Resumo:
A detecção precoce é uma das estratégias para o controle do câncer de mama e, para tanto, é fundamental garantir o acesso à investigação dos casos suspeitos para continuidade do cuidado e tratamento oportuno. Este estudo tem por objetivo estimar a necessidade de procedimentos para detecção precoce dessa neoplasia e avaliar a sua adequação no atendimento às mulheres rastreadas e sintomáticas no Sistema Único de Saúde (SUS), no ano de 2019. Foi realizado um estudo descritivo transversal para analisar a oferta de exames de detecção precoce do câncer de mama, comparando a necessidade estimada com os procedimentos realizados no SUS. Foram utilizados os parâmetros disponibilizados pelo Instituto Nacional de Câncer para estimar a população e a necessidade de exames para a detecção precoce. No Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS, obteve-se o número de procedimentos realizados em 2019. Observou-se um déficit de mamografias de rastreamento no país (-45,1%), variando entre -31,4% na Região Sul a -70,5% na Região Norte. Se a oferta desse exame fosse direcionada para a população-alvo do rastreamento, o déficit no país reduziria para -14,8% e haveria sobreoferta no Sul (6,2%). Os procedimentos de investigação diagnóstica apresentaram variações entre as regiões, com maiores déficits de punção por agulha grossa (-90,8%) e biópsia/exérese de nódulo da mama (-80,6%) observados no Centro-oeste, e o maior déficit de exames anatomopatológicos no Norte (-88,5%). A comparação entre a produção e a necessidade de procedimentos para detecção precoce do câncer de mama no Brasil identificou déficits e inadequações que devem ser melhor conhecidos e equacionados em nível estadual e municipal.
Palavras-chave:
Detecção Precoce do Câncer; Neoplasias da Mama; Planejamento em Saúde; Sistema Único de Saúde; Programação de Serviços de Saúde
Abstract:
Early detection is a major strategy in breast cancer control and, for this reason, it is important to ensure access to investigation of suspected cases for care continuity and timely treatment. This study aimed to estimate the need for procedures of breast cancer early detection and assess their adequacy for providing care to screened and symptomatic women in the Brazilian Unified National Health System (SUS) in 2019. A descriptive cross-sectional study was conducted to analyze the provision of tests for breast cancer early detection, comparing the estimated need with the procedures performed in the SUS. Parameters provided by the Brazilian National Cancer Institute were used to estimate the population and the need for early detection tests. The number of procedures performed in 2019 was obtained from the Outpatient Information System of the SUS. A deficit in screening mammograms was observed in the country (-45.1%), ranging from -31.4% in the South Region to -70.5 % in the North Region. If this test was offered to the target population, the deficit in the country would reduce to -14.8% and there would be an oversupply in the South Region (6.2%). Diagnostic investigation procedures varied between the regions, with higher deficits in coarse needle biopsy (-90.8%) and breast lump biopsy/excision (-80.6%) observed in the Central-West Region, and the highest deficit in anatomopathological exams in the North Region (-88.5%). The comparison between the production and need for procedures of breast cancer early detection in Brazil and its regions identified deficits and inadequacies that must be better understood and addressed at the state and municipal levels.
Keywords:
Early Detection of Cancer; Breast Neoplasms; Health Planning; Unified Health System; Health Services Programming
Resumen:
La detección temprana es una de las estrategias para el control del cáncer de mama y, para ello, es fundamental garantizar el acceso a la investigación de los casos sospechosos para la continuidad del cuidado y el tratamiento oportuno. El presente estudio tiene como objetivo estimar la necesidad de procedimientos para la detección temprana de esta neoplasia y evaluar su adecuación en la atención a las mujeres rastreadas y sintomáticas en el Sistema Único de Salud (SUS) brasileño, en el año 2019. Se realizó un estudio descriptivo transversal para analizar la oferta de pruebas para la detección temprana del cáncer de mama, comparando la necesidad estimada con los procedimientos realizados en el SUS. Se utilizaron los parámetros proporcionados por el Instituto Nacional del Cáncer para estimar la población y la necesidad de pruebas para la detección temprana. El número de procedimientos realizados en el 2019 se obtuvo del Sistema de Información Ambulatoria del SUS. Se observó un déficit de mamografías de tamizaje en el país (-45,1%), oscilando entre el -31,4% en la Región Sur y el -70,5% en la Región Norte. Si la oferta de esta prueba se dirigiera a la población objetivo del rastreo, el déficit en el país se reduciría al -14,8% y habría una sobreoferta en el Sur (6,2%). Los procedimientos de investigación diagnóstica presentaron variaciones entre regiones, observándose mayores déficits en punción con aguja gruesa (-90,8%) y biopsia/escisión de nódulo mamario (-80,6%) en el Centro-Oeste, y el mayor déficit de pruebas anatomopatológicas en el Norte (-88,5%). La comparación entre la producción y la necesidad de procedimientos para la detección temprana del cáncer de mama en Brasil y en las regiones identificó déficits e insuficiencias que deben ser mejor conocidos y abordados a nivel estatal y municipal.
Palabras-clave:
Detección Precoz del Cáncer; Neoplasias de la Mama; Planificación en Salud; Sistema Único de Salud; Programación de Servicios de Salud
Introdução
O câncer de mama é a neoplasia maligna que mais acomete mulheres em todo o mundo, representando 11,7% dos cânceres em mulheres, excluídos os de pele não melanoma 11. Sung H, Ferlay J, Siegel RL, Laversanne M, Soerjomataram I, Jemal A, et al. Global cancer statistics 2020: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA Cancer J Clin 2021; 71:209-49.. Em 2020, os casos novos de câncer de mama superaram os de câncer de pulmão, além de representarem a principal causa de morte por câncer em mulheres. Esse cenário afeta, sobretudo, os países de média e baixa renda em que o acesso ao diagnóstico e ao tratamento são limitados por falta de estrutura da rede assistencial. A sobrevida em câncer de mama atualmente varia de 90% em países de alta renda a 66% na Índia e 40% na África 22. World Health Organization. Global breast cancer initiative implementation framework: assessing, strengthening and scaling-up of services for the early detection and management of breast cancer. Genebra: World Health Organization; 2023..
A detecção precoce do câncer de mama é influenciada diretamente pela organização da rede de serviços de saúde e tem impacto no prognóstico da doença 33. Stein AT, Lang E, Migowski A. Implementing clinical guidelines: a need to follow recommendations based on the best evidence available. Rev Bras Epidemiol 2018; 21:e180021., cabendo à gestão planejar e implementar ações para estabelecer o cuidado integral. O diagnóstico precoce (abordagem oportuna de mulheres com sinais e sintomas suspeitos) e o rastreamento (exames periódicos em faixa etária de maior risco de adoecimento) são as estratégias de detecção precoce a serem organizadas. A primeira dirige-se ao conjunto da população feminina e a segunda às mulheres na faixa etária de 50 a 69 anos, recomendada nas diretrizes brasileiras 44. Migowski A, Azevedo e Silva G, Dias MBK, Diz MDPE, Sant'Ana DR, Nadanovsky P. Diretrizes para detecção precoce do câncer de mama no Brasil. II - Novas recomendações nacionais, principais evidências e controvérsias. Cad Saúde Pública 2018; 34:e00074817. como a que melhor se beneficia do rastreamento mamográfico, a exemplo do que ocorre em programas organizados de rastreamento no contexto internacional 55. Ebell MH, Thai TN, Royalty KJ. Cancer screening recommendations: an international comparison of high income countries. Public Health Rev 2018; 39:7., ainda que permaneça a polêmica em torno de possível antecipação da idade do rastreio para 40 anos 66. Woloshin S, Jørgensen KJ, Hwang S, Welch HG. The new USPSTF mammography recommendations - a dissenting view. N Engl J Med 2023; 389:1061-4..
Para assegurar as ações de detecção precoce na linha de cuidado do câncer de mama, é necessário garantir o acesso da população à avaliação e à investigação dos casos suspeitos, assegurando a continuidade do cuidado e o tratamento em tempo oportuno. Mulheres assintomáticas que apresentam alterações na mamografia de rastreamento devem realizar exames de investigação diagnóstica para confirmar ou descartar o câncer. Mulheres com sinais ou sintomas suspeitos de câncer de mama necessitam de rápida avaliação e exames de investigação diagnóstica, conforme a idade e o tipo de alteração apresentada 77. National Comprehensive Cancer Network. Breast cancer screening and diagnosis. 1.2021. PA: Plymouth Meeting. (NCCN Guidelines). https://www.nccn.org/guidelines/guidelines-detail?category=2&id=1421 (acessado em 28/Mar/2023).
https://www.nccn.org/guidelines/guidelin... . Esse grupo deve ser priorizado em função do maior risco de confirmação de câncer 44. Migowski A, Azevedo e Silva G, Dias MBK, Diz MDPE, Sant'Ana DR, Nadanovsky P. Diretrizes para detecção precoce do câncer de mama no Brasil. II - Novas recomendações nacionais, principais evidências e controvérsias. Cad Saúde Pública 2018; 34:e00074817.. As dificuldades de acesso à investigação diagnóstica e ao tratamento resultam em tempos longos do percurso assistencial das mulheres 88. Barros AF, Murta-Nascimento C, Abdon CH, Nogueira DN, Lopes ELC, Dias A. Factors associated with time interval between the onset of symptoms and first medical visit in women with breast cancer. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00011919.,99. Medeiros GC, Thuler LCS, Bergmann A. Factors influencing delay in symptomatic presentation of breast cancer in Brazilian women. Health Soc Care Community 2019; 27:1525-33. e, consequentemente, em proporções elevadas de diagnóstico em estágios avançados 1010. Instituto Nacional de Câncer. Controle do câncer de mama - dados e números. https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/gestor-e-profissional-de-saude/controle-do-cancer-de-mama/dados-e-numeros/estadiamento (acessado em 15/Mar/2023).
https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/g... ,1111. Renna Junior N, Silva G. Late-stage diagnosis of breast cancer in Brazil: analysis of data from hospital-based cancer registries (2000-2012). Rev Bras Ginecol Obstet 2018; 40:127-36..
Historicamente, a programação em saúde no Brasil foi baseada em série histórica dos exames realizados, porém, mais recentemente, busca-se uma melhor aproximação com as necessidades de saúde da população por meio do conhecimento da situação de saúde, organização da rede de serviços e estabelecimento de critérios e parâmetros 1212. Ministério de Saúde. Portaria nº 1.631, de 1º de outubro de 2015. Aprova critérios e parâmetros para o planejamento e programação de ações e serviços de saúde no âmbito do SUS. Diário Oficial da União 2015; 2 out..
Para o controle do câncer de mama, foram recém-publicados os parâmetros de programação da oferta de procedimentos para atender as demandas das mulheres assintomáticas 1313. Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva. Parâmetros técnicos para o rastreamento do câncer de mama. https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document/parametrostecrastreamentocamama_2021_0.pdf (acessado em 15/Mar/2023).
https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.in... e sintomáticas (diagnóstico precoce) 1414. Instituto Nacional de Câncer. Parâmetros técnicos para detecção precoce do câncer de mama. https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//parametros-tecnicos-deteccao-precoce-cancer-de-mama.pdf (acessado em 14/Fev/2023).
https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.in... . Tais parâmetros possibilitam que estados e municípios estimem a necessidade e planejem as ações, de forma integrada, em cada território. Permitem avaliar o déficit ou a sobreoferta de procedimentos ao comparar a necessidade com a produção registrada nos sistemas de informação 1515. Ribeiro CM, Dias MBK, Pla MAS, Correa FM, Russomano FB, Tomazelli JG. Parâmetros para a programação de procedimentos da linha de cuidado do câncer do colo do útero no Brasil. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00183118.,1616. Tomazelli JG, Azevedo e Silva G. Rastreamento do câncer de mama no Brasil: uma avaliação da oferta e utilização da rede assistencial do Sistema Único de Saúde no período 2010-2012. Epidemiol Serv Saúde 2017; 26:713-24..
Além do acesso ao tratamento e às diversas modalidades terapêuticas, a oferta suficiente e qualificada de serviços para o rastreamento e o diagnóstico precoce do câncer de mama é um componente essencial para o alcance da meta de redução de 10% na mortalidade prematura por esse tipo de câncer, assumida no plano de enfrentamento das doenças crônicas no Brasil 1717. Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas e agravos não transmissíveis no Brasil 2021-2030. Brasília: Ministério da Saúde; 2021..
Tendo em vista a urgência de se organizar efetivamente a linha de cuidado do câncer de mama no país, o objetivo deste estudo é estimar a necessidade de procedimentos para a detecção precoce dessa neoplasia e avaliar a adequação dos procedimentos realizados no atendimento às mulheres rastreadas e sintomáticas no Sistema Único de Saúde (SUS) no ano de 2019.
Métodos
Estudo descritivo transversal sobre a necessidade estimada e os procedimentos realizados para análise da oferta de exames na detecção precoce do câncer de mama no SUS.
A estimativa de necessidade de procedimentos foi calculada utilizando método descrito em publicações do Ministério da Saúde que estabelecem parâmetros para a programação dos procedimentos da linha de cuidado do rastreamento 1313. Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva. Parâmetros técnicos para o rastreamento do câncer de mama. https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document/parametrostecrastreamentocamama_2021_0.pdf (acessado em 15/Mar/2023).
https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.in... e diagnóstico precoce do câncer de mama 1414. Instituto Nacional de Câncer. Parâmetros técnicos para detecção precoce do câncer de mama. https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//parametros-tecnicos-deteccao-precoce-cancer-de-mama.pdf (acessado em 14/Fev/2023).
https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.in... .
O SUS é um sistema de saúde universal que contempla a toda a população brasileira, sendo que aproximadamente 75% das pessoas dependem exclusivamente dele 1818. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Taxa de cobertura de planos de saúde. http://www.ans.gov.br/anstabnet/cgi-bin/dh?dados/tabnet_tx.def (acessado em 15/Mai/2023).
http://www.ans.gov.br/anstabnet/cgi-bin/... . Como há procedimentos que são realizados por desembolso direto ou por meio de plano/seguro de saúde privados, cujos dados não estão disponíveis para análise, a cobertura da saúde suplementar foi subtraída do cálculo da população feminina para evitar a superestimação da necessidade de procedimentos.
Para obter a população feminina usuária do SUS, aplicou-se, então, a cobertura da população feminina da saúde suplementar de 2019 1818. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Taxa de cobertura de planos de saúde. http://www.ans.gov.br/anstabnet/cgi-bin/dh?dados/tabnet_tx.def (acessado em 15/Mai/2023).
http://www.ans.gov.br/anstabnet/cgi-bin/... na população feminina total desse mesmo ano, definindo-se o número de mulheres cobertas pela saúde suplementar. Posteriormente, excluiu-se esse número da população feminina total estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para 2019, utilizando-se os cálculos a seguir:
Número de mulheres cobertas pela saúde suplementar:
População feminina total usuária do SUS:
A população feminina total usuária do SUS foi utilizada como base para a definição do número previsto de mulheres sintomáticas.
O número de mulheres sintomáticas para câncer de mama foi calculado para o Brasil e as regiões aplicando os parâmetros técnicos para detecção precoce do câncer de mama 1414. Instituto Nacional de Câncer. Parâmetros técnicos para detecção precoce do câncer de mama. https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//parametros-tecnicos-deteccao-precoce-cancer-de-mama.pdf (acessado em 14/Fev/2023).
https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.in... , que utilizam a combinação de dados dos Registros Hospitalares de Câncer e das estimativas nacionais de casos novos de câncer. Para a estimativa de mulheres sintomáticas do Brasil, os parâmetros de 0,048% e 0,522% foram aplicados à população feminina abaixo dos 30 anos e com 30 anos ou mais, respectivamente. Para a análise dos dados regionais, foram calculados parâmetros específicos, a partir das estimativas de incidência de cada região para o ano de 2020 (Tabela 1). Foram utilizadas as estimativas de incidência do ano de 2020 por serem a melhor correspondência temporal para a análise proposta.
Para o cálculo do número de mulheres rastreadas no Brasil e suas regiões, foram utilizados os percentuais de cobertura de mamografia em mulheres de 50 a 69 anos, oriundos da última edição da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 1919. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde: 2019 - ciclos de vida. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2021.. Assumiu-se que esses patamares de cobertura, embora menores do que os 70% estabelecido como meta para o Brasil até 2030 1717. Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas e agravos não transmissíveis no Brasil 2021-2030. Brasília: Ministério da Saúde; 2021., aproximam-se mais da real cobertura do rastreamento mamográfico. Desse total, foi subtraído o número de mulheres com cobertura de saúde suplementar do mesmo grupo etário, para o país e as regiões, conforme a memória de cálculo apresentada a seguir:
População feminina de 50 a 69 anos rastreada:
População feminina de 50 a 69 anos rastreada usuárias do SUS:
Os valores de referência da população feminina, cobertura de saúde suplementar, cobertura de mamografia e incidência de câncer de mama utilizados para o cálculo das estimativas de necessidade de procedimentos são apresentados na Tabela 1.
Após definição da população rastreada e sintomática foram aplicados os parâmetros 1414. Instituto Nacional de Câncer. Parâmetros técnicos para detecção precoce do câncer de mama. https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//parametros-tecnicos-deteccao-precoce-cancer-de-mama.pdf (acessado em 14/Fev/2023).
https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.in... para estimar o número de procedimentos necessários no atendimento às ações de detecção precoce do câncer de mama para o país e regiões, no ano de 2019.
Do Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS (SIA/SUS), foram obtidos os procedimentos de rastreamento e investigação diagnóstica do câncer de mama realizados na população feminina no ano de 2019. Os procedimentos, definidos no Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS (SIGTAP) 2020. Coordenação de Prevenção e Vigilância, Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2020: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva; 2020., foram:
Mamografia de rastreamento (02.04.03.018-8);
Mamografia (02.04.03.003-0), que corresponde à mamografia diagnóstica;
Ultrassonografia mamária (02.05.02.009-7);
Punção aspirativa por agulha grossa (PAG) (02.01.01.060-7), que corresponde à “core” biópsia;
Biópsia/exérese de nódulo de mama (02.01.01.056-9), que corresponde à “biópsia cirúrgica”;
Exame citopatológico de mama (02.0301.004-3);
Exame anatomopatológico de mama - biópsia (02.03.02.006-5).
Com exceção da mamografia de rastreamento, indicada para mulheres assintomáticas, todos os demais procedimentos são indicados para a investigação diagnóstica das alterações mamárias suspeitas, oriundas ou não do rastreamento 1313. Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva. Parâmetros técnicos para o rastreamento do câncer de mama. https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document/parametrostecrastreamentocamama_2021_0.pdf (acessado em 15/Mar/2023).
https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.in... ,1414. Instituto Nacional de Câncer. Parâmetros técnicos para detecção precoce do câncer de mama. https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//parametros-tecnicos-deteccao-precoce-cancer-de-mama.pdf (acessado em 14/Fev/2023).
https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.in... .
Os procedimentos foram agrupados por região de residência das mulheres, a fim de aferir as possíveis variações internas na organização da rede assistencial do SUS.
A adequação entre o número de exames necessários e o quantitativo de procedimentos realizados em 2019 foi avaliada para Brasil e regiões por meio da comparação entre exames realizados e registrados no SIA/SUS e os totais estimados para cada procedimento. A avaliação indicou déficit, quando o resultado foi um valor negativo, ou sobreoferta, quando positivo, conforme o método de cálculo a seguir:
Percentual de déficit / sobreoferta:
Aspectos éticos
Conforme a Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016, do Conselho Nacional de Saúde (CNS) 2121. Ministério da Saúde. Tabela de procedimentos, medicamentos e OPM do SUS. http://sigtap.datasus.gov.br/tabela-unificada/app/sec/inicio.jsp (acessado em 15/Mai/2023).
http://sigtap.datasus.gov.br/tabela-unif... , o projeto deste estudo não foi submetido à apreciação de um comitê de ética em pesquisa por utilizar exclusivamente dados secundários, de acesso público e sem a possibilidade de identificação dos indivíduos submetidos aos procedimentos de rastreamento e diagnóstico analisados.
Resultados
A população estimada de mulheres sintomáticas para câncer de mama no país foi 457.855 mulheres, sendo 38.556 abaixo de 30 anos e 419.298 com 30 anos ou mais. Os menores percentuais de população feminina sintomática foram observados na Região Norte (0,017% e 0,181%), enquanto os mais elevados foram os da Região Sudeste (0,063% e 0,686%), nos grupos etários abaixo de 30 anos e com 30 anos ou mais, respectivamente (Tabela 2).
Considerando a cobertura estimada pela PNS de 2019, cerca de 12 milhões de mulheres na faixa etária de 50 a 69 anos fizeram mamografia nos últimos dois anos no país, das quais 8,7 milhões foram provavelmente atendidas no SUS. Com base nas coberturas regionais, o número estimado de mulheres assintomáticas rastreadas no SUS variou de 450.493 mulheres na Região Norte a aproximadamente 3,8 milhões na Região Sudeste.
Ainda na Tabela 2, são apresentados os parâmetros de estimativas de procedimentos para rastreamento e diagnóstico precoce de câncer de mama e o quantitativo de exames necessários, considerando a população sintomática e de rastreamento usuárias do SUS, para o Brasil e as regiões.
Para mulheres sintomáticas, estimou-se a necessidade de cerca de 627 mil mamografias diagnósticas, 975 mil ultrassonografias mamárias, 81 mil PAGs, 30 mil exéreses de nódulos mamários, 112 mil exames anatomopatológicos-biópsias e, aproximadamente, 12 mil exames citopatológicos de mama, com variações importantes entre as regiões. Enquanto o Sudeste e Nordeste têm necessidade estimada de exames citopatológicos de mama próxima de 3 e 6 mil exames, respectivamente, nas regiões Norte e Centro-oeste essa estimativa é inferior a 1.000 exames.
Para mulheres assintomáticas, na faixa etária de 50 a 69 anos, estimou-se para o país a necessidade de 4,3 milhões de mamografias de rastreamento, 251 mil mamografias diagnósticas, 303 mil ultrassonografias mamárias, 63 mil PAGs, 9 mil exéreses de nódulo de mama e 72 mil exames anatomopatológicos-biópsia (Tabela 2).
Na Tabela 3, são apresentados o número de procedimentos registrados no SIA/SUS e o total de procedimentos estimados para mulheres sintomáticas e assintomáticas.
No ano de 2019, aproximadamente 3,7 milhões de mamografias de rastreamento foram registradas no SIA/SUS, das quais 2.376.526 foram realizadas em mulheres na faixa etária de 50 a 69 anos.
Considerando a necessidade estimada para rastrear a população-alvo no mesmo ano, no SUS, observou-se um déficit de mamografias de rastreamento no país (-45,1%). Entre as regiões, o déficit variou de -31,4% no Sul a -70,5% no Norte (Figura 1).
Déficit e sobreoferta de mamografia de rastreamento em mulheres de 50 a 69 anos, estimados com base na realização de mamografia de rastreamento no Sistema Único de Saúde (SUS) *. Brasil e regiões, 2019.
A comparação entre a produção total de mamografias de rastreamento e a necessidade para atender às mulheres de 50 a 69 anos indica que, caso toda a oferta fosse direcionada à população-alvo, o déficit de mamografias poderia ser reduzido a -14,8% no Brasil, enquanto na Região Sul haveria sobreoferta de 6,2% (Figura 1).
Foram registradas no SIA/SUS, no ano de 2019, aproximadamente 209 mil mamografias diagnósticas e 33.500 PAG, indicando uma estimativa de déficit superior a 70% na realização de mamografias diagnósticas e PAG em todas as regiões do país. Os procedimentos apresentaram variações entre as regiões, sendo os maiores déficits de PAG (-90,8%) e biópsia/exérese de nódulo da mama (-80,6%) observados no Centro-oeste e o maior déficit de exames anatomopatológicos na região Norte (-88,5%) (Figura 2).
Déficit e sobreoferta de procedimentos de investigação diagnóstica para detecção precoce do câncer de mama feminino, estimados com base na produção registrada do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasil e regiões, 2019.
Houve sobreoferta de exame citopatológico em todas as regiões do país, com valores mais altos no Nordeste (211,9%) e Centro-oeste (217,9%). A ultrassonografia mamária apresentou sobreoferta nas regiões Norte (23,3%), Nordeste (26,8%) e Sudeste (0,5%) (Figura 2).
Discussão
Este estudo comparou a necessidade de procedimentos para a detecção precoce do câncer de mama no Brasil e a respectiva produção informada no SUS em 2019, revelando expressivo déficit na maioria dos procedimentos, com exceção de superávit de mamografia de rastreamento na Região Sul, de exame citopatológico de mama em todas as regiões e de ultrassonografia mamária nas regiões Nordeste e Norte.
O menor número de mulheres sintomáticas estimado para as regiões Norte e Nordeste, comparado ao Sudeste e Sul, explica-se pela distribuição desigual de fatores de risco no país, em parte relacionados ao padrão demográfico e à vida reprodutiva das mulheres, que diferem entre as regiões 2222. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016. Diário Oficial da União 2016; 24 mai.. É fundamental ter uma estimativa do número de mulheres com queixas mamárias em cada território, a fim de que a rede assistencial possa se preparar para garantir a elas atenção oportuna, já que o risco de confirmação de câncer de mama é maior em mulheres sintomáticas do que nas rastreadas 44. Migowski A, Azevedo e Silva G, Dias MBK, Diz MDPE, Sant'Ana DR, Nadanovsky P. Diretrizes para detecção precoce do câncer de mama no Brasil. II - Novas recomendações nacionais, principais evidências e controvérsias. Cad Saúde Pública 2018; 34:e00074817.. Destaca-se que, nas últimas décadas, o prognóstico de câncer de mama localmente avançado tem melhorado em virtude de avanços na terapia adjuvante 2323. Batista Jd'AL, Alves RJV, Cardoso TB, Moreno M, Tiscoski KA, Polanczyk CA. Efetividade do trastuzumabe adjuvante em mulheres com câncer de mama HER-2+ no SUS. Ciênc Saúde Colet 2023; 28:1819-30., o que reforça a necessidade de acesso a diagnóstico e tratamento em tempo oportuno.
A necessidade de procedimentos para mulheres assintomáticas, de 50 a 69 anos, também deve ser prevista e baseada em evidências científicas 44. Migowski A, Azevedo e Silva G, Dias MBK, Diz MDPE, Sant'Ana DR, Nadanovsky P. Diretrizes para detecção precoce do câncer de mama no Brasil. II - Novas recomendações nacionais, principais evidências e controvérsias. Cad Saúde Pública 2018; 34:e00074817. e no direcionamento mais adequado dos recursos 2424. World Health Organization. 'Best buys' and other recommended interventions for the prevention and control of noncommunicable diseases. https://iris.who.int/bitstream/handle/10665/259232/WHO-NMH-NVI-17.9-eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y (acessado em 22/Set/2023).
https://iris.who.int/bitstream/handle/10... . Os dados mostram que o déficit na oferta de mamografia de rastreamento diminuiria no país e em todas as regiões, e passaria a haver sobreoferta no Sul, se esses recursos fossem direcionados para a faixa etária alvo. A proporção de mamografias de rastreamento na população-alvo vem crescendo no Brasil, mas ainda é em torno de 65% 2525. Instituto Nacional de Câncer. Monitoramento das ações de controle do câncer de mama. Informativo Detecção Precoce 2022; 13(2). https://www.inca.gov.br/publicacoes/informativos/informativo-deteccao-precoce-no-2-2022-0.
https://www.inca.gov.br/publicacoes/info... , o que exige estratégias continuadas para capacitação profissional e adesão às diretrizes 2626. Santos ROMD, Ramos DN, Migowski A. Barreiras na implementação das diretrizes de detecção precoce dos cânceres de mama e colo do útero no Brasil. Physis (Rio J.) 2019; 29:e290402., cuja rejeição também causa o sobrerastreamento 2727. Rodrigues TB, De Stavola B, Bustamante-Teixeira MT, Guerra MR, Nogueira MC, Fayer VA, et al. Sobrerrastreio mamográfico: avaliação a partir de bases identificadas do Sistema de Informação do Câncer de Mama (SISMAMA). Cad Saúde Pública 2019; 35:e00049718., impactando na oferta para a população-alvo.
A baixa cobertura do rastreamento mamográfico brasileiro e as discrepâncias entre as regiões Sul e Norte vêm sendo reportadas em alguns estudos 2828. Alcantara LLM, Tomazelli J, Zeferino FRG, Oliveira BFA, Azevedo e Silva G. Tendência temporal da cobertura de mamografias no Sistema Único de Saúde, Brasil, 2010-2019. Rev Bras Cancerol 2022; 68:e-052407.,2929. Nogueira MC, Fayer VA, Corrêa CSL, Guerra MR, De Stavola B, dos-Santos-Silva I, et al. Inequities in access to mammographic screening in Brazil. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00099817.,3030. Xavier DR, Oliveira RADD, Matos VPD, Viacava F, Carvalho CDC. Cobertura de mamografias, alocação e uso de equipamentos nas Regiões de Saúde. Saúde Debate 2016; 40:20-35., entretanto, o patamar apresentado na PNS (58,3%) está em nível intermediário quando comparado a coberturas de programas organizados em alguns países 3131. Giordano L, Von Karsa L, Tomatis M, Majek O, Wolf C, Lancucki L, et al. Mammographic screening programmes in Europe: organization, coverage and participation. J Med Screen 2012; 19 Suppl 1:72-82.,3232. Basu P, Ponti A, Anttila A, Ronco G, Senore C, Vale DB, et al. Status of implementation and organization of cancer screening in the European Union Member States - summary results from the second European screening report: Cancer Screening in European Union. Int J Cancer 2018; 142:44-56.. Ressalta-se que a PNS se refere ao conjunto da população feminina, e não apenas às usuárias do SUS, e não distingue mamografia de “rastreamento” e “diagnóstica”, o que pode superestimar a cobertura nacional.
Os déficits superiores a 70% de mamografia diagnóstica, PAG e exame anatomopatológico, em todas as regiões do Brasil, expressam a dificuldade de acesso a recursos fundamentais para a confirmação diagnóstica no SUS, o que vem gerando grande atraso no diagnóstico, com consequente retardo do tempo para início do tratamento 3333. Medeiros GC, Thuler LCS, Bergmann A. Delay in breast cancer diagnosis: a Brazilian cohort study. Public Health 2019; 167:88-95.,3434. Tomazelli JG, Migowski A, Ribeiro CM, Assis M, Abreu DMF. Avaliação das ações de detecção precoce do câncer de mama no Brasil por meio de indicadores de processo: estudo descritivo com dados do Sismama, 2010-2011. Epidemiol Serv Saúde 2017; 26:61-70.,3535. Rezende MCR, Koch HA, Figueiredo JA, Thuler LCS. Causas do retardo na confirmação diagnóstica de lesões mamárias em mulheres atendidas em um centro de referência do Sistema Único de Saúde no Rio de Janeiro. Rev Bras Ginecol Obstet 2009; 31:75-81., reduzindo a sua efetividade 3636. Santos VB. Trajetória de mulheres com câncer de mama: da queixa ao tratamento em unidade especializada no Sistema Único de Saúde no município do Rio de Janeiro [Dissertação de Mestrado]. Rio de Janeiro: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz; 2021.. Os déficits mais expressivos de PAG (-90,8%) e biópsia/exérese de nódulo da mama (-80,6%), no Centro-oeste, e de exames anatomopatológicos, na Região Norte (-88,5%), reforçam lacunas já bem conhecidas no campo oncológico, cujos recursos tendem a ser ainda menores em regiões menos desenvolvidas 1515. Ribeiro CM, Dias MBK, Pla MAS, Correa FM, Russomano FB, Tomazelli JG. Parâmetros para a programação de procedimentos da linha de cuidado do câncer do colo do útero no Brasil. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00183118.,3737. Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva. Monitoramento das ações de controle do câncer de mama. Informativo Detecção Precoce 2015; 6(3). http://www1.inca.gov.br/inca/Arquivos/informativo_numero3_2015.pdf.
http://www1.inca.gov.br/inca/Arquivos/in... ,3838. Vale DB, Sauvaget C, Murillo R, Muwonge R, Zeferino LC, Sankaranarayanan R. Correlation of cervical cancer mortality with fertility, access to health care and socioeconomic indicators. Rev Bras Ginecol Obstet 2019; 41:249-55.. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) 3939. World Health Organization. WHO report on cancer: setting priorities, investing wisely and providing care for all. Genebra: World Health Organization; 2020., a falta de investimento e a consequente infraestrutura inadequada de países de baixa e média renda para a oferta de serviços de diagnóstico de câncer, como os de patologia, resultam em serviços fragmentados que carecem de controle de qualidade.
O acesso limitado aos serviços de média complexidade no Brasil é um dos entraves na efetivação do princípio da integralidade no SUS. A tendência histórica de planejar as políticas de saúde na lógica da oferta instalada e não nas características epidemiológicas e necessidades sanitárias da população 4040. Almeida MMM, Almeida PFD, Melo EA. Regulação assistencial ou cada um por si? Lições a partir da detecção precoce do câncer de mama em redes regionalizadas do Sistema Único de Saúde (SUS). Interface (Botucatu) 2020; 24 Suppl 1:e190609. acarreta demanda desarticulada da oferta 4141. Almeida PF, Santos AM, Santos VP, Silveira Filho RM. Integração assistencial em região de saúde: paradoxo entre necessidades regionais e interesses locais. Saúde Soc 2016; 25:320-35., aumentando a busca por serviços privados e tensão entre fluxos formais e informais 4040. Almeida MMM, Almeida PFD, Melo EA. Regulação assistencial ou cada um por si? Lições a partir da detecção precoce do câncer de mama em redes regionalizadas do Sistema Único de Saúde (SUS). Interface (Botucatu) 2020; 24 Suppl 1:e190609.. Estudo com gestores da Bahia aponta que as dificuldades para a prestação de serviços especializados resultam da falta de integração e pactuação dos municípios e conflitos na relação público-privada 4141. Almeida PF, Santos AM, Santos VP, Silveira Filho RM. Integração assistencial em região de saúde: paradoxo entre necessidades regionais e interesses locais. Saúde Soc 2016; 25:320-35..
A sobreoferta de exame citopatológico de mama em todas as regiões pode se justificar exatamente pela oferta reduzida de PAG no SUS e a tentativa de suprir, de alguma forma, esse procedimento recomendado na investigação de lesões mamárias suspeitas. Em algumas regiões, a sobreoferta superior a 100% é explicada por uma possível subestimação da necessidade de exames. Vale destacar que os parâmetros utilizados como referência 1414. Instituto Nacional de Câncer. Parâmetros técnicos para detecção precoce do câncer de mama. https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//parametros-tecnicos-deteccao-precoce-cancer-de-mama.pdf (acessado em 14/Fev/2023).
https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.in... consideraram apenas a utilização do procedimento para pessoas sintomáticas com descarga papilar, porém o mesmo pode ser utilizado em outras indicações, como a investigação de cistos simples mamários. O exame citopatológico, embora não seja o padrão ouro para a confirmação do câncer, pode ser útil para investigar lesões palpáveis quando a PAG não estiver disponível, conforme a indicação clínica 77. National Comprehensive Cancer Network. Breast cancer screening and diagnosis. 1.2021. PA: Plymouth Meeting. (NCCN Guidelines). https://www.nccn.org/guidelines/guidelines-detail?category=2&id=1421 (acessado em 28/Mar/2023).
https://www.nccn.org/guidelines/guidelin... . Já no Centro-oeste, o excesso de ultrassonografias pode ser explicado por sua utilização inadequada como método de rastreamento, frequentemente solicitada em conjunto com a mamografia mesmo com recomendação contrária 4242. Nastri CO, Martins WP, Lenharte RJ. Ultrassonografia no rastreamento do câncer de mama. Femina 2011; 39:97-102.,4343. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Diretrizes para a detecção precoce do câncer de mama no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva; 2015..
O cenário assistencial aqui apontado, marcado por carências de recursos para a detecção precoce, contribui decisivamente para manter elevado o patamar de apresentação avançada do câncer de mama. No Brasil, em 2020, cerca de 43% dos casos foram diagnosticados em estádios avançados 1010. Instituto Nacional de Câncer. Controle do câncer de mama - dados e números. https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/gestor-e-profissional-de-saude/controle-do-cancer-de-mama/dados-e-numeros/estadiamento (acessado em 15/Mar/2023).
https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/g... , característica comum aos países de baixa e média renda com limitada capacidade diagnóstica. Reforçando as disparidades regionais, Renna Junior & Silva 11 constataram que, entre 2000 e 2012, a proporção de casos diagnosticados em estadiamento avançado variou no Brasil de 35% a 45% e que a chance de ter um diagnóstico em estágio avançado era 23% superior em mulheres tratadas na Região Norte e 61% naquelas tratadas no Centro-oeste quando comparadas às da Região Sul. As taxas de mortalidade são, consequentemente, diferentes, sobretudo quando se comparam capitais e interior, observando-se aumento no interior do Norte e Nordeste 4444. Azevedo e Silva G, Jardim BC, Ferreira VM, Junger WL, Girianelli VR. Mortalidade por câncer nas capitais e no interior do Brasil: uma análise de quatro décadas. Rev Saúde Pública 2020; 54:126., apesar dessas regiões apresentarem menor número de casos de câncer de mama.
Um balanço crítico a ser feito é que, se o total de procedimentos de investigação diagnóstica realizados no Brasil, em 2019 - sem a indicação clínica discriminada por não estar disponível no SIA/SUS -, fosse direcionado apenas às mulheres sintomáticas, ainda assim seria insuficiente. É necessário fazer uma reflexão sobre a oferta responsável do rastreamento, com garantia da continuidade do cuidado, e do caráter de urgência e prioridade dos casos sintomáticos. Estratégias de organização dos serviços para maior agilidade na investigação e confirmação diagnóstica dos casos sintomáticos, e posterior organização do rastreamento, merecem ser debatidas.
De acordo com a OMS 3939. World Health Organization. WHO report on cancer: setting priorities, investing wisely and providing care for all. Genebra: World Health Organization; 2020., o diagnóstico precoce do câncer depende da disponibilidade de recursos humanos e de tecnologias apropriadas, e os seus principais problemas são: fragilidades da atenção primária à saúde; inconsistência nos critérios para encaminhamento; falta de serviços de patologia; diagnóstico por imagem; e a distância geográfica de instalações que ofertam os procedimentos para o diagnóstico e o tratamento.
O rastreamento depende igualmente de infraestrutura necessária para diagnóstico e tratamento e de sistemas de informação para monitoramento de seus resultados 4545. Ginsburg O, Yip C-H, Brooks A, Cabanes A, Caleffi M, Yataco JAD, et al. Breast cancer early detection: a phased approach to implementation. Cancer 2020; 126 Suppl 10:2379-93.. Para ser efetivo, é necessário cobrir proporção substancial da população alvo e assegurar o acesso ao diagnóstico e ao tratamento oportuno dos casos detectados. Todas as etapas, desde a oferta do rastreio até o tratamento, são essenciais para proporcionar os benefícios dessa estratégia e, assim, reduzir a ineficiência, os custos e os danos às mulheres 3939. World Health Organization. WHO report on cancer: setting priorities, investing wisely and providing care for all. Genebra: World Health Organization; 2020..
O rastreamento organizado pressupõe: maior adesão às diretrizes (periodicidade e faixa etária), melhorando a eficiência, a efetividade e o balanço entre riscos e benefícios; implementação de controle de qualidade dos exames, com melhoria da acurácia da mamografia; e monitoramento dos casos alterados, diminuindo as perdas de seguimento. Vale ressaltar que o rastreamento organizado tende a ter menos casos de câncer de intervalo entre suas rodadas 4646. Hofvind S, Yankaskas BC, Bulliard JL, Klabunde CN, Fracheboud J. Comparing interval breast cancer rates in Norway and North Carolina: results and challenges. J Med Screen 2009; 16:131-9. e a ser mais eficiente do que oportunístico, ainda que a população-alvo seja a mesma 4747. De Gelder R, Bulliard JL, De Wolf C, Fracheboud J, Draisma G, Schopper D, et al. Cost-effectiveness of opportunistic versus organised mammography screening in Switzerland. Eur J Cancer 2009; 45:127-38..
O caráter oportunístico do rastreamento no Brasil dificulta o seu gerenciamento e sua adequação aos pressupostos de efetividade, entre os quais está a realização de mamografias na faixa etária recomendada. Um exemplo do gerenciamento inadequado das ações e recursos destinados ao rastreamento é a constatação deste estudo de que a Região Sul seria capaz de rastrear 58,3% das mulheres de 50 a 69 anos, conforme estimado pela PNS, se todas as mamografias de rastreamento realizadas no SUS fossem direcionadas à população-alvo. Apesar de ser um valor abaixo de 70%, a região, que apresenta a segunda maior incidência de câncer de mama do país, é a que tem maior capacidade de adequar sua oferta de mamografia de rastreamento às necessidades da população. Em nenhuma outra, ainda que todos os exames fossem direcionados à população alvo, seria possível atingir uma cobertura no SUS em consonância com o estimado pela PNS para o conjunto das mulheres brasileiras. Reforça-se que qualquer aumento de rastreamento deve ser acompanhado da previsão de serviços em toda a linha de cuidado para evitar gargalos assistenciais.
Diante das orientações de priorização de mulheres sintomáticas e dos pressupostos para implantação de um programa de rastreamento organizado, este estudo mostra que, no atual momento, o país precisa ampliar a capacidade diagnóstica para assegurar a realização de biópsias mamárias e de exames anatomopatológicos de forma a atender a todas as mulheres que deles necessitem. A ampliação da oferta desses procedimentos deve vir acompanhada de avaliação da suficiência e da demanda de capacitação dos profissionais envolvidos, com qualificação dos serviços e fluxos bem estabelecidos para aumentar o rendimento das unidades e, potencialmente, aumentar o acesso 4848. Sayed S, Cherniak W, Lawler M, Tan SY, El Sadr W, Wolf N, et al. Improving pathology and laboratory medicine in low-income and middle-income countries: roadmap to solutions. Lancet 2018; 391:1939-52.. É crucial definir estratégias para formar e fixar profissionais para a realização do exame histopatológico 4040. Almeida MMM, Almeida PFD, Melo EA. Regulação assistencial ou cada um por si? Lições a partir da detecção precoce do câncer de mama em redes regionalizadas do Sistema Único de Saúde (SUS). Interface (Botucatu) 2020; 24 Suppl 1:e190609., recurso mais escasso no SUS. A organização da rede precisa ser revista à luz das demandas advindas dos territórios, com ampliação de acesso aos serviços especializados e busca de equidade e integralidade do cuidado, partindo-se da priorização da investigação diagnóstica de mulheres sintomáticas.
Cabe, por fim, alertar para que políticas que buscam incentivar o alcance de indicadores específicos, como o “aumento do rastreamento mamográfico” no contexto de pactuação de metas 1717. Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas e agravos não transmissíveis no Brasil 2021-2030. Brasília: Ministério da Saúde; 2021., não percam de vista a importância de organizar o conjunto da detecção precoce. Metas desarticuladas do seguimento das mulheres manterão o quadro preocupante aqui reportado.
Como limitação do estudo, aponta-se que os dados de cobertura de mamografia obtidos da PNS, ao se referirem a toda a população feminina, e não apenas às usuárias do SUS, podem ter superestimado a necessidade de mamografias de rastreamento, especialmente nas regiões Sul e Sudeste, que apresentam elevadas coberturas de saúde suplementar 4949. Azevedo e Silva G, Souza-Júnior PRB, Damacena GN, Szwarcwald CL. Early detection of breast cancer in Brazil: data from the National Health Survey, 2013. Rev Saúde Pública 2017; 51 Suppl 1:14s.. Procurou-se minimizar essa tendência ao estimar a população possivelmente atendida no SUS.
A utilização da PNS para estimar a população rastreada no SUS pode ter, também, superestimado a cobertura de rastreio pela não distinção entre mamografias diagnósticas e de rastreamento. Acredita-se que essa tendência seja pequena para a estimativa de mamografias de rastreamento, visto que a maioria das mamografias é, de fato, realizada em mulheres assintomáticas. Conforme registrado no Sistema de Informação do Câncer (SISCAN), em 2021, 97,7% (2,63 milhões) das mamografias realizadas foram de rastreamento 2525. Instituto Nacional de Câncer. Monitoramento das ações de controle do câncer de mama. Informativo Detecção Precoce 2022; 13(2). https://www.inca.gov.br/publicacoes/informativos/informativo-deteccao-precoce-no-2-2022-0.
https://www.inca.gov.br/publicacoes/info... . Para a estimativa dos demais procedimentos, contudo, uma possível superestimação pode ter contribuído para acentuar um pouco a insuficiência de procedimentos da linha de cuidado do câncer de mama, no patamar aqui considerado.
Outro limite a ser considerado é a utilização de dados secundários para a análise da produção informada. Além de problemas relacionados à qualidade do dado, a ausência ou sub-registro dos procedimentos no SIA/SUS pode ter aumentado o déficit de oferta observado. O SIA/SUS é um sistema originalmente criado para faturamento e em algumas situações, quando a produção excede o teto financeiro pactuado, os procedimentos não são registrados 5050. Pires M, Vieira R. Medidas preliminares de produção na saúde pública. Carta Conjunt 2017; (37). http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/conjuntura/171027_cc_37_nt_1.pdf.
http://www.ipea.gov.br/portal/images/sto... , ficando sem informação.
A força deste estudo é oferecer um panorama mais completo e original da necessidade/oferta de procedimentos para a detecção precoce do câncer de mama no Brasil, incluindo não apenas mulheres assintomáticas, mas também sintomáticas. Esse conhecimento pode nortear o planejamento em saúde e a adoção de medidas mais assertivas para correção dos nós críticos identificados.
Conclusão
A comparação entre a oferta e a necessidade de procedimentos para a detecção precoce do câncer de mama no Brasil e suas regiões identificou déficits e inadequações que devem ser melhor conhecidos e enfrentados em nível estadual e municipal.
Ao utilizar os parâmetros, considerando as diferenças regionais na incidência do câncer de mama no Brasil, foi possível mostrar um déficit generalizado de procedimentos, ao lado de especificidades regionais, como a sobreoferta de procedimentos de ultrassonografia mamária e de exames citopatológicos, nas regiões Centro-oeste, Norte e Nordeste.
Espera-se que os dados aqui apresentados contribuam para avançar o debate sobre a urgência de programar e adequar a rede assistencial, equacionando as necessidades do diagnóstico precoce e do rastreamento, visando ao uso mais eficiente e efetivo dos recursos na linha de cuidado do câncer de mama.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
20 Maio 2024 - Data do Fascículo
2024
Histórico
- Recebido
25 Jul 2023 - Revisado
13 Nov 2023 - Aceito
28 Nov 2023 - Corrigido
05 Jun 2024