Variações das taxas de cesariana e cesariana recorrente no Brasil segundo idade gestacional ao nascer e tipo de hospital

Variaciones en las tasas de cesárea y de cesárea recurrente en Brasil según la edad gestacional al nacer y el tipo de hospital

Barbara Almeida Soares Dias Maria do Carmo Leal Ana Paula Esteves-Pereira Marcos Nakamura-Pereira Sobre os autores

Resumos

O objetivo deste estudo foi descrever as taxas de cesariana e cesariana recorrente no Brasil segundo a idade gestacional (IG) ao nascer e o tipo de hospital. Trata-se de um estudo ecológico, utilizando dados do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos e do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde de 2017. As taxas de cesariana geral e recorrente foram calculadas e analisadas de acordo com a IG, região de residência e tipo de hospital. Foram realizadas correlações de Spearman entre as taxas de cesariana e cesariana recorrente por subgrupos de IG ao nascer (≤ 33, 34-36, 37-38, 39-41 e ≥ 42 semanas), analisadas segundo o tipo de hospital. Verificaram-se taxas de cesariana geral e recorrente de 55,1% e 85,3%, respectivamente. Mais de 60% dos recém-nascidos entre 37-38 semanas ocorreram via cesariana. Os hospitais privados de todas as regiões concentraram as maiores taxas de cesariana, sobretudo os do Centro-oeste, com mais de 80% em todas as IG. A taxa geral de cesariana foi altamente correlacionada com todas as taxas de cesariana dos subgrupos de IG (r > 0,7, p < 0,01). Quanto à cesariana recorrente, verificou-se forte correlação com as taxas de 37-38 e 39-41 semanas no hospital público/misto, diferindo do hospital privado, que apresentou correlações moderadas. Isso indica que a decisão pela cesariana não é pautada em fatores clínicos, o que pode causar danos desnecessários à saúde da mulher e do bebê. Conclui-se que mudanças no modelo de atenção ao parto, fortalecimento de políticas públicas e maior incentivo do parto vaginal após cesárea em gestações subsequentes são estratégias importantes para a redução das cesarianas no Brasil.

Palavras-chave:
Cesárea; Nascimento Vaginal Após Cesárea; Saúde Materno-Infantil; Sistemas de Saúde


El objetivo de este estudio fue describir las tasas de cesárea y de cesárea recurrente en Brasil según la edad gestacional (EG) al nacer y el tipo de hospital. Estudio ecológico a partir de los datos del Sistema de Información de Nacidos Vivos y del Registro Nacional de Establecimientos de Salud 2017. Se calcularon y analizaron las tasas de cesárea general y recurrente según EG, región de residencia y tipo de hospital. Se aplicaron las correlaciones de Spearman entre las tasas de cesárea y de cesárea recurrente por subgrupos de EG al nacer (≤ 33, 34-36, 37-38, 39-41 y ≥ 42 semanas) y se analizaron según el tipo de hospital. Las tasas de cesárea general y recurrente fueron del 55,1% y 85,3%, respectivamente. Más del 60% de los recién nacidos entre 37-38 semanas nacieron por cesárea. Los hospitales privados de todas las regiones concentraron las tasas más altas de cesáreas, especialmente los del Centro-Oeste, con más del 80% en todas las EG. En general, la tasa general de cesáreas estuvo altamente correlacionada con todas las tasas de cesáreas de los subgrupos de EG (r > 0,7, p < 0,01). En cuanto a la cesárea recurrente, se encontró que la tasa general se correlacionó fuertemente con las tasas de 37-38 y 39-41 semanas en el hospital público/mixto, a diferencia del hospital privado que mostró correlaciones moderadas. Esto indica que la decisión de hacer la cesárea no se basa en factores clínicos, lo que puede causar daños innecesarios a la salud de la mujer y del bebé. Por lo tanto, los cambios en el modelo de asistencia al parto, el fortalecimiento de las políticas públicas y una mayor promoción del parto vaginal en los embarazos posteriores de la cesárea se encuentran entre las estrategias importantes para reducir esta práctica en Brasil.

Palabras-clave:
Cesárea; Parto Vaginal Después de Cesárea; Salud Materno-Infantil; Sistemas de Salud


Introdução

Nas últimas décadas, as taxas de cesariana aumentaram substancialmente em todas as regiões do mundo, representando 21,1% de todos os nascidos vivos. Esse aumento foi motivado, principalmente, pelo aumento de cesarianas desnecessárias em diversos países de média e alta renda 11. Boerma T, Ronsmans C, Melesse DY, Barros AJD, Barros FC, Juan L, et al. Global epidemiology of use of and disparities in caesarean sections. Lancet 2018; 392:1341-8.. Entretanto, estudos recentes mostraram estabilização ou redução nas frequências de cesarianas nos Estados Unidos 22. Martin JA, Hamilton BE, Osterman MJK. Births in the United States. https://www.cdc.gov/nchs/data/databriefs/db318.pdf (acessado em Jan/2021).
https://www.cdc.gov/nchs/data/databriefs...
,33. Osterman MJK, Martin JA. Trends in low-risk cesarean delivery in the United States, 1990-2013. Natl Vital Stat Rep 2014; 63:1-16., China 44. Liang J, Mu Y, Li X, Tang W, Wang Y, Liu Z, et al. Relaxation of the one child policy and trends in caesarean section rates and birth outcomes in China between 2012 and 2016: observational study of nearly seven million health facility births. BMJ 2018; 360:k817. e alguns países da Europa Ocidental 55. World Health Organization. WHO European health information at your fingertips. https://gateway.euro.who.int/en/indicators/hfa_596-7060-caesarean-sections-per-1000-live-births/ (acessado em Jan/2021).
https://gateway.euro.who.int/en/indicato...
, enquanto países da América Latina concentram as maiores frequências de cesariana, com 44,3% dos nascimentos 11. Boerma T, Ronsmans C, Melesse DY, Barros AJD, Barros FC, Juan L, et al. Global epidemiology of use of and disparities in caesarean sections. Lancet 2018; 392:1341-8..

Dentre os países da América Latina, o Brasil se destaca com a segunda maior taxa de cesariana do mundo 11. Boerma T, Ronsmans C, Melesse DY, Barros AJD, Barros FC, Juan L, et al. Global epidemiology of use of and disparities in caesarean sections. Lancet 2018; 392:1341-8., alcançando 56,3% de todos os nascimentos em 2019 66. Departamento de Informática do SUS. Nascidos vivos. http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinasc/cnv/nvuf.def (acessado em 02/Mar/2021).
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftoht...
. Além disso, é possível observar grande desigualdade na distribuição das taxas de cesariana no país, sendo maiores em regiões mais desenvolvidas, em mulheres com idade maior ou igual a 35 anos, de cor da pele branca e com maior nível de escolaridade 77. Barros AJD, Santos IS, Matijasevich A, Domingues MR, Silveira M, Barros FC, et al. Patterns of deliveries in a Brazilian birth cohort: almost universal cesarean sections for the better-off. Rev Saúde Pública 2011; 45:6350-43.,88. Nakamura-Pereira M, do Carmo Leal M, Esteves-Pereira AP, Domingues RMSM, Torres JA, Dias MAB, et al. Use of Robson classification to assess cesarean section rate in Brazil: the role of source of payment for childbirth. Reprod Health 2016; 13 Suppl 3:128.,99. Rebelo F, Rocha CMM, Cortes TR, Dutra CL, Kac G. High cesarean prevalence in a national population-based study in Brazil: the role of private practice. Acta Obstet Gynecol Scand 2010; 89:903-8.. As taxas também se distribuem diferentemente de acordo com as instituições hospitalares existentes (hospitais públicos, financiados pelo Governo Federal; hospitais mistos, financiados tanto pelo setor público quanto pelo setor privado; e hospitais privados), sendo mais prevalentes nos hospitais privados, que possuem maiores prevalências de nascimentos de pré-termos tardios (34-36 semanas) e termos precoces (37-38 semanas), em comparação aos hospitais públicos 1010. Diniz CSG, Miranda MJ, Reis-Queiroz J, Queiroz MR, Salgado HDO. Why do women in the private sector have shorter pregnancies in Brazil? Left shift of gestational age, caesarean section and inversion of the expected disparity. J Hum Growth 2016; 26:33.,1111. Zaiden L, Nakamura-Pereira M, Gomes MAM, Esteves-Pereira AP, Leal MC. Influência das características hospitalares na realização de cesárea eletiva na Região Sudeste do Brasil. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00218218..

A cesariana pode salvar a mãe e o feto quando clinicamente indicada. No entanto, taxas de cesariana superiores a 10% não estão associadas a uma redução nas taxas de morbimortalidade materna e neonatal 1212. World Health Organization. Declaração da OMS sobre taxas de cesáreas. https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/161442/WHO_RHR_15.02_por.pdf;jsessionid=4F592D992C2D8E5A1DB94652F599EFBE?sequence=3 (acessado em Jan/2022).
https://apps.who.int/iris/bitstream/hand...
. Pelo contrário: evidências científicas mostram que altas taxas de cesariana estão associadas a piores desfechos neonatais 1313. Blue N, Van Winden K, Pathak B, Barton L, Opper N, Lane C, et al. Neonatal outcomes by mode of delivery in preterm birth. Am J Perinatol 2015; 32:1292-7.,1414. Feldman K, Woolcott C, O'Connell C, Jangaard K. Neonatal outcomes in spontaneous versus obstetrically indicated late preterm births in a nova scotia population. J Obstet Gynaecol Can 2012; 34:1158-66. e maternos 1515. Esteves-Pereira AP, Deneux-Tharaux C, Nakamura-Pereira M, Saucedo M, Bouvier-Colle M-H, Leal MC. Caesarean delivery and postpartum maternal mortality: a population-based case control study in Brazil. PLoS One 2016; 11:e0153396.,1616. Souza J, Gülmezoglu A, Lumbiganon P, Laopaiboon M, Carroli G, Fawole B, et al. Caesarean section without medical indications is associated with an increased risk of adverse short-term maternal outcomes: the 2004-2008 WHO Global Survey on Maternal and Perinatal Health. BMC Med 2010; 8:71., maiores chances de nascimentos pré-termos e termos precoces 1717. Barros FC, Rabello Neto DL, Villar J, Kennedy SH, Silveira MF, Diaz-Rossello JL, et al. Caesarean sections and the prevalence of preterm and early-term births in Brazil: secondary analyses of national birth registration. BMJ Open 2018; 8:e021538.,1818. Leal MC, Esteves-Pereira AP, Nakamura-Pereira M, Domingues RMSM, Dias MAB, Moreira ME, et al. Burden of early-term birth on adverse infant outcomes: a population-based cohort study in Brazil. BMJ Open 2017; 7:e017789. e cesarianas recorrentes 1919. Vogel JP, Betrán AP, Vindevoghel N, Souza JP, Torloni MR, Zhang J, et al. Use of the Robson classification to assess caesarean section trends in 21 countries: a secondary analysis of two WHO multicountry surveys. Lancet Glob Health 2015; 3:e260-70..

Aliado a isso, parece existir um efeito cumulativo no uso excessivo de cesarianas, ou seja, conforme as taxas de cesariana aumentam, mais mulheres terão uma cesárea de repetição 1919. Vogel JP, Betrán AP, Vindevoghel N, Souza JP, Torloni MR, Zhang J, et al. Use of the Robson classification to assess caesarean section trends in 21 countries: a secondary analysis of two WHO multicountry surveys. Lancet Glob Health 2015; 3:e260-70.. Dados da Coorte de Nascimentos de Pelotas mostram um percentual de 87,4% de cesariana de repetição; porém, dentre as mulheres com parto vaginal na primeira gestação, apenas 18,1% foram submetidas à cesariana na segunda gestação 2020. Mascarello KC, Matijasevich A, Barros AJD, Santos IS, Zandonade E, Silveira MF. Repeat cesarean section in subsequent gestation of women from a birth cohort in Brazil. Reprod Health 2017; 14:102.. As cesarianas de repetição aumentam os riscos de complicações obstétricas e pós-parto 2121. Deneux-Tharaux C. Women with previous caesarean or other uterine scar: epidemiological features. J Gynecol Obstet Biol Reprod 2012; 41:697-707.,2222. Silver RM, Landon MB, Rouse DJ, Leveno KJ, Spong CY, Thom EA, et al. Maternal morbidity associated with multiple repeat cesarean deliveries. Obstet Gynecol 2006; 107:1226-32. e, por isso, protocolos clínicos recomendam que mulheres com cesárea prévia e cicatriz transversal baixa sejam submetidas à prova de trabalho de parto em gestações subsequentes, visto que são candidatas ao parto vaginal após cesárea 2323. Conselho Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. Diretrizes de atenção à gestante: a operação cesariana. Brasília: Conselho Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS; 2015..

Considerando-se a distribuição heterogênea das taxas de cesariana no país e que as mulheres com cesárea anterior integram a maior parte dessas taxas, o presente estudo tem por objetivo descrever as taxas de cesariana e cesariana recorrente no Brasil segundo a idade gestacional (IG) ao nascer e tipo de hospital.

Métodos

Estudo ecológico utilizando dados do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC) e do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), disponíveis no site do Departamento de Informática do SUS (DATASUS) 66. Departamento de Informática do SUS. Nascidos vivos. http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinasc/cnv/nvuf.def (acessado em 02/Mar/2021).
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftoht...
e gerenciados pelo Ministério da Saúde. Para realização deste estudo, foi selecionado o ano de 2017, devido à disponibilidade dos dados no momento da coleta.

Foram consideradas elegíveis para esta análise as mulheres com gestação única, recém-nascido vivo e com IG igual ou maior de 22 semanas. A IG no SINASC tem sido estimada, preferencialmente, por meio da data da última menstruação (DUM) desde 2011. Porém, quando desconhecida a DUM, a IG é informada por outros métodos de estimação, como exame físico ou ultrassonografia 2424. Ministério da Saúde. Manual de instruções para o preenchimento da Declaração de Nascido Vivo. Brasília: Ministério da Saúde; 2011..

Para fins de apresentação dos resultados, a IG foi utilizada de forma contínua e categorizada em: pré-termo precoce (≤ 33 semanas); pré-termo tardio (34-36 semanas); termo precoce (37-38 semanas); termo (39-41 semanas); e pós-termo (≥ 42 semanas) 2525. Spong CY, Mercer BM, D'Alton M, Kilpatrick S, Blackwell S, Saade G. Timing of indicated late-preterm and early-term birth. Obstet Gynecol 2011; 118(2 Pt 1):323-33.,2626. ACOG committee opinion no. 560: medically indicated late-preterm and early-term deliveries. Obstet Gynecol 2013; 121:908-10.. Além disso, foram selecionadas as seguintes variáveis: região de residência (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-oeste); idade materna (12-19, 20-34, ≥ 35 anos); cor da pele (branca, preta, parda); escolaridade materna (Ensino Fundamental incompleto, Ensino Fundamental completo, Ensino Médio ou mais); situação conjugal (sem companheiro, com companheiro); e paridade (primípara, multípara).

Na presente análise foram analisados dados nacionais e regionais das taxas de cesariana e cesariana recorrente de acordo com o tipo de hospital e IG. Para isso, foi realizado o pareamento entre as bases de dados SINASC e CNES para obtenção do tipo de hospital (público/misto, privado) dos estabelecimentos de saúde inseridos no SINASC, utilizando como variável chave o código do hospital presente em ambas as bases. Em seguida, os hospitais públicos e mistos foram agregados numa única categoria.

A seguir, foram calculadas as taxas de cesariana e cesariana recorrente. Para o cálculo das taxas de cesariana, dividiu-se o número de recém-nascidos via cesariana pelo total de nascidos vivos, multiplicado por 100; já para a cesariana recorrente, incluímos no numerador todas as multíparas com cesariana atual e no denominador o total de mulheres com cesariana anterior, multiplicado por 100.

As taxas de cesariana geral e recorrente foram então caracterizadas de acordo com as variáveis extraídas do SINASC, e analisadas tanto de forma geral quanto segundo o tipo de hospital (público/misto, privado) e região de residência.

Por último, foram calculadas as taxas de cesariana geral e cesariana recorrente para cada estabelecimento de saúde, analisadas segundo o tipo de hospital e subgrupos de IG, a fim de obter maior variabilidade dos dados. Posteriormente, aplicou-se o teste de correlação de Spearman para analisar as correlações entre: (a) as taxas de cesariana geral e as taxas de cesariana dos subgrupos de IG; (b) as taxas de cesariana dos subgrupos de IG; (c) as taxas de cesariana geral e as taxas de cesariana recorrente dos subgrupos de IG e; (d) as taxas de cesariana recorrente dos subgrupos de IG.

Os valores das correlações podem variar de -1 a 1. Considerou-se correlação fraca, quando r = 0,10 a 0,30; correlação moderada, r = 0,40 a 0,60; e correlação forte, r = 0,70 a 1,00, adotando-se o nível de confiança inferior a 5% 2727. Dancey C, Reidy J. Estatística sem matemática para psicologia: usando SPSS para windows. Porto Alegre: Artmed; 2006.. Todas as análises foram realizadas por meio do software SPSS versão 21.0 (https://www.ibm.com/).

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz; parecer nº 2.972.153).

Resultados

Foram considerados elegíveis para esta análise 2.850.744 nascidos vivos e 5.298 estabelecimentos de saúde. As taxas de cesariana geral e recorrente corresponderam, respectivamente, a 55,1% e 85,3%, sendo ainda maiores nos hospitais privados, que contabilizaram 85% de cesarianas e mais de 95% de cesarianas recorrentes.

A Região Centro-oeste concentrou as maiores taxas de cesariana geral e recorrente (62,3% e 88,4%). Além disso, as taxas de cesariana foram mais elevadas em mulheres com idade ≥ 35 anos, cor da pele branca, com maior escolaridade e com companheiro. Em relação à paridade, 57% de cesarianas ocorreram em primíparas; contudo, destacam-se as altas taxas de cesariana nos hospitais privados, principalmente em multíparas, com cerca de 85%. Mais de 60% dos nascimentos entre 37-38 semanas ocorreram por meio de cesarianas, seguidos dos nascimentos entre 34-36 semanas de gestação, que concentraram-se principalmente nos hospitais privados (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização das taxas de cesariana segundo o tipo de hospital. Brasil, 2017.

A análise das taxas de cesariana geral no Brasil segundo o tipo de hospital e IG (Figura 1) evidenciou as altas taxas de cesariana em todas as semanas gestacionais, principalmente, nos hospitais privados. Também foi possível observar uma discreta redução das taxas conforme o aumento da IG nos hospitais públicos/mistos das regiões Sudeste e Sul; todavia, verifica-se um aumento das taxas em 38 semanas de gestação, tanto em hospitais públicos/mistos quanto em privados em todas as regiões.

Figura 1
Taxas de cesariana geral segundo o tipo de hospital e idade gestacional (IG) ao nascer. Brasil, 2017.

A distribuição das taxas de cesariana recorrente segundo o tipo de hospital e semanas gestacionais (Figura 2) revelou taxas ainda mais elevadas em ambos os hospitais, ultrapassando 90% nos hospitais privados. Apesar das variações, as taxas concentraram-se, principalmente, no intervalo de 36 e 39 semanas gestacionais.

Figura 2
Taxas de cesariana recorrente segundo o tipo de hospital e idade gestacional (IG) ao nascer. Brasil, 2017.

Na Tabela 2 foram descritas as taxas de cesariana geral e recorrente nas regiões do país segundo subgrupos de IG e tipo de hospital. Maiores taxas de cesariana geral e recorrente foram observadas nos subgrupos de 37-38 semanas para todas as regiões e hospitais analisados. Os hospitais públicos/mistos da Região Norte concentraram as menores taxas de cesariana geral e recorrente em todos os subgrupos de IG analisados, ao passo que a Região Centro-oeste concentrou as maiores taxas de cesariana geral e recorrente nos hospitais privados, ultrapassando as taxas do Brasil.

Tabela 2
Taxas de cesariana geral e recorrente segundo o tipo de hospital e faixas de idade gestacional (IG) ao nascer. Brasil, 2017.

Quanto às correlações entre as taxas de cesariana geral e recorrente, no geral, a taxa geral de cesariana foi altamente correlacionada com todas as taxas de cesariana dos subgrupos de IG. Padrões semelhantes nas correlações das taxas de cesariana foram observados nos hospitais públicos/mistos e privados, com maiores correlações entre os subgrupos de IG de 34-36 e 37-38 semanas e entre 37-38 e 39-41 semanas. Para a cesariana recorrente, verificou-se que a taxa geral foi fortemente correlacionada com as taxas de 37-38 e 39-41 semanas no hospital público/misto, diferindo do hospital privado, que apresentou correlações moderadas. Ademais, cabe destacar as altas correlações entre as taxas de cesariana geral e recorrente dos subgrupos de 37-38 e 39-41 semanas (Tabela 3).

Tabela 3
Coeficientes de correlação de Spearman para as taxas de cesariana geral e recorrente segundo subgrupos de tipo de pagamento e faixas de idade gestacional (IG) ao nascer. Brasil, 2017.

Discussão

As taxas de cesariana e cesariana recorrente no Brasil foram de 55,3% e 85,3%, respectivamente. Foram observadas altas taxas de cesariana em todas as regiões do país, sobretudo nos hospitais privados, com mais de 80% de cesarianas e mais de 90% de cesarianas recorrentes, ocorrendo predominantemente entre 34-36 e 37-38 semanas. Além do mais, fortes correlações entre as taxas de cesariana geral e as taxas dos subgrupos de IG foram evidenciadas.

No presente estudo, verificou-se um aumento nas taxas de cesariana conforme a idade gestacional, quando se esperavam taxas mais elevadas em pré-termos extremos, que deveriam decair até os termos completos. Diferentemente, estudo de Delnord et al. 2828. Delnord M, Blondel B, Drewniak N, Klungsøyr K, Bolumar F, Mohangoo A, et al. Varying gestational age patterns in cesarean delivery: an international comparison. BMC Pregnancy Childbirth 2014; 14:321., utilizando dados agregados de países europeus e dos Estados Unidos, evidenciou reduções significativas nas taxas de cesariana até 40 semanas de gestação, seguido por um aumento entre 41 e 42 semanas. Entretanto, os autores identificaram aumento das taxas em torno de 38 semanas de gestação em alguns países, como Áustria, Alemanha e Malta 2828. Delnord M, Blondel B, Drewniak N, Klungsøyr K, Bolumar F, Mohangoo A, et al. Varying gestational age patterns in cesarean delivery: an international comparison. BMC Pregnancy Childbirth 2014; 14:321..

De maneira semelhante, foram observadas elevações das taxas de cesariana em torno de 37-38 semanas de gestação em todas as regiões do Brasil, tanto em hospitais privados quanto públicos/mistos. É possível que isso tenha ocorrido devido à realização de cesarianas eletivas ou à indicação real de antecipação do parto para benefício materno, fetal ou ambos 2929. Zeitlin J, Szamotulska K, Drewniak N, Mohangoo A, Chalmers J, Sakkeus L, et al. Preterm birth time trends in Europe: a study of 19 countries. BJOG 2013; 120:1356-65.. Entretanto, a Resolução nº 2.144/2016, expedida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), estabeleceu que as cesarianas em situação de risco habitual deveriam ser realizadas a partir de 39 semanas completas, desde que a gestante tenha recebido todas as informações precisas e claras sobre as vias de parto a fim de garantir a segurança do binômio materno-fetal 3030. Conselho Federal de Medicina. Recomendação CFM nº 2.144, de 17 de março de 2016. É ético o médico atender à vontade da gestante de realizar parto cesariano, garantida a autonomia do médico, da paciente e a segurança do binômio materno fetal. Diário Oficial da União 2016; 18 mar.. Essa resolução se alinha com decisões tomadas por organizações internacionais, como o Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas 3131. ACOG committee opinion no. 559: cesarean delivery on maternal request. Obstet Gynecol 2013; 121:904-7. e o Colégio Real de Obstetras e Ginecologistas 3232. National Institute for Health and Care Excellence. Caesarean section: clinical guideline. London: National Institute for Health and Care Excellence; 2011.; contudo, é possível afirmar que essas iniciativas tiveram pouco efeito sobre a prática obstétrica, em virtude das altas taxas de cesariana entre 37-38 semanas que ainda persistem no Brasil.

Ademais, em situações específicas é importante ponderar os riscos de interromper a gestação antes do termo completo versus os riscos de seguir com a gestação 2525. Spong CY, Mercer BM, D'Alton M, Kilpatrick S, Blackwell S, Saade G. Timing of indicated late-preterm and early-term birth. Obstet Gynecol 2011; 118(2 Pt 1):323-33.. No Brasil, a maior parte das gestações com complicações é interrompida por cesarianas, inclusive em partos de início espontâneo. Já em países desenvolvidos, como Dinamarca e Finlândia, o aumento de nascimentos entre 37-38 semanas ocorreu, principalmente, por indicação clínica e por indução 3333. Richards JL, Kramer MS, Deb-Rinker P, Rouleau J, Mortensen L, Gissler M, et al. Temporal trends in late preterm and early term birth rates in 6 high-income countries in North America and Europe and association with clinician-initiated obstetric interventions. JAMA 2016; 316:410-9..

Diferenças na distribuição das taxas de cesariana segundo as regiões do Brasil também foram evidenciadas neste estudo, concentrando-se nas regiões Sudeste, Sul e Centro-oeste. Essas regiões concentram a maior parcela de pessoas com melhores condições socioeconômicas, que, por sua vez são responsáveis pela maior utilização do setor privado de saúde, em que se concentram as maiores taxas de cesariana no país 77. Barros AJD, Santos IS, Matijasevich A, Domingues MR, Silveira M, Barros FC, et al. Patterns of deliveries in a Brazilian birth cohort: almost universal cesarean sections for the better-off. Rev Saúde Pública 2011; 45:6350-43.,99. Rebelo F, Rocha CMM, Cortes TR, Dutra CL, Kac G. High cesarean prevalence in a national population-based study in Brazil: the role of private practice. Acta Obstet Gynecol Scand 2010; 89:903-8.,3434. Velho MB, Brüggemann OM, McCourt C, Gama SGN, Knobel R, Gonçalves AC, et al. Obstetric care models in the Southern Region of Brazil and associated factors. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00093118.. Estudos anteriores também evidenciaram maiores prevalências de cesarianas em regiões mais desenvolvidas do Brasil 77. Barros AJD, Santos IS, Matijasevich A, Domingues MR, Silveira M, Barros FC, et al. Patterns of deliveries in a Brazilian birth cohort: almost universal cesarean sections for the better-off. Rev Saúde Pública 2011; 45:6350-43.,99. Rebelo F, Rocha CMM, Cortes TR, Dutra CL, Kac G. High cesarean prevalence in a national population-based study in Brazil: the role of private practice. Acta Obstet Gynecol Scand 2010; 89:903-8.,3434. Velho MB, Brüggemann OM, McCourt C, Gama SGN, Knobel R, Gonçalves AC, et al. Obstetric care models in the Southern Region of Brazil and associated factors. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00093118.,3535. Hopkins K, Lima Amaral EF, Mourão ANM. The impact of payment source and hospital type on rising cesarean section rates in Brazil, 1998 to 2008. Birth 2014; 41:169-77.,3636. Knobel R, Lopes TJP, Menezes MO, Andreucci CB, Gieburowski JT, Takemoto MLS. Cesarean-section rates in Brazil from 2014 to 2016: cross-sectional analysis using the Robson classification. Rev Bras Ginecol Obstet 2020; 42:522-8.. Hopkins et al. 3535. Hopkins K, Lima Amaral EF, Mourão ANM. The impact of payment source and hospital type on rising cesarean section rates in Brazil, 1998 to 2008. Birth 2014; 41:169-77., utilizando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) identificaram chance 45% maior de cesariana para mulheres residentes no Sudeste, 65% maior para residentes no Sul e 73% maior para residentes no Centro-oeste do país. As explicações das variações nas taxas de cesariana são complexas, envolvendo aspectos médicos, econômicos, sociais, culturais e organizacionais 3737. Domingues RMSM, Dias MAB, Nakamura-Pereira M, Torres JA, d'Orsi E, Pereira APE, et al. Processo de decisão pelo tipo de parto no Brasil: da preferência inicial das mulheres à via de parto final. Cad Saúde Pública 2014; 30 Suppl 1:S101-16.,3838. Zhang J, Geerts C, Hukkelhoven C, Offerhaus P, Zwart J, Jonge A. Caesarean section rates in subgroups of women and perinatal outcomes. BJOG 2016; 123:754-61..

Outro achado relevante diz respeito às taxas de cesariana recorrente, tão altas quanto as relatadas anteriormente em países desenvolvidos, como Estados Unidos (86,7%) 22. Martin JA, Hamilton BE, Osterman MJK. Births in the United States. https://www.cdc.gov/nchs/data/databriefs/db318.pdf (acessado em Jan/2021).
https://www.cdc.gov/nchs/data/databriefs...
, França (65,2%) 3939. Bartolo S, Goffinet F, Blondel B, Deneux-Tharaux C. Why women with previous caesarean and eligible for a trial of labour have an elective repeat caesarean delivery? A national study in France. BJOG 2016; 123:1664-73. e Dinamarca (59,1%) 4040. Pyykönen A, Gissler M, Løkkegaard E, Bergholt T, Rasmussen SC, Smárason A, et al. Cesarean section trends in the Nordic Countries - a comparative analysis with the Robson classification. Acta Obstet Gynecol Scand 2017; 96:607-16.. É provável que as taxas de cesariana recorrente encontradas neste estudo sejam compostas, em sua maioria, por cesarianas eletivas de repetição. Estudo brasileiro de Nakamura-Pereira et al. 88. Nakamura-Pereira M, do Carmo Leal M, Esteves-Pereira AP, Domingues RMSM, Torres JA, Dias MAB, et al. Use of Robson classification to assess cesarean section rate in Brazil: the role of source of payment for childbirth. Reprod Health 2016; 13 Suppl 3:128., ao analisar as taxas de cesariana por meio da classificação de Robson, encontrou uma taxa geral de cesariana de 51,9%; contudo, a taxa de cesariana em multíparas com cesárea prévia e apresentação cefálica ≥ 37 semanas correspondeu a 83,6%. Os autores também observaram altas taxas de cesariana recorrente neste grupo, tanto no setor público (78%) quanto no setor privado (98%) 88. Nakamura-Pereira M, do Carmo Leal M, Esteves-Pereira AP, Domingues RMSM, Torres JA, Dias MAB, et al. Use of Robson classification to assess cesarean section rate in Brazil: the role of source of payment for childbirth. Reprod Health 2016; 13 Suppl 3:128., semelhantes às taxas encontradas no presente estudo (82,1% público/misto versus 96,1% privado).

No geral, fortes correlações entre as taxas de cesariana geral e as taxas nos subgrupos de IG foram reveladas, sugerindo que o uso da cesariana não é influenciado apenas pela IG. Ademais, menores correlações entre as taxas foram observadas nos hospitais privados, diferindo dos hospitais públicos/mistos. As altas correlações evidenciadas nos hospitais públicos e mistos podem estar relacionadas ao risco obstétrico, ainda que não tenha sido possível avaliá-lo neste estudo. Nakamura-Pereira et al. 88. Nakamura-Pereira M, do Carmo Leal M, Esteves-Pereira AP, Domingues RMSM, Torres JA, Dias MAB, et al. Use of Robson classification to assess cesarean section rate in Brazil: the role of source of payment for childbirth. Reprod Health 2016; 13 Suppl 3:128. encontraram taxas de cesariana estatisticamente maiores em mulheres de alto risco obstétrico (67,7%) no setor público, enquanto no setor privado foram evidenciadas altas taxas de cesariana em mulheres de alto e baixo risco obstétrico (86,6% e 92,8%), não existindo diferenças significativas entre elas 88. Nakamura-Pereira M, do Carmo Leal M, Esteves-Pereira AP, Domingues RMSM, Torres JA, Dias MAB, et al. Use of Robson classification to assess cesarean section rate in Brazil: the role of source of payment for childbirth. Reprod Health 2016; 13 Suppl 3:128..

Infelizmente, as taxas de cesariana no Brasil estão bem acima daquelas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (10-15%) 4141. World Health Organization. Appropriate technology for birth. Lancet 1985; 2:436-7.. A organização da assistência obstétrica, a preferência das mulheres pela cesariana, experiências em gestações anteriores e o medo do trabalho de parto são fatores apontados para o aumento das cesarianas, tanto no Brasil quanto em outros países 11. Boerma T, Ronsmans C, Melesse DY, Barros AJD, Barros FC, Juan L, et al. Global epidemiology of use of and disparities in caesarean sections. Lancet 2018; 392:1341-8.,77. Barros AJD, Santos IS, Matijasevich A, Domingues MR, Silveira M, Barros FC, et al. Patterns of deliveries in a Brazilian birth cohort: almost universal cesarean sections for the better-off. Rev Saúde Pública 2011; 45:6350-43.,3737. Domingues RMSM, Dias MAB, Nakamura-Pereira M, Torres JA, d'Orsi E, Pereira APE, et al. Processo de decisão pelo tipo de parto no Brasil: da preferência inicial das mulheres à via de parto final. Cad Saúde Pública 2014; 30 Suppl 1:S101-16..

Diante disso, esforços têm sido feitos para limitar as cesarianas sem indicação clínica, dos quais se destaca o projeto Parto Adequado, instituído em 2014 por meio de acordo de cooperação técnica entre a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o Instituto de Melhoria da Saúde, dos Estados Unidos, e o Hospital Israelita Albert Einstein, com o apoio do Ministério da Saúde 4242. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Projeto parto adequado. http://www.ans.gov.br/gestao-em-saude/projeto-parto-adequado (acessado em 01/Abr/2022).
http://www.ans.gov.br/gestao-em-saude/pr...
. Esse projeto visa apoiar e instrumentalizar a implementação de ações baseadas em evidências científicas para reduzir o percentual de cesarianas desnecessárias e aumentar a qualidade e a segurança da atenção ao parto e nascimento no setor suplementar de saúde 4242. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Projeto parto adequado. http://www.ans.gov.br/gestao-em-saude/projeto-parto-adequado (acessado em 01/Abr/2022).
http://www.ans.gov.br/gestao-em-saude/pr...
. Outras iniciativas, como as Diretrizes de Atenção à Gestante: A Operação Cesariana2323. Conselho Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. Diretrizes de atenção à gestante: a operação cesariana. Brasília: Conselho Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS; 2015. e as Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal4343. Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Portaria nº 353, de 14 de fevereiro de 2017. Aprova as Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal. Diário Oficial da União 2017; 20 fev. também foram elaboradas a fim de orientar as mulheres brasileiras, os profissionais de saúde e os gestores, tanto no âmbito público quanto no privado, sobre as questões relacionadas às vias de parto, suas indicações e condutas baseadas nas melhores evidências científicas disponíveis.

Cabe ressaltar também o incentivo ao parto vaginal após cesárea, que tem sido associado às reduções de morbidades maternas e apresenta menor risco de complicações em gestações futuras 4444. Fobelets M, Beeckman K, Faron G, Daly D, Begley C, Putman K. Vaginal birth after caesarean versus elective repeat caesarean delivery after one previous caesarean section: a cost-effectiveness analysis in four European countries. BMC Pregnancy Childbirth 2018; 18:92.,4545. Nakamura-Pereira M, Esteves-Pereira AP, Gama SGN, Leal M. Elective repeat cesarean delivery in women eligible for trial of labor in Brazil. Int J Gynecol Obstet 2018; 143:351-9.,4646. Tilden EL, Cheyney M, Guise J-M, Emeis C, Lapidus J, Biel FM, et al. Vaginal birth after cesarean: neonatal outcomes and United States birth setting. Am J Obstet Gynecol 2017; 216:403.e1-e8.. Contudo, apesar desses benefícios, as taxas de cesariana por repetição permanecem elevadas mesmo em mulheres elegíveis para prova de trabalho de parto. Dados da pesquisa Nascer no Brasil mostram que a taxa de cesariana eletiva por repetição foi de 66,1% dentre as mulheres elegíveis para prova de trabalho de parto, sendo as taxas ainda maiores em hospitais privados (95,8%) e hospitais fora da capital (69,9%) 4545. Nakamura-Pereira M, Esteves-Pereira AP, Gama SGN, Leal M. Elective repeat cesarean delivery in women eligible for trial of labor in Brazil. Int J Gynecol Obstet 2018; 143:351-9.. Esses dados são alarmantes e reforçam que a realização de cesarianas no Brasil não é pautada em razões clínicas.

Entre as limitações deste estudo, estão possíveis erros nas estimativas da idade gestacional, que são mais frequentes entre os nascimentos com IG estimada pela DUM. Também não foi possível analisar as taxas de cesariana segundo o risco obstétrico, devido à falta dessa informação e, por isso, estudos brasileiros futuros são necessários. Além do mais, as fontes de dados secundários são passíveis de erro de preenchimento e da falta de informação sobre determinadas variáveis, o que pode ter influenciado nos cálculos das taxas de cesariana.

Essas limitações não anulam os resultados alcançados em virtude da dimensão da amostra e do número de nascidos vivos por cesariana no país. Ademais, é evidente o aumento da cobertura e melhoria da qualidade dos dados do SINASC nos últimos anos 4747. Mello-Jorge MHP, Laurenti R, Gotlieb SLD. Análise da qualidade das estatísticas vitais brasileiras: a experiência de implantação do SIM e do SINASC. Ciênc Saúde Colet 2007; 12:643-54. e, por isso, utilizá-lo como fonte de dados é um forte recurso para avaliar a saúde populacional e auxiliar na formulação de políticas públicas.

Conclusões

O presente estudo revelou as altas taxas de cesariana no Brasil, sobretudo no setor privado de saúde. Ainda foi possível observar aumento das taxas de cesariana na faixa gestacional entre 37-38 semanas em todas as regiões do país, sobretudo no Centro-oeste. Resultados semelhantes também foram encontrados para a cesariana recorrente, que apresentou taxas ainda maiores. As altas taxas de cesariana no Brasil são preocupantes, pois podem trazer danos desnecessários à saúde da mulher e do bebê se realizadas sem justificativa clínica. Diante disso, o fortalecimento e a implementação de políticas públicas para a redução de cesarianas têm sido cada vez mais necessários nos serviços de saúde. Além do mais, orientar as gestantes sobre o plano de parto e as vias de parto durante as consultas de pré-natal, auxiliar no enfrentamento dos medos e inseguranças, propiciar boas condições para os partos vaginais e cesáreas por meio de protocolos de admissão e trabalho de parto, assim como ofertar adequadamente analgesia de parto e utilizar métodos não-farmacológicos para manejo da dor são medidas importantes para reduzir as taxas de cesárea, principalmente no setor privado de saúde.

Agradecimentos

Apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES; Código de Financiamento 001).

Referências

  • 1
    Boerma T, Ronsmans C, Melesse DY, Barros AJD, Barros FC, Juan L, et al. Global epidemiology of use of and disparities in caesarean sections. Lancet 2018; 392:1341-8.
  • 2
    Martin JA, Hamilton BE, Osterman MJK. Births in the United States. https://www.cdc.gov/nchs/data/databriefs/db318.pdf (acessado em Jan/2021).
    » https://www.cdc.gov/nchs/data/databriefs/db318.pdf
  • 3
    Osterman MJK, Martin JA. Trends in low-risk cesarean delivery in the United States, 1990-2013. Natl Vital Stat Rep 2014; 63:1-16.
  • 4
    Liang J, Mu Y, Li X, Tang W, Wang Y, Liu Z, et al. Relaxation of the one child policy and trends in caesarean section rates and birth outcomes in China between 2012 and 2016: observational study of nearly seven million health facility births. BMJ 2018; 360:k817.
  • 5
    World Health Organization. WHO European health information at your fingertips. https://gateway.euro.who.int/en/indicators/hfa_596-7060-caesarean-sections-per-1000-live-births/ (acessado em Jan/2021).
    » https://gateway.euro.who.int/en/indicators/hfa_596-7060-caesarean-sections-per-1000-live-births/
  • 6
    Departamento de Informática do SUS. Nascidos vivos. http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinasc/cnv/nvuf.def (acessado em 02/Mar/2021).
    » http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinasc/cnv/nvuf.def
  • 7
    Barros AJD, Santos IS, Matijasevich A, Domingues MR, Silveira M, Barros FC, et al. Patterns of deliveries in a Brazilian birth cohort: almost universal cesarean sections for the better-off. Rev Saúde Pública 2011; 45:6350-43.
  • 8
    Nakamura-Pereira M, do Carmo Leal M, Esteves-Pereira AP, Domingues RMSM, Torres JA, Dias MAB, et al. Use of Robson classification to assess cesarean section rate in Brazil: the role of source of payment for childbirth. Reprod Health 2016; 13 Suppl 3:128.
  • 9
    Rebelo F, Rocha CMM, Cortes TR, Dutra CL, Kac G. High cesarean prevalence in a national population-based study in Brazil: the role of private practice. Acta Obstet Gynecol Scand 2010; 89:903-8.
  • 10
    Diniz CSG, Miranda MJ, Reis-Queiroz J, Queiroz MR, Salgado HDO. Why do women in the private sector have shorter pregnancies in Brazil? Left shift of gestational age, caesarean section and inversion of the expected disparity. J Hum Growth 2016; 26:33.
  • 11
    Zaiden L, Nakamura-Pereira M, Gomes MAM, Esteves-Pereira AP, Leal MC. Influência das características hospitalares na realização de cesárea eletiva na Região Sudeste do Brasil. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00218218.
  • 12
    World Health Organization. Declaração da OMS sobre taxas de cesáreas. https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/161442/WHO_RHR_15.02_por.pdf;jsessionid=4F592D992C2D8E5A1DB94652F599EFBE?sequence=3 (acessado em Jan/2022).
    » https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/161442/WHO_RHR_15.02_por.pdf;jsessionid=4F592D992C2D8E5A1DB94652F599EFBE?sequence=3
  • 13
    Blue N, Van Winden K, Pathak B, Barton L, Opper N, Lane C, et al. Neonatal outcomes by mode of delivery in preterm birth. Am J Perinatol 2015; 32:1292-7.
  • 14
    Feldman K, Woolcott C, O'Connell C, Jangaard K. Neonatal outcomes in spontaneous versus obstetrically indicated late preterm births in a nova scotia population. J Obstet Gynaecol Can 2012; 34:1158-66.
  • 15
    Esteves-Pereira AP, Deneux-Tharaux C, Nakamura-Pereira M, Saucedo M, Bouvier-Colle M-H, Leal MC. Caesarean delivery and postpartum maternal mortality: a population-based case control study in Brazil. PLoS One 2016; 11:e0153396.
  • 16
    Souza J, Gülmezoglu A, Lumbiganon P, Laopaiboon M, Carroli G, Fawole B, et al. Caesarean section without medical indications is associated with an increased risk of adverse short-term maternal outcomes: the 2004-2008 WHO Global Survey on Maternal and Perinatal Health. BMC Med 2010; 8:71.
  • 17
    Barros FC, Rabello Neto DL, Villar J, Kennedy SH, Silveira MF, Diaz-Rossello JL, et al. Caesarean sections and the prevalence of preterm and early-term births in Brazil: secondary analyses of national birth registration. BMJ Open 2018; 8:e021538.
  • 18
    Leal MC, Esteves-Pereira AP, Nakamura-Pereira M, Domingues RMSM, Dias MAB, Moreira ME, et al. Burden of early-term birth on adverse infant outcomes: a population-based cohort study in Brazil. BMJ Open 2017; 7:e017789.
  • 19
    Vogel JP, Betrán AP, Vindevoghel N, Souza JP, Torloni MR, Zhang J, et al. Use of the Robson classification to assess caesarean section trends in 21 countries: a secondary analysis of two WHO multicountry surveys. Lancet Glob Health 2015; 3:e260-70.
  • 20
    Mascarello KC, Matijasevich A, Barros AJD, Santos IS, Zandonade E, Silveira MF. Repeat cesarean section in subsequent gestation of women from a birth cohort in Brazil. Reprod Health 2017; 14:102.
  • 21
    Deneux-Tharaux C. Women with previous caesarean or other uterine scar: epidemiological features. J Gynecol Obstet Biol Reprod 2012; 41:697-707.
  • 22
    Silver RM, Landon MB, Rouse DJ, Leveno KJ, Spong CY, Thom EA, et al. Maternal morbidity associated with multiple repeat cesarean deliveries. Obstet Gynecol 2006; 107:1226-32.
  • 23
    Conselho Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. Diretrizes de atenção à gestante: a operação cesariana. Brasília: Conselho Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS; 2015.
  • 24
    Ministério da Saúde. Manual de instruções para o preenchimento da Declaração de Nascido Vivo. Brasília: Ministério da Saúde; 2011.
  • 25
    Spong CY, Mercer BM, D'Alton M, Kilpatrick S, Blackwell S, Saade G. Timing of indicated late-preterm and early-term birth. Obstet Gynecol 2011; 118(2 Pt 1):323-33.
  • 26
    ACOG committee opinion no. 560: medically indicated late-preterm and early-term deliveries. Obstet Gynecol 2013; 121:908-10.
  • 27
    Dancey C, Reidy J. Estatística sem matemática para psicologia: usando SPSS para windows. Porto Alegre: Artmed; 2006.
  • 28
    Delnord M, Blondel B, Drewniak N, Klungsøyr K, Bolumar F, Mohangoo A, et al. Varying gestational age patterns in cesarean delivery: an international comparison. BMC Pregnancy Childbirth 2014; 14:321.
  • 29
    Zeitlin J, Szamotulska K, Drewniak N, Mohangoo A, Chalmers J, Sakkeus L, et al. Preterm birth time trends in Europe: a study of 19 countries. BJOG 2013; 120:1356-65.
  • 30
    Conselho Federal de Medicina. Recomendação CFM nº 2.144, de 17 de março de 2016. É ético o médico atender à vontade da gestante de realizar parto cesariano, garantida a autonomia do médico, da paciente e a segurança do binômio materno fetal. Diário Oficial da União 2016; 18 mar.
  • 31
    ACOG committee opinion no. 559: cesarean delivery on maternal request. Obstet Gynecol 2013; 121:904-7.
  • 32
    National Institute for Health and Care Excellence. Caesarean section: clinical guideline. London: National Institute for Health and Care Excellence; 2011.
  • 33
    Richards JL, Kramer MS, Deb-Rinker P, Rouleau J, Mortensen L, Gissler M, et al. Temporal trends in late preterm and early term birth rates in 6 high-income countries in North America and Europe and association with clinician-initiated obstetric interventions. JAMA 2016; 316:410-9.
  • 34
    Velho MB, Brüggemann OM, McCourt C, Gama SGN, Knobel R, Gonçalves AC, et al. Obstetric care models in the Southern Region of Brazil and associated factors. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00093118.
  • 35
    Hopkins K, Lima Amaral EF, Mourão ANM. The impact of payment source and hospital type on rising cesarean section rates in Brazil, 1998 to 2008. Birth 2014; 41:169-77.
  • 36
    Knobel R, Lopes TJP, Menezes MO, Andreucci CB, Gieburowski JT, Takemoto MLS. Cesarean-section rates in Brazil from 2014 to 2016: cross-sectional analysis using the Robson classification. Rev Bras Ginecol Obstet 2020; 42:522-8.
  • 37
    Domingues RMSM, Dias MAB, Nakamura-Pereira M, Torres JA, d'Orsi E, Pereira APE, et al. Processo de decisão pelo tipo de parto no Brasil: da preferência inicial das mulheres à via de parto final. Cad Saúde Pública 2014; 30 Suppl 1:S101-16.
  • 38
    Zhang J, Geerts C, Hukkelhoven C, Offerhaus P, Zwart J, Jonge A. Caesarean section rates in subgroups of women and perinatal outcomes. BJOG 2016; 123:754-61.
  • 39
    Bartolo S, Goffinet F, Blondel B, Deneux-Tharaux C. Why women with previous caesarean and eligible for a trial of labour have an elective repeat caesarean delivery? A national study in France. BJOG 2016; 123:1664-73.
  • 40
    Pyykönen A, Gissler M, Løkkegaard E, Bergholt T, Rasmussen SC, Smárason A, et al. Cesarean section trends in the Nordic Countries - a comparative analysis with the Robson classification. Acta Obstet Gynecol Scand 2017; 96:607-16.
  • 41
    World Health Organization. Appropriate technology for birth. Lancet 1985; 2:436-7.
  • 42
    Agência Nacional de Saúde Suplementar. Projeto parto adequado. http://www.ans.gov.br/gestao-em-saude/projeto-parto-adequado (acessado em 01/Abr/2022).
    » http://www.ans.gov.br/gestao-em-saude/projeto-parto-adequado
  • 43
    Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Portaria nº 353, de 14 de fevereiro de 2017. Aprova as Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal. Diário Oficial da União 2017; 20 fev.
  • 44
    Fobelets M, Beeckman K, Faron G, Daly D, Begley C, Putman K. Vaginal birth after caesarean versus elective repeat caesarean delivery after one previous caesarean section: a cost-effectiveness analysis in four European countries. BMC Pregnancy Childbirth 2018; 18:92.
  • 45
    Nakamura-Pereira M, Esteves-Pereira AP, Gama SGN, Leal M. Elective repeat cesarean delivery in women eligible for trial of labor in Brazil. Int J Gynecol Obstet 2018; 143:351-9.
  • 46
    Tilden EL, Cheyney M, Guise J-M, Emeis C, Lapidus J, Biel FM, et al. Vaginal birth after cesarean: neonatal outcomes and United States birth setting. Am J Obstet Gynecol 2017; 216:403.e1-e8.
  • 47
    Mello-Jorge MHP, Laurenti R, Gotlieb SLD. Análise da qualidade das estatísticas vitais brasileiras: a experiência de implantação do SIM e do SINASC. Ciênc Saúde Colet 2007; 12:643-54.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    18 Mar 2021
  • Revisado
    04 Abr 2022
  • Aceito
    14 Abr 2022
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br