CSP inicia Espaço Temático dedicado à Amazônia

A crise sanitária e ambiental na Terra Yanomami (Roraima) é a expressão mais evidente da urgência do debate sobre o futuro das regiões biodiversas do planeta. A corrida ao ouro, financiada por forças econômicas dominantes, produz uma rápida degradação social e ambiental - o garimpo mata a floresta e os rios, e, com eles, seus habitantes. A retirada urgente dos mais de 20 mil garimpeiros que atuam na região é necessária para a interrupção do perigo imediato, mas é apenas o primeiro passo. É preciso fomentar o debate técnico-científico sobre a relação entre saúde, ambiente e economia para construir uma perspectiva de futuro em que a floresta permaneça em pé, e que respeite a população que nela vive 11. Codeço CT, Dal’Asta AP, Rorato AC, Lana RM, Neves TC, Andreazzi CS, et al. Epidemiology, biodiversity, and technological trajectories in the Brazilian Amazon: from malaria to COVID-19. Front Public Health 2021; 9:647754.; o futuro da Amazônia é o futuro do Brasil e do planeta. Para que o futuro possa existir, é necessário evoluir uma economia que reconheça o valor do bioma como mantenedor do clima planetário, da saúde humana e ambiental. Esse futuro conflita com a economia baseada na extração intensiva de recursos para ganho imediato por commodities, que resulta em pressões de desmatamento, acumulação de terras e implementação de paisagens homogêneas de produção. O conflito ocorre entre modelos econômicos que emergem de modos contrastantes de relacionamento e interação com a natureza, realizados por diferentes atores, locais e globais, em arranjos que levam a uma maior ou menor vulnerabilidade social e ambiental 11. Codeço CT, Dal’Asta AP, Rorato AC, Lana RM, Neves TC, Andreazzi CS, et al. Epidemiology, biodiversity, and technological trajectories in the Brazilian Amazon: from malaria to COVID-19. Front Public Health 2021; 9:647754.. Localmente, o conflito faz com que a segurança alimentar e a qualidade de vida associada à riqueza ambiental e cultural, historicamente construída, sejam ameaçadas, resultando em deslocamentos populacionais forçados, desnutrição, violência, miséria, endemias, iniquidades sociais e contaminação ambiental 22. Viana RL, Freitas CM, Giatti LL. Saúde ambiental e desenvolvimento na Amazônia legal: indicadores socioeconômicos, ambientais e sanitários, desafios e perspectiva. Saúde Soc 2016; 25:233-46..

Esse assunto, vastíssimo e urgente, é também complexo, pois a Amazônia nos desafia a encará-la por olhares distintos dos tradicionais, hegemônicos. Sua natureza aquática, úmida, quente, de terras volúveis, habitada por populações com diferentes modos de vida, demanda soluções tecnológicas não ortodoxas de saneamento, de abastecimento, de assistência, de urbanização, de locomoção e de promoção da saúde 33. Garnelo L. Especificidades e desafios das políticas públicas de saúde na Amazônia. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00220519.. Sua vasta faixa de fronteira, formada por vários países de línguas e culturas diferentes, com políticas e problemas de saúde distintos, demanda ações específicas. Seu vasto território, transformado por conta da substituição da diversidade pela homogeneização dos modos de produção, resulta em novos riscos à saúde que precisam ser reconhecidos. Os impactos das grandes obras e da transformação intensiva ambiental precisam ser avaliados de forma abrangente e oportuna. A interação de múltiplos riscos à saúde, que resultam em sindemias, precisa ser tratada de forma integrada.

CSP abre este ano, 2023, um Espaço Temático que busca, por meio de diferentes olhares disciplinares, contribuir para uma análise conjuntural da Amazônia e pensar seu futuro a partir da perspectiva da saúde. Temos muito a contribuir para esse debate, com uma visão complexa da saúde na Amazônia, englobando seus determinantes sociais, econômicos, culturais e ambientais de maneira que expandam a discussão e desconstruam a visão hegemônica de que “floresta é fonte de pobreza e doença”, que “quanto mais quente mais doente”, além de outras visões simplificadoras da relação dos seres humanos com o ambiente 44. Carlson CJ, Albery GF, Merow C, Trisos CH, Zipfel CM, Eskew EA, et al. Climate change increases cross-species viral transmission risk. Nature 2022; 607:555-62.. Esse ciclo de reflexão se inicia nesse mês de março, e os leitores estão convidados a discutir os temas na sessão de comentários.

Belém (Pará), vale ressaltar, é candidata a sediar a COP 30, em 2025. Que esse exercício de reflexão sirva como uma contribuição da Amazônia para a saúde planetária.

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    Codeço CT, Dal’Asta AP, Rorato AC, Lana RM, Neves TC, Andreazzi CS, et al. Epidemiology, biodiversity, and technological trajectories in the Brazilian Amazon: from malaria to COVID-19. Front Public Health 2021; 9:647754.
  • 2
    Viana RL, Freitas CM, Giatti LL. Saúde ambiental e desenvolvimento na Amazônia legal: indicadores socioeconômicos, ambientais e sanitários, desafios e perspectiva. Saúde Soc 2016; 25:233-46.
  • 3
    Garnelo L. Especificidades e desafios das políticas públicas de saúde na Amazônia. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00220519.
  • 4
    Carlson CJ, Albery GF, Merow C, Trisos CH, Zipfel CM, Eskew EA, et al. Climate change increases cross-species viral transmission risk. Nature 2022; 607:555-62.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    09 Fev 2023
  • Aceito
    09 Fev 2023
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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