Nesse ano de celebração dos 40 anos de existência de CSP, temos a satisfação de identificar que a área da saúde da mulher representou mais de 10% de todas as 8.255 publicações (artigos, editoriais, resenhas, comunicações breves e outros, segundo a base de dados SciELO; https://search.scielo.org/) desta revista científica. Uma enorme diversidade de conteúdos temáticos estiveram presentes, tais como a violência e as iniquidades de gênero e raça, os exames periódicos de saúde, câncer de mama e colo de útero, além de outras patologias, como diabetes, hipertensão, obesidade e temas diversos que incluem a pauta dos direitos humanos e a análise de políticas e programas devotados à saúde da mulher.
Dentro desse conjunto de saúde da mulher, o maior destaque foi para a subtema da saúde sexual e reprodutiva, que reuniu 86% de toda a produção de conhecimento divulgado.
O reconhecimento da importância da saúde das mulheres e, em particular, sua saúde sexual e reprodutiva como temas fundamentais da saúde pública é coerente com a magnitude desse campo dentro do Sistema Único de Saúde (SUS). Nas estatísticas de internações do Sistema de Informações Hospitalares (SIH-SUS), os capítulos XV e XVI, respectivamente “Gravidez, Parto, Puerpério” e “Algumas Afecções Originárias do Período Perinatal”, correspondem, nos anos de 2023 e 2024, a 20,1% do total das hospitalizações do país 11. Departamento de Informática do SUS. Morbidade hospitalar do SUS - por local de internação - Brasil. http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sih/cnv/niuf.def (accessed on 08/Mar/2024).
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.... . Não menos relevante é a expressão dessa área na atenção básica. Dados publicados do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB), em 2013, mostram que, das 30.523 equipes que participaram do estudo, 28.056 (92%) realizaram atividade na assistência à saúde da mulher e da criança 22. Cruz MJB, Santos AF, Araújo LHL, Andrade EIG. A coordenação do cuidado na qualidade da assistência à saúde da mulher e da criança no PMAQ. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00004019..
A sintonia de CSP com a dimensão assistencial da saúde sexual e reprodutiva das mulheres mostra que a revista é antenada com as necessidades de saúde da população brasileira, vindo a ser um reflexo das demandas dessa área em sua expressão científica. Os principais temas abordados nas publicações do campo da saúde sexual e reprodutiva foram: saúde materno infantil, gravidez e parto, com 60% do conjunto; seguidos da mortalidade na infância, aborto e contracepção, entre outros. É interessante destacar que, nos últimos dez anos, há uma redução da importância numérica de artigos sobre a mortalidade na infância e contracepção, ao passo que aumentam os percentuais de publicações sobre parto e morbidade materna grave.
O excelente trabalho dos editores e do corpo de pareceristas de CSP fez com que escolhêssemos essa revista científica para a divulgação dos resultados do Nascer no Brasil: Pesquisa Nacional sobre Parto e Nascimento (Nascer no Brasil I). O Nascer no Brasil I foi, indiscutivelmente, um marco na produção científica brasileira sobre a saúde sexual e reprodutiva. Os primeiros resultados da Nascer no Brasil I foram divulgados sob a forma de um número temático, sendo que o artigo principal Intervenções Obstétricas Durante o Trabalho de Parto e Parto em Mulheres Brasileiras de Risco Habitual33. Leal MC, Pereira APE, Domingues RMSM, Theme Filha MM, Dias MAB, Nakamura-Pereira M, et al. Intervenções obstétricas durante o trabalho de parto e parto em mulheres brasileiras de risco habitual. Cad Saúde Pública 2014; 30 Suppl:S17-47. teve quase 61 mil downloads e 550 citações, um dos mais citados pelos leitores da revista, segundo dados do Google Scholar (https://scholar.google.com.br/scholar?cites=11612483559201017160&as_sdt=2005&sciodt=0,5&hl=en).
O Nascer no Brasil I mostrou, pela primeira vez, o panorama da atenção ao parto e nascimento, as exorbitantes taxas de cesariana e a precariedade dos indicadores perinatais para os setores público e privado, bem como a violência obstétrica sofrida pelas mulheres e seus bebês ao serem submetidas a intervenções dolorosas e desnecessárias e à falta de acolhimento adequado. A maioria dessas práticas estavam em desacordo com as evidências científicas e recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Conhecer essa situação foi fundamental para o país se mobilizar e buscar mecanismos para melhorar. No setor público, foi criado o programa Rede Cegonha 44. Vilela MEA, Leal MC, Thomaz EBAF, Gomes MASM, Bittencourt SDA, Gama SGN, et al. Avaliação da atenção ao parto e nascimento nas maternidades da Rede Cegonha: os caminhos metodológicos. Ciênc Saúde Colet 2021; 26:789-800., que tinha como diretrizes: acolher, avaliar e classificar o risco e vulnerabilidade da mulher na chegada à maternidade; vincular a gestante durante o pré-natal à unidade de referência para o parto e assegurar transporte seguro; ofertar as boas práticas e segurança na atenção ao parto e nascimento; oferecer atenção à saúde das crianças de 0 a 24 meses com qualidade e resolutividade. Para o setor privado, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o Hospital Israelita Albert Einstein e o Instituto para a Melhoria dos Cuidados de Saúde dos Estados Unidos (Institute for Healthcare Improvement - IHI) criaram o programa Parto Adequado 55. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Parto adequado. https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/gestaosaude/parto-adequado-1/parto-adequado (accessed on 08/Mar/2024).
https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/ge... , com o objetivo de apoiar, instrumentalizar e implementar ações baseadas em evidências científicas no setor suplementar de saúde, para reduzir, de forma segura, o percentual de cesarianas desnecessárias, aumentar a qualidade e a segurança da atenção ao parto e ao nascimento.
Nos anos seguintes, o nosso grupo de pesquisa teve a oportunidade de avaliar esses dois programas e verificar alguns avanços tanto na redução de cesarianas quanto no acesso às boas práticas e na redução das intervenções não recomendadas na atenção ao parto nos hospitais avaliados do setor privado. Identificou-se, também, redução das iniquidades geográficas, sociais e raciais no acesso às tecnologias apropriadas à atenção ao parto e ao nascimento no setor público 66. Avanços e desafios da assistência ao parto e nascimento: o papel da Rede Cegonha. Ciênc Saúde Colet 2021; 26(3). https://www.scielosp.org/j/csc/i/2021.v26n3/.
https://www.scielosp.org/j/csc/i/2021.v2... ,77. Leal MC, Esteves-Pereira AP, Vilela MEA, Alves MTSSB, Neri MA, Queiroz RCS, et al. Redução das iniquidades sociais no acesso às tecnologias apropriadas ao parto na Rede Cegonha. Ciênc Saúde Colet 2021; 26:823-35..
Se o diagnóstico apresentado pelo Nascer no Brasil I foi importante para orientar políticas públicas do Ministério da Saúde e no setor da saúde suplementar, na área da saúde da mulher e da criança, sua continuidade é fundamental para monitorar os resultados alcançados, permitindo um acompanhamento continuado desses indicadores.
Diante dessas realizações, o Ministério da Saúde do Brasil propôs a realização de um segundo inquérito nacional, nos moldes do primeiro, para o período 2021-2023, o que denominamos de Nascer no Brasil II: Pesquisa Nacional sobre Aborto, Parto e Nascimento (Nascer no Brasil II). Considerando a proporção elevada de gestações não desejadas identificadas na pesquisa Nascer no Brasil I e a morbimortalidade materna associada aos abortos no país, propôs-se a inclusão de mulheres com admissão hospitalar por aborto no novo estudo.
O aprendizado feito durante esse período nos levou a aninhar vários estudos ao Nascer no Brasil II, visando obter um número expressivo de casos que permitissem uma análise em maior profundidade da morbidade materna grave, do near miss materno e do óbito materno, além de uma análise qualitativa para os casos de aborto incluídos no estudo. Neste fascículo de CSP, apresentamos o Espaço Temático com artigos sobre o protocolo do Nascer no Brasil II e dos estudos integrados a ele.
O percurso de CSP e sua qualidade científica nas publicações que divulga fazem dessa revista um patrimônio da ciência brasileira na área da saúde pública. Muitos anos de trabalho e de vida para CSP. Gostaríamos de expressar nosso mais sincero apreço pela ciência, pelo SUS e por CSP!
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- 1Departamento de Informática do SUS. Morbidade hospitalar do SUS - por local de internação - Brasil. http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sih/cnv/niuf.def (accessed on 08/Mar/2024).
» http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sih/cnv/niuf.def - 2Cruz MJB, Santos AF, Araújo LHL, Andrade EIG. A coordenação do cuidado na qualidade da assistência à saúde da mulher e da criança no PMAQ. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00004019.
- 3Leal MC, Pereira APE, Domingues RMSM, Theme Filha MM, Dias MAB, Nakamura-Pereira M, et al. Intervenções obstétricas durante o trabalho de parto e parto em mulheres brasileiras de risco habitual. Cad Saúde Pública 2014; 30 Suppl:S17-47.
- 4Vilela MEA, Leal MC, Thomaz EBAF, Gomes MASM, Bittencourt SDA, Gama SGN, et al. Avaliação da atenção ao parto e nascimento nas maternidades da Rede Cegonha: os caminhos metodológicos. Ciênc Saúde Colet 2021; 26:789-800.
- 5Agência Nacional de Saúde Suplementar. Parto adequado. https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/gestaosaude/parto-adequado-1/parto-adequado (accessed on 08/Mar/2024).
» https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/gestaosaude/parto-adequado-1/parto-adequado - 6Avanços e desafios da assistência ao parto e nascimento: o papel da Rede Cegonha. Ciênc Saúde Colet 2021; 26(3). https://www.scielosp.org/j/csc/i/2021.v26n3/
» https://www.scielosp.org/j/csc/i/2021.v26n3/ - 7Leal MC, Esteves-Pereira AP, Vilela MEA, Alves MTSSB, Neri MA, Queiroz RCS, et al. Redução das iniquidades sociais no acesso às tecnologias apropriadas ao parto na Rede Cegonha. Ciênc Saúde Colet 2021; 26:823-35.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
29 Abr 2024 - Data do Fascículo
2024
Histórico
- Recebido
08 Mar 2024 - Aceito
13 Mar 2024