Resumo:
Estudo transversal, de base hospitalar, nacional, com entrevista de 23.894 puérperas, em 2011-2012, com os objetivos de estimar a prevalência de consumo de álcool na gestação e identificar grupos mais vulneráveis. O uso de álcool na gestação foi identificado por meio da escala TWEAK, sendo classificadas como “diagnóstico presumível de uso inadequado de álcool” mulheres com pontuação ≥ 2. Calculou-se a prevalência nacional de uso de álcool e em subgrupos de acordo com características maternas, com respectivos intervalos de 95% de confiança (IC95%). Foram encontradas, de forma gráfica, coexistência de tabagismo, inadequação de consultas pré-natais e ingestão de bebidas alcoólicas na gestação. A prevalência de uso de álcool foi de 14% (IC95%: 13,3-14,7), com 10% (IC95%: 9,3-10,6) das mulheres apresentando diagnóstico presumível de uso inadequado de álcool na gestação. Maiores prevalências de uso de álcool e de diagnóstico presumível de uso inadequado foram observadas em mulheres pretas, com 12-19 anos de idade, com menor índice de escolaridade, de classe econômica mais baixa, sem companheiro, sem trabalho remunerado, com mais de três partos anteriores, que não queriam engravidar, com assistência pré-natal inadequada, com parto em serviços públicos e que referiram tabagismo na gestação. Estima-se que 1,2% das mulheres entrevistadas apresentavam concomitância dos três fatores de risco para desfechos perinatais negativos: fumo, álcool e assistência pré-natal inadequada. Os resultados demonstraram alta prevalência de uso de álcool na gestação e de diagnóstico presumível de uso inadequado, principalmente por mulheres em situação de vulnerabilidade social. São relevantes a elaboração de políticas públicas que contemplem ações de prevenção do uso de bebidas alcoólicas e a prestação de serviços de apoio para cessação do uso de álcool na gravidez.
Palavras-chave:
Gravidez; Bebidas Alcoólicas; Inquéritos e Questionários; Prevalência
Resumen:
Estudio transversal, de base hospitalaria, nacional, con entrevistas a 23.894 puérperas, en 2011-2012, con el objetivo de estimar la prevalencia de consumo de alcohol durante el embarazo e identificar grupos más vulnerables. El consumo de alcohol durante el embarazo se identificó mediante la escala TWEAK, y las mujeres con puntuación ≥ 2 fueron clasificadas como “diagnóstico presumible de uso inadecuado de alcohol¨. Se calculó la prevalencia nacional de consumo de alcohol y subgrupos según características maternas, con sus respectivos intervalos de 95% de confianza (IC95%). Se identificó gráficamente la coexistencia de tabaquismo, consultas prenatales inadecuadas y consumo de alcohol durante el embarazo. La prevalencia de consumo de alcohol fue del 14% (IC95%: 13,3-14,7), siendo el 10% (IC95%: 9,3-10,6) de mujeres con diagnóstico presumible de uso inadecuado durante el embarazo. Se observaron mayores prevalencias de consumo de alcohol y diagnóstico presumible de uso inadecuado en mujeres de color/raza negra, de 12-19 años, con menos años de escolaridad, de clase económica más baja, sin pareja, sin trabajo remunerado, con más de tres partos previos, que no querían quedar embarazadas, con control prenatal inadecuado, con parto en el sistema público de salud y que relataron fumar durante el embarazo. Se estima que el 1,2% de las mujeres entrevistadas presentaron la concomitancia de tres factores de riesgo en resultados perinatales negativos: tabaquismo, alcohol y atención prenatal inadecuada. Los resultados demuestran una alta prevalencia de consumo de alcohol durante el embarazo y de diagnóstico presumible de uso inadecuado, especialmente en mujeres con las peores condiciones sociales, siendo relevante para la elaboración de políticas públicas que incluyan acciones de prevención del consumo de alcohol y servicios de apoyo para el cese del consumo de alcohol en el embarazo.
Palabras-clave:
Embarazo; Bebidas Alcohólicas; Encuestas y Cuestionarios; Prevalencia
Introdução
A ingestão de bebidas alcoólicas na gravidez representa um importante problema de saúde pública e está associada a desfechos materno-fetais negativos 11. World Health Organization. Guidelines for the identification and management of substance use and substance use disorders in pregnancy. Geneva: World Health Organization; 2014.. Entre os impactos na saúde materna, destacam-se os sangramentos gestacionais, o aborto espontâneo, o parto prematuro e o descolamento prematuro de placenta 22. Addila AE, Azale T, Gete YK, Yitayal M. The effects of maternal alcohol consumption during pregnancy on adverse fetal outcomes among pregnant women attending antenatal care at public health facilities in Gondar Town, Northwest Ethiopia: a prospective cohort study. Subst Abuse Treat Prev Policy 2021; 16:64.,33. Skagerstróm J, Chang G, Nilsen P. Predictors of drinking during pregnancy: a systematic review. J Womens Health 2011; 20:901-13.,44. Sundermann AC, Zhao S, Young CL, Lam L, Jones SH, Edwards DRV, et al. Alcohol use in pregnancy and miscarriage: a systematic review and meta-analysis. Alcohol Clin Exp Res 2019; 43:1606-16.. Para o feto, a excessiva exposição pré-natal ao álcool está relacionada a efeitos teratogênicos e ao desenvolvimento da síndrome alcoólica fetal (SAF) 55. Popova S, Lange S, Probst C, Gmel G, Rehm J. Estimation of national, regional, and global prevalence of alcohol use during pregnancy and fetal alcohol syndrome: a systematic review and meta-analysis. Lancet Glob Health 2017; 5:e290-e9.. Estima-se que no Brasil aproximadamente 1.500 a 6.000 crianças nascem com SAF anualmente 66. Rocha AG, Souza PRA, Wachholz EG, Fraga LR, Sanseverino MT, Terra AP, et al. Fetal alcohol spectrum disorders: health needs assessment in Brazil. Alcohol Clin Exp Rev 2020; 44:660-8..
O consumo de álcool é um comportamento de risco modificável durante a gestação. Embora as evidências científicas sobre os efeitos do consumo leve e moderado não sejam conclusivas 77. Henderson J, Gray R, Brocklehurst P. Systematic review of effects of low-moderate prenatal alcohol exposure on pregnancy outcome. BJOG 2007; 114:243-52.,88. Mamluk L, Edwards HB, Savovic J, Leach V, Jones T, Moore THM, et al. Low alcohol consumption and pregnancy and childhood outcomes: time to change guidelines indicating apparently 'safe' levels of alcohol during pregnancy? A systematic review and meta-analyses. BMJ Open 2017; 7:e015410., a maioria das diretrizes recomenda que as mulheres grávidas, ou aquelas que pretendem engravidar, se abstenham de qualquer quantidade de álcool, por ser uma exposição reconhecidamente teratogênica e, ainda, por não haver consenso quanto ao nível de uso que poderia ser considerado seguro 11. World Health Organization. Guidelines for the identification and management of substance use and substance use disorders in pregnancy. Geneva: World Health Organization; 2014.,99. Carson G, Cox LV, Crane J, Croteau P, Graves L, Kluka S, et al. Alcohol use and pregnancy consensus clinical guidelines. J Obstet Gynaecol Can 2010; 32(8 Suppl 3):S1-31.,1010. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Atenção ao pré-natal de baixo risco. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.,1111. National Health and Medical Research Council, Australian Government. Australian guidelines to reduce health risks from drinking alcohol. Canberra: National Health and Medical Research Council; 2020..
Apesar dessas recomendações, a estimativa mais recente é de que, globalmente, 9,8% (intervalo de 95% de confiança - IC95%: 8,9-11,1) da população geral de grávidas consomem álcool no período pré-natal 55. Popova S, Lange S, Probst C, Gmel G, Rehm J. Estimation of national, regional, and global prevalence of alcohol use during pregnancy and fetal alcohol syndrome: a systematic review and meta-analysis. Lancet Glob Health 2017; 5:e290-e9.. Na Europa, região com maior estimativa de uso de álcool na gravidez, a prevalência pontual alcança 25,2% (IC95%: 21,6-29,6) 55. Popova S, Lange S, Probst C, Gmel G, Rehm J. Estimation of national, regional, and global prevalence of alcohol use during pregnancy and fetal alcohol syndrome: a systematic review and meta-analysis. Lancet Glob Health 2017; 5:e290-e9.. Na América Central, América do Sul e região do Caribe, há escassez de dados sobre a ingestão de bebidas alcoólicas pelas mulheres grávidas. No entanto, as informações disponíveis indicam consumo excessivo, com valores acima da média encontrada em outros países do mundo, como observado em Granada, na região do Caribe (23,3%) 1212. Lange S, Probst C, Heer N, Roerecke M, Rehm J, Monteiro MG, et al. Actual and predicted prevalence of alcohol consumption during pregnancy in latin america and the Caribbean: systematic literature review and meta-analysis. Rev Panam Salud Pública 2017; 41:89.. No Brasil, estimativas do uso de álcool na gestação não estão disponíveis para o país como um todo. Existem apenas estudos locais com dados de prevalência de uso de álcool na gestação que variaram de 1,8% em uma maternidade na Bahia a 40,6% em três maternidades analisadas conjuntamente na cidade do Rio de Janeiro 55. Popova S, Lange S, Probst C, Gmel G, Rehm J. Estimation of national, regional, and global prevalence of alcohol use during pregnancy and fetal alcohol syndrome: a systematic review and meta-analysis. Lancet Glob Health 2017; 5:e290-e9..
Um complexo grupo de características sociodemográficas, comportamentais, de assistência pré-natal, além de antecedentes clínicos e obstétricos, pode estar associado ao uso de álcool na gravidez, tais como cor da pele (um proxy habitual, embora pouco preciso de etnicidade) 1313. Moraes CL, Reichenheim ME. Rastreamento de uso de álcool por gestantes de serviços públicos de saúde do Rio de Janeiro. Rev Saúde Pública 2007; 41:695-703.,1414. Baptista FH, Rocha KBB, Martinelli JL, Avó LRS, Ferreira RA, Germano CMR, et al. Prevalence and factors associated with alcohol consumption during pregnancy. Rev Bras Saúde Mater Infant 2017; 17:271-9.,1515. Fonseca GFM, Padilha PC, Santos MS, Lima TSV, Saunders C. Prevalência e fatores associados ao consumo de álcool em gestantes adultas de uma maternidade pública no Rio de Janeiro. Brazilian Journal of Development 2021; 7:87986-8004., classe econômica 1616. Shmulewitz D, Hasin DS. Risk factors for alcohol use among pregnant women, ages 15-44, in the United States, 2002 to 2017. Prev Med 2019; 124:75-83., trabalho remunerado 1313. Moraes CL, Reichenheim ME. Rastreamento de uso de álcool por gestantes de serviços públicos de saúde do Rio de Janeiro. Rev Saúde Pública 2007; 41:695-703., antecedente de doença crônica 1717. Guimarães VA, Fernandes KS, Lucchese R, Vera I, Martins BCT, Amorim TA, et al. Prevalência e fatores associados ao uso de álcool durante a gestação em uma maternidade de Goiás, Brasil Central. Ciênc Saúde Colet 2018; 23:3413-20., paridade 1414. Baptista FH, Rocha KBB, Martinelli JL, Avó LRS, Ferreira RA, Germano CMR, et al. Prevalence and factors associated with alcohol consumption during pregnancy. Rev Bras Saúde Mater Infant 2017; 17:271-9.,1515. Fonseca GFM, Padilha PC, Santos MS, Lima TSV, Saunders C. Prevalência e fatores associados ao consumo de álcool em gestantes adultas de uma maternidade pública no Rio de Janeiro. Brazilian Journal of Development 2021; 7:87986-8004., gravidez pretendida 1818. Mekuriaw B, Belayneh Z, Shemelise T, Hussen R. Alcohol use and associated factors among women attending antenatal care in southern Ethiopia: a facility based cross sectional study. BMC Res Notes 2019; 12:690., número de consultas pré-natais 1616. Shmulewitz D, Hasin DS. Risk factors for alcohol use among pregnant women, ages 15-44, in the United States, 2002 to 2017. Prev Med 2019; 124:75-83. e violência por parceiro íntimo 1919. Moraes CL, Viellas EF, Reichenheim ME. Assessing alcohol misuse during pregnancy: evaluating psychometric properties of the CAGE, T-ACE and TWEAK in a Brazilian setting. J Stud Alcohol 2005; 66:165-73.,2020. Russell BS, Eaton LA, Petersen-Williams P. Intersecting epidemics among pregnant women: alcohol use, interpersonal violence, and HIV infection in South Africa. Curr HIV/AIDS Rep 2013; 10:103-10.. Algumas variáveis apresentam associações bem estabelecidas, como o tabagismo 2121. Lange S, Probst C, Quere M, Rehm J, Popova S. Alcohol use, smoking and their co-occurrence during pregnancy among Canadian women, 2003 to 2011/12. Addict Behav 2015; 50:102-9., enquanto outras, como situação conjugal e escolaridade, apresentam divergência 1414. Baptista FH, Rocha KBB, Martinelli JL, Avó LRS, Ferreira RA, Germano CMR, et al. Prevalence and factors associated with alcohol consumption during pregnancy. Rev Bras Saúde Mater Infant 2017; 17:271-9.,1515. Fonseca GFM, Padilha PC, Santos MS, Lima TSV, Saunders C. Prevalência e fatores associados ao consumo de álcool em gestantes adultas de uma maternidade pública no Rio de Janeiro. Brazilian Journal of Development 2021; 7:87986-8004.,1616. Shmulewitz D, Hasin DS. Risk factors for alcohol use among pregnant women, ages 15-44, in the United States, 2002 to 2017. Prev Med 2019; 124:75-83.,1717. Guimarães VA, Fernandes KS, Lucchese R, Vera I, Martins BCT, Amorim TA, et al. Prevalência e fatores associados ao uso de álcool durante a gestação em uma maternidade de Goiás, Brasil Central. Ciênc Saúde Colet 2018; 23:3413-20..
Considerando esses aspectos individuais, que demonstram desigualdades no acesso a políticas e serviços, tornando os sujeitos vulneráveis 2222. Carmo ME, Guizardi FL. O conceito de vulnerabilidade e seus sentidos para as políticas públicas de saúde e assistência social. Cad Saúde Pública 2018; 34:e00101417., buscou-se estimar a prevalência de uso de álcool na gestação, segundo características maternas, visando subsidiar a elaboração de estratégias de prevenção e controle. Este estudo tem como objetivos estimar a prevalência nacional de consumo de álcool na gestação e identificar grupos mais suscetíveis ao problema, de acordo com variáveis sociodemográficas, obstétricas e comportamentais maternas.
Método
Desenho de estudo
Trata-se de um inquérito nacional, de base hospitalar, sobre assistência à gestação, ao parto e ao nascimento, realizado nos anos 2011/2012, denominado Nascer no Brasil. A amostra do estudo foi calculada com base na proporção de cesarianas realizadas no Brasil em 2007 (46,6%) e no nível de 5% de confiança para detectar diferenças de 14% entre hospitais públicos e mistos e hospitais privados. Foi utilizado efeito de desenho de 1,3 2323. Walter SD, Altman DG. Practical statistics for medical research. Biometrics 1992; 48:656., resultando em uma amostra planejada de 23.940 puérperas, distribuídas em 266 hospitais de todas as Unidades da Federação (UF).
O processo de amostragem foi realizado em três estágios de seleção. No primeiro, foram selecionados hospitais com 500 ou mais partos ao ano, estratificados segundo as macrorregiões do país, localização (capital ou não capital) e tipo de hospital (público, privado ou misto), com probabilidade de seleção proporcional ao número de partos em cada um dos estratos em 2007. No segundo estágio, o número de dias necessários para entrevistar 90 puérperas em cada hospital (mínimo de sete dias) foi definido utilizando um método de amostragem inversa. No terceiro e último estágio, foi feita a seleção das puérperas elegíveis. Mais informações sobre o desenho amostral são detalhadas em Vasconcellos et al. 2424. Vasconcellos MTL, Silva PLN, Pereira APE, Schilithz AOC, Souza Junior PRB, Szwarcwald CL. Desenho da amostra Nascer no Brasil: Pesquisa Nacional sobre Parto e Nascimento. Cad Saúde Pública 2014; 30 Suppl:S49-58..
Participantes
Foram consideradas elegíveis para o estudo puérperas com parto hospitalar de nascido vivo de qualquer peso e idade gestacional ou natimortos com peso ao nascer ≥ 500g e/ou idade gestacional ≥ 22 semanas de gestação. Mulheres que tiveram parto domiciliar, em via pública ou em instituição de saúde que não fazia parte da amostra; mulheres com doença psiquiátrica grave ou estrangeiras que não compreendiam português; e mulheres com deficiência auditiva foram consideradas não elegíveis para a pesquisa.
Coleta de dados
As mulheres foram entrevistadas durante a internação hospitalar no pós-parto imediato por uma equipe de entrevistadores treinados. Dados do prontuário hospitalar da mulher e do recém-nato foram extraídos após a alta hospitalar. Os cartões de pré-natal foram fotografados, com posterior extração de dados
Variáveis estudadas
Para avaliar o uso de álcool na gestação foi utilizada a versão brasileira do Tolerance Worry Eye-opener Black-out, and K/Cut Down (TWEAK) 1919. Moraes CL, Viellas EF, Reichenheim ME. Assessing alcohol misuse during pregnancy: evaluating psychometric properties of the CAGE, T-ACE and TWEAK in a Brazilian setting. J Stud Alcohol 2005; 66:165-73.. Esse instrumento é composto por cinco perguntas: T - tolerance = “quantas doses você precisa beber para se sentir ‘alta’”; W - worried = “seu companheiro ou seus pais se preocupam ou reclamam quando você bebe?”; E - eye-opener = “você costuma beber pela manhã para diminuir o nervosismo ou a ressaca?”; A - amnesia - stands for blackouts = “alguma vez você acordou de manhã após ter bebido na noite anterior e se deu conta de que não se lembrava de uma parte do que tinha acontecido na noite passada?”; e K - cut down = “alguma vez você sentiu que deveria diminuir a quantidade de bebida ou parar de beber?” 1919. Moraes CL, Viellas EF, Reichenheim ME. Assessing alcohol misuse during pregnancy: evaluating psychometric properties of the CAGE, T-ACE and TWEAK in a Brazilian setting. J Stud Alcohol 2005; 66:165-73.. Uma resposta positiva à questão sobre “tolerância” (três ou mais doses sem adormecer ou desmaiar) e uma resposta positiva à pergunta sobre “preocupação” recebem dois pontos cada uma, enquanto uma resposta positiva a cada uma das três últimas perguntas recebe um ponto cada, com o escore variando de zero a sete pontos. Mulheres que não relataram uso de álcool na gestação foram classificadas como “não usou bebida alcoólica na gestação”; mulheres com pontuação na escala TWEAK inferior a dois pontos foram classificadas como “sem uso inadequado de álcool”; e mulheres com dois ou mais pontos no escore total foram classificadas como “diagnóstico presumível de uso inadequado de álcool”, seguindo a mesma nomenclatura adotada pelos autores que fizeram a validação da escala no Brasil 1313. Moraes CL, Reichenheim ME. Rastreamento de uso de álcool por gestantes de serviços públicos de saúde do Rio de Janeiro. Rev Saúde Pública 2007; 41:695-703.. A utilização desse ponto de corte, que é o sugerido pelo estudo original de validação da escala, apresenta sensibilidade de 70%-90% e especificidade de 65%-90% 2525. Russell M. New assessment tools for risk drinking during pregnancy: T-ACE, TWEAK, and others. Alcohol Health Res World 1994; 18:55-61.,2626. Russell M, Martier SS, Sokol RJ, Mudar P, Jacobson S, Jacobson J. Detecting risk drinking during pregnancy: a comparison of four screening questionnaires. Am J Public Health 1996; 86:1435-9..
Foram analisadas as seguintes características maternas: (a) demográficas e socioeconômicas: região geográfica de residência da mulher (Norte, Nordeste, Centro-oeste, Sul e Sudeste), idade materna (12-19, 20-34 e 35 ou mais), raça/cor da pele autorreferida (branca, preta, parda, amarela, indígena), escolaridade em anos de estudo (até 7, 8-10, 11 ou mais), situação conjugal (sem companheiro, com companheiro), classe econômica (D+E, C, A+B, em que A/B são as classes mais elevadas) 2727. Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. Critério de Classificação Econômica Brasil. Alterações na aplicação do Critério Brasil, válidas a partir de 01/Jun/2021. São Paulo: Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa; 2021., trabalho remunerado (sim ou não) e tipo de financiamento do parto (público ou privado); (b) antecedente obstétrico: paridade (0, 1-2, 3 ou mais); (c) dados da gestação atual: gestação pretendida (queria engravidar no momento; queria engravidar, mas não no momento; não queria engravidar), início do acompanhamento pré-natal (primeiro, segundo ou terceiro trimestre gestacional) e adequação do número de consultas de pré-natal para idade gestacional no parto (inadequado, parcialmente adequado, adequado, mais que adequado); e (d) comportamentais: tabagismo na gestação (sim ou não).
Dados sobre idade, escolaridade, classe econômica, situação conjugal, trabalho, financiamento do parto, gestação pretendida, tabagismo e uso de álcool foram obtidos na entrevista com a puérpera. Informações sobre antecedentes obstétricos e consultas de pré-natal foram obtidas prioritariamente do cartão de pré-natal, sendo também utilizados dados de prontuário hospitalar e entrevista estruturada com a puérpera quando o cartão não estava disponível.
A adequação do número de consultas de pré-natal foi avaliada considerando-se a idade gestacional no parto e o calendário de consultas recomendadas pelo Programa de Humanização do Pré-Natal 2828. Secretaria Executiva, Ministério da Saúde. Programa Humanização do Parto: humanização no pré-natal e nascimento. Brasília: Ministério da Saúde; 2002., vigente na época do estudo: uma consulta no primeiro trimestre gestacional, duas no segundo trimestre gestacional e três no terceiro trimestre gestacional, totalizando o mínimo de seis consultas para uma gestação a termo.
Análise de dados
Estimou-se a prevalência das duas categorias de uso de álcool e seus respectivos IC95% na amostra como um todo e nas categorias das variáveis maternas. As análises estatísticas foram realizadas por meio do software R (versão 4.1.2, http://www.r-project.org), utilizando a biblioteca survey, com inclusão de ponderação, calibração e efeito de desenho em todas as etapas da análise estatística 2828. Secretaria Executiva, Ministério da Saúde. Programa Humanização do Parto: humanização no pré-natal e nascimento. Brasília: Ministério da Saúde; 2002..
Para avaliar a coexistência de características maternas que podem estar associadas a um maior risco de desfechos perinatais negativos, foi utilizado o diagrama de Venn 2929. Cai H, Chen H, Yi T, Daimon CM, Boyle JP, Peers C, et al. VennPlex - a novel Venn diagram program for comparing and visualizing datasets with differentially regulated datapoints. PLoS One 2013; 8:e53388.. Além do consumo de álcool na gestação, foram analisados o “tabagismo na gestação” e a “adequação do número de consultas”. Optou-se pela variável “tabagismo na gestação” devido ao seu conhecido efeito nos desfechos perinatais, tais como baixo peso, prematuridade e malformações 2121. Lange S, Probst C, Quere M, Rehm J, Popova S. Alcohol use, smoking and their co-occurrence during pregnancy among Canadian women, 2003 to 2011/12. Addict Behav 2015; 50:102-9.. Já a variável “adequação do número de consultas pré-natal” foi escolhida por se tratar de um importante componente dessa assistência, estando associada a melhores desfechos perinatais quando em número adequado 3030. Viellas EF, Domingues RMSM, Dias MAB, Gama SGN, Theme Filha MM, Costa JV, et al. Assistência pré-natal no Brasil. Cad Saúde Pública 2014; 30 Suppl:S85-100.. Além disso, o maior contato com os serviços de pré-natal pode propiciar mais ações visando reduzir o tabagismo e o uso de álcool na gestação, que são fatores de risco modificáveis e com boa resposta a intervenções breves 3131. Staton CA, Vissoci JRN, El-Gabri D, Adewumi K, Concepcion T, Elliott SA, et al. Patient-level interventions to reduce alcohol-related harms in low-and middle-income countries: a systematic review and meta-summary. PLoS Med 2022; 19:e1003961..
Aspectos éticos
Esta pesquisa utiliza dados obtidos do estudo Nascer no Brasil, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz; CAAE 0096.0.031.000-10/10 de junho de 2010). Todos os cuidados foram adotados visando garantir o sigilo e a confidencialidade das informações. Antes da realização de cada entrevista, foi obtido consentimento após leitura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).
Resultados
Das 23.894 puérperas entrevistadas no estudo Nascer no Brasil, a maior parte residia nas regiões Sudeste (42,5%) e Nordeste (28,9%) do país. A média de idade foi de 27 anos, com 70,4% das mulheres na faixa etária de 20-34 anos. A maioria das entrevistadas se declarou parda (56,1%) e uma pequena proporção de participantes se autodeclarou amarela (1,1%) e indígena (0,4%). Quase a metade (47,8%) das puérperas estudou por 11 anos ou mais, 52% pertenciam à classe C, 81,4% viviam com companheiro, 59,7% não exerciam trabalho remunerado e 80,1% tiveram parto no sistema público de saúde. Com relação à gestação atual, 46,9% eram primíparas, 44,3% desejavam engravidar naquele momento, 60,6% iniciaram o pré-natal no primeiro trimestre gestacional e mais da metade das entrevistadas apresentou quantidade adequada de consultas de pré-natal, considerando o número de consultas e a idade gestacional no momento do parto. Do total de puérperas, 9,6% declararam ter fumado durante a gestação (Tabela 1).
O uso de álcool na gestação foi estimado em 14% (intervalo de 95% de confiança - IC95%: 13,3-14,7), com 10% (IC95%: 9,4-10,6) das mulheres tendo diagnóstico presumível de uso inadequado de álcool durante a gravidez (Tabela 2). Menor prevalência de consumo total foi observada nas gestantes residentes nas regiões Norte e Nordeste, enquanto menor diagnóstico presumível de uso inadequado de álcool foi observado apenas na Região Norte. Maior consumo de álcool e de diagnóstico presumível de uso inadequado de álcool foram observados em mulheres com menos de 35 anos, pretas, com até dez anos de estudo, das classes econômicas C e D+E, sem companheiro, sem trabalho remunerado, atendidas no setor público, com três filhos ou mais, que não queriam engravidar, com início do acompanhamento pré-natal no segundo ou terceiro trimestre gestacional, com número inadequado de consultas de pré-natal e que fumaram na gestação - as últimas apresentam uma prevalência superior, em mais de três vezes, à das não fumantes.
Observa-se um gradiente da prevalência segundo idade, escolaridade, classe econômica, paridade, gestação pretendida, época de início do pré-natal e adequação do número de consultas de pré-natal, tanto para o uso de álcool quanto para o diagnóstico presumível de uso inadequado de álcool na gestação, com maior prevalência nas mulheres mais jovens, com menor índice de escolaridade, de classe econômica mais baixa, que não queriam engravidar, com início mais tardio do pré-natal e com número inadequado de consultas.
Por meio do diagrama de Venn, é possível representar graficamente a coexistência dos fatores maternos avaliados. Da população total do estudo, 7,9% apresentavam apenas consumo de álcool; 2,2% fumo e álcool; 2,3% álcool e número inadequado de consultas; e 1,2% apresentou os três fatores (Figura 1).
Prevalência de tabagismo, uso de álcool e inadequação de consulta de pré-natal. Brasil, 2011-2012 (N = 23.894).
Discussão
Os resultados deste estudo revelam que 14% das gestantes ingeriram alguma quantidade de álcool durante a gravidez, sendo 10% classificadas com diagnóstico presumível de uso inadequado de álcool. A maior prevalência do consumo total de bebidas alcoólicas na gestação foi observada na Região Sul, enquanto a menor foi identificada nas regiões Norte e Nordeste, revelando diferenças entre regiões no uso de álcool, em um país com marcantes heterogeneidades regionais, demográficas e sociais 3232. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: síntese de indicadores 2015. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2016.. O estudo revela ainda maior frequência de tabagismo em mulheres que consumiram álcool na gestação, expondo a gestante e o feto aos efeitos nocivos do álcool e do fumo. Maior prevalência de uso total de álcool e de diagnóstico presumível de uso inadequado de álcool também foi observada em mulheres com maior vulnerabilidade social, incluindo aquelas de menor escolaridade, pertencentes a classes econômicas mais baixas, de cor da pele não branca, sem companheiro na gestação, sem trabalho remunerado, com maior número de partos anteriores, com gestações não pretendidas, atendidas em serviços públicos, com início tardio do pré-natal e com número inadequado de consultas.
A comparação dos nossos resultados com outros estudos deve ser realizada com cautela, pois existe grande variedade de termos utilizados na literatura para se referir ao uso de álcool na gestação 3333. Chagas C, Paula TCS, Galduróz JCF. A Linguagem e o estigma: Os termos utilizados na área de álcool e outras drogas. Epidemiol Serv Saúde 2021; 30:e2020921., dificultando a identificação e padronização de trabalhos científicos sobre o tema. Além da variação dos termos, existe heterogeneidade nas escalas utilizadas para aferição do consumo de álcool na gravidez, uma vez que não existe uma recomendação universal quanto à escala a ser utilizada. O uso de diferentes escalas também dificulta a comparação das estimativas obtidas, constituindo uma das possíveis explicações para a grande variedade de prevalência observada em estudos que utilizam escalas diferentes.
As estimativas desta pesquisa de consumo total de álcool são superiores às estimativas globais, mas inferiores às observadas em países europeus, que apresentam as maiores prevalências mundiais5. Na América Latina e Caribe, uma metanálise de estudos realizados no período de 1984 a 2014 para avaliar qualquer consumo de álcool na gestação identificou 24 pesquisas, obtendo uma prevalência combinada de uso de álcool na gravidez para dois países: Brasil (15,2%; IC95%: 10,4-20,8) e México (1,2%; IC95% 0,0-2,7). Para outros 31 países da América Latina e Caribe, a prevalência de consumo de álcool na gestação foi estimada, apresentando uma variação de 4,8% (IC95%: 4,2-5,4) em Cuba a 23,3% (IC95%: 20,1-26,5) em Granada 1212. Lange S, Probst C, Heer N, Roerecke M, Rehm J, Monteiro MG, et al. Actual and predicted prevalence of alcohol consumption during pregnancy in latin america and the Caribbean: systematic literature review and meta-analysis. Rev Panam Salud Pública 2017; 41:89.. Vale destacar que, em relação à qualidade dos estudos incluídos, 88% utilizaram amostragem não probabilística e apenas 13% adotaram instrumento validado para averiguar o uso de álcool. Das 19 análises realizadas no Brasil, apenas cinco usaram alguma escala para aferir o uso de álcool - apenas uma delas utilizou o TWEAK 1313. Moraes CL, Reichenheim ME. Rastreamento de uso de álcool por gestantes de serviços públicos de saúde do Rio de Janeiro. Rev Saúde Pública 2007; 41:695-703.. Algumas explicações plausíveis para a alta prevalência de ingestão de álcool durante a gestação em alguns países da América Latina e Caribe referem-se ao marketing para o consumo de bebida alcoólica, às indústrias de álcool existentes e à não adoção de parte significativa das políticas públicas consensuadas por organismos como a Organização Mundial da Saúde (OMS) 3434. De Boni RB, Mota JC, Coutinho C, Bastos FI. Would the Brazilian population support the alcohol policies recommended by the World Health Organization? Rev Saúde Pública 2022; 56:66..
A estimativa encontrada de 10% de diagnóstico presumível de uso inadequado de álcool está próxima a valores relatados na literatura, como no Rio de Janeiro em 2007 (7,3%; IC95%: 5,1-9,5) 1313. Moraes CL, Reichenheim ME. Rastreamento de uso de álcool por gestantes de serviços públicos de saúde do Rio de Janeiro. Rev Saúde Pública 2007; 41:695-703., no Rio Grande do Sul em 2007/2008 3535. Silva I, Quevedo LA, Silva RA, Oliveira SS, Pinheiro RT. Associação entre abuso de álcool durante a gestação e o peso ao nascer. Rev Saúde Pública 2011; 45:864-9. (2,1% - IC95% não apresentado) e em Goiás nos anos de 2014/2015 (17,7% IC95%: 14,1-22,0) 1717. Guimarães VA, Fernandes KS, Lucchese R, Vera I, Martins BCT, Amorim TA, et al. Prevalência e fatores associados ao uso de álcool durante a gestação em uma maternidade de Goiás, Brasil Central. Ciênc Saúde Colet 2018; 23:3413-20.. Em pesquisas com amostras pequenas que utilizaram a escala TWEAK, a prevalência estimada de uso inadequado de álcool no mundo variou de 13,6% na Itália em 2017 3636. Ferraguti G, Merlino L, Battagliese G, Piccioni MG, Barbaro G, Carito V, et al. Fetus morphology changes by second-trimester ultrasound in pregnant women drinking alcohol. Addict Biol 2020; 25:e12724. a 54% no Canadá em 2006 e 2007 3737. Sarkar M, Einarson T, Koren G. Comparing the effectiveness of TWEAK and T-ACE in determining problem drinkers in pregnancy. Alcohol Alcohol 2010; 45:356-60., sendo provavelmente afetada pelas características específicas das populações estudadas. Em estudo com 11.909 gestantes na Ucrânia Ocidental, nos anos de 2007 a 2012 3838. Chambers CD, Yevtushok L, Zymak-Zakutnya N, Korzhynskyy Y, Ostapchuk L, Akhmedzhanova D, et al. Prevalence and predictors of maternal alcohol consumption in 2 regions of Ukraine. Alcohol Clin Exp Res 2014; 38:1012-9., foi estimada uma prevalência de 10,9% de uso nocivo de álcool, semelhante à encontrada nesta pesquisa. Entretanto, o ponto de corte utilizado para a pergunta sobre “tolerância” do questionário foi diferente, de seis ou mais doses sem adormecer ou desmaiar. Caso os dois estudos em questão tivessem utilizado três doses ou mais como ponto de corte, 52,2% das mulheres na Ucrânia Ocidental seriam classificadas com o diagnóstico presumível de uso inadequado de álcool na gestação.
A prevalência de diagnóstico presumível de uso inadequado de álcool na gestação foi mais elevada em subgrupos já identificados na literatura: mulheres jovens 1717. Guimarães VA, Fernandes KS, Lucchese R, Vera I, Martins BCT, Amorim TA, et al. Prevalência e fatores associados ao uso de álcool durante a gestação em uma maternidade de Goiás, Brasil Central. Ciênc Saúde Colet 2018; 23:3413-20., com menor escolaridade 1616. Shmulewitz D, Hasin DS. Risk factors for alcohol use among pregnant women, ages 15-44, in the United States, 2002 to 2017. Prev Med 2019; 124:75-83., classe econômica baixa 1313. Moraes CL, Reichenheim ME. Rastreamento de uso de álcool por gestantes de serviços públicos de saúde do Rio de Janeiro. Rev Saúde Pública 2007; 41:695-703.,1414. Baptista FH, Rocha KBB, Martinelli JL, Avó LRS, Ferreira RA, Germano CMR, et al. Prevalence and factors associated with alcohol consumption during pregnancy. Rev Bras Saúde Mater Infant 2017; 17:271-9., não brancas 1313. Moraes CL, Reichenheim ME. Rastreamento de uso de álcool por gestantes de serviços públicos de saúde do Rio de Janeiro. Rev Saúde Pública 2007; 41:695-703., sem companheiro 1313. Moraes CL, Reichenheim ME. Rastreamento de uso de álcool por gestantes de serviços públicos de saúde do Rio de Janeiro. Rev Saúde Pública 2007; 41:695-703., com gestações não pretendidas 1313. Moraes CL, Reichenheim ME. Rastreamento de uso de álcool por gestantes de serviços públicos de saúde do Rio de Janeiro. Rev Saúde Pública 2007; 41:695-703.,1818. Mekuriaw B, Belayneh Z, Shemelise T, Hussen R. Alcohol use and associated factors among women attending antenatal care in southern Ethiopia: a facility based cross sectional study. BMC Res Notes 2019; 12:690.,3939. Iversen ML, Sørensen NO, Broberg L, Damm P, Hedegaard M, Tabor A, et al. Alcohol consumption and binge drinking in early pregnancy. a cross-sectional study with data from the copenhagen pregnancy cohort. BMC Pregnancy Childbirth 2015; 15:327., com multiparidade 4040. Tesfaye G, Demlew D, G/Tsadik M, Habte F, Molla G, Kifle Y, et al. The prevalence and associated factors of alcohol use among pregnant women attending antenatal care at public hospitals Addis Ababa, Ethiopia, 2019. BMC Psychiatry 2020; 20:337., com trabalho não remunerado 1313. Moraes CL, Reichenheim ME. Rastreamento de uso de álcool por gestantes de serviços públicos de saúde do Rio de Janeiro. Rev Saúde Pública 2007; 41:695-703., com assistência pré-natal inadequada 1515. Fonseca GFM, Padilha PC, Santos MS, Lima TSV, Saunders C. Prevalência e fatores associados ao consumo de álcool em gestantes adultas de uma maternidade pública no Rio de Janeiro. Brazilian Journal of Development 2021; 7:87986-8004. e que também referiam tabagismo na gravidez 1515. Fonseca GFM, Padilha PC, Santos MS, Lima TSV, Saunders C. Prevalência e fatores associados ao consumo de álcool em gestantes adultas de uma maternidade pública no Rio de Janeiro. Brazilian Journal of Development 2021; 7:87986-8004.,1717. Guimarães VA, Fernandes KS, Lucchese R, Vera I, Martins BCT, Amorim TA, et al. Prevalência e fatores associados ao uso de álcool durante a gestação em uma maternidade de Goiás, Brasil Central. Ciênc Saúde Colet 2018; 23:3413-20..
Mulheres indígenas apresentaram maior prevalência de uso de álcool do que mulheres brancas, mas não foi observada diferença significativa em relação às pardas e amarelas, provavelmente pelo pequeno tamanho da amostra de indígenas no estudo. Esse achado deve ser explorado em pesquisas futuras com essa população específica, na medida em que o uso excessivo de álcool vem sendo relatado em outras análises e documentos institucionais, especialmente entre indígenas que residem fora da aldeia, nas periferias urbanas 4141. Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, Ministério da Justiça e Cidadania. O uso de substâncias psicoativas no Brasil: módulo 1. 11th Ed. Brasília: Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas; 2017..
A maior prevalência de consumo de álcool por gestantes residentes na Região Sul e a menor por gestantes residentes na Região Norte são dados compatíveis com estudos nacionais realizados com a população geral 4242. Bastos FIP, Vasconcellos MTL, De Boni RB, Reis NL, Coutinho CFS, organizadores. III levantamento nacional sobre o uso de drogas pela população brasileira. http://clinicaquintadosol.com.br/projeto-juntos/documentos/relato-rio-do-iii-lnud-v2018-07-05-final.pdf (accessed on 31/Jul/2019).
http://clinicaquintadosol.com.br/projeto... . Na análise de Bastos et al. 4242. Bastos FIP, Vasconcellos MTL, De Boni RB, Reis NL, Coutinho CFS, organizadores. III levantamento nacional sobre o uso de drogas pela população brasileira. http://clinicaquintadosol.com.br/projeto-juntos/documentos/relato-rio-do-iii-lnud-v2018-07-05-final.pdf (accessed on 31/Jul/2019).
http://clinicaquintadosol.com.br/projeto... , que incluiu população com mais de 12 anos, foi estimada prevalência de consumo de álcool na Região Norte de 22,2% e 32,5% na região Sul. Em 2019, na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), que avaliou a população de 18 anos de idade ou mais, as prevalências pontuais foram de 20,5% e 35,6%, respectivamente. Esses dados sugerem que existe um padrão regional de uso de álcool em adultos que se reproduz durante a gravidez.
Por outro lado, ao se analisar as prevalências de uso de álcool segundo escolaridade, nossos achados não convergem com pesquisas nacionais que estudaram adolescentes e/ou adultos fora do período gestacional. Enquanto em nosso estudo as prevalências foram maiores em mulheres de menor escolaridade, pesquisas nacionais realizadas fora do período gestacional indicam que quanto maior a escolaridade, maior o uso de álcool 4242. Bastos FIP, Vasconcellos MTL, De Boni RB, Reis NL, Coutinho CFS, organizadores. III levantamento nacional sobre o uso de drogas pela população brasileira. http://clinicaquintadosol.com.br/projeto-juntos/documentos/relato-rio-do-iii-lnud-v2018-07-05-final.pdf (accessed on 31/Jul/2019).
http://clinicaquintadosol.com.br/projeto... ,4343. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Percepção do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas: Brasil, grandes regiões e Unidades da Federação. https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=291110 (accessed on 16/Mar/2023).
https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php... ,4444. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2019. Percepção do estado de saúde, estilos de vida, doenças crônicas e saúde bucal: Brasil e grandes regiões. https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=2101764 (accessed on 16/Mar/2023).
https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php... . Esse padrão é observado tanto em homens quanto em mulheres não grávidas. Com relação ao consumo de quatro doses ou mais em uma única ocasião (binge drinking), o último inquérito telefônico brasileiro 4545. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2019: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2019. Brasília: Ministério da Saúde; 2020. evidenciou que, entre as mulheres, o uso aumentou com o nível de escolaridade. Na Dinamarca, a maior ocorrência de binge drinking também foi observada em mulheres de maior escolaridade antes do diagnóstico da gravidez 4646. Strandberg-Larsen K, Poulsen G, Bech BH, Chatzi L, Cordier S, Dale MTG, et al. Association of light-to-moderate alcohol drinking in pregnancy with preterm birth and birth weight: elucidating bias by pooling data from nine European cohorts. Eur J Epidemiol 2017; 32:751-64..
Uma hipótese para o maior consumo de álcool por gestantes com menor nível de escolaridade no Brasil é o menor acesso a informações sobre os malefícios desse hábito. Estudos na Etiópia, que relataram maior prevalência de consumo de álcool na gestação, incluindo binge drinking, por grávidas com menor índice de escolaridade 4747. Bitew MS, Zewde MF, Wubetu M, Alemu AA. Consumption of alcohol and binge drinking among pregnant women in Addis Ababa, Ethiopia: prevalence and determinant factors. PLoS One 2020; 15:e0243784. ou residentes em comunidades com baixa escolaridade 4848. Addila AE, Azale T, Gete YK, Yitayal M. Individual and community-level predictors of maternal alcohol consumption during pregnancy in Gondar town, Northwest Ethiopia: a multilevel logistic regression analysis. BMC Pregnancy Childbirth 2021; 21:419., verificaram uma chance muito maior de essas mulheres não terem conhecimento sobre os riscos do uso de álcool na gestação 4747. Bitew MS, Zewde MF, Wubetu M, Alemu AA. Consumption of alcohol and binge drinking among pregnant women in Addis Ababa, Ethiopia: prevalence and determinant factors. PLoS One 2020; 15:e0243784. e de considerarem tal conduta social ou culturalmente aceita do que a probabilidade observada em mulheres com maior escolaridade 4848. Addila AE, Azale T, Gete YK, Yitayal M. Individual and community-level predictors of maternal alcohol consumption during pregnancy in Gondar town, Northwest Ethiopia: a multilevel logistic regression analysis. BMC Pregnancy Childbirth 2021; 21:419..
A diferença observada no consumo de álcool por mulheres com maior e menor escolaridade sugere a necessidade de estratégias diferenciadas, com ações para a população geral - voltadas para mulheres de maior escolaridade - e ações durante a assistência pré-natal - direcionadas prioritariamente para as gestantes com menor escolaridade.
Maior prevalência de uso de álcool foi observada em mulheres com número inadequado de consultas de pré-natal. A quantidade insuficiente de consultas oferece menos oportunidades de aconselhamento sobre a importância de não ingerir álcool durante a gestação, seja em consultas individuais ou atividades educativas sobre o tema. A escassa utilização dos serviços de pré-natal por mulheres que consomem álcool pode decorrer de diferentes motivos, por exemplo: maior vulnerabilidade social, maior dificuldade de comparecer aos serviços de saúde, bem como menor adesão a atividades de promoção da saúde, tais como a assistência pré-natal.
A coexistência do consumo do álcool, do tabagismo e do número inadequado de consultas de pré-natal, condutas associadas a desfechos negativos para o recém-nascido, reforça a importância de se ampliar ainda mais o acesso à assistência pré-natal às mulheres mais vulneráveis. Essa tríade pode ser um alerta para o direcionamento de esforços para prevenção e acompanhamento dessa parcela de gestantes que acumulam esses fatores de risco. A identificação de maior prevalência de consumo de álcool por mulheres com início tardio do pré-natal evidencia a necessidade de estratégias para ampliar o diagnóstico precoce da gravidez, evitando a exposição ao álcool por desconhecimento da gestação. Dados do estudo Nascer no Brasil mostram que 46,6% das mulheres com início tardio do pré-natal referiram dificuldades no diagnóstico da gestação como motivo para não ter iniciado o pré-natal precocemente 3030. Viellas EF, Domingues RMSM, Dias MAB, Gama SGN, Theme Filha MM, Costa JV, et al. Assistência pré-natal no Brasil. Cad Saúde Pública 2014; 30 Suppl:S85-100..
Os resultados da pesquisa devem ser interpretados à luz de suas limitações e de seus pontos fortes. Entre as limitações, destaca-se que as estimativas não podem ser extrapoladas para mulheres que tiveram partos realizados em domicílio, via pública, hospitais com menos de 500 partos/ano, assim como grávidas cuja gestação terminou em perda fetal precoce, já que tais características não eram elegíveis para o estudo. Outra possível limitação foi a forma de aferição do uso inadequado de álcool, por meio de autorrelato e de forma retrospectiva. A coleta de dados retrospectiva pode subestimar o consumo de álcool no início da gestação, quando a mulher ainda não sabia que estava grávida 4949. Kaup ZOL, Merighi MAB, Tsunechiro MA. Avaliação do consumo de bebida alcoólica durante a gravidez. Rev Bras Ginecol Obstet 2001; 23:575-80.. Já o autorrelato pode subestimar o uso de álcool na gestação devido ao constrangimento das mulheres em admitir tal conduta, dada a preocupação com os malefícios para o feto e para o recém-nascido 5050. Clift-Matthews V. Alcohol in pregnancy: what is a safe amount? Br J Midwifery 2008; 16:208.,5151. Muggli E, Cook B, O'Leary C, Forster D, Halliday J. Increasing accurate self-report in surveys of pregnancy alcohol use. Midwifery 2015; 31:e23-8.. Entretanto, consideramos que a utilização do questionário TWEAK pode ter atenuado essas limitações por ser uma escala desenvolvida para uso em clínicas de obstetrícia e ginecologia e na atenção primária 11. World Health Organization. Guidelines for the identification and management of substance use and substance use disorders in pregnancy. Geneva: World Health Organization; 2014., com alta sensibilidade e especificidade na identificação do uso inadequado de álcool na gestação em diversas etnias 2626. Russell M, Martier SS, Sokol RJ, Mudar P, Jacobson S, Jacobson J. Detecting risk drinking during pregnancy: a comparison of four screening questionnaires. Am J Public Health 1996; 86:1435-9.,5151. Muggli E, Cook B, O'Leary C, Forster D, Halliday J. Increasing accurate self-report in surveys of pregnancy alcohol use. Midwifery 2015; 31:e23-8.. A ausência de informações sobre idade gestacional no diagnóstico da gestação, de suporte social durante a gravidez e de orientações sobre o uso de álcool na gestação e seus malefícios também limita a compreensão da importância desses fatores para o consumo de álcool durante a gravidez. Estudo realizado na Austrália mostrou uma baixa proporção de aconselhamento recebido pelas gestantes, apesar das diretrizes assistenciais existentes 5252. Doherty E, Wiggers J, Wolfenden L, Anderson AE, Crooks K, Tsang TW, et al. Antenatal care for alcohol consumption during pregnancy: pregnant women's reported receipt of care and associated characteristics. BMC Pregnancy Childbirth 2019; 19:299.. No Brasil, em duas pesquisas que avaliaram o aconselhamento recebido durante o pré-natal 5353. Bianchini BV, Maroneze MC, Timm MS, Dos Santos BZ, Dotto PP. Prevalence of alcohol and tobacco use and perceptions regarding prenatal care among pregnant Brazilian women, 2017 to 2018: a mixed-methods study. Matern Child Health J 2020; 24:1438-45.,5454. Martinelli JL, Germano CMR, de Avó LRDS, Fontanella BJB, Melo DG. Motivation for alcohol consumption or abstinence during pregnancy: a clinical-qualitative study in Brazil. PLoS One 2019; 14:e0223351., as mulheres consideraram que ser informadas sobre os perigos de consumir álcool na gravidez é importante, mas revelaram que houve poucas informações a esse respeito, algumas vezes de forma incorreta e nem sempre de fácil entendimento. A relação conflituosa com o parceiro também tem sido relatada como um dos fatores associados ao maior consumo de álcool na gravidez 5555. Esper LH, Furtado EF. Stressful life events and alcohol consumption in pregnant women: A cross-sectional survey. Midwifery 2019; 71:27-32.,5656. Erdenetuya B, Kwon D, Choi S, Choe SA. Alcohol use during pregnancy: findings from a gender-based violence survey in Mongolia. Arch Womens Ment Health 2022; 25:789-95., bem como motivos sociais para beber nesse período 5454. Martinelli JL, Germano CMR, de Avó LRDS, Fontanella BJB, Melo DG. Motivation for alcohol consumption or abstinence during pregnancy: a clinical-qualitative study in Brazil. PLoS One 2019; 14:e0223351.,5757. Watson D, Clark LA, Tellegen A. Development and validation of brief measures of positive and negative affect: the PANAS scales. J Pers Soc Psychol 1988; 54:1063-70.. Por fim, fatores contextuais também têm sido avaliados, como residir em ambiente que não estimula a prática de atividade física 5858. Boing AF, Boing AC, Wagner KJP, Saraiva SS, Tomasi YT. Individual and contextual variables associated with smoking and alcohol consumption during pregnancy. Rev Bras Enferm 2021; 74 Suppl 4:e20200804.. Esses aspectos não estavam disponíveis em nossa pesquisa e devem ser explorados em investigações futuras.
Com relação aos pontos fortes desta pesquisa, ressalta-se que este é o primeiro estudo que estimou a prevalência de uso de álcool e do diagnóstico presumível de uso inadequado de álcool durante a gestação com uma amostra abrangente e representativa do país e de todas as suas regiões. Embora os dados sejam relativos ao período de 2011-2012 e possam não refletir as prevalências atuais, apresentam um cenário nacional sobre o uso de álcool na gestação, bem como desigualdades regionais e sociais que podem embasar a elaboração de políticas de saúde, as quais devem ser atualizadas a partir da realização de novos estudos. Ressalta-se que políticas específicas sobre o consumo de álcool na gestação não foram implementadas nesse período de dez anos, sendo pouco provável que tenham havido modificações nas rotinas dos serviços. Com relação às desigualdades observadas no consumo de álcool, dados da PNS, realizada em 2013 e 2019 4343. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Percepção do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas: Brasil, grandes regiões e Unidades da Federação. https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=291110 (accessed on 16/Mar/2023).
https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php... ,4444. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2019. Percepção do estado de saúde, estilos de vida, doenças crônicas e saúde bucal: Brasil e grandes regiões. https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=2101764 (accessed on 16/Mar/2023).
https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php... , estimam o aumento da ingestão de bebida alcoólica uma vez por semana ou mais por mulheres, residentes na Região Sudeste e por pessoas com escolaridade mais elevada. Entretanto, essas mudanças não podem ser extrapoladas para a população de gestantes, e a avaliação das desigualdades no consumo de álcool por grávidas depende da realização de novas análises sobre o tema.
Conclusão
Aproximadamente 14% das gestantes brasileiras referiram consumo de álcool na gestação e 10% apresentaram diagnóstico presumível de uso inadequado de álcool durante a gravidez. A prevalência de ingestão de bebidas alcoólicas foi mais elevada em mulheres em situação de maior vulnerabilidade social e em tabagistas. Esses resultados podem ser relevantes para a elaboração de políticas públicas e diretrizes assistenciais que contemplem ações de melhoria da assistência pré-natal, de prevenção de uso de álcool e de oferta de serviços de apoio para cessação do uso de álcool na gravidez. A triagem e o aconselhamento sobre consumo de álcool durante a gestação, recomendados pela OMS 11. World Health Organization. Guidelines for the identification and management of substance use and substance use disorders in pregnancy. Geneva: World Health Organization; 2014., devem ser implementados em todos os serviços de pré-natal, bem como ações educativas sobre o risco do uso de álcool, direcionadas a todas as gestantes, principalmente àquelas mais vulneráveis.
Agradecimentos
Agradecemos ao grupo de pesquisa Nascer no Brasil, liderado pela Dra. Maria do Carmo Leal e sob coordenação geral da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz), pelo suporte que muito nos ajudou nessa pesquisa. F. I. Bastos é apoiado pela bolsa da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, Programa Rede de Saúde (E-26/010.002428/2019) e bolsa de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
07 Ago 2023 - Data do Fascículo
2023
Histórico
- Recebido
08 Dez 2022 - Revisado
20 Mar 2023 - Aceito
10 Abr 2023