A expansão do mercado da cannabis medicinal no Brasil e os desafios da regulação

Cláudia Du Bocage Santos Pinto Ângela Esher Cátia Verônica dos Santos Oliveira Claudia Garcia Serpa Osorio-de-Castro Sobre os autores

A crescente demanda de produtos à base de cannabis

O Brasil gastou cerca de R$ 165 milhões com fornecimento público de produtos contendo Cannabis sativa, de 2015 até meados de 2023, sendo cerca de metade desse valor resultado de demandas judiciais impetradas contra o poder público 11. Kaya Mind. Anuário da cannabis medicinal no Brasil 2023. https://kayamind.com/anuario-da-cannabis-medicinal-no-brasil-2023/ (accessed on 20/Apr/2023).
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. Tramita, no Congresso Nacional, um Projeto de Lei (PL) Federal 22. Senado Federal. Projeto de Lei nº 89 de 2023. Institui a Poli´tica Nacional de Fornecimento Gratuito de Medicamentos Formulados de Derivado Vegetal a` Base de Canabidiol, em associac¸a~o com outras substa^ncias canabinoides, incluindo o tetrahidrocanabinol, nas unidades de sau´de pu´blicas e privadas conveniadas ao Sistema U´nico de Sau´de - SUS. https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9251801&ts=1681737802431&disposition=inline#:~:text=Institui%20a%20Política%20Nacional%20de,Sistema%20Único%20de%20Saúde%20-%20SUS (accessed on 03/May/2024).
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visando instituir a Política Nacional de Fornecimento de Produtos Derivados da Cannabis pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Diversos PLs já foram aprovados ou estão em tramitação, em vários estados e municípios pelo país 33. Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz. Novos tempos: cannabis medicinal ganha espaço no SUS. https://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/reportagem/novos-tempos-cannabis-medicinal-ganha-espaco-no-sus (accessed on 20/Apr/2023).
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O crescente interesse por esses produtos também é resultado da atuação de diversas associações cujas atividades são centradas no cultivo e na fabricação artesanal de produtos derivados de cannabis com fins medicinais 44. Rodrigues APLS, Lopes IS, Mourão VLA. Sobre ativismos e conhecimentos: a experiência de associações canábicas no Brasil. Ciênc Saúde Colet 2024; 29:e18462022.. O panorama é complementado ainda pelo surgimento de indústrias no Brasil com autorização sanitária para a fabricação e a comercialização, e de importadores que viabilizam a entrada de inúmeros produtos autorizados para importação, originários de diversos países, como os Estados Unidos, o Reino Unido, a Suíça, a Holanda e o Uruguai 55. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 327, de 9 de dezembro de 2019. Dispõe sobre os procedimentos para a concessão da Autorização Sanitária para a fabricação e a importação, bem como estabelece requisitos para a comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a fiscalização de produtos de Cannabis para fins medicinais, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2019; 11 dec.,66. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 660, de 30 de março de 2022. Define os critérios e os procedimentos para a importação de produto derivado de Cannabis, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde. Diário Oficial da União 2022; 31 mar..

A demanda, já estabelecida, é incentivada por campanhas publicitárias anunciando os benefícios terapêuticos de produtos contendo cannabis e propalando suas pretensas e diversas propriedades medicinais, a maior parte das quais ainda sem grau de evidência científica que respalde seu uso pela população. Essa oferta contribui para o entendimento de que qualquer produto contendo cannabis seja considerado um medicamento; ao contrário, o que vem se manifestando é a ideia dos produtos e da própria cannabis como panaceia 77. Portela R, Mota DM, Ferreira PJG, Lula MD, Reis BB, Oliveira HN, et al. Judicialização de produtos à base de canabidiol no Brasil: uma análise de 2019 a 2022. Cad Saúde Pública 2023; 39:e00024723..

Marco regulatório e evidências que dão suporte à utilização

No Brasil, há apenas um produto derivado da cannabis classificado como medicamento. A utilização medicinal desses produtos é uma questão controversa, pois a C. sativa é considerada planta proscrita pela Portaria nº 344, de 12 de maio de 1998 (lista E), do Ministério da Saúde 88. Ministério da Saúde. Portaria nº 344, de 12 de maio de 1998. Aprova o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial. Diário Oficial da União 1998; 31 dec.. Entretanto, a partir do emprego do canabidiol (CBD) para tratamento de epilepsia refratária em crianças, houve aumento na demanda por seu uso medicinal no Brasil 99. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.113, de 16 de dezembro de 2014. Aprova o uso compassivo do canabidiol para o tratamento de epilepsias da criança e do adolescente refratárias aos tratamentos convencionais. Diário Oficial da União 2014; 16 dec.. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) passou a alocar o CBD na lista C1, mesma classificação de outras substâncias sujeitas a controle especial 1010. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 3, de 26 de janeiro de 2015. Dispõe sobre a atualização do Anexo I, Listas de Substâncias Entorpecentes, Psicotrópicas, Precursoras e Outras sob Controle Especial, da Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998 e dá outras providências. Diário Oficial da União 2015; 28 jan..

Nesse contexto, foi sendo “construída” uma regulamentação para o uso medicinal da cannabis no país. Resoluções autorizaram importações de produtos contendo cannabis, desde que seus produtores ou distribuidores fossem regularizados pelas autoridades sanitárias de seus países de origem 1111. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 17, de 6 de maio de 2015. Define os critérios e os procedimentos para a importação, em caráter de excepcionalidade, de produto à base de canabidiol em associação com outros canabinoides, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde. Diário Oficial da União 2015; 8 may.,1212. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 66 de 18 de março de 2016. "Dispõe sobre a atualização do Anexo I (Listas de substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial) da Portaria SVS/MS nº 344", de 12 de maio de 1998 e dá outras providências. Diário Oficial da União 2016; 18 mar.. Atualmente a Resolução de Diretoria Colegiada nº 660, da Anvisa 66. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 660, de 30 de março de 2022. Define os critérios e os procedimentos para a importação de produto derivado de Cannabis, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde. Diário Oficial da União 2022; 31 mar., define os critérios e os procedimentos para a importação, desde que por pessoa física, para uso próprio e mediante prescrição de profissional habilitado.

A Anvisa estabeleceu requisitos de comercialização, prescrição, dispensação, monitoramento e fiscalização para os produtos autorizados a fabricação no Brasil, que só podem ser vendidos prontos (sem manipulação pelas farmácias) e com prescrição médica. Produtos com até 0,2% de tetrahidrocanabinol (THC) demandam notificação de receita “B”, e aqueles com maior teor, destinados a cuidados paliativos, notificação de receita “A” 55. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 327, de 9 de dezembro de 2019. Dispõe sobre os procedimentos para a concessão da Autorização Sanitária para a fabricação e a importação, bem como estabelece requisitos para a comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a fiscalização de produtos de Cannabis para fins medicinais, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2019; 11 dec..

Por outro lado, a justiça autorizou associações de pacientes a cultivar, manipular, preparar, produzir, armazenar, transportar, dispensar e pesquisar com C. sativa1313. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. TRF5 autoriza associação a manejar cannabis com fins exclusivamente medicinais. https://www.trf5.jus.br/index.php/noticias/leitura-de-noticias?/id=324697 (accessed on 23/Apr/2023).
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; e há farmácias magistrais que obtiveram o direito de manipular a planta. Segundo o entendimento do judiciário, haveria reserva de mercado a empresas estrangeiras no fabrico de produtos à base de cannabis 1414. Consultor Jurídico. Juiz autoriza empresa a fabricar produtos derivados da cannabis. https://www.conjur.com.br/2023-dez-27/juiz-autoriza-empresa-a-fabricar-produtos-derivados-da-cannabis/ (accessed on 20/Apr/2023).
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. Argumentos postulados por instâncias não capacitadas para atuar na regulação sanitária desviam o foco das questões que necessitam de urgente resolução pela Anvisa.

Atualmente, o cenário regulatório da cannabis medicinal no país inclui três categorias: (1) medicamentos com registro junto à Anvisa, no caso, apenas um contendo canabinóide sintético; (2) produtos autorizados para fabricação, e comercializados em farmácias, à base de canabidiol puro ou de extrato de cannabis, para os quais se exige apenas que as empresas possuam um Certificado de Boas Práticas de Fabricação 55. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 327, de 9 de dezembro de 2019. Dispõe sobre os procedimentos para a concessão da Autorização Sanitária para a fabricação e a importação, bem como estabelece requisitos para a comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a fiscalização de produtos de Cannabis para fins medicinais, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2019; 11 dec., há cerca de 30 produtos com autorização válida 1515. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Consultas. Produtos de cannabis. https://consultas.anvisa.gov.br/#/cannabis/ (accessed on 20/Apr/2024).
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; e (3) produtos com autorização de importação que apresentam uma multiplicidade de composições de canabinóides (óleos full, broad spectrum ou com canabinóides isolados), além de diversas formas farmacêuticas (cápsulas, aerossóis sublinguais, adesivos, loções, cremes e pomadas) e concentrações 1616. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Nota Técnica nº 11/2024/SEI/COCIC/GPCON/DIRE5/ANVISA. Apresenta a lista de produtos derivados de Cannabis de que trata o §3o do Art. 5o da RDC no 660/2022. https://sei.anvisa.gov.br/sei/controlador_externo.php?acao=documento_conferir&codigo_verificador=2892303&codigo_crc=1001A4F1&hash_download=95cbfb5e38b4d3af92e3186b7670362806495393a3ad0e0597d520420807804165a930a53ab740000c38f6db12b21ed7ea0bda4fda06a33d1d81a264a7f9ff35&visualizacao=1&id_orgao_acesso_externo=0 (accessed on 22/Apr/2024).
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. Entre 2015 e 2024, a Anvisa publicou e atualizou cerca de 30 listas de produtos com autorização de importação. A primeira lista incluía 11 produtos 1111. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 17, de 6 de maio de 2015. Define os critérios e os procedimentos para a importação, em caráter de excepcionalidade, de produto à base de canabidiol em associação com outros canabinoides, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde. Diário Oficial da União 2015; 8 may., e a mais recente 582 1616. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Nota Técnica nº 11/2024/SEI/COCIC/GPCON/DIRE5/ANVISA. Apresenta a lista de produtos derivados de Cannabis de que trata o §3o do Art. 5o da RDC no 660/2022. https://sei.anvisa.gov.br/sei/controlador_externo.php?acao=documento_conferir&codigo_verificador=2892303&codigo_crc=1001A4F1&hash_download=95cbfb5e38b4d3af92e3186b7670362806495393a3ad0e0597d520420807804165a930a53ab740000c38f6db12b21ed7ea0bda4fda06a33d1d81a264a7f9ff35&visualizacao=1&id_orgao_acesso_externo=0 (accessed on 22/Apr/2024).
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. Entre 2015 e meados de 2023, cerca de 270 mil permissões para importação foram concedidas pela Anvisa para que pacientes pudessem obter tais produtos 11. Kaya Mind. Anuário da cannabis medicinal no Brasil 2023. https://kayamind.com/anuario-da-cannabis-medicinal-no-brasil-2023/ (accessed on 20/Apr/2023).
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A demanda crescente e a regulação insuficiente são complementadas pela baixa qualidade de evidências para grande parte das possíveis indicações. Os efeitos de canabinóides sintéticos ou naturais para dor crônica, espasticidade, náusea/vômitos, perda de apetite, esclerose lateral amiotrófica, síndrome do colo irritável, esclerose múltipla, coreia de Huntington, epilepsia, distonia, doença de Parkinson, glaucoma, transtorno do déficit de atenção com hiperatividade, anorexia nervosa, ansiedade, autismo, demência, depressão, esquizofrenia, estresse pós-traumático, distúrbios do sono, drogadição, síndrome de Tourette, entre outros, têm sido investigados nos últimos anos. No entanto, poucas indicações têm evidência de nível alto ou moderado 1717. Kelly LE, Rieder MJ, Finkelstein Y. Medical cannabis for children: evidence and recommendations. Paediatr Child Health 2024; 29:104-21..

Para o canabidiol, evidências foram altas para epilepsia e moderadas para doença de Parkinson. Evidência moderada foi demonstrada para nabiximol em dor crônica, espasticidade, sono, depressão e drogadição; evidência moderada foi observada para dronabinol em dor crônica, perda de apetite, e síndrome de Tourette 1717. Kelly LE, Rieder MJ, Finkelstein Y. Medical cannabis for children: evidence and recommendations. Paediatr Child Health 2024; 29:104-21.. Para outras indicações, os estudos ainda estão em curso e as evidências disponíveis são fracas 1818. Bilbao A, Spanagel R. Medical cannabinoids: a pharmacology-based systematic review and meta-analysis for all relevant medical indications. BMC Med 2022; 20:259.,1919. Sarris J, Sinclair J, Karamacoska D, Davidson M, Firth J. Medicinal cannabis for psychiatric disorders: a clinically-focused systematic review. BMC Psychiatry 2020; 20:24..

O problema da segurança

Segundo a legislação sanitária brasileira, nenhum produto de uso medicinal poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado 2020. Brasil. Decreto nº 79.094, de 05 de janeiro de 1977. Regulamenta a Lei nº 6.360 de 23 de setembro de 1976, que submete a sistema de vigilância sanitária os medicamentos, insumos farmacêuticos, drogas, correlatos, cosméticos, produtos de higiene, saneantes e outros. Diário Oficial da União 1977; 7 jan.. Apesar da criação da categoria específica, esses produtos deveriam se adequar à regulamentação sanitária. Após os cinco anos estabelecidos como prazo, a partir da licença, os produtos autorizados para fabricação e comercialização deverão ser registrados junto à Anvisa. Até lá, a responsabilidade pelos riscos recai sobre fabricantes, prescritores e pacientes instados a assinar Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Assim, percebe-se um contexto de possível assimetria de informação que pode causar maior ônus para os pacientes.

Mas o que falar sobre a quantidade de produtos autorizados a importação? Para esses, não há previsão de registro. Os quase 600 produtos nessa categoria continuarão se valendo dos requisitos regulatórios frágeis ou mesmo inexistentes, que hoje vigoram? Essa realidade privilegia aqueles que obtêm, por meio de recursos próprios ou via judicial, quaisquer produtos para quaisquer indicações. A situação da judicialização de produtos, fomentada pela pressão social, é tensionada pela relativa falta de evidências, e pela insegurança jurídica, do momento em que esses produtos não são medicamentos. A atuação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) é fundamental para direcionar a questão em prol da sustentabilidade do SUS.

A utilização terapêutica de um princípio ativo depende de comprovação de eficácia e de segurança para uma dada indicação. Os efeitos adversos da cannabis medicinal, tal qual as evidências de eficácia, ainda não apresentam resultados conclusivos. Há associação moderada para risco de eventos adversos com nabilona, nabiximol e CBD 1717. Kelly LE, Rieder MJ, Finkelstein Y. Medical cannabis for children: evidence and recommendations. Paediatr Child Health 2024; 29:104-21.. Eventos cardiovasculares, psiquiátricos, gastrointestinais e sobre o sistema imune são relatados na literatura 2121. Solmi M, De Toffol M, Kim JY, Choi MJ, Stubbs B, Thompson T, et al. Balancing risks and benefits of cannabis use: umbrella review of meta-analyses of randomised controlled trials and observational studies. BMJ 2023; 382:e072348.. Com produtos que contenham THC, o paciente poderá sofrer distúrbios relacionados tanto à concentração quanto ao uso crônico, como psicoses, ou assemelhados à dependência, sendo mais graves em pacientes suscetíveis 1919. Sarris J, Sinclair J, Karamacoska D, Davidson M, Firth J. Medicinal cannabis for psychiatric disorders: a clinically-focused systematic review. BMC Psychiatry 2020; 20:24.,2121. Solmi M, De Toffol M, Kim JY, Choi MJ, Stubbs B, Thompson T, et al. Balancing risks and benefits of cannabis use: umbrella review of meta-analyses of randomised controlled trials and observational studies. BMJ 2023; 382:e072348.,2222. MacCallum CA, Lo LA, Boivin M. "Is medical cannabis safe for my patients?" A practical review of cannabis safety considerations. Eur J Intern Med 2021; 89:10-8.,2323. Zeraatkar D, Cooper MA, Agarwal A, Vernooij RWM, Leung G, Loniewski K, et al. Long-term and serious harms of medical cannabis and cannabinoids for chronic pain: a systematic review of non-randomised studies. BMJ Open 2022; 12:e054282..

Nos Estados Unidos, no debate sobre a regulação da cannabis medicinal, a questão da segurança vem sendo discutida no que tange à limitação de informações sobre efeitos adversos de produtos aprovados, indicando a necessidade da condução de estudos clínicos 2424. United States Food and Drug Administration. FDA regulation of cannabis and cannabis-derived products, including cannabidiol (CBD). https://www.fda.gov/news-events/public-health-focus/fda-regulation-cannabis-and-cannabis-derived-products-including-cannabidiol-cbd#othercbdapproved (accessed on 30/Jul/2024).
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No contexto brasileiro, o monitoramento de eventos adversos demanda incentivo da Anvisa aos prescritores e pacientes, para notificação, contando com o alinhamento dos conselhos profissionais para proteção do paciente, zelando por indicações sustentadas por evidências.

Quem molda a regulação?

Ainda que as contribuições da sociedade ajudem a moldar a regulação, as lacunas normativas abrem caminhos para um mercado nem sempre alinhado aos interesses sanitários. O resultado é o aumento progressivo do número de empresas buscando atuar nesse nicho, que se mostra lucrativo e permeável.

A Anvisa cria alternativas para permitir que os produtos contendo cannabis, que não são medicamentos e, portanto, que não foram avaliados quanto à eficácia, segurança ou qualidade, sejam acessados por pacientes munidos apenas de prescrição. Nesse caso, tão mais grave é o fornecimento, pelo SUS, de produtos que não atendam ou não se adequem aos requisitos sanitários previstos na legislação.

Espera-se que a Anvisa se posicione mais assertivamente no que tange à regulação da cannabis, tanto em relação aos usos indicados, de acordo com evidências disponíveis, como em relação à disponibilidade de produtos autorizados para importação e comercialização no país. A agência vem demonstrando, historicamente, determinação em proteger a população brasileira; os recentes exemplos vivenciados com a COVID-19 dão conta desse fato. Espera-se a mesma postura na regulação do mercado canábico, assim como de outros mercados relevantes que impactem a saúde da população.

Referências bibliográficas

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Dez 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    13 Maio 2024
  • Revisado
    01 Ago 2024
  • Aceito
    09 Ago 2024
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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