Consórcio interfederativo e gestão hospitalar no Sistema Único de Saúde na Bahia, Brasil: o processo decisório à luz do neoinstitucionalismo

Interfederative consortium and hospital management in the Brazilian Unified National Health System in Bahia State, Brazil: the decision-making process in the light of neo-institutionalism

Consorcio interfederativo y gestión hospitalaria en el Sistema Único de Salud en Bahia, Brasil: el proceso de toma de decisiones a la luz del neoinstitucionalismo

Juliana dos Santos Oliveira Isabela Cardoso de Matos Pinto Thadeu Borges Souza Santos Sobre os autores

Resumos

Este artigo analisa a decisão pelo modelo de Consórcio Interfederativo de Saúde (CIS) como alternativa para a gestão de um hospital do Sistema Único de Saúde (SUS) na Bahia, Brasil. Para tanto, foram revisados instrumentos contratuais e realizadas entrevistas semiestruturadas com atores-chave do nível central da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) e do CIS Nordeste II. Os achados foram explorados à luz do referencial teórico do neoinstitucionalismo, enfatizando-se a caracterização do contexto histórico e político-institucional no âmbito do SUS, os atores envolvidos na tomada de decisão e as regras e normas de ambas as instituições. Os resultados evidenciaram que a decisão foi guiada predominantemente por motivações políticas dos executivos estadual e municipais, ancoradas no propósito de descentralização da gestão das ações e serviços de saúde e da regionalização, com atuação predominante de atores vinculados à cúpula governamental e participação incipiente da área técnica da Sesab. Ademais, e em convergência com o referencial teórico adotado, regras e normas inerentes à ambas as instituições, Sesab e CIS, contribuíram para a adoção do modelo, além de outros elementos do contexto histórico que também interferiram no processo decisório. O estudo contribuiu para melhor compreender a lógica de operacionalização da gestão da atenção hospitalar no SUS Bahia, considerando os múltiplos fatores que a permeiam e estimulando, a partir das evidências produzidas, o desenvolvimento de novas investigações sobre os modelos de gestão no SUS.

Palavras-chave:
Consórcios de Saúde; Administração Hospitalar; Gestão em Saúde; Descentralização


This article analyzes the decision for the Interfederative Health Consortium (CIS) model as an alternative for the management of a hospital of the Brazilian Unified National Health System (SUS) in Bahia, Brazil. Agreements were reviewed and semi-structured interviews were conducted with key actors at the central level of the Bahia State Health Department (Sesab) and the CIS Northeast II. The findings were analyzed considering the theoretical framework of neo-institutionalism, emphasizing the characterization of the historical and political-institutional context within the SUS, the actors involved in decision making, and the rules and guidelines of both institutions, Sesab and the CIS. The results showed the decision was predominantly guided by political motivations of state and municipal executives, based on the purpose of decentralizing the management of health actions and services and regionalization, with predominant actions of actors linked with the government and incipient participation of the technical area of the Sesab. Also, in convergence with the theoretical framework adopted, there were rules and guidelines inherent to both institutions, Sesab and CIS, which contributed to the adoption of the model and other elements of the historical context that also affected the decision-making process. This study contributed to a better understanding of the operationalization logic of hospital care management in SUS Bahia, with its multiple factors, stimulating the development of new investigations about management models in SUS. reduction of the burden and costs of hospital admission due to neglected tropical diseases in the state.

Keywords:
Health Consortia; Hospital Administration; Health Management; Decentralization


Este artículo analiza la decisión por el modelo de Consorcio Interfederativo de Salud (CIS) como alternativa para la gestión de un hospital del Sistema Único de Salud (SUS) en Bahia, Brasil. Para ello, fueron revisados instrumentos contractuales y realizadas entrevistas semiestructuradas con actores clave del nivel central de la Secretaría Estatal de Salud de Bahia (Sesab) y del CIS Nordeste II. Los hallazgos fueron explorados a la luz del referencial teórico del neoinstitucionalismo, destacando la caracterización del contexto histórico y político-institucional en el ámbito del SUS, los actores involucrados en la toma de decisiones y las normas y reglamentos de ambas instituciones, Sesab y CIS. Los resultados mostraron que la decisión fue guiada predominantemente por motivaciones políticas de los ejecutivos estatales y municipales, ancladas en el propósito de descentralización de la gestión de las acciones y servicios de salud y de la regionalización, con actuación predominante de actores vinculados a la cúpula gubernamental y participación incipiente del área técnica de la Sesab. Además, y en convergencia con el referencial teórico adoptado, hubo reglas y normas inherentes a ambas instituciones, Sesab y CIS, que contribuyeron para la adopción del modelo, además de otros elementos del contexto histórico que también interfirieron en el proceso de toma de decisiones. El estudio contribuyó para comprender mejor la lógica de operacionalización de la gestión de la atención hospitalaria en el SUS Bahia, con los múltiples factores que la impregnan, estimulando, a partir de las evidencias producidas, el desarrollo de nuevas investigaciones sobre los modelos de gestión en el SUS.

Palabras-clave:
Consorcios de Salud; Administración Hospitalaria; Gestión en Salud; Descentralización


Introdução

O processo de reorganização da atenção hospitalar no Sistema Único de Saúde (SUS) tem contemplado, além da formulação dessa política, um amplo debate sobre a problemática da gestão destas unidades, devido à sua complexidade organizacional e alto custo de instalação e manutenção. Tendo em vista o processo de implantação das Redes de Atenção à Saúde regionalizadas e integradas desencadeado nos últimos anos, colocou-se a necessidade de se institucionalizar um processo de planejamento da atenção hospitalar que contemple a adequação do perfil tecno-assistencial dessas unidades às necessidades loco-regionais e a superação da histórica desigualdade de distribuição inter-regional desses estabelecimentos 11. Ministério da Saúde. Portaria nº 3.390, de 30 de dezembro de 2013. Institui a Política Nacional de Atenção Hospitalar (PNHOSP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecendo- se as diretrizes para a organização do componente hospitalar da Rede de Atenção à Saúde (RAS). Diário Oficial da União 2013; 31 dez.,22. Braga Neto FC, Barbosa PR, Santos IS, Oliveira CMF. Atenção hospitalar: evolução histórica e tendências. In: Giovanella L, Escorel S, Lobato LVC, Noronha JC, Carvalho AI, organizadores. Políticas e sistema de saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2012. p. 577-608.. Além disso, considerando-se as limitações atuais com relação ao financiamento do SUS, muitos gestores públicos têm adotado modelos alternativos de gestão para a atenção hospitalar, a exemplo de organizações sociais (OS), parcerias público-privadas (PPP) e outras modalidades que vêm sendo discutidas e experimentadas desde a incorporação das propostas da Administração Pública Gerencial 33. Pereira LCB. A reforma do estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado; 1997. (Cadernos MARE da Reforma do Estado, 1). no âmbito da Reforma Administrativa do Estado Brasileiro, em meados dos anos 1990 44. Santos TBS, Oliveira SS, Vieira SL, Pinto ICM. Contornos da administração pública e repercussões no âmbito da gestão hospitalar: problemáticas, objetos e perspectivas. In: Teixeira CF, organizador. Observatório de análise política em saúde: abordagens, objetos e investigações. Salvador: EDUFBA; 2016. p. 395-429.,55. Pinto ICM, Teixeira CF, Solla JSP, Chioro dos Reis AA. Organização do SUS e diferentes modalidades de gestão e gerenciamento dos serviços e recursos públicos de saúde. In: Paim JS, Naomar AF, organizadores. Saúde coletiva: teoria e prática. Rio de Janeiro: MedBook; 2014. p. 231-44..

Acompanhando essa tendência nacional, a gestão da atenção hospitalar no SUS Bahia também reúne muitos entraves à sua operacionalização, em especial por seu considerável número de unidades de pequeno porte com baixa capacidade resolutiva, heterogênea distribuição dos serviços entre as macrorregiões de saúde, com maior concentração nos grandes centros urbanos, déficit de leitos de terapia intensiva e baixa cobertura dos serviços de alta complexidade, além de dificuldade para disponibilização de profissionais especializados em alguns territórios 66. Suzart NA, Rosado LB, Vieira SL, Santos TBS. Problemas e prioridades para atenção hospitalar no SUS Bahia: análise dos planos estaduais de saúde. Rev Gest Saúde (Brasília) 2021; 12:68-79..

Outro importante obstáculo à organização deste componente no estado refere-se à limitada capacidade de gestão dos entes estadual e municipal, com incipientes métodos de planejamento e mecanismos de monitoramento e avaliação da atenção hospitalar, impactando diretamente a eficiência dos serviços prestados e a pouca relação com as necessidades de saúde da população 77. Santos TBS, Moreira ALD, Suzart NA, Pinto ICM. Gestão hospitalar no sistema único de saúde: problemáticas de estudos em política, planejamento e gestão em saúde. Ciênc Saúde Colet 2020; 25:3597-609.,88. Andrade LR, Pinto ICM. Parceria público-privada na gestão hospitalar no Sistema Único de Saúde da Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública 2022; 38:e00018621..

Neste sentido, e sob a justificativa de tentar minimizar esta ampla problemática, a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) também vem, desde 2008, ampliando significativamente o rol de formatos de gestão da atenção hospitalar, especialmente com a adoção de OS e PPP como forma de coordenar unidades da rede própria do estado 88. Andrade LR, Pinto ICM. Parceria público-privada na gestão hospitalar no Sistema Único de Saúde da Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública 2022; 38:e00018621.. Em 2017, entretanto, a Sesab descontinuou a gestão de uma unidade hospitalar que estava sendo operada há 12 anos por meio de uma OS, e a transferiu para um Consórcio Interfederativo de Saúde (CIS), com parceria firmada entre estado e municípios. Esta mudança significou uma inovação nas opções que a Sesab vinha adotando como prioridade e estimulou a realização desse estudo que trata, especificamente, de investigar o processo de tomada de decisão que levou à adoção desta modalidade de gestão hospitalar no SUS Bahia, ou seja, o CIS.

Segundo Salgado 99. Salgado VAB. Consórcio público. Manual de administração pública democrática: conceitos e formas de organização. Campinas: Saberes Editora; 2012., os consórcios públicos são definidos como um modelo administrativo de atuação interfederativa que favorece negociação, articulação, coordenação e implementação cooperada de políticas públicas entre seus entes. No caso específico da Bahia, há registros de que a primeira iniciativa de consorciamento se deu em 1993, com a formação do Consórcio Intermunicipal do Vale do Jiquiriçá, e, posteriormente, no ano de 2005, já sob a vigência da Lei dos Consórcios Públicos, foram implantados o Consórcio Intermunicipal de Organização, Modernização e Desenvolvimento Sustentável do Recôncavo Baiano e o Consórcio Intermunicipal Vale do Rio Pardo 1010. Mattos SMCS. Instrumentos para geração de emprego e renda utilizados pelo consórcio intermunicipal do vale do Jiquiriçá: diagnóstico e propostas. In: XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Caxambu: Associação Brasileira de Estudos Populacionais; 2006. p. 1-27..

Particularmente quanto aos consórcios de saúde, sua rápida expansão no estado ocorreu a partir da proposta do governo do estado quanto à implantação de Policlínicas Regionais, compromisso oficializado em 2015 por meio de lei estadual, e em total convergência com o propósito de descentralizar a gestão e execução das ações e serviços de saúde explicitado no Plano Estadual de Saúde - PES 2016-2019 1111. Carvalho SML, Xavier TS, Pinto FLB. Trajetória dos consórcios públicos baianos: oportunidades e desafios para uma política de desenvolvimento territorial. In: Congresso CONSAD de Gestão Pública. http://consad.org.br/wp-content/uploads/2016/06/Painel-36-02.pdf.
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,1212. Secretaria do Planejamento do Estado da Bahia. Plano Plurianual - PPA 2012-2015. Salvador: Secretaria do Planejamento do Estado da Bahia; 2011.. Assim, atualmente a Bahia dispõe de 23 CIS implantados em seu território, todos possuindo como único objeto de atuação as Policlínicas de Especialidades, à exceção do CIS Nordeste II que, para além da policlínica, teve o seu rol de atuação ampliado desde sua inauguração, em 2017, ao ser incumbido de gerir o Hospital Geral Santa Tereza, situado na cidade de Ribeira do Pombal 1313. Assessoria de Planejamento e Gestão. Consórcio Público Interfederativo de Saúde Nordeste II. http://www5.saude.ba.gov.br/obr/consorcios/index.php?menu=consorcio&COD_IBGE=292660 (acessado em Fev/2019).
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No que tange à literatura sobre consórcios públicos, sabe-se que ela é relativamente vasta, abordando diversos aspectos, desde os regramentos normativo-jurídicos que os regulamentam, com base na Constituição Federal de 1988 e nos princípios da administração pública moderna 1414. Farias T. Consórcios públicos, federalismo cooperativo e intermunicipalidade. A&C - Revista de Direito Administrativo & Constitucional 2017; 17:237-55., até a sua ampla aplicabilidade no tratamento dos resíduos sólidos 1515. Anjos PA, Amaral KJ, Fischer KM. Consórcios públicos de resíduos sólidos urbanos na perspectiva regional do Paraná. Redes - Revista de Desenvolvimento Regional 2016; 21:131-59.,1616. Silveira RCE. Consórcios públicos de resíduos sólidos no Brasil: uma análise do perfil da gestão compartilhada no território. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional 2016; 4:49-77.. No que diz respeito aos consórcios interfederativos, a literatura aponta que este arranjo favorece a negociação, articulação, coordenação e implementação cooperada de políticas públicas entre os entes relacionados e permite o agrupamento de gestores com objetivos semelhantes, colocando-os como potenciais parceiros para a superação de desafios compartilhados 1717. Vasconcelos C. A cooperação federativa e a política de saúde: o caso dos Consórcios Intermunicipais de Saúde no Estado do Paraná. Caderno Metropolitano 2016; 18:377-99.,1818. Britto ALNP, Maiello A, Mello YR, Barbosa PSO. Experiências de cooperação interfederativa no Brasil: reflexões a partir de um estudo comparativo de consórcios intermunicipais de saneamento básico. Revista Política e Planejamento Regional 2016; 3:159-80..

No caso dos consórcios criados para gestão de unidades de saúde, os estudos destacam o grande potencial desse modelo de contribuir para a solução de problemas intergovernamentais e de governança pública em saúde 1919. Julião K, Faria M. Desenho das relações intergovernamentais e cooperação pública: o caso do Consórcio Público de Saúde do Maciço de Baturité (CPSMB). Revista NAU Social 2017; 7:57-72.,2020. Ré ES, Oliveira VE. Cooperação intergovernamental na política de mobilidade urbana: o caso do Consórcio Intermunicipal do ABC. Revista Brasileira de Gestão Urbana 2018; 10:111-23.,2121. Henrichs JA, Meza MLFG. Governança multinível para o desenvolvimento regional: um estudo de caso do Consórcio Intermunicipal da Fronteira. Revista Brasileira de Gestão Urbana 2017; 9:124-38.. Todavia, eles também chamam a atenção para possíveis entraves decorrentes de potenciais conflitos políticos entres seus integrantes e a necessidade de levar em conta os períodos de mudanças de governo 2222. Mendonça FF, Andrade KAV. Consórcio Público de Saúde como arranjo para relação federativa e o processo de regionalização. Redes - Revista do Desenvolvimento Regional 2018; 23:206-24.,2323. Fornazier A, Perafan MEV. Os arranjos das políticas territoriais no Estado da Bahia. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional 2018; 14:17-30.,2424. Andreatta A. Cooperação transfronteiriça e desenvolvimento regional: o caso do Consórcio Intermunicipal da Fronteira (CIF). Revista Orbis Latina 2015; 5:64-79., tanto quanto para a necessidade de melhoria dos vínculos entre os consórcios com as coordenadorias regionais de saúde e um aprofundamento em relação ao controle social dessas organizações 2525. Lui L, Schabbach LM, Nora CRD. Regionalização da saúde e cooperação federativa no Brasil: o papel dos consórcios intermunicipais. Ciênc Saúde Colet 2020; 25:5065-74..

Outras abordagens relevantes encontradas na literatura referem-se à análise dos impactos, desafios e resultados da utilização dos consórcios 2626. Kranz LF, Rosa RS. Consórcio Intermunicipal do Vale do Rio Caí (CIS/CAÍ): serviços prestados de média e alta complexidade em saúde. Revista Eletrônica Gestão e Sociedade 2015; 9:946-60.,2727. Fonsêca Júnior BV, Ramalho AMC, Silva SSF, Alves A. O Consórcio Público Intermunicipal de Saúde do Curimataú e Seridó Paraibano. Qualitas Revista Eletrônica 2015; 16:116-36.,2828. Flexa RGC, Barbastefano RG. Consórcios Públicos de Saúde: uma revisão da literatura. Ciênc Saúde Colet 2020; 25:325-38.,2929. Nascimento ABFM, Fernandes ASA, Sano H, Grin EJ, Silvestre HC. Cooperação intermunicipal baseada no Institutional Collective Action: os efeitos dos consórcios públicos de saúde no Brasil. Rev Adm Pública 2021; 55:1369-91., ao destaque dado aos referenciais teóricos e técnicas de pesquisa aplicados ao seu estudo 3030. Nascimento OS, Nunes AO. Neoinstitucionalismo e os Consórcios Federativos no Brasil. Caderno Profissional de Administração 2018; 8:128-39.,3131. Chaebo G, Guerra M, Pinto DM, Alfinito S. Constituição de Consórcios Intermunicipais de Saúde: uma aplicação da técnica de agrupamentos por clusters. Latin American Journal of Business Management 2015; 6:149-69.,3232. Piterman A, Rezende SC, Heller L. Capital Social como conceito chave para avaliação do sucesso de Consórcios Intermunicipais: o caso do CISMAE, Paraná. Eng Sanit Ambient 2016; 21:825-34., além do enfoque no processo de implantação dos consórcios públicos de saúde 3333. Julião KS, Olivieri C. Cooperação intergovernamental na política de saúde: a experiência dos consórcios públicos verticais no Ceará, Brasil. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00037519..

Apesar da ampla produção sobre esta temática, não foram identificadas pesquisas relacionadas aos processos decisórios e experiências de gestores priorizando consórcios públicos como uma modalidade alternativa para a gestão hospitalar, em detrimento de outros modelos já adotados, como ocorrido na Bahia. Diante de tal lacuna do conhecimento, mostrou-se relevante compreender as motivações para a adoção do CIS, enquanto modelo de gestão para um hospital da rede própria do SUS Bahia, bem como identificar os atores envolvidos no processo de tomada de decisão, seus interesses, dificuldades e/ou facilidades encontradas no curso desse processo decisório e os critérios técnicos adotados para respaldar tal escolha.

Nessa perspectiva, elegeu-se como objeto do estudo o processo de tomada de decisão, uma das fases do Ciclo da Política Pública 3434. Howlett M, Ramesh M, Perl A. Política pública: seus ciclos e subsistemas: uma abordagem integral. Rio de Janeiro: Elsevier; 2013.,3535. Pinto ICM, Silva LMV, Baptista TVF. Ciclo de uma política pública: problematização, construção da agenda, institucionalização, formulação, implementação e avaliação. In: Paim JS, Naomar AF, organizadores. Saúde coletiva: teoria e prática. Rio de Janeiro: MedBook; 2014. p. 69-81., e adotou-se elementos conceituais do neoinstitucionalismo histórico, por este referencial enfatizar o papel central das instituições e sua influência nas estratégias dos atores, nos jogos de poder entre eles, o que define “os rumos, trajetórias e conteúdo das políticas públicas” 3636. Lima LD, Machado CV, Gerassi CD. O neoinstitucionalismo e a análise de políticas de saúde: contribuições para uma reflexão crítica. In: Mattos RA, Baptista TWF, organizadores. Caminhos para análise de políticas de saúde. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz/Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro; 2011. p. 122-34.,3737. Lima LD, Viana Ald'A, Machado CV, Albuquerque MV, Oliveira RG, Iozzi FL, et al. Regionalização e acesso à saúde nos estados brasileiros: condicionantes históricos e político-institucionais. Ciênc Saúde Colet 2012; 17:2881-92.,3838. Hall P, Taylor RCR. As três versões do neo-institucionalismo. Lua Nova 2003; 58:193-223., inclusive das políticas de saúde 3939. Paim JS, Teixeira CF. Política, planejamento e gestão em saúde: balanço do estado da arte. Rev Saúde Pública 2006; 40(n.esp):73-8..

Elementos teórico-metodológicos

Trata-se de um estudo de caso único 4040. Yin RK. Estudo de caso: planejamento e métodos. 4ª Ed. Porto Alegre: Bookman; 2010. acerca da experiência de adoção de consórcio público enquanto alternativa de gestão para um dos hospitais da rede própria do SUS Bahia, o Hospital Geral Santa Tereza. Caracterizada como unidade de médio porte, com perfil de oferta nas especialidades básicas e serviços de alta complexidade, como leitos de terapia intensiva, constitui-se em importante referência para os 15 municípios integrantes da Região de Saúde de Ribeira do Pombal, no nordeste do estado 4141. Departamento de Informática do SUS. Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. https://cnes.datasus.gov.br (acessado em Fev/2019).
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A escolha desse caso, como indicado anteriormente, deriva da mudança do modelo de gestão eleito para a referida unidade, a qual já havia sido submetida à variados formatos, de distintas naturezas jurídicas, transitando desde a modalidade direta municipal, para OS e, a partir de 2017, para o CIS Nordeste II, este último sob a corresponsabilidade do estado e dos 15 municípios da região. Salienta-se que o CIS Nordeste II se configurou como associação pública, de natureza autárquica e interfederativa, com personalidade jurídica de direito público, tendo como finalidade a implementação de ações de saúde pública assistenciais, entre outros serviços de saúde, em conformidade com os princípios e diretrizes do SUS 4242. Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Resumo do Contrato de Rateio nº 01 do Consórcio Público Interfederativo de Saúde Nordeste II. Diário Oficial do Estado da Bahia 2017; 18 out..

A produção de dados considerou a análise documental, sendo incluídas leis, portarias, contratos, além de outros documentos técnicos internos da Sesab, documentos disponíveis para consulta pública, e de publicações nos sites da Sesab, do CIS Nordeste II e do Hospital Geral Santa Tereza. Dentre tais documentos, menciona-se Contrato de Rateio, Protocolo de Intenções, Termos de Cessão de uso do imóvel/equipamentos e Plano de Governo da Bahia 2019-2022, todos eles com oferta de subsídios relevantes para o entendimento da conformação do consórcio e das estratégias políticas do governo do estado para sua implementação. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas, tendo como informantes-chave os gestores do nível central da Sesab e os gestores municipais integrantes do CIS Nordeste II, todos identificados, por meio da leitura dos documentos mencionados, como aqueles que participaram da tomada de decisão e que, portanto, reuniam o maior número de informações acerca do caso pesquisado. Assim, foram entrevistados o secretário estadual de saúde, a assessora de planejamento e gestão da secretaria, técnicos da área de gestão dos hospitais da rede própria do estado, o coordenador de implantação dos consórcios de saúde da Sesab, o diretor executivo e o presidente do CIS Nordeste II.

No que tange aos aspectos éticos da pesquisa, houve aplicação do termo de consentimento livre e esclarecido aos participantes, após a aprovação do estudo pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA; CAAE nº 12660719.7.0000.5030).

A análise das informações produzidas foi feita a partir de categorias pré-estabelecidas, a saber, contexto histórico e político-institucional, atores e regras/normas que regem o consórcio, as quais estruturaram o modelo analítico do estudo, conforme apresentado na Figura 1.

Figura 1
Modelo analítico sobre a decisão de escolha pelo Consórcio Interfederativo de Saúde (CIS) para gestão hospitalar no Sistema Único de Saúde (SUS) na Bahia, Brasil.

Resultados

Contexto histórico e político-institucional

A primeira categoria analítica buscou delinear o contexto histórico em que as preferências pela gestão hospitalar por meio do consórcio foram conformadas, privilegiando tal modalidade em detrimento de outras já amplamente utilizados no SUS Bahia, como OS e PPP, bem como identificar os acontecimentos do passado que determinaram e influenciaram o processo decisório.

Assim, a partir da análise dos dados foram identificados três principais fatos que contribuíram para a tomada de decisão: antiga queixa dos gestores municipais da região com relação à OS que fazia a gestão do hospital; o incentivo do governo do estado à formação de consórcios; e a intenção prévia dos prefeitos regionais de se consorciarem.

No que tange ao notório e antigo descontentamento dos gestores municipais com relação à OS que geria o hospital há mais de 12 anos, os achados revelaram insatisfações em vários aspectos, dentre os quais merecem destaque: fragilidades relacionadas com a gestão do serviço hospitalar, como a ausência de atendimento em algumas especialidades médicas; atendimento de baixa qualidade e resolutividade; questões ligadas à falha no planejamento e definição das metas contratuais estabelecidas entre a empresa e a Sesab, ocasionando, dentre outras coisas, o estabelecimento de cotas em quantidade subestimada para exames e internamentos.

Adicionalmente, foi mencionado o beneficiamento e priorização do atendimento aos munícipes da sede onde está implantada a unidade hospitalar, em detrimento da população dos demais municípios que integram o território de saúde. Nesse sentido, apareceu nos depoimentos que havia dificuldade para a Sesab, enquanto contratante, vetar esse tipo de prática da empresa contratada. Diante de tal problemática, os gestores municipais passaram a discutir o assunto junto à gestão estadual da saúde e ao governo do estado, havendo consenso quanto à necessidade de mudança do modelo de gestão do hospital.

Paralelamente à insatisfação com a gestão por meio da OS, o segundo acontecimento do contexto que merece ser destacado refere-se à política de incentivo do governo do estado à formação dos consórcios de saúde. Este fato, evidenciado por meio das entrevistas, foi comprovado tanto por meio da criação da Lei Estadual nº 13.374, de 22 de setembro de 2015, quanto pelo plano de governo “Programa de Governo Participativo” (PGP) do então candidato à reeleição ao governo do estado, em 2018 4343. Governo do Estado da Bahia. Lei nº 13.374 de 22 de setembro de 2015. Disciplina a participação do Estado da Bahia nos Consórcios Interfederativos de Saúde, nos termos da Lei Federal nº 11.107, de 6 de abril de 2005. Diário Oficial do Estado da Bahia 2015; 23 set.,4444. Costa R. Programa de Governo Participativo - PGP 2018. https://divulgacandcontas.tse.jus.br/candidaturas/oficial/2018/BR/BA/2022802018/50000607711//proposta_1534958066808.pdf (acessado em Fev/2019).
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. Vale destacar que, dentre as secretarias estaduais, a Sesab foi a precursora da referida Política de Consórcios, incentivando tal modelo de gestão enquanto nova forma de pactuação a ser experimentada, inicialmente para gestão das Policlínicas Regionais - o que, inclusive, influenciou gestores da saúde de outros estados brasileiros - mas com possibilidade de ampliação do escopo para outros equipamentos, como os hospitais.

Com relação ao terceiro fato, a intenção prévia dos gestores municipais de se consorciarem, os entrevistados apontaram múltiplas tentativas para conformação de um consórcio naquele território em momentos anteriores ao incentivo do governo do estado para tal. Porém, apesar do amplo esforço empreendido por vários prefeitos, o consorciamento só se concretizou após o norteamento dado pelo governador, bem como a partir da mudança de alguns gestores municipais no pós-eleição de 2016.

Assim, uma vez formado o CIS Nordeste II, a partir do desejo comum dos atores estaduais e municipais de formação do consórcio naquele território, o ente interfederativo despontou enquanto alternativa viável para solução da problemática que envolvia o hospital, na medida em que abriu a perspectiva para a mudança do modelo de gestão.

No que tange ao contexto institucional, foram identificadas regras e normas de funcionamento da Sesab que influenciaram na tomada de decisão dos gestores, levando-os à escolha do consórcio para gestão do hospital. Nesta perspectiva, os entrevistados apontaram a adoção prévia de diferentes modelos de gestão para as unidades hospitalares, pela secretaria, como uma prática favorável à escolha de mais uma modalidade, a consorciada. De acordo com os discursos, a Sesab optava por experimentar distintos modelos de gestão, visando assim identificar o mais satisfatório, e não privilegiar apenas um deles. Com isso, evidenciou-se que tanto os técnicos atuantes na área responsável pelo acompanhamento dos hospitais da rede própria quanto os demais atores da Sesab julgavam válido o emprego de múltiplos modelos de gestão hospitalar.

Processo decisório: atores, interesses, relações de poder e ações estratégicas desenvolvidas

Em relação à atuação dos atores envolvidos na tomada de decisão, os resultados revelaram que, em todos os múltiplos momentos de discussão sobre o assunto, sempre estiveram presentes o governador do estado, os prefeitos da região de saúde, o presidente e o diretor executivo do consórcio, um técnico da Assessoria de Planejamento e Gestão da Sesab e o coordenador dos consórcios, também da Sesab. Destaca-se que, embora a área técnica da Sesab ligada ao gabinete do secretário estivesse presente nas reuniões, os relatos indicaram que o corpo técnico do setor responsável pela gestão dos hospitais da rede própria não participou do processo decisório. Ainda segundo um dos relatos, a decisão final de passar o hospital ao consórcio foi do governador do estado, maior incentivador da proposta, não havendo uso de critérios e indicadores técnicos que subsidiassem a tomada de decisão.

O mapeamento dos atores permitiu a identificação dos interesses, das ações e das estratégias, individuais e coletivas, adotadas por eles para alcançar os objetivos de formação do CIS e da posterior incorporação da gestão do hospital por este ente. Nesse sentido, as falas reforçaram o grande interesse do governador do estado na formação do consórcio, e, embora as causas deste interesse não tenham sido mencionadas de forma explícita, alguns depoimentos evidenciaram a perspectiva de rateio dos custos com novos serviços de saúde entre estado e municípios como um dos possíveis motivos. Ou seja, a alternativa consórcio apareceu de forma subliminar como uma possibilidade de ampliar a responsabilidade dos municípios com os custos da unidade hospitalar.

Paralelamente, e considerando os relatos de que também havia o interesse dos gestores da região de assumir e participar da gestão do hospital, o governador, reconhecendo tal intenção como uma janela de oportunidade, condicionou, então, que a mudança de gestão ocorresse adotando o modelo de consórcio interfederativo.

Os argumentos adotados pelos representantes da Sesab para o convencimento e adesão dos gestores municipais à proposta do consórcio foram: a manutenção do repasse ao consórcio, pelo estado, de 100% do valor pago à OS para custeio dos serviços já prestados na unidade, com participação dos municípios neste custo apenas a partir da implantação de novos serviços no hospital; a defesa da experiência exitosa dos CIS à frente da gestão das policlínicas em outras regiões de saúde, o que acarretaria o sucesso do consórcio também na gestão hospitalar; e, ainda, a ideia de que com a participação dos prefeitos na gestão do hospital, atuando de forma mais efetiva e mais próxima do serviço, as questões inerentes à unidade seriam mais facilmente resolvidas, atingindo-se com isso mais eficiência e resolutividade no processo de gestão.

Os atores atuantes no âmbito da gestão regional, por sua vez, mais especificamente o presidente e o diretor executivo do CIS Nordeste II, também estabeleceram mecanismos de ação no sentido de convencer os demais prefeitos da região a aderirem à formação do consórcio e assunção da unidade hospitalar. Assim, esses atores alegaram, junto aos demais, que as informações sobre o hospital chegariam de forma mais rápida e mais segura até os prefeitos, com repasse das ocorrências nas reuniões da Assembleia Geral do consórcio, sem a participação de terceiros gerindo a unidade e intermediando a resolução de tais ocorrências. Ademais, o discurso quanto ao fortalecimento da saúde regionalmente, a partir da união dos gestores municipais com a perspectiva de assumir a gestão hospitalar pelo consórcio, também foi utilizado.

Consórcio interfederativo: regras e normas

No que se refere à instituição CIS Nordeste II, foi possível identificar algumas regras formais inerentes à sua constituição e natureza jurídica como favoráveis à escolha deste ente interfederativo para a gestão da unidade hospitalar pelos gestores, segundo os relatos. Como primeira destas regras/normas, menciona-se a possibilidade de atuação do consórcio na gestão de variados serviços, inclusive no âmbito da atenção especializada e hospitalar, conforme especificado por meio do Protocolo de Intenções que instituiu o CIS Nordeste II, publicado no Diário Oficial do estado em 16 de agosto de 2017 4545. Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Extrato do Protocolo de Intenções do Consórcio Público Interfederativo de Saúde Nordeste II. Diário Oficial do Estado da Bahia 2017; 16 ago..

Desse modo, subentende-se que a possibilidade de gestão de múltiplos serviços pelo consórcio legitimou os gestores na tomada de decisão, na medida em que respaldou tal escolha.

Para além do seu escopo ampliado de atuação e da sua capacidade de promover uma gestão conjunta com divisão de responsabilidades, há que se mencionar o compartilhamento/rateio de recursos financeiros entres os entes constituintes do consórcio como norma bastante atrativa à adesão dos gestores, conforme pontuado nas entrevistas.

Adicionalmente, outro aspecto relatado pelos informantes-chaves, relacionado às regras de funcionamento do consórcio, diz respeito à obrigatória constituição da Assembleia Geral, instância deliberativa de grande relevância, capaz de garantir a participação de todos os membros nas tomadas de decisão sobre os serviços geridos de forma consorciada 99. Salgado VAB. Consórcio público. Manual de administração pública democrática: conceitos e formas de organização. Campinas: Saberes Editora; 2012..

Discussão: neoinstitucionalismo na tomada de decisão pelo consórcio

Tomando como referência o que é preconizado pela vertente do neoinstitucionalismo histórico, foi possível afirmar que houve compatibilidade entre os dados analisados e o que aponta o referencial teórico, visto que os fatos do passado - (i) incentivo do governo do estado à formação de consórcios, (ii) intenção prévia dos gestores municipais de se consorciarem e (iii) antiga queixa quanto à gestão por OS - contribuíram para a definição da ação na política de saúde no tempo presente 3636. Lima LD, Machado CV, Gerassi CD. O neoinstitucionalismo e a análise de políticas de saúde: contribuições para uma reflexão crítica. In: Mattos RA, Baptista TWF, organizadores. Caminhos para análise de políticas de saúde. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz/Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro; 2011. p. 122-34.,3838. Hall P, Taylor RCR. As três versões do neo-institucionalismo. Lua Nova 2003; 58:193-223..

Assim, e considerando ainda a sequência de acontecimentos dos eventos, bem como o momento institucional de imersão da Sesab e do recém-formado CIS Nordeste II no contexto político - eleitoral àquela ocasião -, é possível apontar a decisão de adoção da gestão do Hospital Geral Santa Tereza por consórcio como desdobramento da soma de tais fatos.

Adicionalmente, os achados se aproximaram da afirmativa de que as políticas de saúde sofrem influência direta dos interesses dos atores, os quais adotam ações diversas, individuais ou coletivas, para o alcance de seus objetivos 3636. Lima LD, Machado CV, Gerassi CD. O neoinstitucionalismo e a análise de políticas de saúde: contribuições para uma reflexão crítica. In: Mattos RA, Baptista TWF, organizadores. Caminhos para análise de políticas de saúde. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz/Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro; 2011. p. 122-34.,3838. Hall P, Taylor RCR. As três versões do neo-institucionalismo. Lua Nova 2003; 58:193-223.. Além disso, as narrativas demonstraram que a posição ocupada por cada um dos atores determinou o grau de atuação e persuasão sobre os demais, conforme se pôde observar através do papel desempenhado em especial pelo governador do estado. A partir disso, pôde-se atribuir a tomada de decisão ao forte interesse da cúpula governamental na transferência da responsabilidade da gestão da unidade hospitalar para os municípios, convergindo para o desejo dos gestores municipais de obter maior autonomia, o que, por conseguinte, contribuía também para o fortalecimento da regionalização e para a descentralização da gestão e execução das ações e serviços de saúde, mencionados no PES 2016-2019 1111. Carvalho SML, Xavier TS, Pinto FLB. Trajetória dos consórcios públicos baianos: oportunidades e desafios para uma política de desenvolvimento territorial. In: Congresso CONSAD de Gestão Pública. http://consad.org.br/wp-content/uploads/2016/06/Painel-36-02.pdf.
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,1212. Secretaria do Planejamento do Estado da Bahia. Plano Plurianual - PPA 2012-2015. Salvador: Secretaria do Planejamento do Estado da Bahia; 2011..

Outra relevante evidência de linearidade entre os resultados e o referencial diz respeito ao fato de que tanto as regras da instituição Sesab quanto as regras da instituição CIS Nordeste II respaldaram a tomada de decisão e provocaram mudanças nas ações dos atores, no âmbito da política de saúde, de acordo com procedimentos e práticas tradicionalmente adotados pelas próprias instituições 3636. Lima LD, Machado CV, Gerassi CD. O neoinstitucionalismo e a análise de políticas de saúde: contribuições para uma reflexão crítica. In: Mattos RA, Baptista TWF, organizadores. Caminhos para análise de políticas de saúde. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz/Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro; 2011. p. 122-34.,3838. Hall P, Taylor RCR. As três versões do neo-institucionalismo. Lua Nova 2003; 58:193-223..

No que tange à confluência entre os resultados e a literatura acerca dos consórcios de saúde, a análise retratou a afirmativa de como este arranjo favorece a negociação e articulação cooperada entre entes relacionados 1717. Vasconcelos C. A cooperação federativa e a política de saúde: o caso dos Consórcios Intermunicipais de Saúde no Estado do Paraná. Caderno Metropolitano 2016; 18:377-99.,1818. Britto ALNP, Maiello A, Mello YR, Barbosa PSO. Experiências de cooperação interfederativa no Brasil: reflexões a partir de um estudo comparativo de consórcios intermunicipais de saneamento básico. Revista Política e Planejamento Regional 2016; 3:159-80., permitindo a articulação de múltiplos gestores em prol da superação de problemas comuns 1919. Julião K, Faria M. Desenho das relações intergovernamentais e cooperação pública: o caso do Consórcio Público de Saúde do Maciço de Baturité (CPSMB). Revista NAU Social 2017; 7:57-72.,2020. Ré ES, Oliveira VE. Cooperação intergovernamental na política de mobilidade urbana: o caso do Consórcio Intermunicipal do ABC. Revista Brasileira de Gestão Urbana 2018; 10:111-23.,2121. Henrichs JA, Meza MLFG. Governança multinível para o desenvolvimento regional: um estudo de caso do Consórcio Intermunicipal da Fronteira. Revista Brasileira de Gestão Urbana 2017; 9:124-38., além de destacar os possíveis entraves que podem permear a relação entre tais entes, decorrentes de potenciais conflitos políticos entres seus integrantes e da necessidade de levar em conta os períodos de mudanças de governo 2222. Mendonça FF, Andrade KAV. Consórcio Público de Saúde como arranjo para relação federativa e o processo de regionalização. Redes - Revista do Desenvolvimento Regional 2018; 23:206-24.,2323. Fornazier A, Perafan MEV. Os arranjos das políticas territoriais no Estado da Bahia. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional 2018; 14:17-30.,2424. Andreatta A. Cooperação transfronteiriça e desenvolvimento regional: o caso do Consórcio Intermunicipal da Fronteira (CIF). Revista Orbis Latina 2015; 5:64-79.,2525. Lui L, Schabbach LM, Nora CRD. Regionalização da saúde e cooperação federativa no Brasil: o papel dos consórcios intermunicipais. Ciênc Saúde Colet 2020; 25:5065-74.. Ademais, houve similaridade entre o caso estudado e os achados apontados por Julião & Olivieri 3333. Julião KS, Olivieri C. Cooperação intergovernamental na política de saúde: a experiência dos consórcios públicos verticais no Ceará, Brasil. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00037519. no que se refere ao protagonismo do ente estadual em relação aos entes municipais quando o processo de formação de consórcios envolve a participação de ambos.

Considerações finais

Ao analisar o processo decisório para a adoção do modelo de gestão por meio de consórcio interfederativo para um hospital do SUS Bahia, o estudo identificou as motivações, os atores envolvidos e seus mecanismos de atuação, o papel das instituições e as regras e normas que respaldaram tal decisão.

As evidências produzidas apontaram que a escolha pelo modelo de gestão consorciado para a unidade hospitalar foi caracterizada predominantemente por motivações políticas, com o forte interesse do governo do estado na adesão dos municípios à sua política prioritária de formação de consórcios e com o interesse dos gestores municipais de se fortalecerem regionalmente. Foi possível identificar a atuação predominante dos atores políticos vinculados à cúpula governamental na tomada de decisão, configurando o jogo de poder na defesa e luta para o alcance dos objetivos. Para tanto, utilizaram-se de estratégias e mecanismos de convencimento e respaldaram-se em regras de ambas as instituições, Sesab e CIS, que favoreciam as ações que seriam implementadas.

A análise apontou ainda que a adoção do modelo consorciado para a gestão hospitalar ocorreu com incipiente participação da área técnica da secretaria, não sendo identificado o uso de estudos prévios acerca de experiências de consórcios gerindo unidades hospitalares. Nesse sentido, e diante da complexidade da gestão da atenção hospitalar, a decisão não se apoiou em dados concretos de que a gestão por meio do CIS garantiria o alcance dos resultados desejados, inclusive num comparativo com outros modelos de gestão já amplamente empregados no SUS Bahia.

Outro relevante aspecto que merece ser destacado refere-se ao fato de que o referencial teórico adotado enfatiza o papel e a força das instituições e suas regras e normas, mais do que os aspectos ligados aos atores. Entretanto, as evidências produzidas, neste caso, mostraram que na decisão pelo consórcio, que parece ter sido fortemente influenciada pelo desejo do governador, o interesse desse ator pode ter ficado sobreposto aos papéis das instituições. Desse modo, o caso estudado chama atenção para os aspectos políticos, econômicos e ideológicos que atravessam as decisões referentes à gestão de equipamentos hospitalares no SUS.

Assim, e considerando os desafios que se impõem à organização do componente hospitalar no SUS, o estudo contribuiu para melhor compreender a lógica de operacionalização da gestão da atenção hospitalar na Bahia, levando à reflexão sobre as consequências negativas que podem advir de políticas instituídas sem um planejamento sedimentado em bases técnicas capazes de respaldá-las. Ademais, há que se pensar acerca do papel do estado enquanto indutor de políticas públicas, seu poder de persuasão sobre as demais instâncias gestoras, bem como sobre a participação dos municípios nas referidas políticas.

Especificamente sobre o modelo consorciado, o caso analisado demonstrou que, apesar da predominância das questões políticas em detrimento das questões técnicas para sua escolha, e embora a diretriz da descentralização da gestão e das ações de saúde não tenha sido formalmente mencionada pelos gestores, a identificação de ideias como compartilhamento de responsabilidades, rateio de custos e fortalecimento regional permeando as falas apontaram um mínimo entendimento, por tais gestores, acerca do potencial dos consórcios enquanto modalidade alternativa de gestão capaz de permitir a referida descentralização, inclusive para a atenção hospitalar.

Finalmente, num cenário atual de adoção de múltiplos modelos de gestão no SUS, ressalta-se a relevância deste estudo no sentido de destacar a complexidade do sistema de saúde e estimular, a partir das evidências produzidas, novas questões de investigação que possam aprofundar o entendimento sobre os modelos de gestão na atenção hospitalar, relacionando-os com a eficiência e a qualidade dos serviços prestados à população, a adequabilidade ao perfil das unidades e a observância aos princípios e diretrizes do SUS.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    08 Fev 2022
  • Revisado
    13 Jul 2022
  • Aceito
    18 Jul 2022
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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