Substituir alimentos ultraprocessados por alimentos frescos para atender as recomendações alimentares: uma questão de custo?

Emanuella Gomes Maia Camila Mendes dos Passos Fernanda Serra Granado Renata Bertazzi Levy Rafael Moreira Claro Sobre os autores

Resumo

O objetivo desse estudo foi analisar o impacto econômico da adoção de dietas otimizadas e nutricionalmente balanceadas para famílias brasileiras, considerando as diretrizes alimentares para a população brasileira e as disparidades econômicas da população. Foram usados dados da Pesquisa Nacional de Orçamentos Familiares de 2008-2009 (550 estratos; 55.970 domicílios). Cerca de 1,7 mil alimentos e bebidas adquiridos pelos brasileiros foram classificados em quatro grupos de acordo com o sistema NOVA. Modelos de programação linear estimaram dietas isoenergéticas preservando a dieta atual como linha de base e otimizando dietas mais saudáveis gradativamente com base na “regra de ouro” das diretrizes alimentares, respeitando restrições nutricionais para macronutrientes e micronutrientes (com base em recomendações internacionais) e limites de aceitação alimentar (10º e 90º percentis da distribuição de calorias per capita da população). O custo da dieta foi definido a partir da soma do custo médio de cada grupo de alimentos, tanto na dieta atual quanto na otimizada (R$ por 2.000Kcal/pessoa/dia). O impacto econômico das diretrizes alimentares para o orçamento familiar brasileiro foi analisado comparando-se o custo das dietas otimizadas com o custo da dieta atual, calculado para a população total e por nível de renda. Três dietas mais saudáveis foram otimizadas. O custo da dieta atual era de R$ 3,37, diferindo entre os estratos de baixa e alta renda (R$ 2,62 vs. R$ 4,17). Independentemente da renda, o custo da dieta diminuiu com a abordagem das diretrizes. No entanto, os estratos de baixa renda comprometeram seu orçamento familiar mais de duas vezes que os estratos de alta renda (20,20% vs. 7,96%). Assim, a adoção de práticas alimentares mais saudáveis pode ser realizada com orçamento igual ou inferior.

Palavras-chave:
Ingestão de Alimentos; Custos e Análise e Custo; Programação Linear


Introdução

As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) são as principais causas de morte em todo o mundo, mas sua maior sobrecarga pode ser observada entre os países de baixa e média renda. Em 2016, as DCNT foram responsáveis por 78% das mortes nesses países, resultando em grande sobrecarga não só para a saúde e a qualidade de vida da população, mas também para a produtividade da força de trabalho e a prosperidade econômica do país 11. World Health Organization. Noncommunicable diseases country profiles - 2018. Geneva: World Health Organization; 2019.. Dessa forma, os esforços devem ser focados na redução da prevalência dos principais fatores de risco para DCNT, com foco especial no consumo de alimentos não saudáveis 22. Institute for Health Metrics and Evaluation. GBD compare. https://vizhub.healthdata.org/gbd-compare/ (accessed on 20/Jan/2019).
https://vizhub.healthdata.org/gbd-compar...
,33. World Health Organization. Fiscal policies for diet and prevention of noncommunicable diseases. Geneva: World Health Organization; 2019..

Nesse sentido, as diretrizes alimentares oferecem uma oportunidade única de impactar favoravelmente a saúde da população. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) 44. Food and Agriculture Organization of the United Nations. Food-based dietary guidelines. http://www.fao.org/nutrition/education/food-dietary-guidelines (accessed on 21/Feb/2019).
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, essas diretrizes fornecem conselhos e princípios específicos para o contexto sobre dietas e estilos de vida saudáveis, a fim de estabelecer a base para políticas públicas de alimentação e nutrição, promover uma alimentação saudável e prevenir doenças. O Brasil possui um guia alimentar inovador e mundialmente reconhecido 55. Food and Agriculture Organization of the United Nations. Food-based dietary guidelines - Brazil. http://www.fao.org/nutrition/education/food-based-dietary-guidelines/regions/countries/brazil/en/ (accessed on 09/Apr/2020).
http://www.fao.org/nutrition/education/f...
, baseado no sistema de classificação de alimentos NOVA 66. Monteiro CA, Cannon G, Moubarac JC, Levy RB, Louzada MLC, Jaime PC. The UN decade of nutrition: the NOVA food classification and the trouble with ultra-processing. Public Health Nutr 2017; 21:5-17.. Esse sistema tem sido usado em vários países não apenas para tratar efetivamente a qualidade das dietas e seu impacto em todas as formas de desnutrição, mas também na sustentabilidade dos sistemas alimentares 66. Monteiro CA, Cannon G, Moubarac JC, Levy RB, Louzada MLC, Jaime PC. The UN decade of nutrition: the NOVA food classification and the trouble with ultra-processing. Public Health Nutr 2017; 21:5-17.. O consumo de alimentos in natura (alimentos não processados ou minimamente processados) é imposto como base do consumo alimentar, enquanto o consumo de alimentos ultraprocessados é desencorajado 66. Monteiro CA, Cannon G, Moubarac JC, Levy RB, Louzada MLC, Jaime PC. The UN decade of nutrition: the NOVA food classification and the trouble with ultra-processing. Public Health Nutr 2017; 21:5-17..

O conhecimento adequado sobre a relação entre a alimentação e a saúde não é suficiente para a adoção de uma alimentação saudável. Fatores econômicos também foram destacados como um dos principais determinantes das escolhas alimentares 77. Glanz K, Sallis JF, Saelens BE, Frank LD. Healthy nutrition environments: concepts and measures. Am J Health Promot 2005; 19:330-3.. Um conjunto robusto de evidências de países de alta renda indica que alimentos in natura com baixa densidade energética e alto valor nutricional (como carne, frutas e vegetais in natura) custam mais calorias do que alimentos ultraprocessados de qualidade inferior 88. Okubo H, Murakami K, Sasaki S. Monetary value of self-reported diets and associations with sociodemographic characteristics and dietary intake among Japanese adults: analysis of nationally representative surveys. Public Health Nutr 2016; 19:3306-18.,99. Maillot M, Vieux F, Delaere F, Lluch A, Darmon N. Dietary changes needed to reach nutritional adequacy without increasing diet cost according to income: an analysis among French adults. PLoS One 2017; 12:e0174679., sugerindo que dietas saudáveis poderiam ser inacessíveis para uma parcela expressiva da população. No Brasil, a variação de preços entre os alimentos classificados como não processados ou minimamente processados é elevada, indo desde alimentos mais baratos como arroz, feijão, raízes e tubérculos, até alimentos mais caros como vegetais, peixes, carnes e frutas 1010. Claro RM, Maia EG, Costa BVL, Diniz DP. Preço dos alimentos no Brasil: prefira preparações culinárias a alimentos ultraprocessados. Cad Saúde Pública 2016; 32:e00104715.. Assim, o custo da dieta para atender às recomendações das diretrizes alimentares brasileiras ainda é incerto.

O custo da dieta só pode ser parcialmente entendido pela comparação entre os preços dos diferentes grupos de alimentos, exigindo experimentos mais complexos para uma conclusão precisa, como o método matemático de programação linear. Este método pode ser usado para otimizar uma função (dietas saudáveis, por exemplo) a partir de um conjunto de restrições (como as recomendações nutricionais do país). Essa abordagem já foi usada para desenvolver cestas de alimentos nutricionalmente adequadas e com custo reduzido, tanto em países de alta renda 99. Maillot M, Vieux F, Delaere F, Lluch A, Darmon N. Dietary changes needed to reach nutritional adequacy without increasing diet cost according to income: an analysis among French adults. PLoS One 2017; 12:e0174679.,1111. Parlesak A, Tetens I, Dejgard J, Smed S, Gabrijelcic B, Rayner M, et al. Use of linear programming to develop cost-minimized nutritionally adequate health promoting food baskets. PLoS One 2016; 11:e0163411. quanto em países de renda média e baixa 1212. Akhter N, Saville N, Shrestha B, Manandhar DS, Osrin D, Costello A, et al. Change in cost and affordability of a typical and nutritionally adequate diet among socio-economic groups in rural Nepal after the 2008 food price crisis. Food Secur 2018; 10:615-29.,1313. Nykänen E-PA, Dunning HE, Aryeetey RNO, Robertson A, Parlesak A. Nutritionally optimized, culturally acceptable, cost-minimized diets for low income Ghanaian families using linear programming. Nutrients 2018; 10:461.. No entanto, esses estudos tendem a focar exclusivamente no perfil nutricional da dieta para definir uma alimentação saudável. Portanto, o objetivo do presente estudo foi analisar o impacto econômico da adoção de dietas otimizadas e nutricionalmente balanceadas no orçamento familiar brasileiro, considerando as recomendações das diretrizes alimentares brasileiras e as disparidades econômicas da população.

Métodos

Desenho do estudo, amostragem e coleta de dados

Foi realizado um estudo ecológico com base nos dados da última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2008-2009) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O POF 2008-2009 utilizou um procedimento complexo de amostragem por conglomerados em dois estágios com a seleção aleatória dos setores censitários no primeiro estágio e dos domicílios no segundo estágio, resultando em uma amostra representativa dos domicílios do país. Inicialmente, os 12.800 setores censitários do país (do Censo Demográfico de 2000) foram organizados em estratos com elevada homogeneidade geográfica e socioeconômica. Em seguida, os setores censitários foram selecionados aleatoriamente em cada estrato, proporcionalmente ao número de domicílios do estrato. Os domicílios de cada setor foram selecionados por seleção aleatória simples sem substituição. Os setores censitários selecionados e seus domicílios foram distribuídos uniformemente ao longo dos quatro trimestres do ano de coleta de dados, a fim de cobrir todas as variações sazonais de gastos e renda familiar em cada estrato. A amostra final foi composta por 550 estratos, envolvendo 4.696 setores censitários e 55.970 domicílios. Uma descrição detalhada do processo de amostragem está disponível em publicação do IBGE 1414. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009: aquisição alimentar domiciliar per capita. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010..

A coleta de dados da POF 2008-2009 foi realizada de maio de 2008 a maio de 2009 por meio de sete questionários em cada domicílio selecionado. As informações de compra de alimentos e bebidas para consumo domiciliar e renda familiar foram as principais informações da POF 2008-2009 utilizadas no presente estudo. Todos os alimentos e bebidas adquiridos para consumo domiciliar foram registrados de forma eletrônica pelo chefe do domicílio por sete dias consecutivos (auxiliado pelo entrevistador treinado, se necessário). Foram registradas informações detalhadas para cada compra, como o nome do produto, a quantidade adquirida (em unidades comerciais e em gramas ou mililitros) e o valor total gasto. Foram disponibilizados dados de 1,7 mil alimentos e bebidas. Uma vez que a POF 2008-2009 foi coletado ao longo de um ano, o IBGE deflacionou os valores das despesas para uma data de referência no meio do período de coleta de dados (15 de janeiro de 2009) 1414. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009: aquisição alimentar domiciliar per capita. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010.. Mais detalhes sobre o processo de deflação empregado pelo IBGE podem ser obtidos no relatório do sistema 1414. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009: aquisição alimentar domiciliar per capita. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010..

O curto período de referência (sete dias consecutivos) utilizado na POF 2008-2009 para registro dos gastos com alimentação não permite a identificação dos padrões usuais de compra de alimentos de cada domicílio estudado. Assim, os 550 estratos domiciliares foram definidos como unidades de análise. Essas unidades de análise permitiram identificar o padrão anual de compra de alimentos com grande precisão, sem comprometer a variação geográfica e socioeconômica dos dados 1515. Pereira RA, Souza AM, Duffey KJ, Sichieri R, Popkin BM. Beverages consumption in Brazil: results from the first National Dietary Survey. Public Health Nutr 2015; 18:1164-72..

Organização de dados e classificação de alimentos

Inicialmente, foram somados os registros de cada item alimentar adquirido pelas famílias do mesmo estrato. Quando apropriado, a fração não comestível de alimentos foi excluída usando os fatores de correção correspondentes 1616. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estudo Nacional da Despesa Familiar: consumo alimentar e despesas das famílias. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 1978.. A quantidade total de cada alimento foi convertida em energia (Kcal), por meio da Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TACO) 1717. Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação, Universidade Estadual de Campinas. Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TACO). Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2011. ou, de forma complementar, a tabela oficial de composição de alimentos dos Estados Unidos 1818. United States Department of Agriculture. USDA national nutrient database for standard reference. 23rd Ed. Washington DC: United States Department of Agriculture; 2010.. A quantidade energética total (Kcal) adquirida e os custos foram divididos por sete e pelo número de indivíduos no estrato para expressar o consumo per capita diário e um valor de gasto proporcional. A renda per capita mensal, expressa em Reais (R$), foi estimada pela divisão da soma da renda de todos os domicílios do estrato pelo total de indivíduos do estrato.

Os alimentos foram classificados em quatro grupos e 35 subgrupos de acordo com o sistema de classificação de alimentos NOVA utilizado nas diretrizes alimentares brasileiras 66. Monteiro CA, Cannon G, Moubarac JC, Levy RB, Louzada MLC, Jaime PC. The UN decade of nutrition: the NOVA food classification and the trouble with ultra-processing. Public Health Nutr 2017; 21:5-17.: (i) alimentos não processados ou minimamente processados (13 subgrupos: arroz; feijão; macarrão; farinha de trigo; farinha de mandioca; frutas; vegetais; raízes e tubérculos; leite e iogurte natural; aves e peixes; carne bovina e suína; ovos; outros alimentos não processados ou minimamente processados), (ii) Ingredientes culinários processados (6 subgrupos: açúcar; sal; especiarias; óleos vegetais; gorduras animais; outros ingredientes culinários processados), (iii) alimentos processados (4 subgrupos: pão fresco; queijos processados; carnes processadas; vegetais processados), e (iv) alimentos ultraprocessados (12 subgrupos: pão industrializado; biscoitos, bolos e doces folhados; sorvetes, chocolates e outros doces; bolachas e salgadinhos; refrigerantes; outras bebidas adoçadas não alcoólicas; carnes e salsichas ultraprocessadas; pratos prontos e misturas industrializadas; molhos e caldos; cereais matinais; margarina; queijos ultraprocessados).

Modelo de otimização por programação linear e análise de dados

Todos os alimentos e bebidas foram agrupados nos 35 subgrupos apresentados acima, distribuídos nos quatro principais grupos de alimentos. A dieta atual foi definida com base na quantidade média per capita de cada subgrupo (ajustada para representar uma dieta de 2.000Kcal). Em seguida, estimou-se a contribuição média de cada grupo de alimentos nas calorias totais para representar a dieta atual. A dieta atual foi preservada como linha de base e as dietas otimizadas apresentaram limites gradativamente crescentes para atender cada vez mais às diretrizes brasileiras para uma alimentação saudável.

O modelo de otimização por programação linear é definido por três características: a função objetivo, as variáveis de decisão e a lista de restrições lineares 1313. Nykänen E-PA, Dunning HE, Aryeetey RNO, Robertson A, Parlesak A. Nutritionally optimized, culturally acceptable, cost-minimized diets for low income Ghanaian families using linear programming. Nutrients 2018; 10:461.. Resumidamente, uma função objetivo foi definida para resumir a distância entre a composição nutricional das dietas otimizadas e a dieta atual (DBCOD). Essa função foi definida como a soma da diferença padronizada (“Z i ”) entre cada tamanho de porção do subgrupo selecionado por programação linear (“X i ) (com i = 1 a n, onde n é igual ao número total de subgrupos de alimentos na análise) e os tamanhos médios das porções (“M i ”) observados na população brasileira para o subgrupo relacionado, dividido por M i . No entanto, para a presente análise, a diferença total não pode ser estimada simplesmente adicionando valores absolutos de diferença para cada subgrupo, pois isso levaria a uma função não linear 1919. Darmon N, Ferguson EL, Briend A. A cost constraint alone has adverse effects on food selection and nutrient density: an analysis of human diets by linear programming. J Nutr 2002; 132:3764-71.. Assim, uma restrição deve ser imposta a Z i para garantir sempre um valor positivo para cada diferença padronizada, como a seguir:

DBCOD=Z1+Z2++Zn

Onde Z i é equivalente ao valor positivo para cada:

Z1M1-X1/M1 e Z1-M1-X1/M1,

Z2(M2-X2)/M2 e Z2-(M2-X2)/M2...

ZnMn-Xn/Mn e Zn-(Mn-Xn)/Mn

As variáveis de decisão foram a contribuição relativa (%) dos quatro grupos de alimentos do sistema NOVA. As restrições lineares foram: (i) restrições nutricionais para macronutrientes (carboidratos, açúcares livres, proteínas, gordura total e saturada e fibra total) e micronutrientes (sódio, cálcio, ferro, vitaminas C e A e potássio), com base nas recomendações internacionais da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Instituto de Medicina dos Estados Unidos; e (ii) restrições de aceitabilidade, limitadas ao 10º e 90º percentis da distribuição de calorias per capita nos estratos, a fim de evitar que os modelos resultem em dietas não aceitáveis (ajustadas para representar uma dieta de 2.000Kcal).

Informações detalhadas sobre as variáveis de decisão e as restrições lineares utilizadas nos modelos de otimização por programação linear estão disponíveis nas Tabelas 1 e 2.

Tabela 1
Contribuição relativa (%) dos grupos de alimentos para a disponibilidade energética total, restrições de macro e micronutrientes nas três dietas otimizadas * por modelos de programação linear, para a população total e para os níveis de renda. Brasil, 2008-2009.
Tabela 2
Restrições de aceitabilidade no conteúdo alimentar (Kcal/dia), por nível de renda (tercis de distribuição de renda per capita), impostas pelo modelo de programação linear. Brasil, 2008-2009.

As variáveis de decisão da programação linear foram definidas com base na “regra de ouro” das diretrizes alimentares: “Sempre prefira alimentos in natura ou minimamente processados e preparações culinárias a alimentos ultraprocessados2020. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Guia alimentar para a população brasileira. 2ª Ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2014. (p. 47). Assim, os quintis de participação de alimentos não processados e minimamente processados e de alimentos ultraprocessados nas calorias totais foram estimados para fornecer limites aceitáveis para as dietas otimizadas (dietas isoenergéticas - 2.000Kcal). Resumidamente, a otimização de dietas mais saudáveis compreendia, ao mesmo tempo, as seguintes condições: (i) aumento gradual de alimentos não processados ou minimamente processados (até ultrapassar a aquisição média deste grupo de alimentos em seu quinto quintil da contribuição relativa - maior aquisição); (ii) diminuição de ingredientes culinários processados e alimentos processados (a contribuição relativa desses grupos foi igual ou inferior à dieta atual); e (iii) diminuição gradual de alimentos ultraprocessados (até ultrapassar a média de aquisição deste grupo de alimentos em seu primeiro quintil de contribuição relativa - menor aquisição).

O custo da dieta foi definido a partir da soma do custo médio de cada grupo de alimentos, tanto na dieta atual quanto na otimizada (R$ por 2.000Kcal/pessoa/dia). Portanto, o impacto econômico das diretrizes alimentares para o orçamento familiar brasileiro foi analisado comparando o custo das dietas otimizadas com o custo da dieta atual, calculado para a população total e de acordo com o nível econômico das famílias (tercis). Além disso, a participação no orçamento alimentar também foi estimada considerando o nível econômico da população total (R$ 887,60), dos estratos de baixa renda (estratos do 1º tercil de distribuição de renda per capita, R$ 389,80) e dos estratos de alta renda (estratos do 3º tercil de distribuição de renda per capita, R$ 1.570,60). Os gastos com alimentação diária foram multiplicados por 30 para refletir o mês inteiro.

Os modelos de programação linear foram executados na função Solver do Microsoft Office Excel 2010 (https://products.office.com/). O software estatístico Stata, versão 14.2 (https://www.stata.com), foi utilizado na organização e análise dos dados, permitindo a utilização de fatores de ponderação e todos os aspectos da amostragem complexa do conjunto de dados.

Resultados

Cerca de metade (48,9%) das calorias da dieta atual provinham de alimentos não processados ou minimamente processados, 24,3% de ingredientes culinários processados, 8,9% de alimentos processados e 17,8% de alimentos ultraprocessados. De acordo com a distribuição de renda, a contribuição relativa de alimentos não processados ou minimamente processados e de ingredientes culinários processados na dieta atual foi maior entre os estratos de baixa renda em comparação com os estratos de alta renda (55,3% vs. 43,4% e 25,4% vs. 22,8%, respectivamente), enquanto a contribuição relativa dos alimentos processados e ultraprocessados foi maior entre os estratos de alta renda (9,5% vs. 7,5% e 24,3% vs. 11,8%, respectivamente) (Tabela 3).

Tabela 3
Contribuição relativa (%) dos grupos de alimentos para a disponibilidade energética total, macro e micronutrientes para a dieta atual e dietas otimizadas * por modelos de programação linear, para a população total e para níveis de renda. Brasil, 2008-2009.

Três dietas foram otimizadas, apresentando aumentos graduais de contribuições no perfil nutricional. Assim, a terceira dieta otimizada atingiu ainda mais as diretrizes alimentares (Tabela 3). A contribuição relativa dos alimentos não processados ou minimamente processados aumentou gradualmente nas dietas otimizadas de 54,9% para 69,4% (vs. 48,9% da dieta atual), a contribuição relativa dos alimentos processados permaneceu estável (8,9%), enquanto a contribuição relativa dos ingredientes culinários processados e alimentos ultraprocessados diminuíram de 18,4% para 12,7% (vs. 24,3% da dieta atual) e de 17,8% para 9,1% (vs. 17,8% da dieta atual), respectivamente. Cenário semelhante foi observado na análise de acordo com a distribuição de renda (Tabela 3).

Para as dietas otimizadas, as restrições nutricionais para macronutrientes foram adequadamente aceitas no modelo de programação linear. No entanto, não foi possível encontrar uma solução viável quando as restrições para micronutrientes foram impostas ao modelo de programação linear. Os micronutrientes inviáveis foram sódio, cálcio, vitamina C e potássio. Nesse sentido, uma solução viável foi obtida após o relaxamento das restrições para esses micronutrientes a fim de melhorar o perfil nutricional das dietas otimizadas em relação à dieta atual (Tabela 3).

O custo médio da dieta atual era de R$ 3,37 por 2.000Kcal/pessoa/dia, variando de R$ 1,90 para a compra de alimentos não processados ou minimamente processados a R$ 0,20 para a compra de ingredientes culinários processados (Tabela 4). À medida que as dietas otimizadas se tornavam mais saudáveis, o custo da dieta diminuía gradativamente (de R$ 3,17 para R$ 2,91 vs. R$ 3,37 da dieta atual). Na comparação, significou uma redução de 13,65% (de R$ 3,37 para R$ 2,91) com as mudanças baseadas nas diretrizes para uma alimentação saudável (Tabela 4). De acordo com a distribuição de renda, o custo atual da dieta foi menor entre os estratos de baixa renda (R$ 2,62) em relação aos estratos de alta renda (R$ 4,17) (Tabela 4). O custo das dietas otimizadas diminuiu para ambos os níveis de renda em comparação aos custos da dieta atual, representando uma redução de 5,34% para os estratos de baixa renda (de R$ 2,51 para R$ 2,48 vs. R$ 2,62 da dieta atual) e de 8,15% para estratos de alta renda (de R$ 4,06 a R$ 3,83 vs. R$ 4,17 da dieta atual) (Tabela 4).

Tabela 4
Custo (R$ por 2.000Kcal/pessoa/dia) dos grupos de alimentos e comprometimento de renda para a dieta atual e dietas otimizadas * por modelos de programação linear, para a população total e por níveis de renda. Brasil, 2008-2009.

O comprometimento da parcela do orçamento alimentar da dieta atual foi de 11,38% para a população total, sendo maior entre os estratos de baixa renda (20,2%) em comparação com os de alta renda (7,96%) (Tabela 4). A participação no orçamento alimentar diminuiu conforme a adoção das diretrizes aumentava gradativamente nas dietas otimizadas, especialmente entre a dieta otimizada 3 e a dieta atual: -1,55 pontos percentuais (p.p.) para a população total (de 11,38% para 9,83%, redução de 13,62%), -1,10p.p. para os estratos de baixa renda (de 20,2% para 19,1%, redução de 5,45%) e -0,65p.p. para os estratos de alta renda (de 7,96% para 7,31%, redução de 8,17 %) (Tabela 4).

A contribuição relativa (%) dos subgrupos de alimentos para a disponibilidade energética total e seu custo para a dieta atual e dietas otimizadas estão apresentadas na Tabela 5, tanto para a população total quanto para distribuição de renda.

Tabela 5
Contribuição relativa (%) dos subgrupos de alimentos para a disponibilidade energética total e seu custo (R$ por 2.000Kcal/pessoa/dia) para a dieta atual e dietas otimizadas *, calculada para a população total e por níveis de renda. Brasil, 2008-2009.

Discussão

Esse é o primeiro estudo a analisar o impacto econômico do sistema de classificação de alimentos NOVA sobre o orçamento familiar brasileiro. Com base na dieta atual da população, três dietas mais saudáveis foram otimizadas por programação linear de acordo com as diretrizes alimentares brasileiras, respeitando as restrições nutricionais e a aceitabilidade. Essas dietas otimizadas envolveram um aumento gradual na contribuição de alimentos não processados ou minimamente processados, uma redução ou estabilidade de ingredientes culinários e alimentos processados e uma redução gradual de alimentos ultraprocessados. O custo atual da dieta (R$ 3,37 por 2.000Kcal/pessoa/dia) era menor nos estratos de baixa renda (R$ 2,62) do que nos de alta renda (R$ 4,17). Independentemente da distribuição de renda, o custo da dieta e a participação no orçamento alimentar diminuíram com a adoção das diretrizes.

As diretrizes alimentares brasileiras não fornecem recomendação quantitativa para o consumo de grupos de alimentos. Em vez disso, oferece uma abordagem mais holística para uma alimentação mais saudável 2020. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Guia alimentar para a população brasileira. 2ª Ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.. A grande vantagem dessa abordagem está na comunicação direta com toda a população, pois não é necessário conhecimento técnico para aplicar as diretrizes e se beneficiar delas. Com isso, os indivíduos que acessam as diretrizes provavelmente veem esse tipo de recomendação como algo mais próximo da realidade e, portanto, viável 2121. Monteiro CA, Cannon G, Moubarac J-C, Martins APB, Martins CA, Garzillo J, et al. Dietary guidelines to nourish humanity and the planet in the twenty-first century. A blueprint from Brazil. Public Health Nutr 2015; 18:2311-22.. O presente estudo é baseado nas diretrizes básicas sobre como escolher alimentos: “(i) faça dos alimentos in natura ou minimamente processados a base de sua dieta (principalmente os de origem vegetal); (ii) use óleos, gorduras, sal e açúcar em pequenas quantidades para temperar e cozinhar alimentos e para criar preparações culinárias; (iii) limitar o uso de alimentos processados, consumindo-os em pequenas quantidades como ingredientes em preparações culinárias ou como parte de refeições, à base de alimentos in natura ou minimamente processados; e (iv) evite alimentos ultraprocessados66. Monteiro CA, Cannon G, Moubarac JC, Levy RB, Louzada MLC, Jaime PC. The UN decade of nutrition: the NOVA food classification and the trouble with ultra-processing. Public Health Nutr 2017; 21:5-17. (p. 11).

No entanto, transformar essas recomendações em parâmetros numéricos é uma tarefa complexa que pode ser realizada de várias maneiras. Como as diretrizes tem uma proposta qualitativa, parâmetros nutricionais internacionais foram necessários para complementar a presente análise. Nesse sentido, a principal preocupação do presente estudo foi fornecer alternativas que reduzam gradativamente a diferença entre a dieta atual e as orientações, sendo também viáveis e aceitáveis pela população. A adoção de uma dieta baseada em vegetais pode ser difícil para muitas pessoas, uma vez que pode exigir mudanças significativas no consumo alimentar e no comportamento 2222. van Dooren C, Marinussen M, Blonk H, Aiking H, Vellinga P. Exploring dietary guidelines based on ecological and nutritional values: a comparison of six dietary patterns. Food Policy 2014; 44:36-46.. Raciocínio análogo também pode ser aplicado à considerável redução ou mesmo retirada de alimentos ultraprocessados da dieta da população. Assim, optou-se por obter os parâmetros norteadores das dietas estimadas diretamente da população brasileira, considerando fatores culturais e tradicionais, que podem afetar fortemente as escolhas alimentares 2323. Maillot M, Darmon N, Drewnowski A. Are the lowest-cost healthful food plans culturally and socially acceptable? Public Health Nutr 2010; 13:1178-85.. Para isso, os modelos de programação linear foram otimizados para atender às restrições de aceitabilidade, limitadas entre o 10º e o 90º percentis da distribuição calórica per capita de cada alimento na população total e por níveis de distribuição de renda per capita (tercis). Além disso, os níveis de limite de contribuição de alimentos não processados ou minimamente processados e diminuição de alimentos ultraprocessados basearam-se nos níveis de consumo desses grupos já comprovados como viáveis, considerando que já são adotados por cerca de um em cada cinco indivíduos no país. Vale ressaltar que estudos que investigaram dados de consumo alimentar efetivo (baseados em recordatório alimentar de 24 horas ou registro alimentar) sugeriram que limites ainda mais agressivos para a contribuição de alimentos ultraprocessados na dieta poderiam ser viáveis (cerca de 2%) 2424. Louzada MLC, Martins APB, Canella DS, Baraldi LG, Levy RB, Claro RM, et al. Ultra-processed foods and the nutritional dietary profile in Brazil. Rev Saúde Pública 2015; 49:38.. No entanto, optamos pela abordagem conservadora neste sentido, pois estamos modelando diferentes tipos de dados (compras de alimentos para consumo doméstico por sete dias). De qualquer forma, modelos com níveis de limites mais agressivos foram estimados e reforçaram nossos resultados (dados não mostrados).

A impossibilidade de encontrar uma solução viável quando as restrições para micronutrientes foram impostas significa que mudanças mais agressivas do que a permitida aqui seriam necessárias para satisfazer essas restrições. Porém, ao trabalharmos com parâmetros de diretrizes dietéticas estimados diretamente da população brasileira, nossos resultados identificaram uma possível melhora no perfil nutricional. Além disso, as recomendações internacionais têm sido atendidas ao máximo, uma vez que as diretrezes não fornecem recomendação quantitativa de nutrientes (macro ou micro).

A relação entre o custo da dieta e a adoção de dietas saudáveis tem sido intensamente estudada em todo o mundo 88. Okubo H, Murakami K, Sasaki S. Monetary value of self-reported diets and associations with sociodemographic characteristics and dietary intake among Japanese adults: analysis of nationally representative surveys. Public Health Nutr 2016; 19:3306-18.,99. Maillot M, Vieux F, Delaere F, Lluch A, Darmon N. Dietary changes needed to reach nutritional adequacy without increasing diet cost according to income: an analysis among French adults. PLoS One 2017; 12:e0174679.. Em uma amostra nacionalmente representativa de adultos franceses (20-79 anos), o custo da dieta aumentou para a maioria dos indivíduos após atingir a adequação nutricional, e dietas menos adequadas foram associadas a indivíduos de baixa renda 99. Maillot M, Vieux F, Delaere F, Lluch A, Darmon N. Dietary changes needed to reach nutritional adequacy without increasing diet cost according to income: an analysis among French adults. PLoS One 2017; 12:e0174679.. Uma amostra representativa de japoneses adultos (20 anos ou mais) também mostrou que o custo da dieta estava inversamente associado à densidade energética da dieta. O menor custo da dieta foi associado ao menor consumo de vegetais, frutas, peixes, carnes e laticínios e maior consumo de grãos, ovos, gorduras e óleos 88. Okubo H, Murakami K, Sasaki S. Monetary value of self-reported diets and associations with sociodemographic characteristics and dietary intake among Japanese adults: analysis of nationally representative surveys. Public Health Nutr 2016; 19:3306-18.. Ao contrário de países desenvolvidos, onde dietas saudáveis são consideravelmente mais caras do que dietas não saudáveis, nossos resultados mostraram que as diretrizes alimentares brasileiras podem ser adotadas sem prejudicar o custo total da dieta. Embora este seja o primeiro estudo a analisar o impacto econômico nas famílias relacionado à adoção das diretrizes alimentares brasileiras mais recentes, evidências sugerindo que as dietas tradicionais brasileiras à base de arroz e feijão podem ajudar a atingir essas recomendações sem aumentar os custos estão disponíveis há alguns anos 1010. Claro RM, Maia EG, Costa BVL, Diniz DP. Preço dos alimentos no Brasil: prefira preparações culinárias a alimentos ultraprocessados. Cad Saúde Pública 2016; 32:e00104715.. Os dados do presente estudo complementam essas informações, mostrando que quanto maior o consumo de alimentos não processados ou minimamente processados (com exceção dos alimentos de origem animal) com a redução do consumo de alimentos ultraprocessados, menor o custo da dieta para a população e com melhor composição nutricional da dieta.

A relação inversa entre a renda e a participação no orçamento alimentar é conhecida há mais de um século 2525. Houthakker HS. An international comparison of household expenditure patterns, commemorating the centenary of Engel's Law. Econometrica 1957; 25:532-51. e foi demonstrada em países de baixa, média e alta renda. Nossos resultados também reforçam essa relação, pois a população do primeiro tercil de distribuição da renda per capita compromete seu orçamento mais de duas vezes em relação ao terceiro tercil (20,2% vs. 7,96%, respectivamente). Esse cenário favorece a exposição da população de baixa renda a práticas alimentares pouco saudáveis, que somadas ao acesso limitado aos serviços de saúde, resultam em um aumento desproporcional da carga de obesidade e DCNT associadas nessa população 2626. Allen L, Williams J, Townsend N, Mikkelsen B, Roberts N, Foster C, et al. Socioeconomic status and non-communicable disease behavioural risk factors in low-income and lower-middle-income countries: a systematic review. Lancet Glob Health 2017; 5:e277-89.,2727. World Health Organization. Noncommunicable diseases. http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs355/en/ (accessed on 12/Nov/2019).
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. De acordo com o presente estudo, a incorporação das diretrizes alimentares à dieta atual beneficiaria mais estratos da população de baixa renda (a parcela do orçamento alimentar diminuiu 1,10 p.p.) do que os estratos da população de alta renda (a parcela do orçamento alimentar diminuiu 0,65 p.p.). Dessa forma, a viabilização da adoção das diretrizes surge como uma importante ferramenta para melhorar a alimentação sem aumentar o custo e contribuir para a redução dessas iniquidades na saúde.

Embora nossos resultados demonstrem a viabilidade das diretrizes alimentares brasileiras, isso está condicionado a outros fatores ambientais, como disponibilidade, acessibilidade de lojas de alimentos no varejo, rapidez no consumo de refeições sem cozimento, propaganda agressiva e marketing de marcas e outros 2828. Duran AC, Almeida SL, Latorre MR, Jaime PC. The role of the local retail food environment in fruit, vegetable and sugar-sweetened beverage consumption in Brazil. Public Health Nutr 2016; 19:1093-102.,2929. Black C, Moon G, Baird J. Dietary inequalities: what is the evidence for the effect of the neighbourhood food environment? Health Place 2014; 27:229-42.. Mudanças no cenário de preços apresentadas neste trabalho também podem inviabilizar as diretrizes. A OMS tem incentivado ações para alterar os preços dos alimentos a fim de melhorar a alimentação da população 33. World Health Organization. Fiscal policies for diet and prevention of noncommunicable diseases. Geneva: World Health Organization; 2019.. Três estratégias comuns de preços podem ser adotadas pelos governos: (i) isenção de impostos de bens selecionados; (ii) impostos sobre alimentos específicos; e (iii) subsídios ou sistemas de vouchers direcionados a grupos de alto risco 3030. Lee A, Mhurchu CN, Sacks G, Swinburn B, Snowdon W, Vandevijvere S. Monitoring the price and affordability of foods and diets globally. Obes Rev 2013; 14:82-95.,3131. Niebylski ML, Redburn KA, Duhaney T, Campbell NR. Healthy food subsidies and unhealthy food taxation: a systematic review of the evidence. Nutrition 2015; 31:787-95.. Nos últimos anos, a estratégia mais praticada tem sido o imposto sobre bebidas açucaradas, por se tratar de uma categoria de produtos facilmente definida, com alta densidade energética e nutrientes, mas com substitutos mais saudáveis 3232. World Health Organization. Taxes on sugary drinks: why do it? Geneva: World Health Organization; 2017.,3333. Nakamura R, Mirelman AJ, Cuadrado C, Silva-Illanes N, Dunstan J, Suhrcke M, et al. Evaluating the 2014 sugar-sweetened beverage tax in Chile: an observational study in urban areas. PLoS Med 2018; 15:e1002596.. No entanto, o Brasil está indo na direção oposta, muitas vezes subsidiando a produção de alimentos ultraprocessados com generosos incentivos fiscais 3434. Associação dos Fabricantes de Refrigerantes do Brasil. Por trás do rótulo: créditos de IPI quebram o setor de bebidas. https://afrebras.org.br/conteudos/ (accessed on 15/Mar/2019).
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,3535. Zocchio J. Após taxação, pesquisa mostra queda no consumo de bebidas adoçadas no México. O Joio e o Trigo 2019; 15 jan. https://ojoioeotrigo.com.br/2019/01/apos-taxacao-pesquisa-mostra-queda-no-consumo-de-bebidas-adocadas-no-mexico/.
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. Por exemplo, desde 1990, isenções fiscais foram concedidas pelo governo brasileiro à grande indústria de refrigerantes, totalizando uma isenção de cerca de US$ 2,0 bilhões de impostos em pouco menos de três décadas 3535. Zocchio J. Após taxação, pesquisa mostra queda no consumo de bebidas adoçadas no México. O Joio e o Trigo 2019; 15 jan. https://ojoioeotrigo.com.br/2019/01/apos-taxacao-pesquisa-mostra-queda-no-consumo-de-bebidas-adocadas-no-mexico/.
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,3636. Peres J. Toma essa: os bilhões que damos todos os anos à indústria de refrigerantes. O Joio e o Trigo 2017; 30 oct. https://ojoioeotrigo.com.br/2017/10/toma-essa-os-bilhoes-que-damos-todos-os-anos-industria-de-refrigerantes/.
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. Diversos projetos de lei que visam corrigir esse quadro estão em discussão no Congresso Nacional (como o Projeto de Lei nº 8.541/20173737. Teixeira P. Projeto de Lei nº 8.541/2017. Aumento da tributação para bebidas açucaradas não é consenso em comissão. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2150996 (accessed on 15/Mar/2019).
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), mas com forte oposição das grandes indústrias de alimentos e refrigerantes, que muitas vezes financiam grupos de legisladores federais 3838. Peres J. Presidente do PSDB usou o cargo para tratar de atividade como investidor da Coca. O Joio e o Trigo 2017; 27 oct. https://ojoioeotrigo.com.br/2017/10/presidente-do-psdb-usou-o-cargo-para-tratar-de-atividade-como-investidor-da-coca/.
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.

Algumas limitações do estudo devem ser citadas. Em primeiro lugar, embora as diretrizes brasileiras não forneçam recomendação quantitativa para macro e micronutrientes, essas recomendações internacionais foram utilizadas para garantir a variedade de alimentos nas dietas otimizadas. De acordo com as diretrizes, variedades dentro de um mesmo grupo alimentar implicam não apenas na diversidade de sabores, aromas, cores e texturas dos alimentos e no fornecimento de nutrientes, mas também são indispensáveis para acomodar preferências regionais e pessoais 2020. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Guia alimentar para a população brasileira. 2ª Ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.. Em segundo lugar, apenas alimentos e bebidas adquiridos para consumo doméstico foram analisados, já que os dados de consumo de alimentos fora de casa não estavam disponíveis com informações suficientes (a maioria dos registros envolvia itens agregados - como “refeição fast food” ou “buffet de café da manhã” - sem detalhes específicos sobre pesos ou os alimentos específicos incluídos). No entanto, em 2008-2009, o consumo alimentar domiciliar respondia por cerca de 70% do consumo total de alimentos 1414. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009: aquisição alimentar domiciliar per capita. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010. e cerca de 84% das calorias consumidas entre os brasileiros 3939. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009: análise do consumo alimentar pessoal no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2011.. Portanto, acredita-se que tal fração tenha sido suficiente para fornecer informações com boa validade. Por último, os níveis de renda foram definidos de acordo com os níveis de renda per capita. Essa abordagem tem a vantagem de sua simplicidade e ampla utilização em estudos semelhantes, mas evita considerar diferenças na composição demográfica dos estratos.

Os resultados mostraram que a população brasileira pode atender às diretrrizes com a melhoria da qualidade da dieta e um menor custo da dieta. Independentemente da renda familiar, o custo da dieta diminuiu com a adoção das diretrizes. Embora pequenas mudanças nos preços dos alimentos não tendam a invalidar nossas conclusões, variações mais agudas (especialmente nos preços relativos) podem fazê-lo. Assim, a vigilância dos preços dos alimentos e políticas capazes de preservar as vantagens econômicas relacionadas às práticas alimentares saudáveis são necessárias para garantir a atual viabilização das diretrizes para os próximos anos. A vigilância dos preços dos alimentos (de alimentos saudáveis e não saudáveis) é necessária não apenas para orientar as ações públicas futuras, mas também para indicar à população formas mais acessíveis de se engajar em práticas alimentares saudáveis.

Agradecimentos

Este trabalho foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq; número das bolsas 309293/2016-2 e 407331/2016-6), Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG; números das bolsas APQ-02329-15 - 01/2015 e PPM-00325-17 - 02/2017), Centro de Pesquisa para o Desenvolvimento Internacional do Canadá (IDRC; número de identificação do projeto - 108166) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES; código de financiamento 001). As agências de financiamento não tiveram nenhum papel na concepção, análise ou redação deste artigo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    02 Maio 2020
  • Revisado
    18 Jan 2021
  • Aceito
    01 Fev 2021
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br