Os autores respondem

Los autores respondem

Sandra Maria Chaves dos Santos Flávia Pascoal Ramos Maria Angélica Tavares de Medeiros Mayline Menezes da Mata Francisco de Assis Guedes de Vasconcelos Sobre os autores

Agradecemos a colaboração dos comentaristas para a qualificação da análise histórica da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN). Em alguns comentários, agregaram-se informações sobre diretrizes que não foram suficientemente desdobradas, considerando o objetivo e os limites do número de palavras do artigo de debate. Em outros, foram desenvolvidos temas independentes do conteúdo abordado. No geral, todos confluíram para o reconhecimento do papel da PNAN de 1999 até hoje, apontando desafios.

Carvalho 11. Carvalho MFCC. Avanços e desafios da formação e qualificação dos profissionais e gestores do Sistema Único de Saúde em alimentação e nutrição. Cad Saúde Pública 2021; 37 Suppl 1:e00035321., experiente na gestão federal, alertou para o papel estratégico de ações e programas de qualificação de profissionais e gestores envolvidos com a política, nas distintas esferas administrativas (diretriz 6). Destacou que a avaliação de capacidades técnica, administrativa e política diferenciadas, entre profissionais atuantes nessas esferas, se configura como desafio para a capacitação gerencial. Tal questão foi referenciada no artigo de debate, associada à frágil institucionalização da área nas esferas estadual e municipal, ainda que nem todos os resultados tenham sido apresentados no referido artigo 22. Reis CS. Avaliação da utilização do repasse fundo a fundo para estruturação e implementação das ações de alimentação e nutrição [Dissertação de Mestrado]. Brasília: Universidade de Brasília; 2015.,33. Souza LMS, Santos SMC. Política Nacional de Alimentação e Nutrição: avaliação da implantação de programas em municípios baianos. Demetra (Rio J.) 2017; 12:137-55.. O trabalho dos Centros Colaboradores em Alimentação e Nutrição (CECAN) foi valorizado pela comentadora. Esses aspectos inscrevem pontos para uma agenda de estudos, além de fomentar debate sobre a necessária institucionalização da área em todas as esferas governamentais.

Fagundes et al. 44. Fagundes AA, Damião JJ, Ribeiro RCL. Reflexões sobre os processos de descentralização da Política Nacional de Alimentação e Nutrição nos seus 20 anos. Cad Saúde Pública 2021; 37 Suppl 1:e00038421., sem mencionar diretriz específica, sinalizaram para os desafios da descentralização, incidentes sobre a implementação da PNAN. Mencionaram óbices relativos à gestão da política nos planos estadual e municipal, destacando a premência de avanços na implementação de políticas vocacionadas às necessidades e prioridades locais. As autoras salientaram problemas com a fragilidade institucional e os retrocessos, marcadamente na forma do financiamento do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB). Destacamos a adequada análise de Massuda 55. Massuda A. Mudanças no financiamento da atenção primária à saúde no sistema de saúde brasileiro: avanço ou retrocesso? Ciênc Saúde Colet 2020; 25:1181-8. para embasar os escritos das comentaristas. Decerto, inclusive em consonância com o Sistema Único de Saúde (SUS), descentralizar a capacidade de governança é pertinente para consolidar a PNAN. Particularmente, a temática da institucionalização se constitui uma agenda política estratégica.

Em seu comentário, Mendes et al. 66. Mendes LL, Cardoso LO, Menezes MC, Pessoa MC. A incorporação dos ambientes alimentares na Política Nacional de Alimentação e Nutrição: uma abordagem de possibilidades, avanços e desafios. Cad Saúde Pública 2021; 37 Suppl 1:e00038621. dialogaram com o artigo de debate, atentando para a lacuna de abordagem sobre a questão do ambiente alimentar. Fundamentadas em literatura consistente, as autoras localizaram, em diferentes diretrizes das duas PNAN, elementos conceituais que se aglutinam com a concepção acadêmica de ambiente alimentar. Reconheceram a incipiência da discussão sobre o tema no Brasil, à época da elaboração da PNAN, mas, ao sublinharem aproximações com aspectos dos ambientes e dos sistemas alimentares, assinalaram o potencial dela na provocação da intersetorialidade. Entendemos que isso se dá, sobretudo, após o reconhecimento da sindemia global da desnutrição, obesidade e mudanças climáticas 77. Swinburn BA, Kraak VI, Allender S, Atkins VJ, Baker PI, Bogard JR, et al. The global syndemic of obesity, undernutrition, and climate change: The Lancet Commission report. Lancet 2019; 393:791-846..

Batista Filho 88. Batista Filho M. Análise da Política de Alimentação e Nutrição no Brasil: 20 anos de história. Cad Saúde Pública 2021; 37 Suppl 1:e00038721. iniciou seu comentário com uma relevante provocação acadêmica sobre a pertinência do uso da abordagem do ciclo da política pública como instrumento metodológico de análise desta política. De fato, o complexo campo da análise de políticas públicas depara-se com a circulação de distintas teorias, muitas vezes conflitantes e, em outras, complementares e concordantes. Na sequência, com sua expertise acadêmica e longa vivência no campo, alertou sobre a importância do resgate dos marcos que antecederam e propiciaram o acúmulo de conhecimento científico que gerou o processo de construção histórico-social da PNAN e sua implementação nos últimos 20 anos. No mesmo texto, sobressaiu a contextualização acerca dos retrocessos políticos e sociais que anunciam o retorno da desnutrição crônica, associado ao problema do sobrepeso e da obesidade, comprometendo o alcance dos objetivos da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), especialmente quanto à eliminação da pobreza. Ao considerar também os efeitos da pandemia do coronavírus em tal cenário, o autor delimitou enormes desafios para a PNAN.

Ferreira 99. Ferreira RA. Interfaces entre a vigilância sanitária de alimentos e a Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Cad Saúde Pública 2021; 37 Suppl 1:e00038921. somou aspectos relativos à intersetorialidade e à multidisciplinaridade dos campos da vigilância sanitária de alimentos e da PNAN. Ao tematizar a dissonância intrassetorial e intersetorial na gestão pública federal, exemplificando com o embate em torno do Guia Alimentar para a População Brasileira, enfatizou tensões que incidem sobre a implementação de políticas que contrariam interesses privatistas. A autora jogou luz sobre o papel da sociedade civil em defesa do Guia. Concordamos que esse cenário de conflito de interesses na regulação da alimentação saudável pode abrir uma expressiva agenda para consolidar a PNAN, incluindo pesquisa e formação/capacitação.

Campos & Fonseca 1010. Campos DS, Fonseca PC. A vigilância alimentar e nutricional em 20 anos da Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Cad Saúde Pública 2021; 37 Suppl 1:e00045821. abordaram o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) e seu uso no cuidado nutricional. Identificam avanços da vigilância alimentar e nutricional brasileira, avaliando que as informações geradas carecem de integração plena ao sistema de planejamento e gestão. Por outro lado, Batista Filho 88. Batista Filho M. Análise da Política de Alimentação e Nutrição no Brasil: 20 anos de história. Cad Saúde Pública 2021; 37 Suppl 1:e00038721., em seu comentário, comemorou o avanço do SISVAN como instrumento de trabalho, sem desconhecer, a exemplo das autoras do comentário e dos autores do artigo original, a necessidade de aperfeiçoamento do SISVAN e da vigilância alimentar e nutricional, sobretudo pela qualificação de profissionais e gestores. Compactuamos com as autoras sobre a oportunidade de considerar a ampliação de estratégias de divulgação dos dados gerados no sistema, via boletins e outros meios de informação, podendo mobilizar ações intersetoriais.

Alves et al. 1111. Alves KPS, Santos CCS, Lignani JB, Albuquerque RM. Entre intenções e contingências, antigos programas e demandas por novas práticas de atenção nutricional no Sistema Único de Saúde. Cad Saúde Pública 2021; 37 Suppl 1:e00050221., considerando que nos valemos “do olhar sobre as produções da área técnica gestora”, alegaram a existência de aspectos pouco explorados no artigo de debate. Tomamos os relatórios de gestão como relevantes fontes de dados, acrescidos de extensa pesquisa em literatura científica. Consequentemente, constatamos que a comunidade científica precisa estudar os processos e os resultados da formulação e da implementação da PNAN. As autoras avaliaram a carência de análises mais aprofundadas sobre os diversos contextos que favoreceram ou obstaculizaram as realizações da Coordenação-Geral da Política de Alimentação e Nutrição/Coordenação-Geral de Alimentação e Nutrição (CGPAN/CGAN). Como apontamos no artigo comentado pelas autoras, desde a sua emergência, sob a égide do Estado Mínimo, a PNAN se fez como produto da correlação de forças sociais e de múltiplos interesses presentes na conjuntura. Podemos reconhecer que tais disputas, agravadas na atualidade, tensionam as políticas sociais nacionais.

Amparo-Santos & Diez-Garcia 1212. Amparo-Santos L, Diez-Garcia RW. Tessituras entre a Política Nacional de Alimentação e Nutrição e a educação alimentar e nutricional. Cad Saúde Pública 2021; 37 Suppl 1:e00077621. dialogam com o artigo ao abordarem a estreita relação entre PNAN e educação alimentar e nutricional, tendo como eixo analítico o Marco de Referência de Educação Alimentar e Nutricional para Políticas Públicas1313. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Marco de referência de educação alimentar e nutricional para as políticas públicas. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; 2012.. Julgamos apropriado afirmar que o Marco de Referência oxigena a PNAN, pois reafirma fundamentos das ações de promoção da alimentação adequada e saudável, como a autonomia, o autocuidado e a sustentabilidade nas relações. Compactuamos com as autoras a compreensão segundo a qual a PNAN e educação alimentar e nutricional potencializam a busca constante de articulação entre SUS, Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) e Sistema Único de Assistência Social.

Neste momento do debate, urge refletir sobre as tortuosas trilhas vivenciadas pela sociedade brasileira desde 2016, com o desmonte das políticas de proteção social que afetam, entre outras, a PNAN. A política econômica de natureza neoliberal com adoção de medidas como a Emenda Constitucional nº 95, a reforma trabalhista, a privatização de estatais, aliadas aos impactos provocados pela pandemia de COVID-19, aumentaram o desemprego, provocaram redução e/ou congelamento de salários, o retorno do processo inflacionário, a ampliação da miséria e das desigualdades sociais e a recidiva da fome no país 1414. Neves JA, Machado ML, Oliveira LDA, Moreno YMF, Medeiros MAT, Vasconcelos FAG. Unemployment, poverty, and hunger in Brazil in COVID-19 pandemic times. Rev Nutr 2021; 34:e200170.,1515. Ribeiro-Silva RC, Santos MP, Campello T, Aragão E, Guimarães JMM, Ferreira A, et al. Implicações da pandemia COVID-19 para a segurança alimentar e nutricional no Brasil. Ciênc Saúde Colet 2020; 25:3421-30.. Nesse cenário, situa-se também o constrangimento político à organização e mobilização da sociedade civil, simbolizado pelo fechamento do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) e, por conseguinte, pela não convocação da VI Conferência Nacional da área 1515. Ribeiro-Silva RC, Santos MP, Campello T, Aragão E, Guimarães JMM, Ferreira A, et al. Implicações da pandemia COVID-19 para a segurança alimentar e nutricional no Brasil. Ciênc Saúde Colet 2020; 25:3421-30..

Assim, no conjunto, artigo e comentários conformam agendas de interesse para a institucionalização da gestão da política nas esferas de governo, e pela inclusão de temas que se configuram fronteiras importantes à ação da PNAN.

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    Carvalho MFCC. Avanços e desafios da formação e qualificação dos profissionais e gestores do Sistema Único de Saúde em alimentação e nutrição. Cad Saúde Pública 2021; 37 Suppl 1:e00035321.
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    Reis CS. Avaliação da utilização do repasse fundo a fundo para estruturação e implementação das ações de alimentação e nutrição [Dissertação de Mestrado]. Brasília: Universidade de Brasília; 2015.
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    Souza LMS, Santos SMC. Política Nacional de Alimentação e Nutrição: avaliação da implantação de programas em municípios baianos. Demetra (Rio J.) 2017; 12:137-55.
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    Fagundes AA, Damião JJ, Ribeiro RCL. Reflexões sobre os processos de descentralização da Política Nacional de Alimentação e Nutrição nos seus 20 anos. Cad Saúde Pública 2021; 37 Suppl 1:e00038421.
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    Massuda A. Mudanças no financiamento da atenção primária à saúde no sistema de saúde brasileiro: avanço ou retrocesso? Ciênc Saúde Colet 2020; 25:1181-8.
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    Mendes LL, Cardoso LO, Menezes MC, Pessoa MC. A incorporação dos ambientes alimentares na Política Nacional de Alimentação e Nutrição: uma abordagem de possibilidades, avanços e desafios. Cad Saúde Pública 2021; 37 Suppl 1:e00038621.
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    Swinburn BA, Kraak VI, Allender S, Atkins VJ, Baker PI, Bogard JR, et al. The global syndemic of obesity, undernutrition, and climate change: The Lancet Commission report. Lancet 2019; 393:791-846.
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    Batista Filho M. Análise da Política de Alimentação e Nutrição no Brasil: 20 anos de história. Cad Saúde Pública 2021; 37 Suppl 1:e00038721.
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    Ferreira RA. Interfaces entre a vigilância sanitária de alimentos e a Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Cad Saúde Pública 2021; 37 Suppl 1:e00038921.
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    Campos DS, Fonseca PC. A vigilância alimentar e nutricional em 20 anos da Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Cad Saúde Pública 2021; 37 Suppl 1:e00045821.
  • 11
    Alves KPS, Santos CCS, Lignani JB, Albuquerque RM. Entre intenções e contingências, antigos programas e demandas por novas práticas de atenção nutricional no Sistema Único de Saúde. Cad Saúde Pública 2021; 37 Suppl 1:e00050221.
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    Amparo-Santos L, Diez-Garcia RW. Tessituras entre a Política Nacional de Alimentação e Nutrição e a educação alimentar e nutricional. Cad Saúde Pública 2021; 37 Suppl 1:e00077621.
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    Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Marco de referência de educação alimentar e nutricional para as políticas públicas. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; 2012.
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    Neves JA, Machado ML, Oliveira LDA, Moreno YMF, Medeiros MAT, Vasconcelos FAG. Unemployment, poverty, and hunger in Brazil in COVID-19 pandemic times. Rev Nutr 2021; 34:e200170.
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    Ribeiro-Silva RC, Santos MP, Campello T, Aragão E, Guimarães JMM, Ferreira A, et al. Implicações da pandemia COVID-19 para a segurança alimentar e nutricional no Brasil. Ciênc Saúde Colet 2020; 25:3421-30.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    13 Jul 2021
  • Aceito
    16 Jul 2021
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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