Hospitalizações por doenças tropicais negligenciadas no Piauí, Nordeste do Brasil: custos, tendências temporais e padrões espaciais, 2001-2018

Hospital admissions due to neglected tropical diseases in Piauí, in the Northeast region of Brazil: costs, time trends, and spatial patterns, 2001-2018

Hospitalizaciones por enfermedades tropicales desatendidas en Piauí, Nordeste de Brasil: costos, tendencias temporales y patrones espaciales, 2001-2018

Sheila Paloma de Sousa Brito Mauricélia da Silveira Lima Anderson Fuentes Ferreira Alberto Novaes Ramos Jr.Sobre os autores

Resumos

Caracterizar a magnitude das internações hospitalares e custos por doenças tropicais negligenciadas, suas tendências temporais e padrões espaciais no Piauí, Nordeste do Brasil, 2001-2018. Estudo ecológico misto, com cálculo de risco relativo (RR) e análise de tendência temporal por regressão de Poisson, pontos de inflexão, utilizando-se dados de Autorizações de Internações Hospitalares por doenças tropicais negligenciadas via Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS). Verificaram-se 49.832 internações hospitalares por doenças tropicais negligenciadas (taxa: 86,70/100 mil habitantes; IC95%: 83,47; 89,93) no período, principalmente dengue (78,2%), leishmanioses (8,6%) e hanseníase (6,4%). O custo total foi de R$ 34.481.815,43, sendo 42,8% de média complexidade. Maiores riscos de hospitalizações ocorreram em: pessoas ≥ 60 anos (RR = 1,8; IC95%:1,5; 2,2), etnia/cor parda (RR = 1,7; IC95%: 1,1; 2,4), residentes em municípios de média vulnerabilidade social (RR = 1,5; IC95%: 1,3; 1,6) e porte populacional (RR = 1,6; IC95%: 1,4; 1,9). A tendência temporal foi de redução nas taxas de internações hospitalares por doenças tropicais negligenciadas, 2003-2018 (variação percentual anual - APC: -10,3; IC95%: -14,7; -5,6). O padrão espacial apresentou aglomerados com maiores taxas de internações hospitalares nos municípios limítrofes ao sul da macrorregião Meio-norte, norte do Semiárido e sul dos Cerrados. O Piauí persiste com elevadas taxas de hospitalizações e custos por doenças tropicais negligenciadas. Apesar da redução nas tendências temporais, o conhecimento de sua carga, seus grupos populacionais e municípios de maior risco e vulnerabilidade reforçam a importância do monitoramento e fortalecimento das ações de controle para manutenção na redução da carga e custos de internações hospitalares por doenças tropicais negligenciadas no estado.

Palavras-chave:
Doenças Negligenciadas; Hospitalização; Morbidade; Análise Espacial; Estudos de Séries Temporais


To characterize the magnitude of hospital admissions and costs of patients with neglected tropical diseases, their time trends, and spatial patterns in Piauí, in the Northeast Region of Brazil, in 2001-2018. Ecological study of mixed designs, with calculation of relative risk (RR), time-trend analysis by Poisson regression, and inflection points, using data from neglected tropical diseases Hospital Admission Authorizations available in the Hospital Information System of the Brazilian Unified National Health System (SIH/SUS). Data showed 49,832 hospital admissions due to neglected tropical diseases in the period (rate: 86.70/100,000 inhabitants; 95%CI: 83.47; 89.93); of these, dengue (78.2%), leishmaniasis (8.6%), and leprosy (6.4%). The total cost was BRL 34,481,815.43, 42.8% of which referred to medium complexity cases. Higher risks of hospitalization occurred among people ≥ 60 years (RR = 1.8; 95%CI: 1.5; 2.2), mixed race/color (RR = 1.7; 95%CI: 1.1; 2.4), residents of municipalities presenting medium social vulnerability (RR = 1.5; 95% CI: 1.3; 1.6), and population size (RR = 1.6; 95%CI: 1.4; 1.9). The time trend showed a reduction in hospital admissions due to neglected tropical diseases, 2003-2018 (annual percent change - APC: -10.3; 95%CI: -14.7; -5.6). The spatial pattern showed clusters with higher rates of hospital admission in border municipalities located south of the Mid-north macroregion, north of the Semiarid macroregion, and south of the Cerrados macroregion. Piauí remains with high hospital admission rates and costs for neglected tropical diseases. Despite the reduction in time trends, knowledge burden, population groups, and municipalities at greater risk and vulnerability reinforce the importance of monitoring and strengthening control actions to maintain the reduction of the burden and costs of hospital admission due to neglected tropical diseases in the state.

Keywords:
Neglected Diseases; Hospitalization; Morbidity; Spatial Analysis; Times Series Studies


Caracterizar la magnitud de las internaciones hospitalarias y los costos por las enfermedades tropicales desatendidas, sus tendencias temporales y patrones espaciales en Piauí, Nordeste de Brasil, 2001-2018. Estudio ecológico mixto, con cálculo de riesgo relativo (RR), y análisis de tendencia temporal por regresión de Poisson, puntos de inflexión, utilizando datos de Autorizaciones de Internaciones Hospitalarias por enfermedades tropicales desatendidas a través del Sistema de Informaciones Hospitalarias del Sistema Único de Salud (SIH/SUS). Se verificó 49.832 internaciones hospitalarias por enfermedades tropicales desatendidas (tasa: 86,70/100.000 habitantes; IC95%: 83,47; 89,93) en el periodo, las más frecuentes dengue (78,2 %), leishmaniasis (8,6%) y lepra (6,4%). El costo total fue de BRL 34.481.815,43, siendo 42,8 %, fueron de mediana complejidad. Los mayores riesgos de hospitalización se dieron en: personas ≥ 60 años (RR = 1,8; IC95%: 1,5; 2,2), etnia/color pardo (RR = 1,7; IC95%: 1,1; 2,4), residentes en municipios de vulnerabilidad social media (RR = 1,5; IC95%: 1,3; 1,6) y tamaño de la población (RR = 1,6; IC95%: 1,4; 1,9). La tendencia temporal fue de reducción en las tasas de internaciones hospitalarias por enfermedades tropicales desatendidas, 2003-2018 (cambio porcentual anual - APC: -10,3; IC95%: -14,7; -5,6). El patrón espacial presentó conglomerados con mayores tasas de internaciones hospitalarias en los municipios limítrofes al sur de la macrorregión del Medio-norte, el norte del Semiárido, y sur de los Cerrados. El Piauí persiste con elevadas tasas de hospitalizaciones y costos por enfermedades tropicales desatendidas. A pesar de la reducción de las tendencias temporales, el conocimiento de su carga, los grupos poblacionales y los municipios de mayor riesgo y vulnerabilidad refuerzan la importancia del monitoreo y fortalecimiento de las acciones de control para mantenimiento en la reducción de la carga y los costos de internaciones hospitalarias por enfermedades tropicales desatendidas en el estado.

Palabras-clave:
Enfermedades Desatendidas; Hospitalización; Morbilidad; Análisis Espacial; Estudios de Series Temporales


Introdução

As doenças tropicais negligenciadas contemplam um grupo diversificado de doenças de etiologia protozoária, helmíntica, parasitária, bacteriana, viral e fúngica. Estão presentes em 149 países, principalmente de clima tropical, apresentando como características em comum situações de pobreza, precárias condições de habitação e saneamento, além de iniquidades no acesso à saúde 11. World Health Organization. Neglected tropical diseases. https://www.who.int/health-topics/neglected-tropical-diseases (acessado em 13/Nov/2021).
https://www.who.int/health-topics/neglec...
,22. Uniting to Combat Neglected Tropical Diseases. Neglected tropical diseases. https://unitingtocombatntds.org/ntds/ (acessado em 24/Nov/2021).
https://unitingtocombatntds.org/ntds/...
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Estima-se que cerca de 2 bilhões de pessoas estejam sob risco de infecção, atingindo os territórios mais pobres e marginalizados do mundo, predominantemente na África, Ásia e nas Américas 22. Uniting to Combat Neglected Tropical Diseases. Neglected tropical diseases. https://unitingtocombatntds.org/ntds/ (acessado em 24/Nov/2021).
https://unitingtocombatntds.org/ntds/...
,33. Engels D, Zhou X-N. Neglected tropical diseases: an effective global response to local poverty-related disease priorities. Infect Dis Poverty 2020; 9:10.. A elevada carga de morbimortalidade associada a incapacidades físicas e deformidades visíveis favorece sofrimento, medo da morte, estigma, preconceito e restrição à participação social, repercutindo na qualidade de vida e na saúde mental 44. Nascimento DS, Ramos Jr. AN, Araújo OD, Macêdo SF, Silva GV, Lopes WMPS, et al. Limitação de atividade e restrição à participação social em pessoas com hanseníase: análise transversal da magnitude e fatores associados em município hiperendêmico do Piauí, 2001 a 2014. Epidemiol Serv Saúde 2020; 29:e2019543.,55. Kuper H. Neglected tropical diseases and disability - what is the link? Trans R Soc Trop Med Hyg 2019; 113:839-44..

O Brasil é considerado endêmico para diferentes doenças tropicais negligenciadas, particularmente aquelas de maior relevância mundialmente, com estimativa de 100 milhões de pessoas sob risco de infecção de uma ou mais 66. Martins-Melo FR, Ramos Jr. AN, Alencar CH, Heukelbach J. Mortality from neglected tropical diseases in Brazil, 2000-2011. Bull World Heal Organ 2016; 94:103-10.. O país ainda se destaca com registros significativos de casos de hanseníase, esquistossomose, tracoma e leishmaniose visceral, bem como de dengue, doença de Chagas, leishmaniose tegumentar e helmintíases transmitidas pelo solo 77. Hotez PJ, Fujiwara RT. Brazil's neglected tropical diseases: an overview and a report card. Microbes Infect 2014; 16:601-6.,88. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Doenças negligenciadas no Brasil: vulnerabilidade e desafios. In: Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, organizador. Saúde Brasil 2017: uma análise da situação de saúde e os desafios para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Brasília: Ministério da Saúde; 2018. p. 99-141..

As maiores cargas de doenças tropicais negligenciadas se concentram nas regiões de elevada vulnerabilidade social, Norte e Nordeste do Brasil, onde esse cenário vem se mantendo cada vez mais crítico pela persistência de sua endemicidade 77. Hotez PJ, Fujiwara RT. Brazil's neglected tropical diseases: an overview and a report card. Microbes Infect 2014; 16:601-6.,88. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Doenças negligenciadas no Brasil: vulnerabilidade e desafios. In: Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, organizador. Saúde Brasil 2017: uma análise da situação de saúde e os desafios para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Brasília: Ministério da Saúde; 2018. p. 99-141.,99. Martins-Melo FR, Ramos Jr. AN, Alencar CH, Heukelbach J. Trends and spatial patterns of mortality related to neglected tropical diseases in Brazil. Parasite Epidemiol Control 2016; 1:56-65.,1010. Ribeiro CJN, Santos AD, Lima SVMA, Silva ER, Ribeiro BVS, Duque AM, et al. Space-time risk cluster of visceral leishmaniasis in Brazilian endemic region with high social vulnerability: an ecological time series study. PLoS Negl Trop Dis 2021; 15:e0009006.. O Piauí é um dos estados do Nordeste endêmico e com elevada carga de mortalidade para as doenças tropicais negligenciadas, de alta relevância para a saúde pública, visto que compartilha características favoráveis persistência desse grupo de doenças na região 88. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Doenças negligenciadas no Brasil: vulnerabilidade e desafios. In: Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, organizador. Saúde Brasil 2017: uma análise da situação de saúde e os desafios para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Brasília: Ministério da Saúde; 2018. p. 99-141.,1111. Brito SPS, Ferreira AF, Lima MS, Ramos Jr. AN. Mortality from neglected tropical diseases in the state of Piauí, Northeast Brazil: temporal trend and spatial patterns, 2001-2018. Epidemiol Serv Saúde 2022; 31:e2021732.,1212. Santana MP, Souza-Santos R, Almeida AS. Prevalência da doença de Chagas entre doadores de sangue do Estado do Piauí, Brasil, no período de 2004 a 2013. Cad Saúde Pública 2018; 34:e00123716.,1313. Araújo OD, Ferreira AF, Araújo TME, Silva LCL, Lopes WMPS, Neri EAR, et al. Mortalidade relacionada à hanseníase no Estado do Piauí, Brasil: tendências temporais e padrões espaciais, 2000-2015. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00093919..

Apesar da existência de agendas internacionais com medidas para controle e eliminação das doenças tropicais negligenciadas, entre elas: roteiro de metas envolvendo 17 doenças tropicais negligenciadas para alcance em 2020; plano de ação para redução da carga de doenças infecciosas negligenciadas e ações pós-eliminação 2016-2022 envolvendo 13 doenças tropicais negligenciadas; e, recentemente, o novo roteiro 2021-2030, com foco em 20 doenças tropicais negligenciadas, como também sua inclusão nas metas dos Objetivos de Desenvolvimentos Sustentáveis (ODS) para alcance até 2030, persiste e configura como relevante problema de saúde pública 11. World Health Organization. Neglected tropical diseases. https://www.who.int/health-topics/neglected-tropical-diseases (acessado em 13/Nov/2021).
https://www.who.int/health-topics/neglec...
,22. Uniting to Combat Neglected Tropical Diseases. Neglected tropical diseases. https://unitingtocombatntds.org/ntds/ (acessado em 24/Nov/2021).
https://unitingtocombatntds.org/ntds/...
,1414. 55º Conselho Diretor; 68ª Sessão do Comitê Regional da OMS para as Américas. Plano de ação para a eliminação de doenças infecciosas negligenciadas e ações pós-eliminação 2016-2022. Washington DC: Pan American Health Organization; World Health Organization; 2016.,1515. Molyneux DH, Savioli L, Engels D. Neglected tropical diseases: progress towards addressing the chronic pandemic. Lancet 2017; 389:312-25.,1616. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Objetivos de desenvolvimento sustentáveis: PNUD Brasil, 2020. Brasília: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; 2020..

Esse grupo de doenças é desencadeador de comorbidades graves, que repercutem em elevado número de internações hospitalares e reinternações por causas evitáveis (complicações e erros de diagnóstico e/ou caráter inoportuno), incapacidades, anos potenciais de vida perdidos ajustados por incapacidades (DALY: disability-adjusted life year), insuficiência cardíaca, maior permanência e elevados custos com despesas hospitalares 55. Kuper H. Neglected tropical diseases and disability - what is the link? Trans R Soc Trop Med Hyg 2019; 113:839-44.,1717. Martins-Melo FR, Carneiro MA, Ramos Jr. AN, Heukelbach J, Ribeiro ALP, Werneck GL. The burden of neglected tropical diseases in Brazil, 1990-2016: a subnational analysis from the Global Burden of Disease Study 2016. PLoS Negl Trop Dis 2018; 12:e0006559.,1818. Santos LNBA, Rocha MS, Oliveira EN, Moura CAG, Araujo AJS, Gusmão IM, et al. Decompensated chagasic heart failure versus non-chagasic heart failure at a tertiary care hospital: clinical characteristics and outcomes. Rev Assoc Med Bras 2017; 63:57-63.,1919. Coutinho ZF, Wanke B, Travassos C, Oliveira RM, Xavier DR, Coimbra CEA. Hospital morbidity due to paracoccidioidomycosis in Brazil (1998-2006). Trop Med Int Health 2015; 20:673-80..

Apesar da necessidade de despertar atenção global para a magnitude da mortalidade relacionada às doenças tropicais negligenciadas 99. Martins-Melo FR, Ramos Jr. AN, Alencar CH, Heukelbach J. Trends and spatial patterns of mortality related to neglected tropical diseases in Brazil. Parasite Epidemiol Control 2016; 1:56-65.,1111. Brito SPS, Ferreira AF, Lima MS, Ramos Jr. AN. Mortality from neglected tropical diseases in the state of Piauí, Northeast Brazil: temporal trend and spatial patterns, 2001-2018. Epidemiol Serv Saúde 2022; 31:e2021732., também persistem lacunas importantes na perspectiva da morbidade hospitalar, sua distribuição e custos envolvidos 2020. Sodahlon Y, Ross DA, McPhillips-Tangum C, Lawrence J, Taylor R, McFarland DA, et al. Building country capacity to sustain NTD programs and progress: a call to action. PLoS Negl Trop Dis 2020; 14:e0008565.. Além disso, a carga de doenças tropicais negligenciadas é subestimada em muitos territórios, principalmente naqueles que possuem localidades com características favoráveis para sua manutenção e que apresentam limitação de acesso aos serviços de saúde. O acompanhamento da evolução e o reconhecimento de padrões de distribuição dos casos graves que requerem hospitalizações são de suma importância para identificar necessidades de melhorias de acesso ao diagnóstico precoce, prevenção e acompanhamento das comorbidades. Objetiva-se contribuir com metas de controle e/ou eliminação, principalmente em territórios endêmicos de elevada vulnerabilidade social.

Esses aspectos reforçam a importância de desenvolver pesquisas relacionadas a carga e custos de hospitalizações por doenças tropicais negligenciadas. Possibilitam formulações de políticas para o desenvolvimento e a implementação de ações mais efetivas e integradas, voltadas para acompanhamento controle/eliminação das doenças tropicais negligenciadas 2020. Sodahlon Y, Ross DA, McPhillips-Tangum C, Lawrence J, Taylor R, McFarland DA, et al. Building country capacity to sustain NTD programs and progress: a call to action. PLoS Negl Trop Dis 2020; 14:e0008565.,2121. Fonseca BP, Albuquerque PC, Zicker F. Neglected tropical diseases in Brazil: lack of correlation between disease burden, research funding and output. Trop Med Int Health 2020; 25:1373-84., considerando-se territórios prioritários, que vivenciam situações de vulnerabilidade e desigualdades sociais, com vista ao alcance da equidade no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

Nessa perspectiva, o presente estudo tem como objetivo caracterizar a magnitude das internações hospitalares e custos por doenças tropicais negligenciadas, suas tendências temporais e padrões espaciais no Piauí, Nordeste do Brasil, 2001-2018.

Método

Desenho do estudo

Estudo ecológico misto, base populacional estadual, com análises de tendências temporais e padrões espaciais das internações hospitalares relacionada às doenças tropicais negligenciadas no Piauí. Foram incluídas todas as internações hospitalares relacionadas às doenças tropicais negligenciadas registradas no Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) em residentes do estado no período de 2001-2018.

O SIH/SUS é a fonte oficial de informações sobre morbimortalidade hospitalar no Brasil. Possibilita o armazenamento das informações sobre internações e/ou reinternações hospitalares ocorridas no sistema público de saúde, a partir da consolidação de Autorizações de Internações Hospitalares (AIH) 2222. Cerqueira DRC, Alves PP, Coelho DSC, Reis MVM, Lima AS. Uma análise da base de dados do Sistema de Informação Hospitalar entre 2001 e 2018: dicionário dinâmico, disponibilidade dos dados e aspectos metodológicos para a produção de indicadores sobre violência. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2019., proporcionando o reconhecimento da magnitude das internações hospitalares por doenças tropicais negligenciadas, suas características epidemiológicas, assistenciais e de custos relacionadas à sua ocorrência.

Área do estudo

O Piauí é um dos nove estados da Região Nordeste do Brasil, possui 224 municípios e está localizado ao noroeste da região. Atualmente, organiza-se operacionalmente em quatro macrorregiões de saúde (Litoral; Meio-norte; Semiárido e Cerrados), tendo como capital e principal centro de referência em saúde o Município de Teresina (Figura 1).

Figura 1
Área de estudo: Piauí e suas macrorregiões de saúde, Região Nordeste do Brasil.

O estado possuía 3.118.360 habitantes, segundo último censo realizado em 2010, com estimativa populacional de 3.289.290 habitantes em 2021, com densidade demográfica de 12,40 habitantes/km2, representando a terceira maior extensão territorial entre os estados da sua região. Seus municípios são predominantemente de pequeno porte (< 50 mil habitantes), em que a pobreza e desigualdade social se fazem presentes. Em 2017, o estado possuía índice de Gini (indicador do grau de concentração de renda) de 0,54, próximo da Região Nordeste e do país (índice de Gini de 0,55), e 23,8% de sua população foi classificada como pobre, ou seja, com renda domiciliar per capita inferior a R$ 140,00 2323. Instituto Brasileiro de Geogra?a e Estatística. Brasil/PI, 2021. https://cidades.ibge.gov.br (acessado em 13/Nov/2021).
https://cidades.ibge.gov.br...
,2424. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Piauí, Nordeste. http://www.atlasbrasil.org.br/perfil/uf/22 (acessado em 13/Nov/2021).
http://www.atlasbrasil.org.br/perfil/uf/...
.

Fonte de dados

A base de dados utilizada para identificar a magnitude de hospitalizações por doenças tropicais negligenciadas no Piauí foi oriunda do SIH/SUS do Ministério da Saúde, considerando-se, entre seus diagnósticos (principal e/ou secundário), os registros de AIH por doenças tropicais negligenciadas aprovadas 2525. Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Portaria nº 1.324, de 27 de novembro de 2014. Estabelece conceitos de diagnóstico principal e secundário utilizados no Programa de Apoio à Entrada de Dados das Autorizações de Internação Hospitalar (SISAIH01). Diário Oficial da União 2014; 28 nov., e disponibilizada pelo Departamento de Informática do SUS (DATASUS).

Incluíram-se todos os registros de internações no período de 2001-2018, tendo como local de residência os 224 municípios do Piauí, considerando-se todas as doenças tropicais negligenciadas que atualmente fazem parte da lista oficial da Organização Mundial da Saúde (OMS), independentemente de serem autóctones ou não no Brasil 11. World Health Organization. Neglected tropical diseases. https://www.who.int/health-topics/neglected-tropical-diseases (acessado em 13/Nov/2021).
https://www.who.int/health-topics/neglec...
,66. Martins-Melo FR, Ramos Jr. AN, Alencar CH, Heukelbach J. Mortality from neglected tropical diseases in Brazil, 2000-2011. Bull World Heal Organ 2016; 94:103-10.,1111. Brito SPS, Ferreira AF, Lima MS, Ramos Jr. AN. Mortality from neglected tropical diseases in the state of Piauí, Northeast Brazil: temporal trend and spatial patterns, 2001-2018. Epidemiol Serv Saúde 2022; 31:e2021732..

Utilizou-se algoritmo de busca com funções condicionantes dos códigos da décima revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) da OMS 2626. World Health Organization. International statistical classification of diseases and related health problems (ICD): 10th revision. https://icd.who.int/browse10/2010/en (acessado em 13/Nov/2020).
https://icd.who.int/browse10/2010/en...
, correspondente para cada doença tropical negligenciada e organizada por grupos de causas, tendo como retorno o reconhecimento dos seguintes códigos:

(a) Protozoários: doença de Chagas [B57], leishmanioses (visceral e tegumentar [B55]), tripanossomíase humana africana [B56];

(b) Helmintos: esquistossomose [B65, N22], helmintíases transmitidas pelo solo (ascaridíase [B77], ancilostomíase [B76] e tricuríase [B79]), oncocercose [B73], cisticercose/teníase [B68-B69], equinococose [B67], filariose linfática [B74], dracunculíase [B72] e trematodíase de origem alimentar (opistorquíase [B66.0], clonorquíase [B66.1], fasciolíase [B66.3], paragonimíase [B66.4]);

(c) Bactérias: hanseníase [A30, B92], tracoma [A71, B94], úlcera de Buruli [A31.1] e treponematoses endêmicas (bouba [A66], pinta [A67], sífilis endêmica [A65]);

(d) Vírus: raiva [A82], dengue [A90-A91], chikungunya [A92];

(e) Fungos: micetoma [B47], cromoblastomicose [B43], histoplasmose [B39], coccidioidomicose [B38], paracoccidioidomicose [B41], esporotricose [B42] e criptococose [B45];

(f) Parasitas: escabiose [B86], tungíase [B88.1], larva migrans cutânea [B83], pediculose [B85] e miíase [B87];

(g) Acidentes ofídicos/animais peçonhentos: envenenamento por picada de cobra [T63.0] e contato com serpentes ou lagartos venenosos [X20] 11. World Health Organization. Neglected tropical diseases. https://www.who.int/health-topics/neglected-tropical-diseases (acessado em 13/Nov/2021).
https://www.who.int/health-topics/neglec...
,1111. Brito SPS, Ferreira AF, Lima MS, Ramos Jr. AN. Mortality from neglected tropical diseases in the state of Piauí, Northeast Brazil: temporal trend and spatial patterns, 2001-2018. Epidemiol Serv Saúde 2022; 31:e2021732.,2626. World Health Organization. International statistical classification of diseases and related health problems (ICD): 10th revision. https://icd.who.int/browse10/2010/en (acessado em 13/Nov/2020).
https://icd.who.int/browse10/2010/en...
.

Os dados populacionais foram obtidos pelo DATASUS, segundo censo populacional (2000 e 2010) realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com estimativas de projeções populacionais para os anos intercensitários (2001-2009; 2011-2018).

Integraram-se ao estudo dados relativos ao índice de vulnerabilidade social (IVS) dos municípios. Esse índice é estruturado em três dimensões (infraestrutura urbana, capital humano, renda e trabalho) que contemplam 16 subíndices/indicadores. Seu escore se baseia na média aritmética desses indicadores e possui variação entre 0 e 1, sendo que, para sua classificação, quanto mais próximo a 1, maior a vulnerabilidade social do município correspondente 2727. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Atlas da vulnerabilidade social nos municípios e regiões metropolitanas brasileiras. http://ivs.ipea.gov.br/index.php/pt/sobre#metodologia (acessado em 24/Fev/2021).
http://ivs.ipea.gov.br/index.php/pt/sobr...
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Custos

Para análise dos custos, considerou-se o valor total das AIH por doenças tropicais negligenciadas pagas no período analisado, envolvendo as despesas por procedimentos realizados e tempo de permanência hospitalar, corrigidas pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerando as taxas anuais de inflação e atualizadas para o ano-base, 2020. O IPCA é o índice oficial de inflação do Brasil, utilizado como referência para as metas de inflação e alterações das taxas de juros. Em seu cálculo, considera-se a variação do custo de vida médio de famílias com renda mensal de 1 a 40 salários mínimos 2828. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Inflação, 2020. https://ibge.gov.br/explica/inflacao.php (acessado em 24/Fev/2021).
https://ibge.gov.br/explica/inflacao.php...
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Características epidemiológicas e de assistência

A magnitude das internações foi estabelecida por frequências simples e relativas dos diagnósticos para doenças tropicais negligenciadas (diagnóstico principal e/ou secundário). As taxas médias (100 mil habitantes) ajustadas por idade e sexo, com respectivos intervalos de 95% de confiança (IC95%), foram calculadas pelo método direto, tendo como base de padronização a distribuição etária e o sexo da população, segundo censo de 2010. Analisaram-se o tempo médio de permanência e os custos totais das despesas hospitalares por procedimentos realizados, taxas médias brutas das internações (100 mil habitantes) e óbitos relacionados às doenças tropicais negligenciadas.

Para análises das variáveis explicativas potencialmente relacionadas a maior risco de hospitalizações por doenças tropicais negligenciadas, foram consideradas as seguintes características:

(a) Paciente: nível de complexidade tecnológica (média e alta), sexo (masculino e feminino), faixa etária em anos (≤ 4, 5-14, 15-19, 20-39, 40-59 e ≥ 60), etnia/cor (branca, preta, parda e amarela);

(b) Município de residência: IVS (muito baixo: 0,00-0,199, baixo: 0,200-0,299, médio: 0,300-0,399, alto: 0,400-0,499 e muito alto: 0,500-1,00), porte do município (pequeno porte I: ≤ 20.000 habitantes, pequeno porte II: 20.001-50.000 habitantes, médio porte: 50.001-100.000 habitantes e grande porte: > 100.001 habitantes) e macrorregiões de saúde (Litoral, Meio-norte, Semiárido e Cerrados).

Calculou-se o risco relativo (RR) com seus respectivos IC95%, com determinação de diferenças entre os grupos por meio do teste qui-quadrado (χ2) de Pearson. Para as análises estatísticas, utilizou-se o software Stata, versão 11.2 (http://www.stata.com).

Tendências temporais

Para análise das tendências temporais, consideraram-se todas as variáveis explicativas anteriormente mencionadas, em completude com custos e óbitos hospitalares relacionadas ao seu desfecho, internações hospitalares por doenças tropicais negligenciadas. Aplicou-se análise de regressão de Poisson por pontos de inflexão (joinpoint) para identificar as tendências temporais das taxas de hospitalizações por doenças tropicais negligenciadas, atribuindo-se significância estatística pelo método de permutação de Monte Carlo para o reconhecimento da melhor linha de cada seguimento. As tendências foram testadas e validadas pela variação percentual anual (APC) e seus respectivos IC95%.

As tendências temporais foram representadas pelo menor número de pontos de inflexão permitido, identificando-se a ocorrência de padrões de crescimento (APC positivas), redução (APC negativas) e ausência de tendência (APC sem significância estatística).

Para esta análise, utilizou-se o Joinpoint Regression Program, versão 4.8.0.1 (https://surveillance.cancer.gov/joinpoint/).

Análise espacial

Para as distribuições espaciais das taxas ajustadas de internações hospitalares por doenças tropicais negligenciadas (100 mil habitantes), adotou-se estratificação em dois períodos (2001-2009 e 2010-2018), com análises das taxas médias das internações para identificação de padrões espaciais. As internações hospitalares relacionadas a doenças tropicais negligenciadas com município de residência desconhecido foram desconsideradas na análise.

O reconhecimento de padrões espaciais com concentrações de internações por doenças tropicais negligenciadas se baseou no cálculo da taxa média móvel espacial (spatial ratio - SR), tendo como referência as ocorrências entre municípios vizinhos, para análise da autocorrelação espacial.

A definição de classes espaciais para taxas ajustadas e médias móveis espaciais se baseou no método de quebras naturais, a partir da classificação de Jenks (natural breaks).

Os softwares qGis, versão 3.10.7 (https://qgis.org/en/site/) e o GeoDa, versão 1.18 (https://spatial.uchicago.edu/software) foram utilizados nas análises espaciais dos indicadores de autocorrelação e construção dos mapas temáticos.

Considerações éticas

O estudo fundamentou-se em dados secundários oficiais de AIH, de natureza anônima e domínio público, dispensando parecer de apreciação ao Comitê de Ética em Pesquisa no Brasil. Seguiram-se em seu desenvolvimento os princípios da Resolução nº 466, de 2012, do Conselho Nacional de Saúde, que preza pela autonomia, não maleficência, beneficência, justiça e equidade, assim como a Resolução nº 510, de 2016, que dispõe sobre as pesquisas envolvendo seres humanos.

Resultados

No Piauí, foram registradas 54.207 hospitalizações por doenças tropicais negligenciadas entre seus diagnósticos (principal e/ou secundário), no período de 2001-2018; destas, 49.832 (91,9%) se referiam às pessoas residentes do estado e 49.510 (99,3%) tiveram como diagnóstico principal alguma doença tropical negligenciada. A taxa média de hospitalização ajustada por idade e sexo no período foi de 76,2/100 mil habitantes. As doenças tropicais negligenciadas com maior número de registros de internações foram dengue, com 38.982 (78,2%; taxa 62,1/100 mil), leishmanioses 4.293 (8,6%; taxa: 5,3/100 mil) e hanseníase 3.176 (6,4%; taxa: 1,3/100 mil) (Tabela 1).

Tabela 1
Magnitude de hospitalizações por doenças tropicais negligenciadas, segundo número, proporção, taxas ajustadas (100 mil habitantes) por idade e sexo, tempo de permanência e custos totais com despesas hospitalares no Piauí, Região Nordeste do Brasil, 2001-2018.

O tempo médio de permanência hospitalar por doenças tropicais negligenciadas no período foi de 6 dias (mínimo: 0; máximo: 732; desvio padrão: 9,2). As doenças tropicais negligenciadas que apresentaram maior tempo médio de permanência hospitalar foram: criptococose - 29 dias (mínimo: 0; máximo: 158; desvio padrão: 25,7); paracoccidioidomicose - 25 dias (mínimo: 1; máximo: 190; desvio padrão: 22,3); e hanseníase - 25 dias (mínimo: 0; máximo: 64; desvio padrão: 9,5).

O custo total das despesas por procedimentos e tempo de permanência hospitalar relacionados às doenças tropicais negligenciadas, no período de 2001-2018, foi de R$ 34.481.815,43. As doenças tropicais negligenciadas responsáveis por maiores custos com despesas por procedimentos hospitalares foram: dengue (R$ 21.739.450,25); hanseníase (R$ 4.871.126,89); leishmanioses (R$ 2.871.220,63); e doença de Chagas (R$ 2.116.839,32) (Tabela 1).

Verificou-se coeficiente médio geral de 86,70 hospitalizações/100 mil habitantes (IC95%: 83,47; 89,93), apresentando entre os desfechos de altas hospitalares, 314 (0,6%; taxa de letalidade: 0,5/100 mil habitantes) casos com evolução para o óbito (Tabela 2).

Tabela 2
Características epidemiológicas e de assistência hospitalar segundo número, percentual, taxa média bruta (100 mil habitantes) e risco potencialmente relacionado a hospitalizações por doenças tropicais negligenciadas no Piauí, Região Nordeste do Brasil, 2001-2018.

O predomínio das hospitalizações por doenças tropicais negligenciadas ocorreu em: nível de média complexidade tecnológica (42,8%; taxa: 998/100 mil; IC95%: 955,9; 1.040,0), em pessoas do sexo feminino (51,7%; taxa: 89,9/100 mil; IC95%: 85,3; 94,6), com faixa etária economicamente ativa, 20-39 anos (33,8%; taxa: 90,7/100 mil; IC95%: 84,9; 96,6), que se autodeclaram de etnia/cor parda (61%; taxa: 64,9/100 mil; IC95%: 61,4; 68,4), residentes em municípios de médio IVS (20,4%; taxa: 102,0/100 mil; IC95%: 93,6; 110,4), de pequeno porte I (42,7%; taxa: 90,8/100 mil; IC95%: 85,6; 96,0) e localizados na macrorregião do Meio-norte do estado (39%; taxa: 79,7/100 mil; IC95%: 74,9; 84,4) (Tabela 2).

Adicionalmente, maiores riscos para hospitalizações por doenças tropicais negligenciadas foram verificados entre pessoas idosas, idade ≥ 60 anos (RR = 1,8; IC95%: 1,5; 2,2), que se autodeclararam de etnia/cor parda (RR = 1,7; IC95%: 1,1; 2,4), residentes em municípios de médio IVS (RR = 1,5; IC95%: 1,3; 1,6), médio porte (RR = 1,6, IC95%: 1,4; 1,9) e pertencentes à macrorregião Meio-norte (RR = 9,1; IC95%: 8,2; 10,1) (Tabela 2).

Verificaram-se reduções nas tendências temporais de hospitalizações por doenças tropicais negligenciadas de 2003-2018 (APC: -10,3; IC95%: -14,7; -5,6), como também para os custos com despesas hospitalares (APC: -12,4; IC95%: -16,5; -8,0), óbitos hospitalares (APC: -2,7; IC95%: -5,1; -0,1) e para as faixas etárias de 15-19 anos (APC: -9,2; IC95%: -14,6; -3,4) e ≥ 60 anos (APC: -11,8; IC95%: -15,6; -7,9), para os mesmos períodos de 2003-2018 (Tabela 3).

Tabela 3
Tendências temporais segundo análises de pontos de inflexão das taxas brutas estratificadas (100 mil habitantes) e custos de hospitalizações por doenças tropicais negligenciadas no Piauí, Nordeste do Brasil, 2001-2018.

No decorrer de toda a série histórica, 2001-2018, ocorreram reduções nas tendências para ambos os sexos (feminino: APC: -8,5; IC95%: -12,9; -3,9; masculino: APC: -6,9; IC95%: -10,7; -2,9), em municípios de baixo IVS (APC: -9,6; IC95%: -13,6; -5,4), alto (APC: -6,7; IC95%: -11,2; -2,1) e muito alto IVS (APC: -4,5; IC95%: -8,5; -0,4), além de municípios de pequeno porte I (APC: -8,4; IC95%: -12,8; -3,7) (Tabela 3).

Incrementos nas tendências temporais de hospitalizações por doenças tropicais negligenciadas foram verificadas entre crianças menores de 5 anos, 2001-2016 (APC: 4,9; IC95%: 2,1; 7,8), etnia/cor amarela, 2009-2016 (APC: 97,7; IC95%: 44,7; 170,1), municípios de médio porte, 2006-2010 (APC: 41,3; IC95%: 5,1; 90,0) e nas macrorregiões de saúde do Litoral, 2001-2007 (APC: 25,6; IC95%: 4,6; 50,7) e Semiárido, 2001-2003 (APC: 142,9; IC95%: 10,0; 436,3) (Tabela 3).

O padrão espacial das taxas de hospitalizações ajustadas por idade e sexo foi decrescente e heterogêneo entre os municípios do estado nos períodos de 2001-2009 e 2010-2018 (Figuras 2a e 2b). Verificaram-se concentrações de maiores taxas de hospitalizações por médias móveis espaciais, no período de 2001-2009, em municípios limítrofes ao sudoeste do Meio-norte e ao leste do Semiárido (Figura 2c). Já no período de 2010-2018, as taxas foram de redução, com aglomerados de maiores taxas de internações hospitalares nos municípios limítrofes ao sudoeste do Meio-norte, norte do Semiárido e sul dos Cerrados (Figura 2d).

Figura 2
Distribuição espacial e temporal de hospitalizações por doenças tropicais negligenciadas, segundo taxas padronizadas por idade e sexo, e médias móveis espaciais no Piauí, Região Nordeste do Brasil, 2001-2018.

Discussão

Trata-se do primeiro estudo conduzido no Estado do Piauí que demonstra a magnitude de hospitalizações por doenças tropicais negligenciadas, custos atrelados e sua distribuição espaço-temporal em uma série histórica de 18 anos. O estado persiste endêmico e com elevadas taxas de hospitalizações por doenças tropicais negligenciadas, apesar da redução nas tendências. Dengue, leishmanioses (visceral e tegumentar) e hanseníase foram as doenças responsáveis pelas maiores cargas e custos com despesas por procedimentos e tempo de permanência hospitalar.

Grupos populacionais e municípios com risco e vulnerabilidade elevados foram identificados, apresentando aglomerados de elevadas taxas de internações hospitalares nos municípios limítrofes ao sul da macrorregião Meio-norte, norte do Semiárido e sul dos Cerrados.

Estudo com análise de registros de alta hospitalar realizado na Itália corrobora com este estudo, apresentando uma carga considerável de hospitalizações por doenças tropicais negligenciadas, sendo a leishmaniose, esquistossomose, doença de Chagas e dengue predominantes 2929. Tilli M, Botta A, Bartoloni A, Corti G, Zammarchi L. Hospitalization for Chagas disease, dengue, filariasis, leishmaniasis, schistosomiasis, strongyloidiasis, and Taenia solium taeniasis/cysticercosis, Italy, 2011-2016. Infection 2020; 48:695-713..

Estudo de mortalidade no estado também demonstra maior associação desse conjunto de doenças a contextos e condições de pobreza e vulnerabilidade 1111. Brito SPS, Ferreira AF, Lima MS, Ramos Jr. AN. Mortality from neglected tropical diseases in the state of Piauí, Northeast Brazil: temporal trend and spatial patterns, 2001-2018. Epidemiol Serv Saúde 2022; 31:e2021732..

A dengue foi a doença tropical negligenciada de causa viral responsável pela maior carga de hospitalizações no Piauí, demonstrando uma perspectiva “menos negligenciada” de acesso em relação às demais doenças tropicais negligenciadas. Por se referir a casos de maior gravidade requer medidas de ações de controle eficaz. No Brasil, a principal medidas de controle da dengue e demais arboviroses é o controle químico vetorial, geradora de elevados gastos ao setor de saúde. Em 2016 no Brasil, o investimento para controle do vetor foi de R$ 1,5 bilhão e os custos totais com o manejo atingiram R$ 2,3 bilhões 3030. Teich V, Arinelli R, Fahham L. Aedes aegypti e sociedade: o impacto econômico das arboviroses no Brasil. Jornal Brasileiro de Economia da Saúde 2017; 9:267-76..

Maiores investimentos de combate ao vetor (Aedes aegypti e/ou Aedes albopictus) se devem ao fato de o seu vetor ser transmissor de quatro sorotipos de vírus da dengue, além do vírus da chikungunya, Zika e febre amarela, arboviroses com grande impacto na saúde pública 11. World Health Organization. Neglected tropical diseases. https://www.who.int/health-topics/neglected-tropical-diseases (acessado em 13/Nov/2021).
https://www.who.int/health-topics/neglec...
,3030. Teich V, Arinelli R, Fahham L. Aedes aegypti e sociedade: o impacto econômico das arboviroses no Brasil. Jornal Brasileiro de Economia da Saúde 2017; 9:267-76..

Apesar dos elevados gastos com ações de controle vetorial, sua eficácia tem se demonstrado baixa, devido à persistência da elevada incidência principalmente de dengue, tornando necessárias estratégias direcionadas para o desenvolvimento de inovações tecnológicas que favoreçam a minimização das desigualdades sociais, de impacto ambientais e/ou mudanças climáticas, integrando-se, na implementação, um planejamento adequado à disponibilidade de recursos de saúde 3030. Teich V, Arinelli R, Fahham L. Aedes aegypti e sociedade: o impacto econômico das arboviroses no Brasil. Jornal Brasileiro de Economia da Saúde 2017; 9:267-76.,3131. Salles TS, Sá-Guimarães TE, Alvarenga ESL, Guimarães-Ribeiro V, Meneses MDF, Castro-Salles PF, et al. History, epidemiology and diagnostics of dengue in the American and Brazilian contexts: a review. Parasit Vectors 2018; 11:264.,3232. Tidman R, Abela-Ridder B, Castañeda RR. The impact of climate change on neglected tropical diseases: a systematic review. Trans R Soc Trop Med Hyg 2021; 115:147-68..

Apesar dos padrões sazonais, suas complicações e/ou evolução para fases subagudas crônicas podem durar até três anos, como também desencadear incapacidades permanentes, repercutindo em maior tempo de permanência e elevados custos por hospitalizações 3030. Teich V, Arinelli R, Fahham L. Aedes aegypti e sociedade: o impacto econômico das arboviroses no Brasil. Jornal Brasileiro de Economia da Saúde 2017; 9:267-76.,3333. Donalisio MR, Freitas ARR, von Zuben APB. Arboviruses emerging in Brazil: challenges for clinic and implications for public health. Rev Saúde Pública 2017; 51:30..

O impacto econômico global proporcionado pela elevada carga de dengue - USD 8,9 bilhões por ano - acarreta custos por perda de produtividade variando entre USD 6,7-1.445,9 e custos com hospitalizações e serviços ambulatoriais de USD 3,8-1.332 3434. Hung TM, Shepard DS, Bettis AA, Nguyen HA, McBride A, Clapham HE, et al. Productivity costs from a dengue episode in Asia: a systematic literature review. BMC Infect Dis 2020; 20:393..

Ações participativas de vigilância epidemiológica, mobilização social, participação comunitária e integração interdisciplinar são essenciais para redução da carga de doenças tropicais negligenciadas causadas por vetores 3131. Salles TS, Sá-Guimarães TE, Alvarenga ESL, Guimarães-Ribeiro V, Meneses MDF, Castro-Salles PF, et al. History, epidemiology and diagnostics of dengue in the American and Brazilian contexts: a review. Parasit Vectors 2018; 11:264.,3535. Perez TD, Figueiredo FB, Velho Junior AAM, Silva VL, Madeira MF, Brazil RP, et al. Prevalence of american trypanosomiasis and leishmaniases in domestic dogs in a rural area of the municipality of São João do Piauí, Piauí state, Brazil. Rev Inst Med Trop São Paulo 2016; 58:79.,3636. Carvalho IPSF, Peixoto HM, Romero GAS, Oliveira MRF. Cost of visceral leishmaniasis care in Brazil. Trop Med Int Health 2017; 22:1579-89..

Em contexto local, leishmanioses, hanseníase e doença de Chagas se destacam por sua elevada endemicidade no Piauí 44. Nascimento DS, Ramos Jr. AN, Araújo OD, Macêdo SF, Silva GV, Lopes WMPS, et al. Limitação de atividade e restrição à participação social em pessoas com hanseníase: análise transversal da magnitude e fatores associados em município hiperendêmico do Piauí, 2001 a 2014. Epidemiol Serv Saúde 2020; 29:e2019543.,1111. Brito SPS, Ferreira AF, Lima MS, Ramos Jr. AN. Mortality from neglected tropical diseases in the state of Piauí, Northeast Brazil: temporal trend and spatial patterns, 2001-2018. Epidemiol Serv Saúde 2022; 31:e2021732.,1313. Araújo OD, Ferreira AF, Araújo TME, Silva LCL, Lopes WMPS, Neri EAR, et al. Mortalidade relacionada à hanseníase no Estado do Piauí, Brasil: tendências temporais e padrões espaciais, 2000-2015. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00093919.,3535. Perez TD, Figueiredo FB, Velho Junior AAM, Silva VL, Madeira MF, Brazil RP, et al. Prevalence of american trypanosomiasis and leishmaniases in domestic dogs in a rural area of the municipality of São João do Piauí, Piauí state, Brazil. Rev Inst Med Trop São Paulo 2016; 58:79., e suas manifestações clínicas de incapacidades e comorbidades impactam diretamente no aumento de hospitalizações, maior tempo de permanência e custos com despesas hospitalares, que favorecem a elevada magnitude de óbitos no estado.

A leishmaniose visceral no Brasil apresenta alta letalidade, acarretando elevados custos diretos (diagnósticos, tratamentos e cuidados prestados) e indiretos (perdas de produtividade por hospitalização e morte prematura) ao SUS. Em 2014, os custos indiretos por hospitalizações impactaram em USD 753.594,99 3636. Carvalho IPSF, Peixoto HM, Romero GAS, Oliveira MRF. Cost of visceral leishmaniasis care in Brazil. Trop Med Int Health 2017; 22:1579-89..

A carga econômica com despesas após o diagnóstico de hanseníase por complicações que levam a hospitalizações também é significativo. Devem-se principalmente por complicações relacionadas a incapacidades, reações hansênicas e neurites, resultantes de diagnósticos e tratamentos tardios, estigma social atrelado à doença, repercutindo em desemprego, insegurança alimentar, piores condições e qualidade de vida 3737. Xiong M, Li M, Zheng D, Wang X, Su T, Chen Y, et al. Evaluation of the economic burden of leprosy among migrant and resident patients in Guangdong Province, China. BMC Infect Dis 2017; 17:760.,3838. Ramos JM, Ortiz-Martínez S, Lemma D, Petros MM, Ortiz-Martínez C, Tesfamariam A, et al. Epidemiological and clinical characteristics of children and adolescents with leprosy admitted over 16 years at a rural hospital in Ethiopia: a retrospective analysis. J Trop Pediatr 2018; 64:195-201.,3939. Teixeira CSS, Medeiros DS, Alencar CH, Ramos Júnior AN, Heukelbach J. Aspectos nutricionais de pessoas acometidas por hanseníase, entre 2001 e 2014, em municípios do semiárido brasileiro. Ciênc Saúde Colet 2019; 24:2431-41..

Assim como as leishmanioses, a doença de Chagas é uma zoonose endêmica com sobreposições comuns entre os municípios do estado 3535. Perez TD, Figueiredo FB, Velho Junior AAM, Silva VL, Madeira MF, Brazil RP, et al. Prevalence of american trypanosomiasis and leishmaniases in domestic dogs in a rural area of the municipality of São João do Piauí, Piauí state, Brazil. Rev Inst Med Trop São Paulo 2016; 58:79.. Além da alta letalidade, as complicações cardíacas e digestivas são frequentes, favorecendo maiores taxas e custos por internações e/ou reinternações de alta complexidade de assistência 1818. Santos LNBA, Rocha MS, Oliveira EN, Moura CAG, Araujo AJS, Gusmão IM, et al. Decompensated chagasic heart failure versus non-chagasic heart failure at a tertiary care hospital: clinical characteristics and outcomes. Rev Assoc Med Bras 2017; 63:57-63.,4040. Herrador Z, Rivas E, Gherasim A, Gomez-Barroso D, García J, Benito A, et al. Using hospital discharge database to characterize chagas disease evolution in Spain: there is a need for a systematic approach towards disease detection and control. PLoS Negl Trop Dis 2015; 9:e0003710..

As sobreposições de doenças tropicais negligenciadas nos municípios brasileiros, além de sua coinfecção com HIV/aids, eventos relativamente frequentes entre pessoas acometidas por leishmanioses, doença de Chagas, hanseníase e helmintíases, favorecem a manutenção do caráter de endemicidade em diversos territórios. Além disso, geram problemas de diagnóstico (erros e atrasos), redução da eficácia do tratamento, como também a possibilidade de combinações de medicamentos que podem causar efeitos adversos acumulativos, repercutindo em ocorrências de internações/reinternações frequentes 88. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Doenças negligenciadas no Brasil: vulnerabilidade e desafios. In: Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, organizador. Saúde Brasil 2017: uma análise da situação de saúde e os desafios para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Brasília: Ministério da Saúde; 2018. p. 99-141.,4141. Martínez DY, Verdonck K, Kaye PM, Adaui V, Polman K, Llanos-Cuentas A, et al. Tegumentary leishmaniasis and coinfections other than HIV. PLoS Negl Trop Dis 2018; 12:e0006125.,4242. Mercadante LM, Santos MAS, Pegas ES, Kadunc BV. Leprosy and American cutaneous leishmaniasis coinfection. An Bras Dermatol 2018; 93:123-5..

Mesmo em países desenvolvidos, as doenças tropicais negligenciadas têm sido responsáveis por elevada frequência de hospitalizações e maior tempo de permanência e custos com despesas hospitalares, com destaque para cisticercose (neurocisticercose sendo a principal causa), malária, equinococose e helmintíases transmitidas pelo solo 4343. O'Neal SE, Flecker RH. Hospitalization frequency and charges for neurocysticercosis, United States, 2003-2012. Emerg Infect Dis 2015; 21:969-76..

O tempo médio de internações hospitalares por doenças tropicais negligenciadas nos Estados Unidos também foi semelhante ao exposto neste estudo, 6 dias (IC95%: 5,7; 6,4), apresentando, entre as principais complicações ou agravantes, encefalite ou meningite (12,2 dias e USD 78.984,00) e hidrocefalia (11,4 dias e USD 79.084,00), predominantes entre os casos de neurocisticercose 4343. O'Neal SE, Flecker RH. Hospitalization frequency and charges for neurocysticercosis, United States, 2003-2012. Emerg Infect Dis 2015; 21:969-76..

Maior tempo médio de permanência de hospitalizações por micoses sistêmicas, criptococoses e paracoccidioidomicoses detectado no presente estudo corrobora com estudo nacional de morbidade hospitalar por paracoccidioidomicoses, em que foram detectados 6.732 hospitalizações (micoses sistêmicas: 13.683 internações hospitalares), registradas em 27% dos municípios brasileiros. Dessas, o Piauí foi responsável por 73% das internações na região, seguidas de criptococose, com 4.055 (30%) das internações hospitalares 1919. Coutinho ZF, Wanke B, Travassos C, Oliveira RM, Xavier DR, Coimbra CEA. Hospital morbidity due to paracoccidioidomycosis in Brazil (1998-2006). Trop Med Int Health 2015; 20:673-80..

Entre os principais motivos que favorecem a ocorrência de hospitalizações por doenças tropicais negligenciadas, inserem-se falhas ou erros de diagnóstico, complicações no percurso de atenção e cuidado (diagnóstico e tratamento), como também por coinfecções e comorbidades associadas, repercutindo em maior nível de complexidade de assistência, período de permanência hospitalar e óbitos 55. Kuper H. Neglected tropical diseases and disability - what is the link? Trans R Soc Trop Med Hyg 2019; 113:839-44.,1818. Santos LNBA, Rocha MS, Oliveira EN, Moura CAG, Araujo AJS, Gusmão IM, et al. Decompensated chagasic heart failure versus non-chagasic heart failure at a tertiary care hospital: clinical characteristics and outcomes. Rev Assoc Med Bras 2017; 63:57-63.,1919. Coutinho ZF, Wanke B, Travassos C, Oliveira RM, Xavier DR, Coimbra CEA. Hospital morbidity due to paracoccidioidomycosis in Brazil (1998-2006). Trop Med Int Health 2015; 20:673-80.,3838. Ramos JM, Ortiz-Martínez S, Lemma D, Petros MM, Ortiz-Martínez C, Tesfamariam A, et al. Epidemiological and clinical characteristics of children and adolescents with leprosy admitted over 16 years at a rural hospital in Ethiopia: a retrospective analysis. J Trop Pediatr 2018; 64:195-201.,4040. Herrador Z, Rivas E, Gherasim A, Gomez-Barroso D, García J, Benito A, et al. Using hospital discharge database to characterize chagas disease evolution in Spain: there is a need for a systematic approach towards disease detection and control. PLoS Negl Trop Dis 2015; 9:e0003710..

A redução nas tendências espaço-temporais, mas com persistência de elevadas taxas de hospitalizações em grupos populacionais com diferentes dimensões de vulnerabilidades, fortalece a manutenção da endemicidade das doenças tropicais negligenciadas no Brasil. Os territórios que expressam elevadas dimensões de vulnerabilidades, individual, social e programática, como o Estado do Piauí, reforçam a importância de considerar a magnitude das doenças tropicais negligenciadas especificas ou integradas, para intensificação de políticas públicas de controle 88. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Doenças negligenciadas no Brasil: vulnerabilidade e desafios. In: Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, organizador. Saúde Brasil 2017: uma análise da situação de saúde e os desafios para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Brasília: Ministério da Saúde; 2018. p. 99-141.,1010. Ribeiro CJN, Santos AD, Lima SVMA, Silva ER, Ribeiro BVS, Duque AM, et al. Space-time risk cluster of visceral leishmaniasis in Brazilian endemic region with high social vulnerability: an ecological time series study. PLoS Negl Trop Dis 2021; 15:e0009006.,1111. Brito SPS, Ferreira AF, Lima MS, Ramos Jr. AN. Mortality from neglected tropical diseases in the state of Piauí, Northeast Brazil: temporal trend and spatial patterns, 2001-2018. Epidemiol Serv Saúde 2022; 31:e2021732.,1717. Martins-Melo FR, Carneiro MA, Ramos Jr. AN, Heukelbach J, Ribeiro ALP, Werneck GL. The burden of neglected tropical diseases in Brazil, 1990-2016: a subnational analysis from the Global Burden of Disease Study 2016. PLoS Negl Trop Dis 2018; 12:e0006559.,1919. Coutinho ZF, Wanke B, Travassos C, Oliveira RM, Xavier DR, Coimbra CEA. Hospital morbidity due to paracoccidioidomycosis in Brazil (1998-2006). Trop Med Int Health 2015; 20:673-80.,3535. Perez TD, Figueiredo FB, Velho Junior AAM, Silva VL, Madeira MF, Brazil RP, et al. Prevalence of american trypanosomiasis and leishmaniases in domestic dogs in a rural area of the municipality of São João do Piauí, Piauí state, Brazil. Rev Inst Med Trop São Paulo 2016; 58:79..

Tais dimensões em região marcada pela pobreza e desigualdade social determinam maiores riscos relacionados ao sexo masculino, idade economicamente ativa e idosos, etnia/cor parda e negra, limitação de atividade e restrição à participação social 44. Nascimento DS, Ramos Jr. AN, Araújo OD, Macêdo SF, Silva GV, Lopes WMPS, et al. Limitação de atividade e restrição à participação social em pessoas com hanseníase: análise transversal da magnitude e fatores associados em município hiperendêmico do Piauí, 2001 a 2014. Epidemiol Serv Saúde 2020; 29:e2019543.,88. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Doenças negligenciadas no Brasil: vulnerabilidade e desafios. In: Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, organizador. Saúde Brasil 2017: uma análise da situação de saúde e os desafios para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Brasília: Ministério da Saúde; 2018. p. 99-141.,1010. Ribeiro CJN, Santos AD, Lima SVMA, Silva ER, Ribeiro BVS, Duque AM, et al. Space-time risk cluster of visceral leishmaniasis in Brazilian endemic region with high social vulnerability: an ecological time series study. PLoS Negl Trop Dis 2021; 15:e0009006.,1111. Brito SPS, Ferreira AF, Lima MS, Ramos Jr. AN. Mortality from neglected tropical diseases in the state of Piauí, Northeast Brazil: temporal trend and spatial patterns, 2001-2018. Epidemiol Serv Saúde 2022; 31:e2021732.,1717. Martins-Melo FR, Carneiro MA, Ramos Jr. AN, Heukelbach J, Ribeiro ALP, Werneck GL. The burden of neglected tropical diseases in Brazil, 1990-2016: a subnational analysis from the Global Burden of Disease Study 2016. PLoS Negl Trop Dis 2018; 12:e0006559..

Maiores riscos de hospitalizações para doenças tropicais negligenciadas foram observados em residentes de municípios de médio IVS. Estudo em nível nacional, regional e no estado demonstrou relação direta entre altas taxas de detecção de doenças tropicais negligenciadas e altos IVS, refletindo o impacto dos determinantes sociais para ocorrência e manutenção das doenças tropicais negligenciadas nestes territórios 88. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Doenças negligenciadas no Brasil: vulnerabilidade e desafios. In: Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, organizador. Saúde Brasil 2017: uma análise da situação de saúde e os desafios para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Brasília: Ministério da Saúde; 2018. p. 99-141.,1010. Ribeiro CJN, Santos AD, Lima SVMA, Silva ER, Ribeiro BVS, Duque AM, et al. Space-time risk cluster of visceral leishmaniasis in Brazilian endemic region with high social vulnerability: an ecological time series study. PLoS Negl Trop Dis 2021; 15:e0009006.,1111. Brito SPS, Ferreira AF, Lima MS, Ramos Jr. AN. Mortality from neglected tropical diseases in the state of Piauí, Northeast Brazil: temporal trend and spatial patterns, 2001-2018. Epidemiol Serv Saúde 2022; 31:e2021732..

Os padrões epidemiológicos persistem ao avaliar as internações sob perspectivas de desenvolvimento e infraestrutura dos municípios no estado. Verifica-se um padrão com taxas e risco mais elevados, além de tendências de aumento em municípios de médio porte, ainda que as internações hospitalares nos de pequeno porte I sejam predominantes. Tais características refletem municípios com maior vulnerabilidade econômica, possibilidades de fragilidades de acesso para diagnostico em tempo oportuno nos serviços de saúde, como também no desempenho insuficiente em ações de controle para com as doenças tropicais negligenciadas 88. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Doenças negligenciadas no Brasil: vulnerabilidade e desafios. In: Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, organizador. Saúde Brasil 2017: uma análise da situação de saúde e os desafios para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Brasília: Ministério da Saúde; 2018. p. 99-141.,1010. Ribeiro CJN, Santos AD, Lima SVMA, Silva ER, Ribeiro BVS, Duque AM, et al. Space-time risk cluster of visceral leishmaniasis in Brazilian endemic region with high social vulnerability: an ecological time series study. PLoS Negl Trop Dis 2021; 15:e0009006.,1111. Brito SPS, Ferreira AF, Lima MS, Ramos Jr. AN. Mortality from neglected tropical diseases in the state of Piauí, Northeast Brazil: temporal trend and spatial patterns, 2001-2018. Epidemiol Serv Saúde 2022; 31:e2021732.,1313. Araújo OD, Ferreira AF, Araújo TME, Silva LCL, Lopes WMPS, Neri EAR, et al. Mortalidade relacionada à hanseníase no Estado do Piauí, Brasil: tendências temporais e padrões espaciais, 2000-2015. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00093919.,1717. Martins-Melo FR, Carneiro MA, Ramos Jr. AN, Heukelbach J, Ribeiro ALP, Werneck GL. The burden of neglected tropical diseases in Brazil, 1990-2016: a subnational analysis from the Global Burden of Disease Study 2016. PLoS Negl Trop Dis 2018; 12:e0006559..

Maiores riscos de hospitalizações para residentes em municípios de médio IVS e porte populacional, localizados na macrorregião Meio-norte, associados não apenas ao contexto de iniquidades em saúde e presença de municípios de pequeno porte e/ou menos desenvolvidos. Remete-se a sua localização, por contemplar a capital do estado e os municípios que sedia e/ou próximos aos principais centros de referência em saúde, hospitais regionais do estado, justificando, em parte, o maior registro de internações hospitalares por doenças tropicais negligenciadas.

As tendências de redução das taxas de internações hospitalares por doenças tropicais negligenciadas no presente estudo corroboram com estudos abordando morbidade no Brasil 88. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Doenças negligenciadas no Brasil: vulnerabilidade e desafios. In: Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, organizador. Saúde Brasil 2017: uma análise da situação de saúde e os desafios para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Brasília: Ministério da Saúde; 2018. p. 99-141.,1616. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Objetivos de desenvolvimento sustentáveis: PNUD Brasil, 2020. Brasília: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; 2020.. Contudo taxas de DALY para dengue, leishmaniose visceral e tricuríase aumentaram substancialmente 1717. Martins-Melo FR, Carneiro MA, Ramos Jr. AN, Heukelbach J, Ribeiro ALP, Werneck GL. The burden of neglected tropical diseases in Brazil, 1990-2016: a subnational analysis from the Global Burden of Disease Study 2016. PLoS Negl Trop Dis 2018; 12:e0006559..

A redução nas tendências das taxas de internações e, consequentemente, dos custos com procedimentos e tempo de permanência hospitalar, podem estar relacionadas a diferentes medidas adotadas no país para controle e eliminação desse grupo de doenças. Entre elas destacam-se iniciativas nacionais para reforço do roteiro de metas envolvendo 17 doenças tropicais negligenciadas para alcance em 2020 bem como da implantação de plano de ação para redução da carga de doenças infecciosas negligenciadas, e ações pós-eliminação 2016-2022 envolvendo 13 doenças tropicais negligenciadas prioritárias para diminuição da carga 11. World Health Organization. Neglected tropical diseases. https://www.who.int/health-topics/neglected-tropical-diseases (acessado em 13/Nov/2021).
https://www.who.int/health-topics/neglec...
,1414. 55º Conselho Diretor; 68ª Sessão do Comitê Regional da OMS para as Américas. Plano de ação para a eliminação de doenças infecciosas negligenciadas e ações pós-eliminação 2016-2022. Washington DC: Pan American Health Organization; World Health Organization; 2016.,1515. Molyneux DH, Savioli L, Engels D. Neglected tropical diseases: progress towards addressing the chronic pandemic. Lancet 2017; 389:312-25..

Para a manutenção e progressão da redução das taxas de internações por doenças tropicais negligenciadas, diferentes medidas de intervenção devem ser adotadas para controle. Intervenções voltadas para o desenvolvimento humano e social, urbanização planejada e inclusiva, e industrialização estratégica aceleraram a tendência de declínio da carga dessas doenças na China 4444. Hotez PJ. Whatever happened to China's neglected tropical diseases? Infect Dis Poverty 2019; 8:85..

O padrão de distribuição das taxas de hospitalizações por doenças tropicais negligenciadas foi heterogêneo ao longo do período neste estudo. Aglomerados espaço-temporais com maiores taxas de internações hospitalares, segundo média móvel espacial nos municípios limítrofes ao sul da macrorregião Meio-norte, norte do Semiárido, e sul dos Cerrados, reforçam a existência de limitações de acesso a serviços de saúde, como também de diferentes dimensões de vulnerabilidade.

Aglomerados espaço-temporais de elevadas taxas de hospitalizações em municípios de maior vulnerabilidade social sinalizam áreas prioritárias para o controle das doenças, principalmente as de maior endemicidade, necessitando intervenções de prevenção, diagnóstico oportuno e maior amplitude de acesso entre os níveis de atenção do SUS 1010. Ribeiro CJN, Santos AD, Lima SVMA, Silva ER, Ribeiro BVS, Duque AM, et al. Space-time risk cluster of visceral leishmaniasis in Brazilian endemic region with high social vulnerability: an ecological time series study. PLoS Negl Trop Dis 2021; 15:e0009006.,1111. Brito SPS, Ferreira AF, Lima MS, Ramos Jr. AN. Mortality from neglected tropical diseases in the state of Piauí, Northeast Brazil: temporal trend and spatial patterns, 2001-2018. Epidemiol Serv Saúde 2022; 31:e2021732..

A eliminação da pobreza extrema, a redução da desigualdade, com geração de emprego e renda, e a melhoria na qualidade de vida e educação são pontos essenciais que favorecem o controle. Políticas intersetoriais, ações preventivas e de vigilância voltadas para controle e gestão integradas de doenças, aliadas a novas ferramentas para diagnóstico e tratamento, contribuem conjuntamente para alcance de várias metas estabelecidas nos ODS 11. World Health Organization. Neglected tropical diseases. https://www.who.int/health-topics/neglected-tropical-diseases (acessado em 13/Nov/2021).
https://www.who.int/health-topics/neglec...
,1111. Brito SPS, Ferreira AF, Lima MS, Ramos Jr. AN. Mortality from neglected tropical diseases in the state of Piauí, Northeast Brazil: temporal trend and spatial patterns, 2001-2018. Epidemiol Serv Saúde 2022; 31:e2021732.,4444. Hotez PJ. Whatever happened to China's neglected tropical diseases? Infect Dis Poverty 2019; 8:85..

O estudo apresenta limitações quanto às bases de dados utilizadas, que podem ter levado a subestimações das taxas por erros de diagnósticos, incompletudes e inconsistências. Além disso, nas AIH, houve subnotificação de informações de etnia/cor e algumas atualizações no SIH/SUS, com disponibilidade no sistema somente a partir do ano de 2008 2222. Cerqueira DRC, Alves PP, Coelho DSC, Reis MVM, Lima AS. Uma análise da base de dados do Sistema de Informação Hospitalar entre 2001 e 2018: dicionário dinâmico, disponibilidade dos dados e aspectos metodológicos para a produção de indicadores sobre violência. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2019..

Em completude, existe ainda a possibilidade de duplicidades dos dados, considerando-se os casos de reinternações principalmente por dengue. Contudo, em análise deste conjunto de doenças, ainda que retirando as internações hospitalares por dengue, as características relacionadas a diferentes dimensões de vulnerabilidade se mantiveram, permitindo assim manter essa relevante abordagem integrada desse conjunto de doenças. Em seguimento, os registros contidos no SIH/SUS representam cerca de 70% das internações realizadas no país. É considerado um dos sistemas mais utilizados pelos diversos níveis de gerenciamento dos serviços de saúde no SUS 2222. Cerqueira DRC, Alves PP, Coelho DSC, Reis MVM, Lima AS. Uma análise da base de dados do Sistema de Informação Hospitalar entre 2001 e 2018: dicionário dinâmico, disponibilidade dos dados e aspectos metodológicos para a produção de indicadores sobre violência. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2019.,4545. Nakamura-Pereira M, Mendes-Silva W, Dias MAB, Reichenheim ME, Lobato G. Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH-SUS): uma avaliação do seu desempenho para a identificação do near miss materno. Cad Saúde Pública 2013; 29:1333-45..

Assim, apesar das limitações, o estudo apresenta uma abordagem ampla que busca superar as limitadas evidências científicas quanto à magnitude de hospitalizações e custos por despesas com procedimentos e tempo de permanência hospitalar relacionadas às doenças tropicais negligenciadas. Permitiu a identificação, o acompanhamento e a distribuição espacial de casos graves e letais das doenças tropicais negligenciadas, inclusive as de notificação não compulsória em uma série histórica de 18 anos. Estas podem ser utilizadas para subsidiar ações de vigilância epidemiológica e intensificar políticas públicas de controle em municípios de alta vulnerabilidade social e endemicidade para as doenças tropicais negligenciadas.

Conclusão

A magnitude das hospitalizações e os custos por doenças tropicais negligenciadas no Piauí foi significativa com elevados custos por procedimentos, e tempo de permanência. Elevada carga de hospitalizações por dengue, leishmanioses e hanseníase, assim como maior tempo de permanência e custos com despesas hospitalares, sinalizam e reforçam a necessidade de fortalecimento de ações integradas de vigilância e atenção à saúde nas redes do SUS, principalmente para populações e territórios com maior vulnerabilidade. O aprimoramento de políticas públicas intersetoriais e inclusivas de geração de emprego e renda, educação, prevenção e controle das doenças tropicais negligenciadas são necessárias para superar as desigualdades e ampliar o desenvolvimento humano e social.

Agradecimentos

S. P. S. Brito foi bolsista de mestrado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); M. S. Lima foi bolsista da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP); A. F. Ferreira é bolsista de doutorado da CAPES e A. N. Ramos Jr. é bolsista de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    02 Dez 2021
  • Revisado
    09 Jun 2022
  • Aceito
    01 Jul 2022
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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