras. Ciênc Saúde Colet 2012; 17:1671-81.,8181. Nunes MD, Madeiro A, Diniz D. Histórias de aborto provocado entre adolescentes em Teresina, Piauí, Brasil. Ciênc Saúde Colet 2013; 18:2311-8.. No relato de casos da organização Women on Web, também verificou-se proporção elevada de realização de curetagens para a finalização do aborto no Brasil, o que pode estar relacionado às práticas locais de manejo do abortamento, já que proporção pequena das mulheres apresentou complicações compatíveis com a realização do procedimento cirúrgico 5050. Gomperts R, van der Vleuten K, Jelinska K, Costa CV, Gemzell-Danielsson K, Kleiverda G. Provision of medical abortion using telemedicine in Brazil. Contraception 2014; 89:129-33..

Apesar da redução das hospitalizações e das complicações graves, a morbimortalidade evitável persiste no país. Os estudos analisados indicam que o aborto representa proporção pequena dos casos de near miss materno. Entretanto, mulheres com morbidade materna grave causada pelo aborto apresentaram maior proporção de near miss materno do que aquelas com morbidade materna grave por outros desfechos da gestação 5151. Santana DS, Cecatti JG, Parpinelli MA, Haddad SM, Costa ML, Sousa MH, et al. Severe maternal morbidity due to abortion prospectively identified in a surveillance network in Brazil. Int J Gynaecol Obstet 2012; 119:44-8.. Na PNDS 2006, gestações que terminaram em aborto apresentaram o dobro de complicações daquelas que terminaram em parto 1010. Cecatti JG, Guerra GV, Sousa MH, Menezes GM. Aborto no Brasil: um enfoque demográfico. Rev Bras Ginecol Obstet 2010; 32:105-11.. Abortos inseguros, comparados aos seguros, também apresentaram significativamente mais complicações por infecção em estudo de âmbito nacional 5151. Santana DS, Cecatti JG, Parpinelli MA, Haddad SM, Costa ML, Sousa MH, et al. Severe maternal morbidity due to abortion prospectively identified in a surveillance network in Brazil. Int J Gynaecol Obstet 2012; 119:44-8.. Em relação à mortalidade, a proporção de óbitos maternos por aborto e a razão de mortalidade materna específica por aborto são variáveis, podendo ser elevadas em determinados locais, como em Governador Valadares 5454. Figueiredo YMD, Malta DC, Rezende EM. Análise da mortalidade materna no município de Governador Valadares, 2002-2004. REME Rev Min Enferm 2010; 14:376-85.. O aborto como causa de morbimortalidade materna, tanto entre adultas como entre adolescentes, tem sido relatado em países de baixa e média rendas 8383. Adler AJ, Filippi V, Thomas SL, Ronsmans C. Incidence of severe acute maternal morbidity associated with abortion: a systematic review. Trop Med Int Health 2012; 17:177-90.,8484. Neal S, Mahendra S, Bose K, Camacho AV, Mathai M, Nove A, et al. The causes of maternal mortality in adolescents in low and middle income countries: a systematic review of the literature. BMC Pregnancy Childbirth 2016; 16:352.,8585. Say L, Chou D, Gemmill A, Tunçalp Ö, Moller AB, Daniels J, et al. Global causes of maternal death: a WHO systematic analysis. Lancet Glob Health 2014; 2:e323-33.. A estimativa mais recente indica o aborto como causa de 9,9% (IC95%: 8,1%-13%) dos óbitos maternos na América Latina e Caribe 8585. Say L, Chou D, Gemmill A, Tunçalp Ö, Moller AB, Daniels J, et al. Global causes of maternal death: a WHO systematic analysis. Lancet Glob Health 2014; 2:e323-33., havendo possibilidade de sub-registro 8585. Say L, Chou D, Gemmill A, Tunçalp Ö, Moller AB, Daniels J, et al. Global causes of maternal death: a WHO systematic analysis. Lancet Glob Health 2014; 2:e323-33.,8686. Gerdts C, Vohra D, Ahern J. Measuring unsafe abortion-related mortality: a systematic review of the existing methods. PLoS One 2013; 8:e53346.. Nesta revisão, um estudo evidenciou aumento de 38% do aborto como causa do óbito materno quando utilizado o critério de causas múltiplas 5555. Martins EF, Almeida PF, Paixão CO, Bicalho PG, Errico LS. Causas múltiplas de mortalidade materna relacionada ao aborto no Estado de Minas Gerais, Brasil, 2000-2011. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00133115..

Os retardos na assistência obstétrica adequada estão associados à maior ocorrência de desfechos maternos graves 8787. Pacagnella RC, Cecatti JG, Parpinelli MA, Sousa MH, Haddad SM, Costa ML, et al. Delays in receiving obstetric care and poor maternal outcomes: results from a national multicentre cross-sectional study. BMC Pregnancy Childbirth 2014; 14:159.. Considerando-se a ilegalidade do aborto, é de se supor que esses retardos ocorram, seja pela demora da mulher em procurar um serviço por falta de apoio social 8888. Araújo TVB, Aquino EML, Menezes GMS, Alves MTSSB, Almeida MCC, Alves SV, et al. Delays in access to care for abortion-related complications: the experience of women in Northeast Brazil. Cad Saúde Pública 2018; 34:e00168116., receio de assumir uma prática ilegal 8282. Diniz D, Madeiro A. Cytotec e aborto: a polícia, os vendedores e as mulheres. Ciênc Saúde Colet 2012; 17:1795-804. ou pelo estigma associado ao aborto 8888. Araújo TVB, Aquino EML, Menezes GMS, Alves MTSSB, Almeida MCC, Alves SV, et al. Delays in access to care for abortion-related complications: the experience of women in Northeast Brazil. Cad Saúde Pública 2018; 34:e00168116.,8989. Gelman A, Rosenfeld EA, Nikolajski C, Freedman LR, Steinberg JR, Borrero S. Abortion stigma among low-income women obtaining abortions in Western Pennsylvania: a qualitative assessment. Perspect Sex Reprod Health 2017; 49:29-36.; seja pela dificuldade de acesso a serviços de saúde ou oferta oportuna do cuidado 8888. Araújo TVB, Aquino EML, Menezes GMS, Alves MTSSB, Almeida MCC, Alves SV, et al. Delays in access to care for abortion-related complications: the experience of women in Northeast Brazil. Cad Saúde Pública 2018; 34:e00168116.. Estudos realizados no Nordeste evidenciaram baixa qualidade do cuidado oferecido às mulheres internadas por complicações do aborto, aferida por meio da análise da estrutura dos serviços e da percepção das mulheres sobre o atendimento recebido 9090. Aquino EML, Menezes G, Barreto-de-Araújo TV, Alves MT, Alves SV, Almeida MC, et al. Qualidade da atenção ao aborto no Sistema Único de Saúde do Nordeste brasileiro: o que dizem as mulheres? Ciênc Saúde Colet 2012; 17:1765-76.,9191. Carneiro MF, Iriart JAB, Menezes GMS. "Largada sozinha, mas tudo bem": paradoxos da experiência de mulheres na hospitalização por abortamento provocado em Salvador, Bahia, Brasil. Interface (Botucatu) 2013; 17:405-18.,9292. Madeiro AP, Rufino AC. Maus-tratos e discriminação na assistência ao aborto provocado: a percepção das mulheres em Teresina, Piauí, Brasil. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:2771-80.. O retardo na busca por assistência e a ocorrência de complicações tardias do aborto provocado aumentam a distância entre o óbito e o próprio aborto, podendo contribuir para a sua omissão como causa básica na declaração de óbito, favorecendo o sub-registro deste como causa do óbito materno 5555. Martins EF, Almeida PF, Paixão CO, Bicalho PG, Errico LS. Causas múltiplas de mortalidade materna relacionada ao aborto no Estado de Minas Gerais, Brasil, 2000-2011. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00133115..

Por último, desfechos negativos em saúde mental foram verificados entre mulheres com tentativas malsucedidas de interrupção da gravidez, mesmo após ajuste para transtornos mentais prévios 6060. Ludermir AB, de Araújo TV, Valongueiro SA, Lewis G. Common mental disorders in late pregnancy in women who wanted or attempted an abortion. Psychol Med 2010; 40:1467-73.,6161. Ludermir AB, Araya R, Araújo TV, Valongueiro SA, Lewis G. Postnatal depression in women after unsuccessful attempted abortion. Br J Psychiatry 2011; 198:237-8.. Revisão sistemática sobre a associação entre aborto e desfechos em saúde mental, incluindo estudos publicados entre 1995 e 2009, estimou que mulheres com aborto induzido apresentam risco 81% maior de apresentar desfechos negativos de vários tipos, incluindo o uso de drogas, comportamento suicida, uso de álcool, depressão e ansiedade 9393. Coleman PK. Abortion and mental health: quantitative synthesis and analysis of research published 1995-2009. Br J Psychiatry 2011; 199:180-6.. Entretanto, estudos prospectivos recentes sobre interrupção voluntária da gestação nos Estados Unidos e na Suécia não evidenciaram associação entre sintomas depressivos 9494. Gomez AM. Abortion and subsequent depressive symptoms: an analysis of the National Longitudinal Study of Adolescent Health. Psychol Med 2018; 48:294-304. ou estresse pós-traumático 9595. Wallin Lundell I, Georgsson Öhman S, Frans Ö, Helström L, Högberg U, Nyberg S, et al. Posttraumatic stress among women after induced abortion: a Swedish multi-centre cohort study. BMC Womens Health 2013; 13:52. e aborto induzido em consequência de gestações não desejadas. Mulheres com sintomas de estresse pós-traumático pós-aborto induzido eram, em maior proporção, jovens, de menor escolaridade, com níveis mais elevados de ansiedade e depressão, e maior necessidade de aconselhamento do que aquelas que não desenvolveram sintomas 9595. Wallin Lundell I, Georgsson Öhman S, Frans Ö, Helström L, Högberg U, Nyberg S, et al. Posttraumatic stress among women after induced abortion: a Swedish multi-centre cohort study. BMC Womens Health 2013; 13:52.. Nos Estados Unidos, mulheres cujo aborto foi negado apresentaram níveis de ansiedade mais elevados no início do acompanhamento do que aquelas que o realizaram 9696. Horvath S, Schreiber CA. Unintended pregnancy, induced abortion, and mental health. Curr Psychiatry Rep 2017; 19:77.. No contexto brasileiro, de ilegalidade do aborto, em que mulheres na clandestinidade estão sujeitas a métodos inseguros, é esperado que uma gestação não desejada represente um estresse psicológico e emocional ainda maior, agravado pelo estigma do aborto nos serviços de saúde.

Cabe discutir algumas limitações desta revisão. Não houve registro do protocolo da revisão. Há possibilidade de viés de publicação, pois não houve busca além das fontes eletrônicas MEDLINE e LILACS, complementada por referências citadas nos artigos. Embora tenham sido usadas várias combinações e palavras-chave, artigos relacionados podem ter escapado à busca. Ressalta-se que o único artigo selecionado pela leitura do resumo, mas não incluído, estimava a prevalência de aborto inseguro em profissionais do sexo, população abordada em outro estudo incluído na revisão. Outro possível limite poderia decorrer do instrumento usado para apreciar a qualidade dos artigos. A avaliação por duas pesquisadoras, de modo cego e independente, bem como a resolução de discrepâncias por consenso, buscou minimizar vieses de classificação.

Conclusões

O aborto é utilizado com frequência no Brasil, principalmente nas regiões menos desenvolvidas e por mulheres socialmente mais vulneráveis. O acesso a métodos mais seguros de interrupção da gravidez provavelmente contribuiu para a redução de complicações, do número de hospitalizações e da morbimortalidade por aborto. Entretanto, a RMM por aborto, potencialmente evitável, persiste elevada em contextos específicos, podendo estar subestimada no país por subnotificação. Metade das mulheres ainda recorre a métodos não medicamentosos e o número de internações é elevado. A produção científica com dados quantitativos é pequena e carece de adequações metodológicas. São escassos os estudos fora de capitais e grandes centros, os realizados em clínicas privadas ou fora da rede pública. Finalmente, os efeitos do estigma e do racismo no aumento da vulnerabilidade das mulheres a práticas inseguras e à pior qualidade da atenção devem ser contemplados em investigações futuras.

Agradecimentos

Esta revisão foi financiada pela Global Health Strategies, Rio de Janeiro, Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Fev 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    02 Out 2018
  • Revisado
    13 Ago 2019
  • Aceito
    28 Ago 2019
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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