Segurança do paciente na assistência ao parto: o que é debatido nos grupos de Facebook?

Patient safety in childbirth care: what is discussed in Facebook groups?

Seguridad del paciente en la asistencia al parto: ¿de qué se habla en los grupos de Facebook?

Vanessa Cristina Felippe Lopes Villar Juliana Loureiro da Silva de Queiroz Rodrigues Mônica Martins Elaine Teixeira Rabello Sobre os autores

Resumos

A segurança do paciente no contexto da assistência ao parto é um tema que vem ocupando as pautas de discussão sobre qualidade do cuidado materno-infantil ao redor do mundo. Discutir os eventos adversos na assistência ao parto e seus fatores contribuintes, na percepção dos pacientes e familiares, reportados em grupos de Facebook. Trata-se de um estudo qualitativo que utilizou a plataforma de mídia digital Facebook como fonte de dados. Foram analisadas 55 postagens relacionadas à assistência ao parto nos meses de setembro e outubro de 2019, quanto ao conteúdo. Os achados foram classificados em duas categorias: (i) eventos adversos incluindo óbitos do recém-nascido, fetal e materno, hemorragias, infecções, lesões neurológicas, problemas relacionados à cirurgia e ao uso de medicamentos; e (ii) fatores contribuintes como atraso no atendimento, diagnóstico ou tratamento, violência obstétrica, erro diagnóstico e identificação do paciente. As plataformas de mídias digitais, podem se constituir espaços legitimados para debates e manifestações acerca de questões relacionadas à saúde incluindo aquelas ligadas à qualidade do cuidado obstétrico. Valorizar a percepção das pacientes, oriundas dessas ou de outras fontes é fundamental, mas requer o envolvimento de lideranças institucionais e profissionais na operacionalização de estratégias que facilitem a identificação precoce de fatores de risco, e possibilitem o diagnóstico e implementação do tratamento adequado oportuno com a participação ativa de pacientes e familiares.

Palavras-chave:
Tocologia; Participação do Paciente; Segurança do Paciente; Evento Adverso


Patient safety in childbirth care is a current topic on the agendas of discussion about the quality of maternal and child care around the world. This qualitative study sought to discuss the adverse events in childbirth care and its contributing factors, as perceived by patients and family members, using data collected from posts in Facebook groups. A total of 55 posts related to childbirth care made in September and October 2019 underwent content analysis. The findings were classified into two categories: (i) adverse events, including infant, fetal and maternal death, hemorrhages, infections, neurological lesions, surgery-related problems and use of medications; and (ii) contributing factors such as delay in care, diagnosis or treatment, obstetric violence, misdiagnosis and patient identification. Digital media platforms can be legitimate spaces for debating and opining on health-related issues, including those about the quality of obstetric care. Valuing patients’ perceptions, whether from these or other sources, is fundamental, but requires the involvement of institutional and professional leaders to operationalize strategies that facilitate the early identification of risk factors, and enable the diagnosis and implementation of timely appropriate treatment with the active participation of patients and families. n the reduction of hospital stay, which is so impactful on the functional condition of the elderly.

Keywords:
Midwifery; Patient Participation; Patient Safety; Adverse Event


La seguridad del paciente en el contexto de la asistencia al parto es un tema que viene ocupando las pautas de discusión sobre la calidad del cuidado maternoinfantil en todo el mundo. El objetivo fue discutir los eventos adversos en la atención al parto y sus factores contribuyentes, en la percepción de pacientes y familiares, reportados en grupos de Facebook. Se trata de un estudio cualitativo que utilizó la plataforma de medios digitales Facebook como fuente de datos. Se analizaron 55 publicaciones relacionados con la asistencia al parto en los meses de septiembre y octubre del 2019, en cuanto al contenido. Los hallazgos se clasificaron en dos categorías: (i) eventos adversos que incluyen muertes del recién nacido, fetal y materna, hemorragias, infecciones, lesiones neurológicas, problemas relacionados con la cirugía y con el uso de medicamentos; y (ii) factores contribuyentes tales como retraso en la atención, diagnóstico o tratamiento, violencia obstétrica, error diagnóstico e identificación del paciente. Las plataformas de medios digitales pueden constituir espacios legítimos para debates y manifestaciones sobre temas relacionados con la salud, incluidos los relacionados con la calidad del cuidado obstétrico. Valorar la percepción de las pacientes, provenientes de estas o de otras fuentes es fundamental, pero requiere la participación de los líderes institucionales y de los profesionales en la operativización de estrategias que faciliten la identificación temprana de los factores de riesgo, y permitan el diagnóstico y la implementación del tratamiento adecuado y oportuno con la participación activa de pacientes y familiares.

Palabras-clave:
Partería; Participación del Paciente; Seguridad del Paciente; Evento Adverso


Introdução

Nas últimas décadas, a segurança do paciente no contexto da assistência ao parto vem ocupando, mundialmente, as pautas das agendas que discutem a qualidade do cuidado materno-infantil 11. World Health Organization. WHO's World Patient Safety Day Goals 2021 promote safe maternal and newborn practices. https://www.who.int/news/item/16-09-2021-who-s-world-patient-safety-day-goals-2021-promote-safe-maternal-and-newborn-practices (acessado em 01/Nov/2021).
https://www.who.int/news/item/16-09-2021...
. No Brasil, houve um incremento no número de partos hospitalares, com aproximadamente 99% do total de nascimentos ocorrendo em hospitais, representando notável avanço na obstetrícia moderna 22. Cursino TP, Benincasa M. Parto domiciliar planejado no Brasil: uma revisão sistemática nacional. Ciênc Saúde Colet 2020; 25:1433-44. e contribuindo para a redução de morbidades e mortalidade materno-infantil. No entanto foi observado também grande número de mulheres e recém-nascidos expostos a tecnologias e intervenções que, em algumas situações, não são recomendadas 33. Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Ministério da Saúde. Diretriz Nacional de Assistência ao Parto: relatório de recomendação. Brasília: Ministério da Saúde; 2016..

No cenário nacional, o modelo de cuidado obstétrico ainda é predominantemente intervencionista, pelo uso ampliado e sem critérios das intervenções na assistência ao parto. Este modelo vai à contramão à recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), que defende o uso minimamente possível de intervenções na assistência ao parto, a fim de resguardar a segurança da mulher e da criança 44. Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Ministério da Saúde. Diretrizes nacionais de assistência ao parto normal: versão resumida. Brasília: Ministério da Saúde; 2017.. Não obstante, as intervenções obstétricas têm sua importância reconhecida, desde que usadas oportunamente, e pautadas nas melhores evidências científicas disponíveis.

Do total de óbitos maternos, 70% das causas são evitáveis se identificadas em tempo oportuno e manejadas adequadamente 55. Departamento de Informática do SUS. TabNet Win32 3.0: nascidos vivos - Brasil. http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sinasc/cnv/nvuf.def (acessado em 04/Out/2021).
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. Em sua grande maioria, estão relacionadas aos aspectos estruturais e organizacionais dos serviços, e aos processos de trabalho na assistência à mulher durante o nascimento 66. Gama SGN, Thomaz EBAF, Bittencourt SDA. Avanços e desafios da assistência ao parto e nascimento no SUS: o papel da Rede Cegonha. Ciênc Saúde Colet 2021; 26:772.. Logo, o óbito materno é um importante indicador para avaliar a qualidade da assistência ofertada à mulher durante a atenção ao parto e nascimento.

Já em relação à taxa de mortalidade neonatal precoce, em 2019, esta foi de aproximadamente seis óbitos por mil nascidos vivos, com predomínio das mortes nas regiões Norte e Nordeste do Brasil 55. Departamento de Informática do SUS. TabNet Win32 3.0: nascidos vivos - Brasil. http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sinasc/cnv/nvuf.def (acessado em 04/Out/2021).
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi....
. Desses óbitos, 66,3% das mortes ocorrem nas primeiras horas de vida, sendo 40,8% e 12,1% por causas preveníveis, caso fosse prestada atenção de qualidade à mulher durante a gestação e no parto, respectivamente. Já 13,3% desses óbitos seriam evitáveis se, porventura, uma abordagem oportuna e atendimento adequado fossem prestados ao feto e recém-nascido ainda nos primeiros dias de vida 77. Teixeira JAM, Araujo WRM, Maranhão AGK, Cortez-Escalante JJ, Rezende LFM, Matijasevich A. Mortalidade no primeiro dia de vida: tendências, causas de óbito e evitabilidade em oito Unidades da Federação brasileira, entre 2010 e 2015. Epidemiol Serv Saúde 2019; 28:e2018132..

A qualidade na assistência ao parto pressupõe um cuidado seguro, que identifica os fatores contribuintes e busca a mitigação dos riscos oriundos da prática obstétrica. Entende-se por eventos adversos os incidentes que resultam em danos não intencionais decorrentes da assistência e não relacionados à evolução da doença de base da paciente 88. World Health Organization. Conceptual framework for the International Classification for Patient Safety: final technical report. Geneva: World Health Organization; 2009.. Os fatores contribuintes podem ser relativos às condições situacionais, do ambiente de trabalho, organizacionais e ao contexto externo; ademais, os sistemas de comunicação e a cultura de segurança influenciam todos os demais fatores contribuintes 99. Vincent C, Taylor-Adams S, Stanhope N. Framework for analysing risk and safety in clinical medicine. BMJ 1998; 316:1154-7.. Em obstetrícia, os eventos adversos estão associados à morbimortalidade materna e infantil, e são decorrentes de falhas sistêmicas oriundas de uma combinação de aspectos multifatoriais 1010. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Serviços de atenção materna e neonatal : segurança e qualidade. Brasília: Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2014. (Tecnologia em Serviços de Saúde)..

Assim, para a melhoria da qualidade, torna-se necessário refletir a reorganização do modelo brasileiro de atenção obstétrica, de tal modo que favoreça a ampliação do acesso, a implementação das boas práticas, a segurança na atenção ao parto e puerpério, e o cuidado centrado no paciente. Nesse sentido, a Rede Cegonha foi instituída como estratégia inovadora e, ao mesmo tempo, desafiadora, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), cujo objetivo é fomentar um novo modelo de atenção à saúde da mulher e da criança 1111. Bittencourt SDA, Vilela MEA, Marques MCO, Santos AM, Silva CKRT, Domingues RMSM, et al. Atenção ao parto e nascimento em Maternidades da Rede Cegonha/Brasil: avaliação do grau de implantação das ações. Ciênc Saúde Colet 2021; 26:801-21..

No entanto, a implementação desse novo modelo de atenção à saúde não foi igual em todas as regiões do Brasil, com Sul e Sudeste apresentando situação privilegiada quando comparadas com as demais regiões. Ainda que os avanços sejam notáveis, os desafios permanecem no que tange à qualificação do acolhimento em obstetrícia, à operacionalização das diretrizes e ao aprimoramento dos mecanismos de comunicação e integração entre os níveis da Rede de Atenção à Saúde (RAS) 1111. Bittencourt SDA, Vilela MEA, Marques MCO, Santos AM, Silva CKRT, Domingues RMSM, et al. Atenção ao parto e nascimento em Maternidades da Rede Cegonha/Brasil: avaliação do grau de implantação das ações. Ciênc Saúde Colet 2021; 26:801-21..

Nessa perspectiva, redes sociais, fóruns, grupos de Facebook, Instagram e Twitter emergem como um espaço potente de construção social, que incentiva o engajamento de mulheres nas discussões relacionadas ao cuidado obstétrico no sistema de saúde, a partir da manifestação livre e do compartilhamento de experiências de nascimento com outras pessoas. Ademais, as comunidades virtuais - grupos de indivíduos que se organizam para debater um tema de interesse comum 1212. Mussoi EM, Flores MLP, Behar PA. Comunidades virtuais - um novo espaço de aprendizagem. Revista RENOTE 2007; 5(1). https://seer.ufrgs.br/renote/article/view/14241.
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- propiciam novas formas de interação, ampliando os espaços de comunicação e discussão de temáticas, o que desafia o pesquisador a compreender uma ampla variedade de interações de cada ambiente experiência online1313. Deslandes S, Coutinho T. Pesquisa social em ambientes digitais em tempos de COVID-19: notas teórico-metodológicas. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00223120..

Todavia, ainda que as redes sociais constituam espaços ricos e oportunos de engajamento coletivo e contribuam para a organização de um cuidado centrado nas necessidades do paciente 1414. Fernandes LS, Calado C, Araujo CAS. Redes sociais e práticas em saúde: influência de uma comunidade online de diabetes na adesão ao tratamento. Ciênc Saúde Colet 2018; 23:3357-68., são pouco reconhecidas e valorizadas como tal durante processos de construção do conhecimento científico e desenvolvimento de práticas pedagógicas em saúde. Nesse sentido, o objetivo deste estudo é discutir os eventos adversos na assistência ao parto e seus fatores contribuintes, na percepção dos pacientes e familiares, reportados em grupos de Facebook.

Percurso metodológico

Trata-se de um estudo qualitativo que utilizou a plataforma de mídia digital Facebook para identificar eventos adversos na assistência ao parto e seus fatores contribuintes. A escolha do Facebook como fonte para coleta de dados levou em consideração a sua magnitude no mundo 1515. Miranda FS, Rocha DG. O uso do Facebook na promoção da saúde: uma revisão bibliográfica sobre empoderamento e participação popular. Reciis (Online) 2018; 12(2). https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/1331.
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. Estima-se que no Brasil, em 2020, foram registradas aproximadamente 140 milhões de contas ativas no Facebook 1616. Statista. Brazil: number of internet users 2020. https://www.statista.com/statistics/255208/number-of-internet-users-in-brazil/ (acessado em 18/Jan/2021).
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evidenciando maior adesão dessa plataforma pela população.

O Facebook é uma plataforma digital dinâmica, que permite aos usuários interagir entre si ou com a própria ferramenta. Em sua arquitetura de informação, possui diversos recursos como: perfis, páginas, grupos, feed de notícias, mensagens e bate-papo, timelines, eventos; e as interações podem ocorrer por meio de curtidas/reações, comentários e compartilhamentos das postagens 1515. Miranda FS, Rocha DG. O uso do Facebook na promoção da saúde: uma revisão bibliográfica sobre empoderamento e participação popular. Reciis (Online) 2018; 12(2). https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/1331.
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Além dessas aplicabilidades, o Facebook tem sido evidenciado como uma fonte e como um espaço de troca de experiências, mobilização social e fonte de informação pelos usuários 1515. Miranda FS, Rocha DG. O uso do Facebook na promoção da saúde: uma revisão bibliográfica sobre empoderamento e participação popular. Reciis (Online) 2018; 12(2). https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/1331.
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Esse avanço vem incentivando pesquisadores a repensarem métodos de pesquisa que sejam condizentes e interajam com essas tecnologias 1717. França T, Rabello ET, Magnago C. As mídias e as plataformas digitais no campo da Educação Permanente em Saúde: debates e propostas. Saúde Debate 2019; 43(spe 1):106-15., e cooperem para tornar essas plataformas, espaços robustos e de possibilidades para a realização de pesquisas e produção de evidências científicas.

A coleta de dados foi realizada em grupos abertos do Facebook, de forma anônima, no período de setembro a outubro de 2019, que englobou o primeiro Dia Mundial da Segurança do Paciente 1818. World Health Organization. World patient safety day. https://www.who.int/campaigns/world-patient-safety-day/2019 (acessado em 10/Mai/2022).
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. Durante esse período, houve um movimento em prol do tema Segurança do Paciente, que pode ter contribuído para fomentar as discussões em fóruns, blogs e diversas outras plataformas virtuais, tornando esse período profícuo para o cumprimento dos objetivos deste estudo.

Para a busca dos grupos abertos de usuários no Facebook que abordavam sobre qualidade e segurança do paciente, optou-se por utilizar a terminologia “erro médico”. A busca prévia utilizando outras terminologias, como “segurança do paciente”, “qualidade na saúde”, “problemas no cuidado em saúde” e “erro médico”, identificou postagens voltadas para profissionais de saúde com foco na divulgação de cursos, eventos e serviços. Em contrapartida, o uso isolado do termo “erro médico” revelou grupos com postagens que discutiam incidentes e eventos adversos no cuidado em saúde voltado para usuários leigos.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, com parecer número 3.492.606, de acordo com a Resolução CNS/MS nº 466/2012.

Resultados

A partir da análise do corpus, observou-se que algumas postagens se sobrepuseram em mais de uma categoria, o que revela a riqueza das postagens e a convergência existente entre fatores contribuintes e eventos adversos.

Em um primeiro momento, a busca retornou 69 grupos públicos, por meio da ferramenta “filtrar resultados”. A fim de operacionalizar a seleção das postagens, foram escolhidos três grupos, considerando aqueles com o maior número de usuários e postagens. Na ocasião, o maior grupo tinha 1.300 membros e o menor, 741, perfazendo o total de 3.141 membros. Não foi possível apurar se um integrante participava de mais de um grupo.

A coleta de dados foi manual, com print de página, colagem das imagens, textos, anotação das curtidas e comentários, sendo interrompida pela saturação de dados, ou seja, não foram identificadas mais categorias novas na análise. No total, foram coletadas 1.609 postagens. Apesar de tratarem de grupos abertos, foram realizados procedimentos que visavam a não identificação de pacientes, familiares, profissionais, estabelecimentos de saúde e cidades.

Após a remoção de duplicatas, vídeos, lives e outras postagens não relacionadas ao objeto, tais como problemas no cuidado em saúde ocorridos no exterior, propagandas e chamadas para programas de televisão, problemas relacionados à formação de médicos, exercício ilegal da profissão e violência urbana envolvendo médicos, foi realizada a leitura na íntegra de todas as postagens e selecionadas 55 que estavam relacionadas a problemas em gestação, parto, puerpério e/ou intercorrências com o recém-nascido. Considerando os principais conceitos e modelos explicativos da ocorrência de incidentes no ambiente hospitalar 99. Vincent C, Taylor-Adams S, Stanhope N. Framework for analysing risk and safety in clinical medicine. BMJ 1998; 316:1154-7., essas postagens foram agrupadas segundo a análise temática do conteúdo 1919. Bardin L. Análise de conteúdo. 5ª Ed. Lisboa: Edições 70; 2011., originando duas categorias: (i) eventos adversos e (ii) fatores contribuintes.

Das 55 postagens, 40 consistiam em reportagens publicadas na mídia tradicional, que eram compartilhadas entre os membros dos grupos. Para fins deste estudo, entendemos como reportagens da mídia tradicional aquelas veiculadas de forma escrita, seja em meio digital ou impresso, pelos meios físicos de comunicação como jornais e revistas.

Entre os eventos adversos reportados destacaram-se os óbitos fetais (n = 13) e do recém-nascido (n = 13), óbitos maternos (n = 5), hemorragias e infecções (n = 4). Foram mencionados como “outros” (Tabela 1) eventos adversos a distócia dos ombros, esquecimento de corpo estranho após parto normal, hipoglicemia do recém-nascido, inflamação na perna e bacia da mãe, perfuração do cateter central do recém-nascido, queda do recém-nascido, queimadura na mãe, recém-nascido preso no canal vaginal sem respirar e fratura do osso sacral da mãe. Quanto aos fatores contribuintes, evidenciaram-se os atrasos no atendimento, diagnóstico ou tratamento (n = 24), violência obstétrica (n = 9) e identificação do paciente (n = 5) (Tabela 1).

Tabela 1
Classificação dos eventos adversos e fatores contribuintes emergidos das postagens.

Eventos adversos

Entre os eventos adversos mais mencionados nas postagens, destaca-se o óbito do recém-nascido, ocorrido entre zero e 27 dias de vida 66. Gama SGN, Thomaz EBAF, Bittencourt SDA. Avanços e desafios da assistência ao parto e nascimento no SUS: o papel da Rede Cegonha. Ciênc Saúde Colet 2021; 26:772., decorrentes de dificuldades dos profissionais de saúde em identificar as intercorrências obstétricas durante a gestação e parto:

Ela deu entrada no hospital no último dia 3 de setembro, grávida de seu primeiro bebê, com 40 semanas de gestação e com quadro de pré-eclâmpsia. Mas, mesmo assim, os médicos do local induziram o parto normal, e o bebê acabou ingerido mecônio. A equipe do hospital teria descoberto a situação quase um dia após o nascimento e não conseguiu salvar a criança” (Postagem 19).

Outro tipo de evento adverso que teve destaque no corpus foram os óbitos fetais definidos pela OMS como a morte de um produto da concepção ainda dentro do corpo da mãe, em qualquer período da gestação 2020. World Health Organization. The WHO application of ICD-10 to deaths during the perinatal period: ICD-PM. Geneva: World Health Organization; 2016.. Óbitos fetais refletem fatores associados à gestação e ao parto, como o peso ao nascer, o acesso da população aos serviços de saúde, a qualidade de assistência pré-natal e as situações de desigualdades 2121. Sene ER, Silva NM, Sene I, Mendes Neto RD, Leme LBP, Machado LCS. Análise dos óbitos fetais ocorridos na região do Centro-Oeste entre os anos de 2008 a 2018. Brazilian Journal of Health Review 2021; 4:2072-83.. Nos grupos estudados, foram encontradas 13 postagens relacionadas a óbitos fetais:

A gestante de 20 anos deu entrada na unidade na noite de terça-feira com encaminhamento para parto prematuro. Ela foi atendida e medicada, mas não passou pela cirurgia. Na manhã do dia seguinte, um exame de ultrassom revelou que o menino estava morto” (Postagem 53).

Os óbitos maternos, caracterizados como eventos adversos sentinelas, foram associados a causas como hemorragia, infecção puerperal e complicações do parto e puerpério decorrentes de intervenções e tratamentos:

Durante uma cesárea agendada no nono mês de gestação, sua esposa teve o abdômen e o intestino perfurados. Ela sofreu muito com dores e morreu, três dias após o nascimento do filho” (Postagem 35).

A hemorragia pós-parto também foi pontuada nas postagens como complicação obstétrica causadora de morbidades maternas. O caso a seguir demonstra que a ausência de monitoramento rigoroso dos profissionais diante de sintomas expressados pela mulher no pós-parto contribuiu para o diagnóstico tardio de um quadro de sangramento aumentado, que culminou em sequelas neurológicas importantes.

Ela começou um sangramento muito forte. A gente pediu encaminhamento, mas não obteve. A minha sobrinha começou a perder a consciência. Só nos deram o encaminhamento às 19h, quando não tinha mais jeito”, contou. “...V. chegou (...) ‘apresentando um caso muito grave, após sofrer uma parada cardíaca, entubada e com quadro hemorrágico’ e foi conduzida, de imediato, ao bloco cirúrgico, sendo submetida a uma histerectomia de urgência (...). Ela não resistiu a uma nova parada cardíaca e morreu no local à 1h35 da segunda-feira” (Postagem 17).

Segundo o corpus, as infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS) foram mencionadas como eventos adversos em neonatos, associadas à prematuridade, baixo peso no nascimento, maior tempo de internação em Unidades de Terapia Neonatal e uso de cateteres intravasculares:

O inquérito diz que a criança nasceu prematura, de 34 semanas (...) e que em seguida foi transferida (...) para a Maternidade, apresentando ‘encefalocele occipital’ e “ânus imperfurado’. Na maternidade, o bebê, como parte do primeiro atendimento, recebeu um procedimento de dissecção de veia para realizar posteriormente uma cirurgia de colostomia. (...), foi realizado um raio-x do tórax, que constatou a perfuração do cateter central no ventrículo direito da criança. O cirurgião geral realizou uma cirurgia de tração do cateter, mas o recém-nascido não resistiu e veio a óbito. A médica pediatra, em seu Termo de Declaração, relata ter certeza de que a causa mortis do recém-nascido foi infecção” (Postagem 7).

Além dos eventos adversos descritos acima, foram mencionados casos que relataram associação entre a assistência ao parto e alguns desfechos negativos, caracterizados por danos físicos à mulher e ao recém-nascido:

“...exames detectaram um edema na coluna, uma fratura osso sacral, além de inflamações na perna direita e na articulação da bacia (...). Para ele, a situação tem relação com o parto. (...) K. havia recebido alta da unidade de saúde no dia 12, por ter sido avaliada com boas condições clínicas. Apesar disso, J. afirma que ela saiu de cadeira de rodas do hospital. Ele diz ainda que, ao comunicar as dores que sentia, K. foi desacreditada” (Postagem 2).

A queda do recém-nascido no ambiente hospitalar, resultante da ausência ou de fragilidade de medidas implementadas para reduzir o risco de queda, também apareceu entre os eventos adversos, reportando situações de risco para a criança, conforme demonstrado no depoimento abaixo:

Quando levantei, tive vontade de vomitar e fui no sentido do banheiro. Nenhum enfermeiro me acompanhou, quem me acompanhou foi meu esposo e, no momento em que cheguei ao banheiro, passando muito mal, senti a bolsa estourar (...) Acredito que só não aconteceu nada mais grave com ela porque - como meu marido me apoiou e, de alguma forma, tentou me amparar - consegui segurar o cordão umbilical quando saiu. Só que o cordão arrebentou e ela chegou a cair mesmo” (Postagem 6).

Fatores contribuintes

Como fatores contribuintes da ocorrência de eventos adversos, destacaram-se os atrasos/demora no atendimento, diagnóstico ou tratamento, a violência obstétrica, o erro diagnóstico e a identificação do paciente. A demora no atendimento à parturiente nas maternidades foi sinalizada como fator contribuinte importante, capaz de gerar danos de ordem física e/ou emocional para a mulher e a sua família. Segundo as postagens, os atrasos foram ocasionados, em sua grande maioria, por falhas nos serviços decorrentes de inadequações estruturais, tais como: leitos e insumos insuficientes, e déficit de profissionais de saúde para atendimento da demanda.

“...três dias depois, no dia 12, novamente com muitas dores, retornou ao hospital, por volta das 8h30, tendo aguardado do lado de fora e que somente após reclamação foi fornecida uma maca. Por volta do meio-dia, a bolsa amniótica da gestante teria sido rompida pelos médicos atendentes; mesmo assim, teve que aguardar, pois não havia vaga para realizar parto normal. Só às 15h foi levada à sala de parto, onde já se encontrava sem forças e fazendo uso de máscara de oxigênio (...), segundo os laudos médicos, teria ocasionado anoxia neonatal grave de longa duração. Destacou que a criança foi transferida para a UTI Neonatal apresentando crise convulsiva, onde permaneceu por mais dois meses, e que até os dias atuais alimenta-se através de sonda, uma vez que, devido à asfixia sofrida na hora do parto, contraiu lesão neurológica grave irreversível” (Postagem 3).

Verificou-se que, além dos aspectos estruturais, os atrasos no atendimento e na implementação das condutas clínicas na gestação comprometem a segurança da mãe e do bebê:

“...a gestante procurou o hospital diversas vezes, com aproximadamente 40 a 41 semanas de idade gestacional, queixando-se de fortes dores, mas foi apenas medicada e dispensada. No dia 27, uma ultrassonografia constatou que a criança já não tinha batimentos cardíacos. Os médicos induziram o parto normal no dia 28, mas a criança já estava morta” (Postagem 5).

Outras postagens denunciaram o desrespeito à gestante ou parturiente que procuraram os serviços de saúde, e abusos de ordem física, sexual e/ou psicológica, caracterizando, portanto, casos de violência obstétrica. Alguns casos de violência se configuraram em negligência em relação a tratamentos obstétricos necessários e o desprezo de profissionais de saúde no tocante às opiniões e queixas da mulher:

Eu gritava muito, sentia calafrios, as pernas trêmulas e me mandavam deixar de frescura, que a dor de parir era assim mesmo e que eu deveria saber por que estava no segundo filho”. (Postagem 39).

Alguns tipos de erros no cuidado foram identificados como fatores contribuintes para a ocorrência de eventos adversos, tais como erros de diagnóstico, omissão e aqueles decorrentes de procedimento terapêuticos, denominados iatrogenias.

A autora acredita que houve erro grosseiro no diagnóstico feito pelos médicos da maternidade, tendo em vista que os sintomas por ela apresentados conduziam a um quadro de pré-eclâmpsia, e não de gastrite. Além disso, considera que os referidos profissionais deveriam tê-la mantido internada para que pudesse ser feita uma análise mais detalhada do quadro clínico que a acometia. Acrescenta que nenhum exame foi realizado para constatar a situação do feto naquele momento e que a evidente falha na prestação do serviço teria impedido qualquer chance de vida da criança” (Postagem 34).

Outro achado foi a identificação equivocada do recém-nascido, demonstrando a fragilidade dos sistemas de identificação do paciente, ainda predominante no âmbito dos serviços de saúde. O relato abaixo ratifica que fragilidades nesse sistema de identificação corroboram para a ocorrência de erros, ao mesmo tempo que reduz os níveis de segurança na prestação dos cuidados de saúde à mulher e ao recém-nascido:

Quando me colocaram ali, lembro de ter perguntado: -‘Cadê meu bebê?’. Me disseram: -‘É esse aí que está no berço aquecido do seu lado’. Eu vi o rosto da minha filha quando ela nasceu. Então, olhei para o bebê e falei: ‘Não, esse bebê não é o meu’. Tive que ouvir: -‘Mãezinha, a gente confere as pulseiras. Essa é a sua’. Eu levantei, segurei minha barriga, inclinei a cabeça e falei: -‘A minha é aquela que está no corredor’. Eu não sei por que ela estava longe de mim. Eu sabia que aquela que ficou ali esquecida, naquele bercinho, roxinha, era a minha. Aí, quando conferiram, viram que a que estava do meu lado não era minha. O enfermeiro, então, foi até o berço do corredor e levantou o lençol para olhar para ela. Nunca vou me esquecer. Não sei como ela estava, mas ele falou na hora: -‘Preciso subir com esse bebê imediatamente para a UTI’” (Postagem 50).

Discussão

Os resultados sinalizaram alguns dos principais tipos de eventos adversos que atingem a mulher e o bebê na assistência ao parto, tais como óbitos, hemorragias e infecções. Da mesma forma, apontaram fatores contribuintes que cooperam para a ocorrência desses eventos, tais como os atrasos, violência obstétrica, erro diagnóstico, identificação do paciente e aspectos estruturais inerentes ao próprio ambiente de cuidado.

Entre os eventos adversos destacados está o óbito fetal. Ainda que pouco debatido nas agendas político-sanitárias, constitui um indicador de utilização dos serviços de saúde e de qualidade do atendimento prestado à mulher e ao bebê 2222. Barros PDS, Aquino EC, Souza MR. Fetal mortality and the challenges for women's health care in Brazil. Rev Saúde Pública 2019; 53:12.. A invisibilidade desses óbitos 2323. You D, Hug L, Mishra A, Blencowe H, Moran A. A neglected tragedy: the global burden of stillbirths. Report of the UN Inter-agency Group for Child Mortality Estimation, 2020. New York: United Nations Children's Fund; 2020. que, em sua grande maioria, são eventos adversos evitáveis, se contrapõe a sua extrema relevância no âmbito dos serviços de saúde, pois são capazes de refletir sobre aspectos estruturais, inerentes do cuidado durante o pré-natal e parto, e à organização da rede de atenção à saúde materno-infantil.

No Brasil, estima-se que, de 2000 a 2016, a taxa de mortalidade fetal foi de cinco óbitos por mil nascimentos, predominantemente no terceiro trimestre da gestação, variando em número nas grandes regiões do país 2424. Kale PL, Fonseca SC, Oliveira PWM, Brito AS. Fetal and infant mortality trends according to the avoidability of causes of death and maternal education. Rev Bras Epidemiol 2021; 24 Suppl 1:e210008., o que evidencia importantes disparidades regionais. Isso ilustra o quanto o Brasil precisa avançar na qualificação da atenção integral à mulher, desde a ampliação do acesso aos serviços de preconcepção, planejamento familiar e pré-natal à assistência ao parto e nascimento.

A mortalidade neonatal também foi um achado importante do estudo, principalmente o componente neonatal precoce (óbitos que ocorrem entre zero e seis dias de vida). Estas mortes, em sua grande maioria atribuídas à prematuridade, podem estar associadas a condições clínicas inerentes ao recém-nascido e/ou à mulher como as infecções; e à organização da rede que influencia diretamente no acesso, na qualidade da atenção durante o trabalho de parto e parto, bem como os cuidados direcionados ao neonato logo após o nascimento. Condições socioeconômicas e estilo de vida também contribuem para elevar o número de óbitos nessa faixa etária. Estima-se que 75% desses óbitos são por causas preveníveis e, portanto, consideradas eventos adversos evitáveis 2525. Sala AS, Luppi CG. Tendência das mortes evitáveis até o 6o dia de vida no estado de São Paulo - 2008 a 2017. Rev Saúde Pública 2020; 54:132..

A infecção perinatal (18,5%) ocupa a terceira causa de mortes em neonatos no mundo, depois da prematuridade (30,3%) e malformação congênita (22,8%), respectivamente 2626. Bernardino FBS, Pereira TID, Xavier JS, Freitas BHBM, Gaíva MAM. Tendência da mortalidade neonatal no Brasil de 2007 a 2017. Ciênc Saúde Colet 2022; 27:567-78.. Majoritariamente, constitui causa prevenível e, portanto, um indicador sensível de qualidade do cuidado prestado pelos serviços de saúde durante o pré-natal e trabalho de parto. Estudos apontam que a vulnerabilidade social associada à condução das práticas assistenciais, à qualidade dos recursos humanos e materiais, bem como à organização dos serviços, estão estreitamente relacionados aos resultados perinatais 2727. Lansky S, Friche AAL, Silva AAM, Campos D, Bittencourt SDA, Carvalho ML, et al. Pesquisa Nascer no Brasil: perfil da mortalidade neonatal e avaliação da assistência à gestante e ao recém-nascido. Cad Saúde Pública 2014; 30 Suppl 1:S192-207.. Ademais, falhas no acompanhamento pré-natal associadas ao maior número de partos hospitalares aumentou o acesso de recém-nascidos às unidades de terapia intensiva, o que pode ter contribuído para o predomínio do número de infecções perinatais.

O trabalho de parto prolongado, caracterizado como aquele que tem duração maior que 12 horas 2828. Gaudernack LC, Michelsen TM, Egeland T, Voldner N, Lukasse M. Does prolonged labor affect the birth experience and subsequent wish for cesarean section among first-time mothers? A quantitative and qualitative analysis of a survey from Norway. BMC Pregnancy Childbirth 2020; 20:605., esteve relacionado a desfechos obstétricos malsucedidos e ao incremento no número de óbitos maternos e neonatais, ainda nas primeiras horas após o nascimento. Além de comprometer a segurança da mulher e do bebê, o trabalho de parto prolongado pode acarretar experiências de nascimento desagradáveis e desencadear sofrimentos mentais importantes, levando mulheres a optarem pela cesariana eletiva nas gestações subsequentes 2828. Gaudernack LC, Michelsen TM, Egeland T, Voldner N, Lukasse M. Does prolonged labor affect the birth experience and subsequent wish for cesarean section among first-time mothers? A quantitative and qualitative analysis of a survey from Norway. BMC Pregnancy Childbirth 2020; 20:605..

A hemorragia pós-parto foi mencionada como uma das principais complicações que culminou em óbito materno. Esses óbitos são eventos sentinelas e, em sua grande maioria, estão relacionados a causas obstétricas diretas 2929. Feitosa-Assis AI, Santana VS. Occupation and maternal mortality in Brazil. Rev Saúde Pública 2020; 54:64.. Fatores relacionados à organização e estrutura dos serviços (fluxos de encaminhamento mal definidos, baixa qualificação e experiência profissional, equipamentos e suprimentos insuficientes), fatores sociais (escolaridade, renda, ocupação, local de residência, comportamentos, pertencimento a minorias étnicas) 2929. Feitosa-Assis AI, Santana VS. Occupation and maternal mortality in Brazil. Rev Saúde Pública 2020; 54:64.,3030. Carvalho PI, Frias PG, Lemos MLC, Frutuoso LALM, Figueirôa BQ, Pereira CCB, et al. Perfil sociodemográfico e assistencial da morte materna em Recife, 2006-2017: estudo descritivo. Epidemiol Serv Saúde 2020; 29:e2019185. e individuais (idade, paridade, condições obstétricas e comorbidades) contribuem para o predomínio e incremento dessas mortes 2929. Feitosa-Assis AI, Santana VS. Occupation and maternal mortality in Brazil. Rev Saúde Pública 2020; 54:64.,3131. Prapawichar P, Ratinthorn A, Utriyaprasit K, Viwatwongkasem C. Maternal and health service predictors of postpartum hemorrhage across 14 district, general and regional hospitals in Thailand. BMC Pregnancy Childbirth 2020; 20:172..

Nesse sentido, é importante ampliar os mecanismos de vigilância em relação aos fatores contribuintes para a hemorragia pós-parto, que constitui a segunda causa de óbitos maternos no Brasil, representando 12,4% dos eventos 3232. Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Mortalidade proporcional por grupos de causas em mulheres no Brasil em 2010 e 2019. Boletim Epidemiológico 2021; 52(29). https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletins-epidemiologicos/edicoes/2021/boletim_epidemiologico_svs_29.pdf.
https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-...
. Tais mecanismos de vigilância compreendem o treinamento em serviço dos profissionais para a identificação precoce do risco e manejo adequado do caso. Ademais, a incorporação e análise dos dados epidemiológicos, ao passo que integram mecanismos de vigilância, subsidiam profissionais e gestores no planejamento, na implementação e nas tomadas de decisão. A oferta de equipamentos e suprimentos adequados para o atendimento de emergências obstétricas e a atuação de profissionais qualificados, com experiência na identificação precoce de sinais de alarme, possibilita o gerenciamento e o tratamento oportuno dos riscos obstétricos, contribuindo para reduzir os óbitos por hemorragia pós-parto.

Algumas iniciativas já vêm sendo desenvolvidas pelo governo brasileiro, em parceria com a OMS. Trata-se da Estratégia Zero Morte Materna por Hemorragia, lançada em 2014, com o objetivo de mobilizar governos, sociedade civil e comunidades em prol da redução do número de mortes maternas causadas por hemorragia pós-parto 3333. Organização Pan-Americana da Saúde. Saúde materna - OPAS/OMS. https://www.paho.org/pt/node/63100 (acessado em 04/Out/2021).
https://www.paho.org/pt/node/63100...
. No entanto, apesar dos esforços coletivos de gestores, profissionais de saúde e de organizações governamentais, envidados em prol da redução da morbimortalidade materna, os resultados ainda se mostram insuficientes.

Outro aspecto mencionado foi a demora do serviço no atendimento à mulher, contribuindo para o aumento da morbimortalidade materna, fetal e infantil. O modelo conceitual dos três atrasos avalia o acesso aos cuidados obstétricos a partir de três perspectivas: (1) atraso em buscar o atendimento por parte do indivíduo e/ou da família; (2) atraso em alcançar o serviço de saúde adequado; (3) atraso no recebimento de cuidados adequados 3434. Thaddeus S, Maine D. Too far to walk: maternal mortality in context. Soc Sci Med 1994; 38:1091-110.. Esses atrasos podem estar relacionados aos aspectos socioeconômicos e culturais da mulher, à sua condição de acesso aos serviços e à própria organização do atendimento no âmbito das maternidades, respectivamente. São fatores imbricados que, em conjunto, cooperam para o predomínio aumentado de óbitos e near miss materno e neonatal. De outro modo, o acesso oportuno contribui para aumentar a segurança na prestação do cuidado e reduzir, substancialmente, o número de desfechos obstétricos e experiências de parto malsucedidas 3535. Franchi JVO, Pelloso SM, Ferrari RAP, Cardelli AAM. Access to care during labor and delivery and safety to maternal health. Rev Latinoam Enferm 2020; 28:e3292..

A demora na assistência ao parto configurou um tipo de violência obstétrica por violar o direito da mulher a um atendimento oportuno, seguro e de qualidade. Consiste em uma violência de gênero, caracterizada por práticas contra a mulher e o recém-nascido dentro dos sistemas de saúde e no atendimento durante a gestação, o trabalho de parto, puerpério, incluindo as situações de abortamento. São classificadas como violências morais, físicas, psicológicas e/ou emocionais praticadas contra a mulher, podendo ser cometidas por quaisquer profissionais de saúde envolvidos na assistência à mulher 3636. Marques SB. Violência obstétrica no Brasil: um conceito em construção para a garantia do direito integral à saúde das mulheres. Cad Ibero Am Direito Sanit (Impr.) 2020; 9:97-119..

Por fim, mecanismos frágeis na identificação correta dos pacientes no âmbito das maternidades, aumentaram as chances para a ocorrência de erros relacionados ao atendimento prestado ao binômio mãe-bebê. Apesar de compor o conjunto de recomendações internacionais de segurança do paciente 3737. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Assistência segura: uma reflexão teórica aplicada à pratica. Brasília: Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2017. (Série Segurança do Paciente e Qualidade em Serviços de Saúde)., consiste em uma não conformidade que induz uma sucessão de eventos adversos envolvendo, inclusive, a troca de recém-nascidos no momento da alta e/ou da entrega às famílias.

Como limitações do estudo, podemos citar o uso do Facebook como fonte de coleta de dados. Por meio dessa plataforma, só tivemos acesso a informações postadas por usuários e familiares que têm acesso à Internet e à plataforma, representando um recorte da perspectiva destes, que de forma alguma representa o total de gestantes e puérperas no Brasil. Outra limitação foi a impossibilidade de identificar e analisar o contexto no qual ocorreu o evento relatado. Ainda assim, o Facebook nos proporciona um panorama por meio da criação de conteúdo pelos usuários, caracterizando-se como espaço para manifestações e esclarecimento de dúvidas de questões de saúde. Neste trabalho, os dados representam a perspectiva de usuários de três grupos do Facebook não sendo, portanto, passíveis de generalizações ou inferências. Também não houve intenção de apresentar os resultados por estados ou regiões do Brasil.

Considerações finais

Os resultados demonstraram o quanto as plataformas de mídias digitais podem ser espaços legitimados para debates e manifestações públicas acerca de questões diversas, especificamente para aquelas relacionadas à qualidade do cuidado obstétrico.

As postagens evidenciaram imbricamentos importantes entre os eventos adversos, como óbitos, hemorragias e infecções, e fatores contribuintes como atrasos, violência obstétrica e erro diagnóstico. As falhas estruturais relacionadas ao déficit de recursos humanos e à insuficiência de insumos e equipamentos básicos para atendimento à mulher e ao bebê influenciaram diretamente os processos de trabalho desenvolvidos pelas equipes no âmbito das organizações, resultando na ocorrência de eventos adversos graves. A compreensão crítica, reflexiva e ampliada dos prováveis fatores capazes de interferir na qualidade do atendimento deve perpassar e fundamentar todas as discussões acerca das ações de melhoria do cuidado obstétrico.

Percebeu-se também que ainda há profundas fragilidades nos sistemas de vigilância clínica nas instituições de saúde, que contribuem para um diagnóstico e manejo tardio de complicações durante o trabalho de parto e puerpério. É fundamental o envolvimento das lideranças institucionais e profissionais no fortalecimento desses sistemas de vigilância, a partir do fomento à operacionalização de um conjunto de estratégias que facilitem a identificação precoce de fatores de risco e possibilitem o diagnóstico e a implementação de um tratamento oportuno com a participação de pacientes e familiares.

No que tange à organização das redes de atenção, notou-se uma assistência pouco coordenada e descontinuada entre os serviços de saúde, induzida, talvez, por ausência ou mecanismos frágeis de comunicação ao longo dos pontos de atenção. Isso implica na qualidade e segurança do binômio mãe-bebê, cooperando para a ocorrência de erros, atrasos no atendimento à mulher e experiências negativas de nascimento.

Enfim, ainda que políticas públicas voltadas à qualificação das redes de atenção materno-infantil tenham sido formuladas no Brasil, implementá-las ainda é desafiador. É necessário repensar os eventos adversos em sua totalidade, considerando a intersecção dos fatores que contribuem para sua ocorrência. Ampliar o uso de ferramentas que possibilitam dar voz às mulheres e seus familiares, no que tange aos cuidados ofertados no âmbito dos serviços de saúde, vai ao encontro da proposta de construção de um modelo obstétrico que protagoniza e valoriza a participação da mulher no processo de nascimento. Afinal de contas, a segurança e o cuidado centrado no paciente são dimensões indissociáveis na produção de um cuidado obstétrico de qualidade.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa de produtividade outorgada a M. S. Martins (PQ 306100/2019-3).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    22 Dez 2021
  • Revisado
    18 Abr 2022
  • Aceito
    26 Maio 2022
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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