HTLV na agenda de governo: o caso da Bahia e de Minas Gerais, Brasil

HTLV on the government agenda: the case of the states of Bahia and Minas Gerais, Brazil

HTLV en la agenda de gobierno: el caso de Bahía y Minas Gerais, Brasil

Ionara Ferreira da Silva Garcia Élida Azevedo Hennington Sobre os autores

Resumos

O HTLV é um retrovírus que afeta os linfócitos T humanos. Sua forma de transmissão é por via hematogênica, sexual ou vertical. A maioria das pessoas infectadas são portadores assintomáticos, porém, algumas podem vir a desenvolver quadros graves como a paraparesia espástica tropical, leucemia/linfoma, dentre outras manifestações. O Brasil é considerado o país com o maior número absoluto de casos, com estimativa de 800 mil infectados. Este artigo teve como objetivo conhecer e analisar o processo de introdução do HTLV na agenda governamental nos estados da Bahia e Minas Gerais, que repercutiu em ações e políticas setoriais. Foram realizadas entrevistas com atores-chave e pesquisa documental, e para análise utilizamos como principal referencial o modelo Múltiplos Fluxos de John Kingdon. Constatamos que vários fatores contribuíram para inclusão do tema na agenda da Bahia, estado com maior abrangência das políticas voltadas ao HTLV, tais como alta prevalência da infecção, contexto político favorável e militância de indivíduos vivendo com HTLV. Em Minas Gerais observamos dificuldades para implementação de política setorial e que a inexistência de grupos organizados reverteu negativamente para que o problema não fosse uma prioridade para as Secretarias de Saúde no estado. Na atual conjuntura, indivíduos infectados pelo HTLV e outros atores envolvidos com o tema ainda possuem um longo caminho a percorrer na mobilização social para investimentos na área, para a formulação e implementação de políticas públicas e conquista de direitos sociais.

Palavras-chave:
HTLV; Infecções Sexualmente Transmissíveis; Política Pública; Sistema Único de Saúde


HTLV is a retrovirus that affects the human T-lymphocytes. Transmission is bloodborne, sexual, or mother-to-child. Most infected persons are asymptomatic carriers, but some may develop severe cases such as tropical spastic paraparesis, leukemia/lymphoma, and other manifestations. Brazil is considered the country with the highest absolute number of cases, with an estimated 800,000 infected individuals. This article aimed to investigate and analyze the process of inclusion of HTLV on the government agenda in the states of Bahia and Minas Gerais, and which impacted health sector actions and policies. Interviews were held with key actors, and a document search was performed for analysis, using as the main reference the Multiple Streams framework proposed by John Kingdon. Various factors contributed to the theme’s inclusion on the health sector agenda in Bahia, the state of Brazil with the widest range of policies on HTLV, involving high prevalence of the infection, a favorable political context, and activism by infected individuals. In Minas Gerais, we observed difficulties in the implementation of this health sector policy; due to the lack of organized advocacy groups, the problem was not a priority in the state’s Health Departments. In the current context, individuals with HTLV infection and other stakeholders still have a long road ahead with social mobilization for investments in the area, drafting and implementation of public policies, and guarantee of social rights.

Keywords:
HTLV; Sexually Transmitted Infections; Public Policy; Unified Health System


El HTLV es un retrovirus que afecta los linfocitos T humanos. Su forma de transmisión es por vía hematógena, sexual o vertical. La mayoría de las personas infectadas son portadores asintomáticos, sin embargo, algunas pueden llegar a desarrollar cuadros graves como la paraparesia espástica tropical, leucemia/linfoma, entre otras manifestaciones. Brasil es considerado el país con el mayor número absoluto de casos, con una estimación de 800.000 infectados. El objetivo de este artículo fue conocer y analizar el proceso de introducción del HTLV en la agenda gubernamental, dentro de los estados de Bahía y Minas Gerais, que tuvo repercusiones en acciones y políticas sectoriales. Se realizaron entrevistas con actores clave, así como investigación documental, y para el análisis utilizamos como principal marco de referencia el modelo Corrientes Múltiples de John Kingdon. Constatamos que varios factores contribuyeron a la inclusión del tema en la agenda de Bahía, estado con un mayor alcance respecto a las políticas dirigidas al HTLV tales como: alta prevalencia de la infección, contexto político favorable y militancia de individuos infectados. En Minas Gerais observamos dificultades para la implementación de una política sectorial, así como la inexistencia de grupos organizados, lo que revirtió negativamente para que el problema no fuese una prioridad para las Secretarías de Salud en el estado. En la actual coyuntura, individuos infectados por el HTLV y otros actores implicados con este asunto todavía tienen un largo camino que recorrer en la movilización social, para que se realicen inversiones en el área, así como para la formulación e implementación de políticas públicas y conquista de derechos sociales.

Palabras-clave:
HTLV; Infecciones Sexualmente Transmitidas; Política Pública; Sistema Único de Salud


Introdução

O vírus linfotrópico de células T humanas (HTLV) é um retrovírus que afeta as células de defesa, os linfócitos T. Em 1980, o HTLV-1 foi identificado como o primeiro retrovírus associado ao câncer em humanos 11. Poiesz BJ, Ruscetti FW, Gazdar AF, Bunn PA, Minna JD, Gallo RC. Detection and isolation of type C retrovirus particles from fresh and cultured lymphocytes of a patient with cutaneous T-cell lymphoma. Proc Natl Acad Sci U S A 1980; 12:7415-9., isolado de um paciente com neoplasia maligna de células T. Em 1982, foi isolado o HTLV-2 de um paciente com leucemia de células T e que raramente é associado a alguma doença 22. Kalyanaraman V, Sarngandharan M, Robert-Guroff M, Miyoshi I, Golde D, Gallo R. A new subtype of human T-cell leukemia virus (HTLV-II) associated with a T-cell variant of hairy cell leukemia. Science 1982; 218:571-3.. Em 2005, foram isolados HTLV-3 e HTLV-4 em indivíduos na África 33. Mahieux R, Gessain A. New human retroviruses: HTLV-3 and HTLV-4. Med Trop (Mars) 2005; 65:525-8., não tendo sido associados até o momento a nenhuma doença.

O HTLV-1 é um retrovírus reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como agente etiológico da leucemia/linfoma de célula T do adulto (LLTA ou ATL, do inglês adult T cell leucemia/lymphoma) e da paraparesia espástica tropical/mielopatia associada ao HTLV-1 (PET/MAH ou HAM/TSP, do inglês HTLV-1 associated myelopathy/tropical spastic paraparesis), que são as duas principais doenças associadas ao vírus.

Além das doenças hematológica e neurológica, outros quadros mórbidos associados à infecção pelo HTLV-1 são: manifestações oftalmológicas como uveíte associada ao HTLV-1, que acomete preferencialmente indivíduos de meia idade, de ambos os sexos 44. Gonçalves D, Proietti F, Ribas J, Araújo M, Pinheiro S, Guedes A, et al. Epidemiology, treatment, and prevention of human T-cell leukemia virus type I-associated diseases. Clin Microbiol Rev 2010; 23:577-89.; manifestações cutâneas associadas à imunodepressão como dermatite infecciosa, que atinge principalmente crianças, sendo a primeira manifestação pediátrica associada ao HTLV 55. Carneiro-Proietti AB, Ribas JG, Catalan-Soares BC, Martins ML, Brito-Melo GE, Martins-Filho AO, et al. Infecção e doença pelos vírus linfotrópicos humanos de células T (HTLV-I/II) no Brasil. Rev Soc Bras Med Trop 2002; 35:499-508.; manifestações urinárias, articulares, doenças infecciosas como tuberculose e parasitárias como escabiose e estrongiloidíase 66. Romanelli LCF, Caramelli P, Carneiro Proietti ABF. O vírus linfotrópico de células T humanos tipo 1 (HTLV-1): quando suspeitar da infecção? Rev Assoc Med Bras 2010; 56:340-7..

As repercussões da infecção e do adoecimento na vida das pessoas, que podem levar à quadros graves e incapacitantes e gerar um alto custo social, econômico e financeiro para as famílias e para o sistema público de saúde, mostram a necessidade de investimento em ações preventivas no sentido de quebrar a cadeia de transmissão e evitar quadros graves e incapacitantes.

Estudo feito nos hemocentros das capitais de todo país e Distrito Federal mostrou que a infecção pelo HTLV-1 está presente em todas as regiões brasileiras 77. Catalan-Soares B, Carneiro-Proietti ABF, Proietti FA; Interdisciplinary HTLV Research Group. Heterogeneous geographic distribution of human T-cell lymphotropic viruses I and II (HTLV-I/II): serological screening prevalence rates in blood donors from large urban areas in Brazil. Cad Saúde Pública 2005; 21:926-31.. Embora não exista estudo de prevalência de base populacional no país, essa e várias outras pesquisas demonstram que a infecção está presente de forma significativa e heterogênea no Brasil, sendo o país reconhecido mundialmente como o de maior número absoluto de indivíduos infectados, com estimativa de prevalência de 800 mil soropositivos para HTLV 88. Gessain A, Cassar O. Epidemiological aspects and world distribution of HTLV-1 infection. Front Microbiol 2012; 3:388..

Apesar de estudos de importantes grupos de pesquisa brasileiros e estimativas altamente preocupantes, as ações de controle e prevenção desenvolvidas pelo Ministério da Saúde referente ao HTLV até o momento limitam-se à determinação de triagem sorológica nos hemocentros 99. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.376, de 19 de novembro de 1993. Aprova alterações na Portaria nº 721/ GM, de 9 de agosto de 1989, que aprova normas técnicas para coleta, processamento e transfusão de sangue, componentes e derivados, e dá outras providências. Diário Oficial da União 1993; 2 dez.,1010. Brasil. Lei nº 10.205, 21 de março de 2001. Regulamenta o § 4º do art. 199 da Constituição Federal, relativo à coleta, processamento, estocagem, distribuição e aplicação do sangue, seus componentes e derivados, estabelece o ordenamento institucional indispensável à execução adequada dessas atividades, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2001; 22 mar., portaria regulamentando transplantes no caso de soropositivos 1111. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 2.600, de 21 de outubro de 2009. Aprova o Regulamento Técnico do Sistema Nacional de Transplantes. Diário Oficial da União 2009; 30 out., além da produção de materiais técnicos para profissionais que trabalham em hemocentros e laboratórios em saúde pública 1212. Coordenação Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids, Ministério da Saúde. HTLV-I/II - triagem e diagnóstico sorológico em unidades hemoterápicas e laboratórios de saúde pública. Brasília: Ministério da Saúde; 1998.,1313. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Guia de manejo clínico da infecção pelo HTLV. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.,1414. Agência Nacional de Vigilância Sanitária; Ministério da Saúde. Manual técnico para investigação da transmissão de doenças pelo sangue. Brasília: Ministério da Saúde; 2004..

A despeito de ainda não haver uma clara determinação ou orientação do Ministério da Saúde quanto à implementação de políticas abrangentes para controle do vírus, existem ações desenvolvidas por algumas Unidades da Federação que extrapolam as ações ministeriais de controle do HTLV. O Estado da Bahia, um dos estados com maior soroprevalência da infecção, é o local onde há o maior número de iniciativas e a maior estrutura para atendimento de pessoas infectadas, testagem em população adulta com infecção sexualmente transmissível (IST), testagem sorológica de todas as gestantes, educação em saúde e capacitação de profissionais. Mato Grosso do Sul, apesar da baixa prevalência, inseriu no programa de atenção à gestante a testagem do vírus para todas as mulheres que fazem pré-natal pelo SUS. Em Minas Gerais, onde está sediado o Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em HTLV (GIPH)/Hemominas, fomentando pesquisas de relevância nacional e internacional, foi aprovada a triagem no pré-natal para gestantes de risco. Nos três estados há distribuição de fórmula infantil para aleitamento de bebês de mães positivas. Foram identificados serviços em outros estados que prestam assistência a partir do desenvolvimento de protocolos de pesquisa como São Paulo, Rio de Janeiro e Pará. Também foram identificados serviços isolados organizados por hospitais universitários ou Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde em Alagoas, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Sergipe. No Distrito Federal, Espírito Santo, Paraná e Santa Catarina não foram encontrados serviços de referência, porém, foram localizadas orientações sobre a não amamentação em caso de mães soropositivas para o HTLV por parte das Secretarias Estaduais de Saúde. As ações encontradas mostram que ainda são poucas e isoladas as iniciativas para prevenção e controle da infecção pelo HTLV no Brasil. Tendo em vista a ainda insuficiente e frágil divulgação sobre o HTLV e restritas ações de prevenção e controle desta IST, a possibilidade de manutenção e até crescimento do número de novos casos é uma realidade.

O objetivo geral do estudo foi analisar a formação da agenda de governo quanto às ações referentes ao HTLV nos estados da Bahia e Minas Gerais. Optamos por analisar as experiências de Minas Gerais e Bahia por serem pioneiras e as mais abrangentes desenvolvidas no país. O Estado da Bahia foi escolhido por ser o estado com importante prevalência de HTLV no Brasil e onde são desenvolvidas ações amplas e integradas para controle do vírus, diagnóstico e tratamento de infectados, além de atividades científicas e educativas para divulgação e esclarecimento sobre o vírus. Minas Gerais foi outro local escolhido, por ser o primeiro estado onde foi regulamentada a política de diagnóstico, prevenção e controle do vírus na população em geral.

Metodologia

O estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz; CAAE: 87600218.4.0000.5240). Como referencial teórico e analítico foi utilizado o modelo Múltiplos Fluxos de John Kingdon 1515. Kingdon JW. Agendas, alternatives and public policies. Boston: Little, Brown; 1984.. Para o desenvolvimento da pesquisa, elaboramos questões aplicadas em cada categoria do modelo, apresentadas no Quadro 1.

Quadro 1
Modelo Múltiplos Fluxos e questões norteadoras.

De acordo com Kingdon 1515. Kingdon JW. Agendas, alternatives and public policies. Boston: Little, Brown; 1984., um tema entra na agenda governamental quando ocorre a conexão dos fluxos de problemas, fluxos de soluções e fluxo político. Utilizamos as categorias do modelo, não somente para compreensão de como o tema foi introduzido na agenda desses estados, mas também quais foram os estímulos para o assunto ser reconhecido como problema, quais os atores ou grupos de interesses envolvidos, quais as motivações políticas e técnicas e quais propostas foram sugeridas e aprovadas.

No fluxo de problemas questionamos quando e por que o HTLV foi identificado como problema; quais eventos antecederam e quais fatores motivaram a atenção dos atores. No fluxo de soluções, quais alternativas foram propostas; quais obtiveram consenso e quais ideias resistiram ou foram descartadas. No fluxo político, qual era o contexto político que favoreceu a entrada do problema na agenda; se houve mudanças de governo e que situação influenciou as decisões tomadas. Quanto aos atores, indagamos quais sujeitos governamentais e não governamentais participaram na defesa de propostas referentes ao HTLV e se havia mobilização de grupos de interesse. Quanto às janelas de oportunidades levantamos em que momento houve convergência dos fluxos; como as propostas entraram na agenda de decisão do governo; como foi a atuação dos empreendedores de políticas e quais fatores favoreceram e dificultaram a aprovação de ações referentes ao HTLV.

Adotamos duas estratégias para produção de dados: entrevistas como fonte primária e pesquisa documental como fonte secundária. Fizemos entrevistas com atores-chave envolvidos com a pauta HTLV. Definimos os seguintes critérios de inclusão: atores que tivessem participado do processo político de discussão e definição da agenda e implementação das ações para controle e prevenção do HTLV tais como gestores e coordenadores de serviços/programas de IST, profissionais de saúde, pesquisadores e militantes envolvidos com a temática. Todos os convidados aceitaram ser entrevistados. A pesquisa de campo foi desenvolvida no período de setembro e outubro de 2018.

Realizamos entrevistas semiestruturadas que orientaram a conversa e permitiram apreender o discurso de forma livre. Foram realizadas e gravadas um total de 20 entrevistas, sendo 14 realizadas em Salvador (Bahia) com 542 minutos de gravação e 6 entrevistas em Belo Horizonte (Minas Gerais) com 221 minutos de gravação. As entrevistas foram fundamentais para conhecimento sobre a inclusão do tema HTLV na agenda governamental nos respectivos estados.

Também foi realizada pesquisa documental do período de 2000 a 2018 buscando registro de discussões sobre HTLV nas atas e pautas de reuniões e deliberações da Comissão Intergestores Bipartite (CIB), Conselho Estadual de Saúde (CES) e Assembleia Legislativa de cada estado e Conselho Municipal de Saúde (CMS) e Câmara dos Vereadores das respectivas capitais. A maioria dos documentos estava disponível online e os que não estavam foram solicitados à secretaria dos fóruns e concedidos para consulta.

Quanto aos fóruns da Bahia, as atas da CIB estavam disponibilizadas em http://www5.saude.ba.gov.br/portalcib/, do CES em http://www5.saude.ba.gov.br/portalces/ e do CMS em http://www.saude.salvador.ba.gov.br/conselhomunicipal/atas/. Em relação aos fóruns de Minas Gerais, as atas da CIB e do CES estavam disponíveis em http://www.saude.mg.gov.br/cib e http://ces.saude.mg.gov.br/, respectivamente. Os documentos foram acessados no período de agosto a dezembro de 2018.

O referencial utilizado para tratamento do material foi o da análise de conteúdo. Realizamos a transcrição das entrevistas em profundidade e leitura exaustiva de todo material, que foi ordenado e classificado de acordo com categorias analíticas gerais criadas a partir do modelo Múltiplos Fluxos 1515. Kingdon JW. Agendas, alternatives and public policies. Boston: Little, Brown; 1984.. Após análise identificamos cinco categorias gerais e dez categorias de contexto, além das unidades de registro. Quanto à análise documental, a leitura do material produzido nos fóruns foi importante para identificarmos o contexto e a frequência com que o HTLV apareceu nas discussões, e quais atores motivaram e pautaram o tema. As categorias gerais foram relacionadas com os objetivos específicos e apresentadas conforme o Quadro 2.

Quadro 2
Categorias identificadas nos discursos e documentos analisados.

O caso de Minas Gerais

Em Minas Gerais observamos com a pesquisa documental que o HTLV raramente foi incluído na pauta dos fóruns decisórios do estado, aparecendo especificadamente em dois períodos: 2004 a 2008 e 2015 a 2016. Identificamos participações de gestores da Secretaria de Estado de Saúde, pesquisadores do Hemominas e parlamentares no período de 2004 a 2008, quando discutiram ações para controle do HTLV, o que culminou na aprovação da Lei Estadual nº 17.344/20081616. Minas Gerais. Lei nº 17.344, de 15 de janeiro de 2008. Torna obrigatória a realização de testes sorológicos para o diagnóstico da infecção pelo Vírus Linfotrópico da Célula T Humana - HTLV I e II - e o tratamento dos casos identificados. Diário do Executivo 2008; 16 jan., tornando obrigatória a realização de testes sorológicos para o diagnóstico da infecção pelo HTLV nas unidades de saúde e tratamento dos casos identificados. Por outro lado, as discussões na CIB sobre o tema foram raras em todo o período analisado.

No período entre 2009 e 2014, não foi localizado nenhum documento dos fóruns decisórios citando HTLV e nenhum apontamento dos entrevistados indicando que tenha sido incluído o tema na agenda governamental. Em 2015 havia um contexto favorável para discussão do HTLV, já que alguns documentos publicados pelo Ministério da Saúde citavam a necessidade de impedir a transmissão vertical do vírus com medidas de clampeamento imediato do cordão umbilical de recém-nascidos de mães HIV e/ou HTLV positivas e orientação de não amamentação, embora não indicassem a inclusão na rotina do pré-natal 1717. Ministério da Saúde. Portaria nº 371, de 7 de maio de 2014. Institui diretrizes para a organização da atenção integral e humanizada ao recém-nascido (RN) no Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União 2014; 8 mai.,1818. Ministério da Saúde. Portaria nº 306, de 28 de março de 2016. Aprova as diretrizes de atenção à gestante: a operação cesariana. Diário Oficial da União 2016; 29 mar.,1919. Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para prevenção da transmissão vertical do HIV, sífilis e hepatites virais. Brasília: Ministério da Saúde; 2018.. Apesar da conjuntura, não houve mobilização para inclusão do tema na pauta desses fóruns de forma mais frequente.

Mannheimer et al. 2020. Mannheimer LN, Lehto J, Östlin P. Window of opportunity for intersectoral health policy in Sweden open, half-open or half-shut? Health Promot Int 2007; 4:307-15., ao analisarem janelas de oportunidades, afirmam que o envolvimento do alto escalão do governo é indispensável para a estabelecimento de uma política setorial, favorecendo a abertura de janelas de oportunidades ao longo do processo quando se refere a políticas de longo prazo.

Em Minas Gerais, verificamos que houve raras aberturas de janela de oportunidades. Primeiro, a inconstância de coordenação na pasta da saúde, com frequentes mudanças na gestão, parece ter dificultado a continuidade do processo. Com exceção de dois secretários, a formação na área da saúde não se constituiu em critério para ocupação de cargo executivo da Secretaria, priorizando-se a trajetória política, sendo ocupado frequentemente por vereadores ou deputados estaduais.

Kingdon 1515. Kingdon JW. Agendas, alternatives and public policies. Boston: Little, Brown; 1984. refere que os empreendedores de políticas tentam induzir os formuladores de políticas a assumir a visão dos problemas, promovendo eventos, escrevendo documentos e fazendo articulações e negociações políticas. O empreendedor é indispensável para convencimento do chefe do executivo, funcionários de alto escalão e parlamentares quanto à introdução do problema na agenda.

Nesse estado identificamos a equipe do Hemominas no papel de empreendedor de políticas a partir dos anos 2000, endossando a necessidade de políticas públicas na Assembleia Legislativa. Porém, tanto no período de 2009 a 2014, quando o assunto não entrou na pauta dos fóruns, como a partir de 2015, quando decisões referentes ao HTLV foram realizadas na CIB, não houve atuação de um empreendedor de políticas para realizar articulações e negociações com formuladores de políticas para impulsionar a entrada do tema na agenda, principalmente no período considerado favorável, de 2015 a 2016, quando a Secretaria de Saúde foi coordenada por profissional de saúde da área de Saúde Coletiva e foram publicados documentos do Ministério da Saúde apontando o HTLV como doença de transmissão vertical.

No Quadro 3 apresentamos as deliberações aprovadas pela CIB e legislação estadual que repercutiram em ampliação de ações referentes ao HTLV no Estado de Minas Gerais.

Quadro 3
Normas jurídicas aprovadas no Estado de Minas Gerais, Brasil, referentes ao HTLV.

Em Minas Gerais, apenas alguns problemas identificados em seu fluxo entraram na agenda. Observamos que as decisões aprovadas favoreceram a ampliação de ações referentes ao HTLV, porém, apesar de defesa de pesquisadores quanto à necessidade de estruturação da assistência e investimentos na área, não houve consenso em todo momento. As dificuldades de implementação de política setorial e a inexistência de grupos de pressão organizados colaboraram para que essas ações não fossem uma prioridade para as Secretarias de Saúde de Minas Gerais.

Após raras introduções do tema HTLV na agenda, verificamos que não foi estruturada política municipal ou estadual referente à infecção, mas somente ações pontuais. A assistência foi organizada por pesquisadores do GIPH/Hemominas que também atendem nas unidades públicas de saúde. Nesse estado, o desconhecimento sobre o HTLV repercutiu na imobilização social e desinteresse dos profissionais.

Em relação aos avanços podemos citar testagem para HTLV em gestantes de risco, distribuição de fórmula infantil para aleitamento de bebês de mães positivas, organização da assistência e rica produção científica sobre o tema pela equipe do GIPH/Hemominas. Consideramos um dos principais desafios o envolvimento das Secretarias Estadual e Municipais de Saúde nas atividades referentes ao HTLV. A organização de pacientes de forma associativa poderia constituir-se em importante instrumento de pressão. Outros desafios importantes são testagem do HTLV para todas as gestantes, produção de material educativo sobre IST para população em geral incluindo o HTLV e capacitação de profissionais de saúde.

Destacamos que, em Minas Gerais, a falta de mobilização da sociedade civil, a não participação nos conselhos, não organização em organizações não governamentais (ONGs) ou outras associações - fosse pela ausência de conscientização, apatia ou desconhecimento - refletiu em inércia, ou seja, não houve movimento ou pressão para inclusão do assunto na agenda setorial de forma mais frequente e muito menos para formulação de políticas mais amplas.

O caso da Bahia

Na Bahia, o tema HTLV começou a aparecer nos fóruns decisórios da política de saúde a partir do ano de 2007. Observamos quais mudanças políticas do governo do estado e, consequentemente, dos atores do primeiro escalão, provocaram mudanças institucionais positivas no setor saúde. A partir desse período, a Secretaria de Estado de Saúde (SESAB) passou a assumir responsabilidades e a desenvolver gradativamente ações referentes ao HTLV. Identificamos também que nesse período se deu início à discussão sobre HTLV na Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA), na CIB e CES. Os apontamentos nesses fóruns não necessariamente repercutiram em aprovação de leis ou resoluções, ou em ações concretas imediatamente, porém, a inclusão do assunto na pauta de instâncias de negociação e decisão sobre os rumos da política de saúde repercutiram na ampliação das ações para pessoas que vivem com HTLV de forma gradativa.

A partir de 2015 outros atores surgiram na arena política, como gestores que também eram pesquisadores sobre o tema, o Grupo HTLVida, ONG formada por indivíduos que militam pelos direitos de pessoas que vivem com HTLV, além de profissionais de saúde e parlamentares engajados na defesa de ampliação das ações e dos direitos para esse grupo específico.

Identificamos como janelas de oportunidades um conjunto de vários elementos no período de 2007 a 2014: mudanças na política local com a chegada ao poder (governo do estado) de grupo com orientação mais progressista e empenhado na aprovação de políticas sociais; gestão da SESAB por profissional de saúde com experiência em pesquisa e gestão no Sistema Único de Saúde (SUS); gestores participantes da CIB do Conselho Estadual dos Secretários Municipais de Saúde da Bahia (COSEMS/BA), inclusive Secretários de Saúde de outros municípios do estado, em consenso sobre a necessidade de investimentos; militantes de outros grupos apontando necessidade de políticas para a área e parlamentares sensíveis à situação. No período de 2015 a 2018, observamos mais um elemento favorável à abertura de janelas, a presença de gestor da área da saúde e funcionários do alto escalão com experiência em pesquisa em HTLV e gestão na saúde. Chama atenção que nos dois períodos houve permanência do secretário de saúde por longo período, ou seja, a estabilidade política de uma gestão progressista e técnica favoreceu a continuidade dos processos e os avanços alcançados. Outra questão a destacar é que os pesquisadores que participaram das primeiras pesquisas referentes ao HTLV também foram gestores ou funcionários de alto escalão no segundo período e tiveram maior facilidade de apontar problemas, negociar propostas e defender ações.

Nesse estado identificamos importante pesquisador da área de Saúde Pública como empreendedor de políticas que facilitou a articulação e negociações no fluxo político, principalmente no período de 2015 a 2018. Esse ator tinha acesso aos fóruns decisórios e atuava como intermediador entre gestão da Secretaria de Saúde e outros grupos, denunciando o problema da infecção, a necessidade de ampliação da rede assistencial, ratificando a importância do movimento organizado e aproveitando as oportunidades em audiências públicas na ALBA para alertar sobre a necessidade de políticas públicas na área.

Observamos que os problemas não foram levantados e pautados apenas por meio de dados científicos, mas também por gestores na CIB, militantes de outras áreas e, num segundo período, por grupo específico de indivíduos organizados na ONG HTLVida. Vários fatores contribuíram para inclusão do tema na agenda governamental, tais como, resultados de pesquisas que evidenciaram alta prevalência da infecção, manifestações clínicas graves da IST impactando o sistema de saúde, conjuntura política, militância de pacientes, gestores e parlamentares sensíveis à situação. Visualizamos consensos em relação à necessidade de estruturar políticas para prevenção e controle do HTLV por parte de diferentes atores.

No Quadro 4 apresentamos as legislações aprovadas pela CIB, SESAB, ALBA e Câmara dos Vereadores, que repercutiram em ampliação de ações referentes ao HTLV no Estado da Bahia.

Quadro 4
Normas jurídicas aprovadas no Estado da Bahia, Brasil, referentes ao HTLV.

No caso da Bahia, a convergência dos três fluxos resultou em política estadual e municipal em Salvador referente ao HTLV, destacando-se estruturação da rede assistencial, testagem em todas as gestantes e distribuição de fórmula infantil para aleitamento, testagem em população adulta, mobilização de pacientes, apoio da SESAB e Secretaria Municipal da capital a ONG, inclusão do HTLV nas atividades de IST e em campanhas educativas, dia de enfrentamento do vírus, dentre outras atividades. De outro modo, identificamos os seguintes desafios a serem enfrentados: sensibilização e capacitação de profissionais de saúde para identificação de casos suspeitos e encaminhamento para confirmação diagnóstica, necessidade de melhoria da notificação da IST, ampliação e qualificação da rede assistencial.

Discussão

Segundo Kingdon 1515. Kingdon JW. Agendas, alternatives and public policies. Boston: Little, Brown; 1984., a convergência dos três fluxos possibilita abertura de janelas de oportunidades, que favorecem a introdução do assunto na agenda governamental. Verificamos com o método que o fluxo da política foi o maior responsável pela abertura da janela de oportunidades, confirmando o apontamento do autor, que considera que as janelas de oportunidades são abertas frequentemente pelos fluxos da política e dos problemas e raramente pelo fluxo das soluções. A abordagem de Kingdon contribuiu para identificação da atuação dos sujeitos, dentro e fora do governo, envolvidos em cada percurso, seja apontando problemas, sugerindo soluções e participando das escolhas ou definição das alternativas.

Apresentamos no Quadro 5 uma síntese com as categorias do modelo Múltiplos Fluxos, comparando o que foi identificado na Bahia e em Minas Gerais.

Quadro 5
Síntese dos resultados encontrados e categorias do modelo Múltiplos Fluxos. Bahia e Minas Gerais, Brasil.

A pesquisa mostrou, conforme Kingdon 1515. Kingdon JW. Agendas, alternatives and public policies. Boston: Little, Brown; 1984., que os dados (indicadores epidemiológicos, demográficos, sociais, dentre outros) não são suficientes para transformar uma questão em problema e muito menos para introduzir o tema na agenda. Os problemas podem ser interpretados e enfrentados de forma diferente pelos atores que influenciam cada um dos fluxos. Para que ocorra essa entrada é necessário um conjunto de elementos que em determinado momento convergem e possibilitam sua entrada na agenda.

Para compreender como ocorreu a convergência dos fluxos dos problemas, das soluções e o de políticas, que permitiram abertura de janela de oportunidades e inclusão do HTLV na agenda governamental foi importante analisar as relações estabelecidas entre os atores, suas propostas, o ambiente político, os interesses e prioridades de gestores e formuladores de políticas.

A política pública não se faz somente com declaração ou intenção. O processo decisório, a formulação e implementação de ações muitas vezes seguem desdobramentos diferenciados. Mesmo na CIB, que é uma câmara técnica de decisão, os problemas são apresentados, propostas são negociadas, algumas descartadas e outras aprovadas. Algumas decisões aprovadas não são colocadas em prática imediatamente ou são esquecidas.

Na Bahia, apesar de identificarmos prioridade técnica nas discussões sobre ações referentes ao HTLV nos fóruns decisórios e decisões que favoreceram a ampliação de políticas, visualizamos que o processo de implementação não foi imediato. Na pesquisa empírica identificamos dificuldades de execução de algumas decisões e muitas vezes desconhecimento por parte de profissionais da assistência quanto às medidas aprovadas. Entretanto, nesse estado, as ações têm sido ampliadas gradativamente com envolvimento de vários atores, dentre pesquisadores, gestores, profissionais de saúde e militantes.

Observamos que em Minas Gerais houve prioridade política em relação à justificativa técnica. Em um primeiro momento coincidiram resultados de pesquisas com manifestações de atores sensíveis ao problema, quando foi aberta janela de oportunidades e possibilitou a inclusão do tema na agenda governamental e decisória. Posteriormente, identificamos que não houve conexão dos fluxos, já que temas referentes ao HTLV não foram inseridos na agenda, como a testagem do HTLV para todas as gestantes ou inclusão do HTLV no teste do pezinho. Constatamos a necessidade de atuação de um empreendedor de políticas que fizesse articulações com formuladores de políticas e impulsionasse a entrada do tema na agenda.

As decisões aprovadas favoreceram a ampliação de ações referentes ao HTLV, porém, as dificuldades de implementação de ações e a inexistência de grupos de pressão organizados colaboraram para que essas ações não fossem uma prioridade para as Secretarias de Saúde de Minas Gerais.

Reconhecemos os limites da abordagem de Kingdon para análise de todo processo político como sinalizam Gottems et al. 2121. Gottems LBD, Pires MRGM, Calmon PCP, Alves ED. O modelo dos múltiplos fluxos de Kingdon na análise de políticas de saúde: aplicabilidades, contribuições e limites. Saúde Soc 2013; 2: 511-20., por não considerar a interferência das instituições e a discussão dos determinantes históricos estruturais - sistema político, econômico e social - no processo de formação da agenda. Entretanto, para o estudo proposto, o método Múltiplos Fluxos se mostrou valioso ao oferecer um arcabouço teórico que orientasse o olhar do pesquisador, possibilitando na análise dos fluxos o entendimento de como o tema HTLV foi inserido na agenda governamental e a identificação dos sujeitos atuantes nesse percurso.

Neste estudo apontamos a frágil participação do governo federal na formulação de políticas para controle da infecção e mostramos algumas experiências pioneiras de estados e municípios. A pesquisa demonstrou a marcante atuação dos grupos de pesquisadores nos estados da Bahia e Minas Gerais na formação da agenda, além da participação na Bahia de outros atores engajados na área, em destaque, a atuação da ONG HTLVida. Sem desconsiderar a força do movimento social, o principal vetor para a ampliação de direitos na Bahia foram os governos progressistas. Conforme Kingdon 1515. Kingdon JW. Agendas, alternatives and public policies. Boston: Little, Brown; 1984., a mobilização e engajamento dos governantes favorecem de forma determinante a implementação de políticas.

Ressaltamos a importância do movimento social organizado como ator imprescindível para conquista de direitos e a participação do Ministério Público como instituição jurídica, que representa interesses públicos dentro da máquina do Estado. Ao receber demandas de diferentes atores e cobrar respostas aos órgãos competentes, a instituição colabora para a diminuição da invisibilidade da doença e ampliação da política setorial.

Considerações finais

Esta pesquisa buscou analisar os processos que favoreceram a entrada do HTLV na agenda governamental dos estados da Bahia e Minas Gerais e possibilitou uma série de aprendizados. Verificamos que, para introdução do tema HTLV na agenda, foi necessário um conjunto de elementos que em determinado momento convergiram e possibilitaram sua entrada, sendo necessário analisar as relações estabelecidas entre os atores, suas propostas, o ambiente político, os interesses e prioridades de gestores e formuladores de políticas.

O estudo mostrou que informações técnicas não foram suficientes para introduzir o tema na agenda, considerando que as primeiras constatações de importantes prevalências da infecção em Minas Gerais, Bahia e em várias cidades do Brasil ocorreram na década de 1990 e o assunto somente foi introduzido na agenda do setor saúde nesses estados nos anos 2003 e 2007, respectivamente.

O processo decisório no setor saúde é complexo e não linear, seguindo um percurso de avanços e estagnação para novamente avançar. Observamos propostas que não foram aprovadas mesmo com justificativa técnica, decisões aprovadas que foram executadas com dificuldade e deliberações que não foram colocadas em prática. No entanto, tais aprovações se constituíram em ponto de partida para reivindicação do cumprimento das mesmas e, consequentemente, da luta para ampliação de direitos da população afetada. Além da mobilização social, o vetor política de governo se mostrou fundamental para a formação da agenda e implementação de ações.

A partir dos resultados, destacamos pontos importantes para a ampliação da política pública para indivíduos infectados por HTLV. Consideramos fundamental o levantamento da prevalência da infecção na população geral para planejamento de ações e nesse contexto se insere a notificação compulsória na lista nacional. Seria pertinente a testagem para o vírus nos exames de rotina de pessoas com diagnóstico de IST, além da inclusão da testagem no pré-natal. Apesar da defesa técnica sobre a necessidade de evitar a transmissão vertical do HTLV, raramente há testagem do vírus no pré-natal nos munícipios e estados, e uma alternativa viável seria a inclusão do HTLV no teste do pezinho. Outra medida necessária para evitar a transmissão vertical é a garantia de distribuição de fórmula infantil para aleitamento de recém-nascidos de mães positivas de forma sistemática, de modo a viabilizar a restrição do aleitamento materno, reduzindo sobremaneira o risco de transmissão. Consideramos que essas medidas preventivas poderiam reduzir não somente o impacto social das manifestações clínicas em indivíduos sintomáticos, mas também no que diz respeito aos gastos envolvidos no tratamento.

Dado o desconhecimento do HTLV pela maioria das pessoas, há necessidade do desenvolvimento de atividades de informação/comunicação e de educação em saúde para profissionais de saúde e para a população em geral, além da garantia do acesso, diagnóstico e de acompanhamento de casos pelos serviços de saúde para melhoria da qualidade de vida dos pacientes.

Este estudo pioneiro sobre a inclusão do tema em agendas governamentais na Bahia e Minas Gerais contribuiu para a análise das políticas referentes ao HTLV e para dar maior visibilidade ao tema. Conhecer esse processo em dois estados brasileiros de características distintas e onde foram traçados diferentes percursos para o avanço da atenção às pessoas que vivem com HTLV foi importante para contribuir com o debate sobre políticas públicas e conquista de direitos. Espera-se que possa colaborar também para reduzir a invisibilidade desta IST e melhoria da atenção e qualidade de vida das pessoas afetadas. Há um longo caminho a percorrer na mobilização para maiores investimentos na área, formulação e implementação de políticas públicas e na luta pela conquista de direitos sociais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    04 Nov 2020
  • Revisado
    15 Maio 2021
  • Aceito
    02 Jun 2021
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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