O efeito da temperatura ambiente na mortalidade varia entre locais e populações sugerindo a presença de modificadores de efeito dessa associação. O objetivo deste estudo foi analisar a influência de fatores geográficos, urbanos e socioeconômicos no efeito da temperatura ambiente na mortalidade não acidental da população geral e idosa das regiões metropolitanas brasileiras, e a associada às mortalidades circulatória, respiratória e outras causas dos idosos. Os efeitos dessa associação foram estimados para cada grupo nos 42 locais via modelo aditivo generalizado combinado ao modelo não linear de lag distribuído. A seguir foi realizada uma metanálise para estimar os efeitos a nível Brasil e suas regiões. A influência dos modificadores de efeito foi determinada via metarregressão. Os riscos relativos estimados da associação temperatura-mortalidade variaram entre os locais do território brasileiro. Os efeitos do calor na mortalidade não acidental a nível nacional para o grupo Geral e Idoso foram de 1,09 (IC95%: 1,04-1,15) e 1,13 (IC95%: 1,07-1,20), e os do frio foram de 1,26 (IC95%: 1,21-1,32) e 1,30 (IC95%: 1,24-1,36), respectivamente. Observa-se um maior efeito do frio do que do calor em ambos os grupos. Para todas as causas de óbito, os efeitos do calor e do frio foram maiores nas regiões Sudeste e Sul do Brasil. O fator que melhor explicou a heterogeneidade entre os locais foi a amplitude da temperatura média, seguido de latitude, renda e educação. Assim, a implementação de medidas adaptativas para reduzir os efeitos da temperatura ambiente na mortalidade depende do perfil de cada local.
Palavras-chave:
Temperatura Ambiente; Mortalidade; Modificador do Efeito Epidemiológico; Efeitos do Clima
Introdução
As temperaturas ambientes altas e baixas estão relacionadas a aumentos nos casos de emergências médicas, hospitalização e óbitos 11. Song X, Wang S, Hu Y, Yue M, Zhang T, Liu Y, et al. Impact of ambient temperature on morbidity and mortality: an overview of reviews. Sci Total Environ 2017; 586:241-54.. Essa associação temperatura-mortalidade foi observada para mortalidade geral 11. Song X, Wang S, Hu Y, Yue M, Zhang T, Liu Y, et al. Impact of ambient temperature on morbidity and mortality: an overview of reviews. Sci Total Environ 2017; 586:241-54.,22. Gasparrini A, Guo Y, Hashizume M, Lavigne E, Zanobetti A, Schwartz J, et al. Mortality risk attributable to high and low ambient temperature: a multicountry observational study. Lancet 2015; 386:369-75., por doenças cardiovasculares 33. Moghadamnia MT, Ardalan A, Mesdaghinia A, Keshtkar A, Naddafi K, Yekaninejad MS. Ambient temperature and cardiovascular mortality: a systematic review and meta-analysis. PeerJ 2017; 5:e3574.,44. Alahmad B, Khraishah H, Royé D, Vicedo-Cabrera AM, Guo Y, Papatheodorou SI, et al. Associations between extreme temperatures and cardiovascular cause-specific mortality: results from 27 countries. Circulation 2023; 147:35-46., por doenças respiratórias 55. Bunker A, Wildenhain J, Vandenbergh A, Henschke N, Rocklöv J, Hajat S, et al. Effects of air temperature on climate-sensitive mortality and morbidity outcomes in the elderly: a systematic review and meta-analysis of epidemiological evidence. EBioMedicine 2016; 6:258-68., e por doenças cerebrovasculares 44. Alahmad B, Khraishah H, Royé D, Vicedo-Cabrera AM, Guo Y, Papatheodorou SI, et al. Associations between extreme temperatures and cardiovascular cause-specific mortality: results from 27 countries. Circulation 2023; 147:35-46.,66. Wen J, Zou L, Jiang Z, Li Y, Tao J, Liu Y, et al. Association between ambient temperature and risk of stroke morbidity and mortality: a systematic review and meta-analysis. Brain Behav 2023; 13:e3078., em locais da Europa 77. Marí-Dell'Olmo M, Tobías A, Gómez-Gutiérrez A, Rodríguez-Sanz M, García de Olalla P, Camprubí E, et al. Social inequalities in the association between temperature and mortality in a South European context. Int J Public Health 2019; 64:27-37., Ásia 88. Ng CFS, Ueda K, Takeuchi A, Nitta H, Konishi S, Bagrowicz R, et al. Sociogeographic variation in the effects of heat and cold on daily mortality in Japan. J Epidemiol 2014; 24:15-24.,99. Luan G, Yin P, Wang L, Zhou M. The temperature - mortality relationship: an analysis from 31 Chinese provincial capital cities. Int J Environ Health Res 2018; 28:192-201., África 1010. Scovronick N, Sera F, Acquaotta F, Garzena D, Fratianni S, Wright CY, et al. The association between ambient temperature and mortality in South Africa: a time-series analysis. Environ Res 2018; 161:229-35., América do Norte 1111. Xiao J, Peng J, Zhang Y, Liu T, Rutherford S, Lin H, et al. How much does latitude modify temperature-mortality relationship in 13 Eastern US cities? Int J Biometeorol 2015; 59:365-72. e América Latina 1212. Kephart JL, Sánchez BN, Moore J, Schinasi LH, Bakhtsiyarava M, Ju Y, et al. City-level impact of extreme temperatures and mortality in Latin America. Nat Med 2022; 28:1700-5., evidenciando assim um problema de saúde global que pode ser amplificado com os eventos de mudança climática 1313. Core Writing Team; Lee H, Romero J, editors. Climate change 2023: synthesis report. Contribution of Working Groups I, II and III to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Geneva: International Panel on Climate Change; 2023..
Esses riscos de mortalidade relacionados à temperatura ambiente variaram entre locais 44. Alahmad B, Khraishah H, Royé D, Vicedo-Cabrera AM, Guo Y, Papatheodorou SI, et al. Associations between extreme temperatures and cardiovascular cause-specific mortality: results from 27 countries. Circulation 2023; 147:35-46.,99. Luan G, Yin P, Wang L, Zhou M. The temperature - mortality relationship: an analysis from 31 Chinese provincial capital cities. Int J Environ Health Res 2018; 28:192-201.,1111. Xiao J, Peng J, Zhang Y, Liu T, Rutherford S, Lin H, et al. How much does latitude modify temperature-mortality relationship in 13 Eastern US cities? Int J Biometeorol 2015; 59:365-72.,1212. Kephart JL, Sánchez BN, Moore J, Schinasi LH, Bakhtsiyarava M, Ju Y, et al. City-level impact of extreme temperatures and mortality in Latin America. Nat Med 2022; 28:1700-5.,1414. Anderson BG, Bell ML. Weather-related mortality: how heat, cold, and heat waves affect mortality in the United States. Epidemiology 2009; 20:205-13.,1515. Ma W, Wang L, Lin H, Liu T, Zhang Y, Rutherford S, et al. The temperature-mortality relationship in China: an analysis from 66 Chinese communities. Environ Res 2015; 137:72-7.,1616. Wang C, Zhang Z, Zhou M, Zhang L, Yin P, Ye W, et al. Nonlinear relationship between extreme temperature and mortality in different temperature zones: a systematic study of 122 communities across the mainland of China. Sci Total Environ 2017; 586:96-106., o que pode ser devido à variabilidade de características individuais e comunitárias 1717. Son JY, Liu JC, Bell ML. Temperature-related mortality: a systematic review and investigation of effect modifiers. Environ Res Lett 2019; 14:073004., características socioeconômicas 77. Marí-Dell'Olmo M, Tobías A, Gómez-Gutiérrez A, Rodríguez-Sanz M, García de Olalla P, Camprubí E, et al. Social inequalities in the association between temperature and mortality in a South European context. Int J Public Health 2019; 64:27-37., geográficas 1616. Wang C, Zhang Z, Zhou M, Zhang L, Yin P, Ye W, et al. Nonlinear relationship between extreme temperature and mortality in different temperature zones: a systematic study of 122 communities across the mainland of China. Sci Total Environ 2017; 586:96-106. ou diferentes respostas de adaptação 22. Gasparrini A, Guo Y, Hashizume M, Lavigne E, Zanobetti A, Schwartz J, et al. Mortality risk attributable to high and low ambient temperature: a multicountry observational study. Lancet 2015; 386:369-75.. Esses fatores modificadores do efeito da associação temperatura-mortalidade foram investigados em estudos anteriores, concentrados em áreas da América do Norte, Ásia e Europa 1717. Son JY, Liu JC, Bell ML. Temperature-related mortality: a systematic review and investigation of effect modifiers. Environ Res Lett 2019; 14:073004.. Contudo, esses estudos mostraram resultados divergentes e poucos compararam regiões geográficas e climáticas distintas 1717. Son JY, Liu JC, Bell ML. Temperature-related mortality: a systematic review and investigation of effect modifiers. Environ Res Lett 2019; 14:073004.,1818. Sera F, Armstrong B, Tobias A, Vicedo-Cabrera AM, Åström C, Bell ML, et al. How urban characteristics affect vulnerability to heat and cold: a multi-country analysis. Int J Epidemiol 2019; 48:1101-12..
O Brasil também é vulnerável aos efeitos das temperaturas extremas, com fração de mortalidade atribuída a estas variando de 2,04% a 7,08% entre as capitais brasileiras 22. Gasparrini A, Guo Y, Hashizume M, Lavigne E, Zanobetti A, Schwartz J, et al. Mortality risk attributable to high and low ambient temperature: a multicountry observational study. Lancet 2015; 386:369-75.. Essas condições de estresse térmico estão associadas a maiores taxas de hospitalização 1919. Requia WJ, Vicedo-Cabrera AM, de Schrijver E, Amini H. Low ambient temperature and hospitalization for cardiorespiratory diseases in Brazil. Environ Res 2023; 231:116231.,2020. Requia WJ, Vicedo-Cabrera AM, de Schrijver E, Amini H, Gasparrini A. Association of high ambient temperature with daily hospitalization for cardiorespiratory diseases in Brazil: a national time-series study between 2008 and 2018. Environ Pollut 2023; 331:121851. e mortalidade por doenças cardiovasculares e respiratórias nas capitais brasileiras 2121. Oliveira BFA, Jacobson LSV, Perez LP, Silveira IH, Junger WL, Hacon SS. Impacts of heat stress conditions on mortality from respiratory and cardiovascular diseases in Brazil. Sustainability in Debate 2020; 11:297-313..
Localizado na América do Sul, o Brasil tem mais de 203 milhões habitantes distribuídos em aproximadamente 8,5 milhões de km2 e é um país emergente que ainda apresenta poucos locais em seu território com políticas ativas consistentes de adaptação ou mitigação às mudanças climáticas 2222. Barbi F, Ferreira LC. Climate change in Brazilian cities: policy strategies and responses to global warming. Int J Environ Sci Dev 2013; 4:49-51.. O Brasil tem grande extensão territorial, diversidade socioambiental e sociodemográfica, apresentando-se como um local de estudo adequado para expandir as pesquisas nessa área.
Há poucos estudos em nível nacional abordando o efeito de temperaturas extremas na mortalidade 2323. Requia WJ, Alahmad B, Schwartz JD, Koutrakis P. Association of low and high ambient temperature with mortality for cardiorespiratory diseases in Brazil. Environ Res 2023; 234:116532., principalmente sobre a população idosa brasileira, grupo em expansão e vulnerável frente aos efeitos da temperatura ambiente 1717. Son JY, Liu JC, Bell ML. Temperature-related mortality: a systematic review and investigation of effect modifiers. Environ Res Lett 2019; 14:073004.,2323. Requia WJ, Alahmad B, Schwartz JD, Koutrakis P. Association of low and high ambient temperature with mortality for cardiorespiratory diseases in Brazil. Environ Res 2023; 234:116532.. Além disso, esses estudos não abordaram os efeitos sobre populações residentes em regiões metropolitanas brasileiras. Tal recorte espacial de grande urbanização é constituído por um conjunto de municípios contíguos e socioeconomicamente integrados a uma cidade central, com serviços públicos e infraestrutura comum, e concentram um terço da população do país, 60% do produto interno bruto (PIB) nacional e 70% da pobreza urbana 2424. Marguti BO, Tavares SR, editors. Política metropolitana: governança, instrumentos e planejamentometropolitanos - II Seminário e Oficina. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2019.. Estudos nesses locais permitem a análise de dados de um maior contingente de pessoas vivendo em áreas urbanas, fator também relacionado a maior vulnerabilidade à temperaturas extremas 1818. Sera F, Armstrong B, Tobias A, Vicedo-Cabrera AM, Åström C, Bell ML, et al. How urban characteristics affect vulnerability to heat and cold: a multi-country analysis. Int J Epidemiol 2019; 48:1101-12..
Compreender essa associação e seus fatores moduladores permite o planejamento de intervenções adequadas para subpopulações com diferentes status de vulnerabilidade, além de prover predições confiáveis dos efeitos das mudanças climáticas 22. Gasparrini A, Guo Y, Hashizume M, Lavigne E, Zanobetti A, Schwartz J, et al. Mortality risk attributable to high and low ambient temperature: a multicountry observational study. Lancet 2015; 386:369-75.,1717. Son JY, Liu JC, Bell ML. Temperature-related mortality: a systematic review and investigation of effect modifiers. Environ Res Lett 2019; 14:073004..
Para contribuir com essas questões, este estudo teve como objetivo estimar o efeito da temperatura ambiente na mortalidade não acidental da população em geral e de idosos ao longo do território brasileiro, bem como analisar a influência da diversidade geográfica, urbana e socioeconômica nessa relação.
Métodos
Desenho do estudo
Foi realizada uma análise de série temporal de dados diários de mortalidade e condições meteorológicas, referente ao período de 1º de janeiro de 2000 a 31 de dezembro de 2014, de 45 regiões metropolitanas do Brasil, localizadas nas regiões Centro-oeste (2), Nordeste (16), Norte (7), Sudeste (8) e Sul (12). As outras 29 regiões metropolitanas foram excluídas por não apresentarem estação de coleta de dados climáticos.
Dados de mortalidade
Os dados de mortalidade foram obtidos no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Departamento de Informática do SUS (DATASUS). A mortalidade diária não acidental (grupo Geral) é representada pela contagem total de óbitos excluindo as causas externas (Classificação Internacional de Doenças, 10ª revisão [CID-10]: código A00-R99). O grupo de idosos (grupo Idoso) foi formado com os dados dos óbitos de indivíduos com 60 anos ou mais.
Buscando verificar a diversidade de efeitos entre as causas de óbito, foi analisada a associação entre mortalidade por temperatura devido a causas circulatórias, respiratórias e outras causas em idosos. Para isso os dados de mortalidade do grupo Idoso foram estratificados por causa do óbito, formando os subgrupos: circulatório (doenças do aparelho circulatório: código I00-I99), respiratório (doenças do aparelho respiratório: código J00-J99) e outras causas (códigos A00-H95 e K00-R99).
A presença de baixos números de óbitos na série temporal podem levar à imprecisão das estimativas 2525. Burkart KG, Brauer M, Aravkin AY, Godwin WW, Hay SI, He J, et al. Estimating the cause-specific relative risks of non-optimal temperature on daily mortality: a two-part modelling approach applied to the Global Burden of Disease Study. Lancet 2021; 398:685-97.. A presença de dados imprecisos na primeira fase da análise estatística pode gerar viés nos dados estimados na segunda fase 2626. Gasparrini A, Armstrong B. Reducing and meta-analyzing estimates of distributed lag non-linear models. BMC Med Res Methodol 2013; 13:1.. Para minimizar possíveis erros nas estimativas combinadas subsequentes, aplicaram-se critérios de exclusão. Primeiramente foram excluídas regiões metropolitanas com número de óbitos por dia inferiores a 1,5, permanecendo para as análises dos grupos Geral e Idoso 43 regiões metropolitanas. Finalmente, uma região metropolitana foi excluída devido a inconsistências numéricas (problemas numéricos na estimação). Para os subgrupos do grupo Idoso, com menores contagem de mortes, também foram excluídas as regiões metropolitanas com média diária de óbitos abaixo de 1 em todos os três subgrupos. Assim, para as análises dos subgrupos do grupo Idoso foram consideradas 38 regiões metropolitanas.
Dados meteorológicos
A temperatura média diária (ºC) foi escolhida como variável de exposição a ser analisada, por representar a exposição durante todo o dia e noite, ter o melhor desempenho na previsão dos efeitos da temperatura sobre a mortalidade 99. Luan G, Yin P, Wang L, Zhou M. The temperature - mortality relationship: an analysis from 31 Chinese provincial capital cities. Int J Environ Health Res 2018; 28:192-201., e porque as diferentes medidas de temperatura têm habilidades preditivas similares 1010. Scovronick N, Sera F, Acquaotta F, Garzena D, Fratianni S, Wright CY, et al. The association between ambient temperature and mortality in South Africa: a time-series analysis. Environ Res 2018; 161:229-35.,2727. Barnett AG, Tong S, Clements ACA. What measure of temperature is the best predictor of mortality? Environ Res 2010; 110:604-11..
O indicador de umidade relativa média do ar (%) utilizado foi a média do dia atual e do dia anterior. Este foi incluído na análise como fator confundidor, assim como em estudos anteriores 2323. Requia WJ, Alahmad B, Schwartz JD, Koutrakis P. Association of low and high ambient temperature with mortality for cardiorespiratory diseases in Brazil. Environ Res 2023; 234:116532.,2828. Silveira IH, Oliveira BFA, Cortes TR, Junger WL. The effect of ambient temperature on cardiovascular mortality in 27 Brazilian cities. Sci Total Environ 2019; 691:996-1004.. A umidade influencia a temperatura por meio da modulação da sensação térmica 2929. Liu C, Yavar Z, Sun Q. Cardiovascular response to thermoregulatory challenges. Am J Physiol Heart Circ Physiol 2015; 309:H1793-812.,3030. Davis RE, McGregor GR, Enfield KB. Humidity: a review and primer on atmospheric moisture and human health. Environ Res 2016; 144:106-16.. Ela também influencia o desenvolvimento de doenças respiratórias 3030. Davis RE, McGregor GR, Enfield KB. Humidity: a review and primer on atmospheric moisture and human health. Environ Res 2016; 144:106-16. e cardiovasculares por meio do seu efeito sobre o estresse térmico, a desidratação e a proliferação de vetores de doenças 2929. Liu C, Yavar Z, Sun Q. Cardiovascular response to thermoregulatory challenges. Am J Physiol Heart Circ Physiol 2015; 309:H1793-812.,3030. Davis RE, McGregor GR, Enfield KB. Humidity: a review and primer on atmospheric moisture and human health. Environ Res 2016; 144:106-16..
A presença de dados faltantes de temperatura compensada e umidade relativa médias pôde ser minimizada para cinco locais que apresentavam duas ou mais estações metropolitanas. Nestas foi realizado a imputação de valores faltantes usando o pacote mtsdi3131. Junger WL, Ponce de Leon A. Imputation of missing data in time series for air pollutants. Atmos Environ 2015; 102:96-104. da plataforma R (http://www.r-project.org). Foi utilizado um modelo com spline cúbica não paramétrica com 8 graus de liberdade (g.l.) para predição dos dados a serem imputados. Ocorreu imputação apenas para os dias em que havia pelo menos uma observação por estação climática e não poderia haver perda de dados em uma sequência superior a três dias.
Estudos anteriores têm reportado a influência das variações da temperatura 2828. Silveira IH, Oliveira BFA, Cortes TR, Junger WL. The effect of ambient temperature on cardiovascular mortality in 27 Brazilian cities. Sci Total Environ 2019; 691:996-1004.,3232. Chen R, Yin P, Wang L, Liu C, Niu Y, Wang W, et al. Association between ambient temperature and mortality risk and burden: time series study in 272 main Chinese cities. BMJ 2018; 363:k4306., no dia e no ano, e das localizações, latitude 1111. Xiao J, Peng J, Zhang Y, Liu T, Rutherford S, Lin H, et al. How much does latitude modify temperature-mortality relationship in 13 Eastern US cities? Int J Biometeorol 2015; 59:365-72.,2828. Silveira IH, Oliveira BFA, Cortes TR, Junger WL. The effect of ambient temperature on cardiovascular mortality in 27 Brazilian cities. Sci Total Environ 2019; 691:996-1004.,3333. Bao J, Wang Z, Yu C, Li X. The influence of temperature on mortality and its lag effect: a study in four Chinese cities with different latitudes. BMC Public Health 2016; 16:375. e região geográfica 1515. Ma W, Wang L, Lin H, Liu T, Zhang Y, Rutherford S, et al. The temperature-mortality relationship in China: an analysis from 66 Chinese communities. Environ Res 2015; 137:72-7.,2828. Silveira IH, Oliveira BFA, Cortes TR, Junger WL. The effect of ambient temperature on cardiovascular mortality in 27 Brazilian cities. Sci Total Environ 2019; 691:996-1004., na associação temperatura-mortalidade. Assim, a média anual da temperatura média, amplitude anual da temperatura média, amplitude diária da temperatura (calculada a diferença entre temperatura máxima e mínima diária), latitude e região geográfica brasileira foram incluídas no modelo como fatores geográficos modificadores da associação temperatura-mortalidade.
Dados urbanos e socioeconômicos
Características individuais e comunitárias foram identificadas como fatores modificadores da associação temperatura-mortalidade 1717. Son JY, Liu JC, Bell ML. Temperature-related mortality: a systematic review and investigation of effect modifiers. Environ Res Lett 2019; 14:073004.. Entre os fatores a nível individual temos o nível educacional 77. Marí-Dell'Olmo M, Tobías A, Gómez-Gutiérrez A, Rodríguez-Sanz M, García de Olalla P, Camprubí E, et al. Social inequalities in the association between temperature and mortality in a South European context. Int J Public Health 2019; 64:27-37.,1111. Xiao J, Peng J, Zhang Y, Liu T, Rutherford S, Lin H, et al. How much does latitude modify temperature-mortality relationship in 13 Eastern US cities? Int J Biometeorol 2015; 59:365-72.,3232. Chen R, Yin P, Wang L, Liu C, Niu Y, Wang W, et al. Association between ambient temperature and mortality risk and burden: time series study in 272 main Chinese cities. BMJ 2018; 363:k4306. e renda 1111. Xiao J, Peng J, Zhang Y, Liu T, Rutherford S, Lin H, et al. How much does latitude modify temperature-mortality relationship in 13 Eastern US cities? Int J Biometeorol 2015; 59:365-72.,1818. Sera F, Armstrong B, Tobias A, Vicedo-Cabrera AM, Åström C, Bell ML, et al. How urban characteristics affect vulnerability to heat and cold: a multi-country analysis. Int J Epidemiol 2019; 48:1101-12.,3434. Ma W, Chen R, Kan H. Temperature-related mortality in 17 large Chinese cities: how heat and cold affect mortality in China. Environ Res 2014; 134:127-33.. A densidade demográfica 88. Ng CFS, Ueda K, Takeuchi A, Nitta H, Konishi S, Bagrowicz R, et al. Sociogeographic variation in the effects of heat and cold on daily mortality in Japan. J Epidemiol 2014; 24:15-24.,1818. Sera F, Armstrong B, Tobias A, Vicedo-Cabrera AM, Åström C, Bell ML, et al. How urban characteristics affect vulnerability to heat and cold: a multi-country analysis. Int J Epidemiol 2019; 48:1101-12.,3232. Chen R, Yin P, Wang L, Liu C, Niu Y, Wang W, et al. Association between ambient temperature and mortality risk and burden: time series study in 272 main Chinese cities. BMJ 2018; 363:k4306.,3535. Medina-Ramón M, Schwartz J. Temperature, temperature extremes, and mortality: a study of acclimatisation and effect modification in 50 US cities. Occup Environ Med 2007; 64:827-33. e PIB per capita1818. Sera F, Armstrong B, Tobias A, Vicedo-Cabrera AM, Åström C, Bell ML, et al. How urban characteristics affect vulnerability to heat and cold: a multi-country analysis. Int J Epidemiol 2019; 48:1101-12.,3232. Chen R, Yin P, Wang L, Liu C, Niu Y, Wang W, et al. Association between ambient temperature and mortality risk and burden: time series study in 272 main Chinese cities. BMJ 2018; 363:k4306. são fatores comunitários que caracterizam o nível de desenvolvimento urbano.
Assim, os dados socioeconômicos e de desenvolvimento urbano foram incluídos no modelo como fatores modificadores da associação temperatura-mortalidade. Esses dados foram coletados do Censo Demográfico de 2010 (https://censo2010.ibge.gov.br/) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para cada município, e posteriormente foram calculadas as respectivas médias das regiões metropolitanas.
Como indicadores urbanos utilizou-se densidade demográfica (habitantes/km2) e o PIB per capita (R$). Como indicadores socioeconômicos utilizou-se renda (percentual de indivíduos sem renda ou com renda de até um salário mínimo) e escolaridade (percentual de indivíduos maiores de 10 anos com Ensino Fundamental completo). Para cada região metropolitana foi estimado a média anual de cada variável numérica e realizada a média do período estudado, sendo este o valor utilizado nas análises.
Análise dos dados
A associação temperatura-mortalidade foi investigada separadamente para cada grupo de causas de mortalidade com uma análise em duas etapas.
Na primeira etapa foi realizada uma análise de série temporal para cada região metropolitana e grupo usando o modelo aditivo generalizado (GAM, do inglês generalized additive model), assumindo um modelo quasi-Poisson 3636. Bhaskaran K, Gasparrini A, Hajat S, Smeeth L, Armstrong B. Time series regression studies in environmental epidemiology. Int J Epidemiol 2013; 42:1187-95.. Foi incluída uma função cross-basis do distributed lag non-linear models (DLNM) 3737. Gasparrini A, Armstrong B, Kenward MG. Distributed lag non-linear models. Stat Med 2010; 29:2224-34. para modelar o efeito não linear e defasado da temperatura ambiente sobre a mortalidade. Essa função foi definida por meio de uma spline natural cúbica com três nós internos colocados nos percentis 10, 75 e 90 da distribuição da temperatura específica de cada local, e uma spline natural cúbica, com nós dispostos no intercepto e três nós internos igualmente espaçados na escala log de valores das defasagens. A janela de análise utilizada foi de 21 dias (máximo de defasagem até 21 dias), definida por permitir estimar a relação defasada da temperatura sobre a mortalidade, menor efeito de antecipação de mortes e possibilidade de confrontar nossos resultados com pesquisas anteriores.
Foram incluídas no modelo de regressão duas splines thin plate, uma para ajuste da tendência temporal e sazonal, e uma para a umidade relativa do ar. Para tendência temporal e sazonalidade foram testados os ajustes usando splines de 2 a 8 g.l. e a escolha foi baseada no critério de informação de Akaike (AIC, do inglês Akaike information criterion) e análise dos resíduos. Para o ajuste de umidade relativa do ar foram testados de 3 a 6 g.l., sendo a escolha feita com base no menor AIC. Por fim, inclui-se uma variável indicadora para cada dia da semana.
A partir desse modelo, foi estimado o percentil de mortalidade mínima (PMM) e a respectiva temperatura de mortalidade mínima (TMM) para cada região metropolitana e grupo de causas 3737. Gasparrini A, Armstrong B, Kenward MG. Distributed lag non-linear models. Stat Med 2010; 29:2224-34.. O efeito da temperatura sobre a mortalidade foi estimado em risco relativo (RR), com efeito do frio estimado através de RR de mortalidade entre o 1º percentil e o PMM, e o efeito do calor estimado do RR de mortalidade entre o 99º percentil e o PMM. Também foram extraídos intervalos de confiança (IC95%) desses valores, sendo utilizado nível de confiança de 95%.
Na segunda etapa foi verificado o grau de heterogeneidade entre os locais e estimada a medida sumária da associação temperatura-mortalidade para todo o país, bem como para as regiões geográficas, para cada grupo de causas. Para isso, utilizando o mesmo modelo de regressão descrito anteriormente, fez-se a redução de toda a associação temperatura-mortalidade acumulada no período de lag, extraindo os vetores dos coeficientes estimados e a respectiva matriz de (co)variâncias estimadas para cada local e grupo. Esse passo reduz o número de parâmetros considerados na metanálise do segundo estágio preservando a complexidade da dependência estimada 2626. Gasparrini A, Armstrong B. Reducing and meta-analyzing estimates of distributed lag non-linear models. BMC Med Res Methodol 2013; 13:1.. O PMM escolhido para ser referência das estimativas foi o valor médio dos PMM estimado nas análises individuais da etapa anterior.
O modelo de metanálise multivariada 2626. Gasparrini A, Armstrong B. Reducing and meta-analyzing estimates of distributed lag non-linear models. BMC Med Res Methodol 2013; 13:1. foi utilizado para definir uma associação temperatura-mortalidade média das regiões metropolitanas a nível nacional e para cada região brasileira, e o método de estimação usado foi máxima verossimilhança restrita (REML, do inglês restricted maximum likelihood). A quantificação de heterogeneidade nas relações exposição-resposta das regiões metropolitanas foi realizada via teste Q de Cochran e estatística I2.
Modelos de metarregressão (univariable mulivariate meta-regression models) foram aplicados para avaliar a modificação do efeito atribuíveis a características do lugar. As seguintes variáveis metapreditoras foram analisadas: média, amplitude diária e anual da temperatura média, latitude, densidade demográfica, PIB per capita, nível educacional e renda. Os modelos de metarregressão, cada um incluindo um único metapreditor, foram especificados e associações exposição-resposta foram estimadas para os valores dos percentis 25 e 75 das variáveis metapreditoras mencionadas acima. Cada um dos modelos foi testado com respeito à heterogeneidade (teste Q e I2) e ao ajuste do modelo (AIC). Utilizou-se o teste de Wald para testar a significância da associação multivariada entre os parâmetros de resultado e cada variável preditora.
Análise de sensibilidade foi realizada testando diferentes parâmetros para a função cross-basis. Testou-se o uso de duas funções splines (natural cubic spline [ns] e quadratic B-spline [bs]), e duas distribuições para nós internos (10º, 75º e 90º percentis e 25º, 50º e 75º percentis) da distribuição da temperatura. A decisão pelo melhor modelo foi feita por meio do Q-AIC, um AIC modificado para modelos de verossimilhança 3737. Gasparrini A, Armstrong B, Kenward MG. Distributed lag non-linear models. Stat Med 2010; 29:2224-34.. O modelo escolhido foi o que obteve menor valor no somatório dos Q-AIC de todas as regiões metropolitanas.
As análises estatísticas e gráficos foram realizadas na plataforma R, versão 3.5.1, usando os pacotes dlnm, mgcv e mvmeta.
Resultados
Um total de 6.483.270 óbitos por causas não acidentais ocorreram entre 2000 e 2014 nas 42 regiões metropolitanas brasileiras consideradas, dos quais 4.290.322 foram de indivíduos maiores de 60 anos. A Tabela 1 apresenta sumários dos dados de mortalidade e clima de cada local. As regiões metropolitanas se estendem da latitude 2º82’ Norte (Região Metropolitana da Capital/Roraima) até 30º5’ (Região Metropolitana de Porto Alegre/Rio Grande do Sul), com temperatura ambiente média variando de 14,87ºC (Região Metropolitana de Lages/Santa Catarina) a 28,11ºC (Região Metropolitana da Capital/Roraima).
A associação temperatura-mortalidade não acidental acumulada em 21 dias foi estimada para o Brasil para os grupos Geral e Idoso. No grupo Geral, o RR estimado para o efeito do calor foi 1,09 (IC95%: 1,04-1,15) e para o efeito do frio foi 1,26 (IC95%: 1,21-1,32). No grupo Idoso, o RR estimado para o efeito do calor foi 1,13 (IC95%: 1,07-1,20) e para o frio foi 1,30 (IC95%: 1,24-1,36). Observa-se um maior efeito do frio do que para o calor, em ambos os grupos. Esses valores decorrem da combinação do estimado para cada uma das 42 regiões metropolitanas brasileiras.
Variabilidade da associação temperatura-mortalidade ao longo do território brasileiro
Ao observar os valores estimados para cada uma dessas regiões metropolitanas (Tabela 2) nota-se o aumento significativo do RR associado a temperaturas extremas, tanto altas quanto baixas, na mortalidade não acidental para os grupos Geral e Idoso em vários locais, principalmente nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. Maiores RR foram estimados para o efeito do frio na maioria das regiões metropolitanas. Os valores de RR da associação temperatura-mortalidade no grupo Idoso superam os do grupo Geral na maioria dos locais. Observa-se uma variabilidade nos resultados de RR entre as regiões metropolitanas ao longo do território nacional, que pode ser visualizada na Figura 1, utilizando-se como exemplo as estimativas de RR do grupo Idoso.
Distribuição geográfica das estimativas da associação temperatura-mortalidade não acidental no grupo Idoso.
Na Figura 1, nota-se que a TMM também varia entre as regiões metropolitanas. A TMM é a temperatura ótima 22. Gasparrini A, Guo Y, Hashizume M, Lavigne E, Zanobetti A, Schwartz J, et al. Mortality risk attributable to high and low ambient temperature: a multicountry observational study. Lancet 2015; 386:369-75., a temperatura mais confortável ou ideal, a partir dela a mortalidade aumenta 3838. Yin Q, Wang J, Ren Z, Li J, Guo Y. Mapping the increased minimum mortality temperatures in the context of global climate change. Nat Commun 2019; 10:4640.. Os valores estimados de TMM variaram de 17,9ºC a 33,4ºC para o grupo Geral (média: 26,1ºC, desvio padrão - DP: 4,1) e de 16,7ºC a 29,9ºC para o grupo Idoso (média: 25,4ºC, DP: 3,1), com maiores valores de TMM encontrados em latitudes próximas a linha do Equador e menores nas metrópoles situadas mais ao sul.
Os efeitos das temperaturas extremas na mortalidade circulatória, respiratória e outras causas do grupo Idoso por regiões metropolitanas estão apresentados nas Tabelas 3, 4 e 5. A Figura 2 apresenta, por região geográfica, o efeito estimado (RR) das altas e baixas temperaturas nas mortalidades dos subgrupos do grupo Idoso. Pode-se notar diferenças nos RR por região geográfica e causa. O efeito do frio e do calor foi significativo na mortalidade dos três subgrupos do grupo Idoso nas regiões Sul e Sudeste. Na Região Centro-oeste só se observa o efeito do frio. A Região Nordeste apresentou apenas RR de mortalidade circulatória e outras causas associado a baixas temperaturas extremas. A Região Norte não apresentou RR significativos.
Estimativas médias de efeito da temperatura ambiente na mortalidade dos subgrupos do grupo Idoso, acumulada em 21 dias, para o Brasil e cada região brasileira.
Essa variabilidade nas estimativas das associações temperatura-mortalidade entre as regiões metropolitanas foi testada por meio do teste de heterogeneidade I2. A associação temperatura-mortalidade não acidental apresentou o valor de I2 igual a 81% no grupo Geral e 79% no grupo Idoso. Menores valores de I2 foram encontrados nas análises de heterogeneidade para os subgrupos do grupo Idoso. Quando se incluiu no modelo o fator região geográfica os valores de I2 reduziram para todos os grupos (Tabela 6).
Modificadores de efeito da associação temperatura-mortalidade
Essa heterogeneidade poderia ser explicada por diferentes fatores a nível local que modificam a associação. Três grupos de possíveis fatores modificadores de efeito foram testados neste trabalho (geográficos, urbanos e socioeconômicos) e o resultado das análises de heterogeneidade são apresentadas na Tabela 6.
Ao incluir os fatores geográficos, a heterogeneidade da associação temperatura-mortalidade não acidental foi parcialmente explicada principalmente pela amplitude anual da temperatura média com diminuição do valor I2 para 64,7% no grupo Geral e 61,2% no grupo Idoso. A importância desse fator também foi identificada nas análises realizadas com dados dos subgrupos do grupo Idoso, com menores valores de I2 nos três grupos de causas. Para todos os grupos de mortalidade testados, o modelo que incluía a amplitude anual de temperatura média foi o que obteve o melhor ajuste de modelo, entre as variáveis metapreditoras consideradas, com menor AIC, além de significativo teste de Wald. O modelo testado com a variável metapreditora latitude alcançou valores de I2 próximos aos obtidos com a variável amplitude da temperatura média.
Na dimensão urbanização, as variáveis metapreditoras densidade demográfica e PIB per capita (Tabela 7) quando incluídas no modelo alteraram pouquíssimo o valor de I2. Ambos os modelos apresentaram os maiores AIC e testes de Wald não significativos, com exceção do PIB per capita para o subgrupo circulatório (teste de Wald, p = 0,03).
Os fatores socioeconômicos (Tabela 7) reduziram o índice de heterogeneidade I2 quando incluídos nos modelos de predição dos grupos de mortalidade não acidental e nos subgrupos do grupo Idoso. Os menores valores de I2 foram encontrados nos modelos que incluíram o fator renda, do que os do fator educação.
Na Figura 3 pode-se visualizar as associações temperatura-mortalidade estimadas para os valores dos percentis 25º e 75º das metapreditoras incluídas em cada modelo de metarregressão do grupo Idoso, subgrupo mortalidade circulatória. Pode-se visualizar curvas mais acentuadas e maiores riscos relativos associados a temperaturas extremas para: locais nas latitudes mais baixas (em direção ao sul), altas amplitudes anuais da temperatura média, menores médias das temperaturas médias e menor valor do índice renda. Apesar da proximidade entre as curvas de associação temperatura-mortalidade estimados para as variáveis amplitude diária da temperatura média e educação, os resultados apontam que maiores níveis nesses preditores levam a maiores riscos de mortalidade. Os demais grupos de mortalidade estudados tiveram padrões de curvas similares aos apresentados para o grupo cardiovascular, com exceção para as análises da metapreditora PIB per capita que foi significativa apenas neste grupo.
Curva de associação temperatura-mortalidade circulatória do grupo Idoso estimada para o Brasil, cumulativo de 21 dias defasagem, de acordo com 25º e 75⁰ percentis de cada metapreditor.
Discussão
O uso do método DLNM 2626. Gasparrini A, Armstrong B. Reducing and meta-analyzing estimates of distributed lag non-linear models. BMC Med Res Methodol 2013; 13:1.,3737. Gasparrini A, Armstrong B, Kenward MG. Distributed lag non-linear models. Stat Med 2010; 29:2224-34. neste trabalho permitiu capturar a relação não linear e defasada dependente da associação temperatura-mortalidade no Brasil. Este estudo avança em relação a estudos prévios 22. Gasparrini A, Guo Y, Hashizume M, Lavigne E, Zanobetti A, Schwartz J, et al. Mortality risk attributable to high and low ambient temperature: a multicountry observational study. Lancet 2015; 386:369-75.,2323. Requia WJ, Alahmad B, Schwartz JD, Koutrakis P. Association of low and high ambient temperature with mortality for cardiorespiratory diseases in Brazil. Environ Res 2023; 234:116532.,2828. Silveira IH, Oliveira BFA, Cortes TR, Junger WL. The effect of ambient temperature on cardiovascular mortality in 27 Brazilian cities. Sci Total Environ 2019; 691:996-1004.,3939. Ferreira LCM, Nogueira MC, Pereira RVB, de Farias WCM, Rodrigues MMDS, Teixeira MTB, et al. Ambient temperature and mortality due to acute myocardial infarction in Brazil: an ecological study of time-series analyses. Sci Rep 2019; 9:13790., pois apresenta os modificadores dos efeitos das temperaturas extremas na mortalidade não acidental da população geral e em quatro causas de mortalidade dos idosos brasileiros, além de utilizar um grande número de regiões metropolitanas distribuídas ao longo do território nacional.
Este estudo evidencia os efeitos das temperaturas extremas no aumento do risco de mortalidade para causas de óbito não acidental na população geral e para causas não acidental, circulatória, respiratória e outras nos idosos das regiões metropolitanas, bem como nas regiões Centro-oeste, Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil. O formato, a intensidade do efeito e os valores de TMM/PMM variaram entre os locais e grupos de causas estudados. Os fatores geográficos, amplitude anual da temperatura média e latitude, foram os fatores modificadores de efeito da associação temperatura-mortalidade que tiveram maior impacto, seguidos pelo fator renda e de maneira mais discreta, a educação. Esse efeito modulador foi encontrado para os grupos Geral e Idoso, bem como para todos os subgrupos de causa de óbito.
O aumento do RR da mortalidade não acidental associado a extremos de temperatura maior e menor apresentados neste estudo corrobora os estudos da China 3434. Ma W, Chen R, Kan H. Temperature-related mortality in 17 large Chinese cities: how heat and cold affect mortality in China. Environ Res 2014; 134:127-33., dos Estados Unidos 1414. Anderson BG, Bell ML. Weather-related mortality: how heat, cold, and heat waves affect mortality in the United States. Epidemiology 2009; 20:205-13. e da África do Sul 1010. Scovronick N, Sera F, Acquaotta F, Garzena D, Fratianni S, Wright CY, et al. The association between ambient temperature and mortality in South Africa: a time-series analysis. Environ Res 2018; 161:229-35., que também incluíram vários locais. A variabilidade dessa associação entre as localidades analisadas já foi exibida em estudos no Brasil 22. Gasparrini A, Guo Y, Hashizume M, Lavigne E, Zanobetti A, Schwartz J, et al. Mortality risk attributable to high and low ambient temperature: a multicountry observational study. Lancet 2015; 386:369-75. e em outros países 88. Ng CFS, Ueda K, Takeuchi A, Nitta H, Konishi S, Bagrowicz R, et al. Sociogeographic variation in the effects of heat and cold on daily mortality in Japan. J Epidemiol 2014; 24:15-24.,1616. Wang C, Zhang Z, Zhou M, Zhang L, Yin P, Ye W, et al. Nonlinear relationship between extreme temperature and mortality in different temperature zones: a systematic study of 122 communities across the mainland of China. Sci Total Environ 2017; 586:96-106.,4040. Zhang Y, Xiang Q, Yu Y, Zhan Z, Hu K, Ding Z. Socio-geographic disparity in cardiorespiratory mortality burden attributable to ambient temperature in the United States. Environ Sci Pollut Res 2019; 26:694-705..
Efeitos de temperaturas ambientes extremas, altas e baixas sobre a mortalidade circulatória dos idosos foram maiores em locais situados nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, como mostrado em estudos anteriores no país 2828. Silveira IH, Oliveira BFA, Cortes TR, Junger WL. The effect of ambient temperature on cardiovascular mortality in 27 Brazilian cities. Sci Total Environ 2019; 691:996-1004.,3939. Ferreira LCM, Nogueira MC, Pereira RVB, de Farias WCM, Rodrigues MMDS, Teixeira MTB, et al. Ambient temperature and mortality due to acute myocardial infarction in Brazil: an ecological study of time-series analyses. Sci Rep 2019; 9:13790. e em outros locais 33. Moghadamnia MT, Ardalan A, Mesdaghinia A, Keshtkar A, Naddafi K, Yekaninejad MS. Ambient temperature and cardiovascular mortality: a systematic review and meta-analysis. PeerJ 2017; 5:e3574.. O maior impacto do frio para esse grupo foi similar a trabalhos anteriores com a população em geral brasileira 2828. Silveira IH, Oliveira BFA, Cortes TR, Junger WL. The effect of ambient temperature on cardiovascular mortality in 27 Brazilian cities. Sci Total Environ 2019; 691:996-1004. e em outros locais 1010. Scovronick N, Sera F, Acquaotta F, Garzena D, Fratianni S, Wright CY, et al. The association between ambient temperature and mortality in South Africa: a time-series analysis. Environ Res 2018; 161:229-35.,3232. Chen R, Yin P, Wang L, Liu C, Niu Y, Wang W, et al. Association between ambient temperature and mortality risk and burden: time series study in 272 main Chinese cities. BMJ 2018; 363:k4306.,4141. Wang X, Li G, Liu L, Westerdahl D, Jin X, Pan X. Effects of extreme temperatures on cause-specific cardiovascular mortality in China. Int J Environ Res Public Health 2015; 12:16136-56.. A hospitalização por distúrbios cardiovasculares também apresenta um maior efeito do frio 4242. Phung D, Thai PK, Guo Y, Morawska L, Rutherford S, Chu C. Ambient temperature and risk of cardiovascular hospitalization: an updated systematic review and meta-analysis. Sci Total Environ 2016; 550:1084-102.. Múltiplos mecanismos fisiológicos são apontados como promotores de respostas cardiovasculares induzidas pelas mudanças de temperatura, tais como a elevada reatividade do sistema nervoso simpático e sistema renina-angiotensina ativado com o frio, desidratação mediada pelo calor e frio, bem como resposta inflamatória sistêmica induzida por insolação 2929. Liu C, Yavar Z, Sun Q. Cardiovascular response to thermoregulatory challenges. Am J Physiol Heart Circ Physiol 2015; 309:H1793-812.,4343. Stewart S, Keates AK, Redfern A, McMurray JJV. Seasonal variations in cardiovascular disease. Nat Rev Cardiol 2017; 14:654-64..
Neste estudo pode-se confirmar o efeito da temperatura ambiente extrema na mortalidade respiratória dos idosos, corroborando outros estudos que também investigaram esse desfecho 1010. Scovronick N, Sera F, Acquaotta F, Garzena D, Fratianni S, Wright CY, et al. The association between ambient temperature and mortality in South Africa: a time-series analysis. Environ Res 2018; 161:229-35.,1414. Anderson BG, Bell ML. Weather-related mortality: how heat, cold, and heat waves affect mortality in the United States. Epidemiology 2009; 20:205-13.,3232. Chen R, Yin P, Wang L, Liu C, Niu Y, Wang W, et al. Association between ambient temperature and mortality risk and burden: time series study in 272 main Chinese cities. BMJ 2018; 363:k4306.,4444. Su X, Cheng Y, Wang Y, Liu Y, Li N, Li Y, et al. Regional temperature-sensitive diseases and attributable fractions in China. Int J Environ Res Public Health 2020; 17:184.. Os efeitos do calor e do frio na mortalidade por outras causas do grupo Idoso confirmam os achados de estudos anteriores que o consideraram 1010. Scovronick N, Sera F, Acquaotta F, Garzena D, Fratianni S, Wright CY, et al. The association between ambient temperature and mortality in South Africa: a time-series analysis. Environ Res 2018; 161:229-35.. Nesse grupo incluem-se mortalidade por doenças geniturinárias, digestivas e endócrinas que são sensíveis à temperatura ambiente extrema 4444. Su X, Cheng Y, Wang Y, Liu Y, Li N, Li Y, et al. Regional temperature-sensitive diseases and attributable fractions in China. Int J Environ Res Public Health 2020; 17:184..
Para todas as causas de mortalidade, evidenciou-se efeito do frio e calor com RR estimados de valores diferentes e crescentes em sentido da Região Sul do Brasil, com maior impacto da temperatura ambiente extrema nas regiões Sul e Sudeste. Esses dados corroboram com estudos anteriores que exibem heterogeneidade de respostas entre regiões de seu território 99. Luan G, Yin P, Wang L, Zhou M. The temperature - mortality relationship: an analysis from 31 Chinese provincial capital cities. Int J Environ Health Res 2018; 28:192-201.,1515. Ma W, Wang L, Lin H, Liu T, Zhang Y, Rutherford S, et al. The temperature-mortality relationship in China: an analysis from 66 Chinese communities. Environ Res 2015; 137:72-7..
Entre os modificadores de efeito da associação temperatura-mortalidade testados, os fatores geográficos tiveram maior impacto. A amplitude de temperatura ambiente, latitude e média da temperatura ambiente auxiliaram a explicar a heterogeneidade entre os locais, sendo a primeira a com maior efeito. A influência da amplitude da temperatura média na associação temperatura-mortalidade foi identificada em estudo anterior de mortalidade cardiovascular no Brasil 2828. Silveira IH, Oliveira BFA, Cortes TR, Junger WL. The effect of ambient temperature on cardiovascular mortality in 27 Brazilian cities. Sci Total Environ 2019; 691:996-1004.. O efeito significativo da latitude na heterogeneidade das relações entre temperatura ambiente e mortalidade foi relatado anteriormente para mortalidade não acidental 1111. Xiao J, Peng J, Zhang Y, Liu T, Rutherford S, Lin H, et al. How much does latitude modify temperature-mortality relationship in 13 Eastern US cities? Int J Biometeorol 2015; 59:365-72.,3232. Chen R, Yin P, Wang L, Liu C, Niu Y, Wang W, et al. Association between ambient temperature and mortality risk and burden: time series study in 272 main Chinese cities. BMJ 2018; 363:k4306.,3333. Bao J, Wang Z, Yu C, Li X. The influence of temperature on mortality and its lag effect: a study in four Chinese cities with different latitudes. BMC Public Health 2016; 16:375.,3434. Ma W, Chen R, Kan H. Temperature-related mortality in 17 large Chinese cities: how heat and cold affect mortality in China. Environ Res 2014; 134:127-33. e cardiovascular 33. Moghadamnia MT, Ardalan A, Mesdaghinia A, Keshtkar A, Naddafi K, Yekaninejad MS. Ambient temperature and cardiovascular mortality: a systematic review and meta-analysis. PeerJ 2017; 5:e3574.. O indicador latitude pode estar representando o efeito gerado pela variação anual temperatura média, visto que nas regiões metropolitanas mais ao sul a amplitude da temperatura média é maior.
Essas variações dos RR estimados da associação temperatura-mortalidade e o efeito modulador da amplitude da temperatura média podem estar relacionadas a diferentes respostas de adaptações fisiológicas (aclimatação) frente a situações climáticas distintas 1515. Ma W, Wang L, Lin H, Liu T, Zhang Y, Rutherford S, et al. The temperature-mortality relationship in China: an analysis from 66 Chinese communities. Environ Res 2015; 137:72-7..
Os dados de TMM deste trabalho apontam esse mesmo sentido. A TMM é parte característica da associação temperatura-mortalidade e como esta pode ser influenciada por muitos fatores 4545. Krummenauer L, Prahl BF, Costa L, Holsten A, Walther C, Kropp JP. Global drivers of minimum mortality temperatures in cities. Sci Total Environ 2019; 695:133560.. A TMM é a temperatura com menor efeito sobre a taxa de mortalidade 3838. Yin Q, Wang J, Ren Z, Li J, Guo Y. Mapping the increased minimum mortality temperatures in the context of global climate change. Nat Commun 2019; 10:4640., sendo assim um limiar e estaria relacionado a capacidade de adaptação dos indivíduos ao clima local. Neste estudo os valores de TMM estimados para os grupos Geral e Idoso variaram entre os locais, com valores mais altos nos próximos à linha do Equador e reduzindo ao longo do seu distanciamento, similar ao exibido por estudos anteriores 99. Luan G, Yin P, Wang L, Zhou M. The temperature - mortality relationship: an analysis from 31 Chinese provincial capital cities. Int J Environ Health Res 2018; 28:192-201.,3232. Chen R, Yin P, Wang L, Liu C, Niu Y, Wang W, et al. Association between ambient temperature and mortality risk and burden: time series study in 272 main Chinese cities. BMJ 2018; 363:k4306.,3434. Ma W, Chen R, Kan H. Temperature-related mortality in 17 large Chinese cities: how heat and cold affect mortality in China. Environ Res 2014; 134:127-33.,3838. Yin Q, Wang J, Ren Z, Li J, Guo Y. Mapping the increased minimum mortality temperatures in the context of global climate change. Nat Commun 2019; 10:4640.. Os locais com menores amplitudes de temperatura ambiente ficam próximas ao Equador, portanto os residentes desses locais são expostos, consistentemente, a temperaturas mais altas. E indivíduos expostos rotineiramente a temperaturas mais elevadas poderiam desenvolver aclimatação a essa condição, com respostas fisiológicas mais eficientes e menos pronunciadas frente a extremos de temperatura 4343. Stewart S, Keates AK, Redfern A, McMurray JJV. Seasonal variations in cardiovascular disease. Nat Rev Cardiol 2017; 14:654-64..
Além dessa aclimatação fisiológica, poderia haver outras adaptações comportamentais (p.ex.: uso do ar-condicionado/aquecedor) das populações frente ao clima local 3434. Ma W, Chen R, Kan H. Temperature-related mortality in 17 large Chinese cities: how heat and cold affect mortality in China. Environ Res 2014; 134:127-33. que poderiam explicar essa heterogeneidade.
Dos fatores urbanos, a densidade demográfica não teve efeito para nenhum dos grupos, não corroborando os estudos anteriores que relataram influência desse fator e que exibiram que o efeito do calor sobre a mortalidade era maior em locais onde a densidade populacional é maior 88. Ng CFS, Ueda K, Takeuchi A, Nitta H, Konishi S, Bagrowicz R, et al. Sociogeographic variation in the effects of heat and cold on daily mortality in Japan. J Epidemiol 2014; 24:15-24.,3535. Medina-Ramón M, Schwartz J. Temperature, temperature extremes, and mortality: a study of acclimatisation and effect modification in 50 US cities. Occup Environ Med 2007; 64:827-33.. O PIB per capita foi um fator modulador da associação temperatura-mortalidade apenas para o subgrupo circulatório, mas reduziu levemente a heterogeneidade. Maiores valores de PIB per capita tiveram maiores RR, indo de encontro a estudos anteriores que mostraram a influência desse modificador de efeito 3232. Chen R, Yin P, Wang L, Liu C, Niu Y, Wang W, et al. Association between ambient temperature and mortality risk and burden: time series study in 272 main Chinese cities. BMJ 2018; 363:k4306.. Em revisão sistemática que abordou os modificadores de efeito da associação temperatura-mortalidade, houve relato de fracas a limitadas evidências da influência de fatores comunitários, como a densidade populacional, sistema de aquecimento, instalações de saúde, proximidade de água, qualidade da habitação e nível de poluição do ar, e evidências limitadas ou sugestivas para os fatores status socioeconômico, latitude, urbano/rural, ar-condicionado, condição climática, proporção de áreas verdes ou vegetação, e mortalidade anterior no inverno 1717. Son JY, Liu JC, Bell ML. Temperature-related mortality: a systematic review and investigation of effect modifiers. Environ Res Lett 2019; 14:073004..
Os fatores socioeconômicos, educação e renda influenciaram moderadamente a associação temperatura-mortalidade presente entre os locais em todos os grupos estudados. O nível de educação foi medido pela porcentagem de indivíduos com nível fundamental completo, sendo maiores valores de RR encontrados para os locais onde havia maior valores destes. Alguns trabalhos exibem maior susceptibilidade de indivíduos com nenhum nível educacional ao efeito da temperatura ambiente para mortalidade não acidental 77. Marí-Dell'Olmo M, Tobías A, Gómez-Gutiérrez A, Rodríguez-Sanz M, García de Olalla P, Camprubí E, et al. Social inequalities in the association between temperature and mortality in a South European context. Int J Public Health 2019; 64:27-37.,3232. Chen R, Yin P, Wang L, Liu C, Niu Y, Wang W, et al. Association between ambient temperature and mortality risk and burden: time series study in 272 main Chinese cities. BMJ 2018; 363:k4306.,4646. Yang J, Ou CQ, Ding Y, Zhou YX, Chen PY. Daily temperature and mortality: a study of distributed lag non-linear effect and effect modification in Guangzhou. Environ Health 2012; 11:63., enquanto outros estudos mostram que a proporção de indivíduos com nível educacional menor que a 9ª Série (fator modificador) não explica a heterogeneidade entre as cidades 1111. Xiao J, Peng J, Zhang Y, Liu T, Rutherford S, Lin H, et al. How much does latitude modify temperature-mortality relationship in 13 Eastern US cities? Int J Biometeorol 2015; 59:365-72.. Nesse caso, a diferença poderia ser explicada pela abordagem de análise e diferença de estratificação dos níveis educacionais. Os estudos de associação temperatura-mortalidade cardiovascular que incluíram o fator educação apresentaram resultados divergentes 33. Moghadamnia MT, Ardalan A, Mesdaghinia A, Keshtkar A, Naddafi K, Yekaninejad MS. Ambient temperature and cardiovascular mortality: a systematic review and meta-analysis. PeerJ 2017; 5:e3574..
No indicador de renda, podemos observar que locais onde há maior porcentagem de pessoas com nível de renda igual ou inferior a um salário mínimo ou sem renda apresentaram maior efeito da temperatura ambiente na mortalidade. Trabalhos prévios que utilizaram a pobreza dos indivíduos relataram sua influência apenas para os efeitos do calor 1111. Xiao J, Peng J, Zhang Y, Liu T, Rutherford S, Lin H, et al. How much does latitude modify temperature-mortality relationship in 13 Eastern US cities? Int J Biometeorol 2015; 59:365-72.,3434. Ma W, Chen R, Kan H. Temperature-related mortality in 17 large Chinese cities: how heat and cold affect mortality in China. Environ Res 2014; 134:127-33., enquanto trabalhos com foco na mortalidade cardiovascular apresentaram resultados divergentes com relação a esse indicador 33. Moghadamnia MT, Ardalan A, Mesdaghinia A, Keshtkar A, Naddafi K, Yekaninejad MS. Ambient temperature and cardiovascular mortality: a systematic review and meta-analysis. PeerJ 2017; 5:e3574..
Este estudo apresenta algumas limitações, como as inerentes ao uso de banco de dados secundários. O problema de dados climáticos faltantes ao longo da série temporal em algumas regiões metropolitanas pôde ser minimizado com o uso de imputações para as localidades onde havia mais de uma estação de monitoramento climático. Outra limitação foi a não realização de ajustes devidos aos níveis locais de poluição do ar, decorrente da falta de dados na grande maioria dos locais estudados. Porém, estudos anteriores que analisaram a influência da poluição do ar na relação temperatura-mortalidade mostraram leve ou nenhuma modificação dos efeitos na presença destes 1111. Xiao J, Peng J, Zhang Y, Liu T, Rutherford S, Lin H, et al. How much does latitude modify temperature-mortality relationship in 13 Eastern US cities? Int J Biometeorol 2015; 59:365-72.,1414. Anderson BG, Bell ML. Weather-related mortality: how heat, cold, and heat waves affect mortality in the United States. Epidemiology 2009; 20:205-13.,4646. Yang J, Ou CQ, Ding Y, Zhou YX, Chen PY. Daily temperature and mortality: a study of distributed lag non-linear effect and effect modification in Guangzhou. Environ Health 2012; 11:63.. Assim, o confundimento nesse caso seria pequeno 4646. Yang J, Ou CQ, Ding Y, Zhou YX, Chen PY. Daily temperature and mortality: a study of distributed lag non-linear effect and effect modification in Guangzhou. Environ Health 2012; 11:63..
Neste trabalho não foi analisado o papel de outros fatores e eventos climáticos 1313. Core Writing Team; Lee H, Romero J, editors. Climate change 2023: synthesis report. Contribution of Working Groups I, II and III to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Geneva: International Panel on Climate Change; 2023.,4747. Hartinger SM, Palmeiro-Silva YK, Llerena-Cayo C, Blanco-Villafuerte L, Escobar L E, Diaz A, et al. The 2023 Latin America report of the Lancet Countdown on health and climate change: the imperative for health-centred climate-resilient development. Lancet Reg Health Am 2024; 33:100746., como precipitação, excessos de chuvas, períodos de secas, ondas de calor e frio, que também ocorrem no Brasil e que poderiam estar envolvidos nos eventos de mortalidade. Futuros estudos poderiam ser realizados buscando verificar as influências desses fatores.
Pesquisas com fatores modificadores de efeito da temperatura ambiente extrema na mortalidade são importantes para identificarmos vulnerabilidades que ampliariam esse efeito e que podem ser minimizadas com propostas apropriadas de mitigação. Essas adaptações, sejam elas empreendidas por pessoa ou instituição, poderiam reduzir o impacto desse fator climático 4848. Arbuthnott K, Hajat S, Heaviside C, Vardoulakis S. Changes in population susceptibility to heat and cold over time: assessing adaptation to climate change. Environ Health 2016; 15 Suppl 1:33. na mortalidade da população brasileira, principalmente para as populações mais susceptíveis como a dos idosos 1717. Son JY, Liu JC, Bell ML. Temperature-related mortality: a systematic review and investigation of effect modifiers. Environ Res Lett 2019; 14:073004..
Este trabalho utilizou um maior número e tamanho de locais no Brasil para abordar o efeito e seus modificadores da associação temperatura-ambiente nas mortalidade não acidental, circulatória, respiratória e outras causas da população idosa. Além de reforçar os achados de trabalhos anteriores, este trabalho permite visualizar locais e populações com necessidades mais imediatas de direcionamento de ações de adaptação climática.
Indicadores meteorológicos diários (temperatura média, máxima, mínima e umidade relativa do ar) e localização (latitude) da estação meteorológica foram extraídos do Banco de Dados Meteorológicos para Ensino e Pesquisa (BDMEP; https://bdmep.inmet.gov.br/) do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET).
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