O suplemento “Apoio institucional na Política Nacional de Humanização” foi construído a muitas mãos, com a participação de sujeitos ligados a instituições acadêmicas, ao Sistema Único de Saúde e ao Ministério da Saúde. Partiu de uma proposta nascida nessas interfaces, do desejo e de certo mapa situacional que apontava para a necessidade de demarcar e afirmar o apoio institucional como uma das mais importantes inovações dos modos de intervir, trabalhar, gerir, gestar e cuidar em saúde. Uma inovação alinhada à defesa de direitos e à participação democrática no SUS.
O HumanizaSUS, desde o início dos anos 2000, contou, a partir de sua face institucional no Ministério da Saúde, com a Política Nacional de Humanização (PNH), uma política-dispositivo. Por meio da PNH, o Ministério da Saúde e os gestores do SUS têm colocado em questão, por um lado, as linhas de verticalidade que estratificam o poder e separam formuladores de executores de políticas e, por outro lado, as linhas de horizontalidade que alimentam práticas coorporativas. As experiências consolidadas pela PNH e pelos coletivos de humanização fortalecem linhas institucionais de transversalidade (esta diagonal que desestabiliza os eixos da verticalidade e da horizontalidade), distributivas de poder e fomentadoras da cooperação e da solidariedade entre os entes federados e entre os diversos níveis de gestão e atenção do SUS.
O apoio institucional tem sido a estratégia utilizada pela PNH para tornar realidade seus princípios e diretrizes, assim como seu método da tríplice inclusão. Uma aposta na democracia institucional pela via da análise dos processos de trabalho em saúde. Nessa direção, o apoio institucional se configura como uma atividade industriosa, impondo-nos a tarefa de aproximação da experiência concreta atualizada nas situações de trabalho, indicando possibilidades e constrangimentos que constituem tais processos.
Toda atividade humana é marcada pela atualização incessante do “como fazer” que jamais se reduz a antecipações de qualquer ordem. O exercício do trabalho em ato não se submete a regularidades ou predeterminações, pois a atividade do trabalho em saúde é efeito, sempre, de encontros conflituosos. O apoio institucional é um modo de fazer na saúde, que inclui a desestabilização nos ambientes laborais como parte importante dos processos de trabalho. É por meio da problematização do que está instituído que é possível provocar a criação de novas práticas em saúde, o que é condição para a continuidade do movimento susista. Apoiar é fomentar os atores dos processos de trabalho na ampliação de sua força de problematização, de invenção de problemas, de interferência com outros sujeitos, num processo incessante de coengendramento de sujeitos e mundos.
O exercício da função apoio é uma maneira de fazer gestão dos processos de trabalho, ativando espaços de negociação permanente entre aqueles que ocupam os lugares de gestores e os trabalhadores que gestam e fazem gestão cotidiana do seu trabalho. Um dos principais efeitos do apoio é o encurtamento de distâncias entre as atividades de planejamento, acompanhamento, monitoramento, execução e avaliação. Por essa via a humanização pode se constituir e se consolidar como uma luta por direitos, uma luta por democracia nos processos de produção de saúde.
Este suplemento dá visibilidade a práticas de apoio e seus efeitos na transformação dos processos de trabalho e dos sujeitos (trabalhadores e usuários), a partir de muitas experiências desenvolvidas nos últimos anos no SUS. Não há porque se furtar a afirmar que os princípios e diretrizes da humanização são princípios e diretrizes do SUS. Entretanto a PNH só existe porque ainda há uma grande distância entre o SUS que temos e o que queremos. Na medida em que essa distância diminui, ou desaparece, desaparece junto a PNH como política de governo. E o apoio é um dos modos de manter essa utopia viva e fazer essa aproximação entre realidade e sonho, reencantando o concreto.
Nesse dia não fará mais sentido falar em humanização do parto, pois os partos serão humanizados, em clínica ampliada, pois toda clínica será ampliada, em cogestão, já que os processos de gestão serão mais democráticos, em acolhimento, porque toda equipe e toda rede será acolhedora. Um sonho. Esse é o sonho do apoio realizado pela PNH ao longo desses dez anos. Enquanto isso, temos muito a fazer! O apoio cuida e cultiva esses princípios do SUS, inovando-os a partir do concreto da intervenção e singularizando-os em função das diferenças entre os diversos territórios brasileiros. O sonho do apoio é o sonho de uma sociedade mais justa, mais democrática e mais solidária. Parte dessa trajetória de defesa do SUS está neste suplemento.
O suplemento “Apoio Institucional na Política Nacional de Humanização” reaquece a parceria já iniciada em 2009 com a revista Interface – Comunicação, Saúde, Educação. Seus 29 artigos, uma criação e uma entrevista, consolidam um ano de trabalho de seis editores, mais de setenta revisores com produção reconhecida no tema. Congrega intercessores que contribuíram para a formulação, experimentação e consolidação do apoio institucional nos campos teórico, político e das práticas sociais no campo da Saúde Coletiva. Consolida contribuições teóricas, sistematiza experiências e apresenta ao campo um conhecimento com alto grau de inovação e aplicabilidade.
Por todas essas qualidades, este Suplemento representa uma valiosa contribuição para a produção de um SUS que seja o correlato de uma vida humana orientada pelos melhores problemas e pelos valores mais solidários, uma vez que o apoio tem sido um importante vetor no campo da Saúde Coletiva e no desenvolvimento das políticas públicas de saúde, não apenas de transformação das práticas de saúde, mas de promoção de outros modos de vida, mais vivos e mais potentes, porque fundados num viver mais solidário, mais valorizador das diferenças e suas desestabilizações, mais colaborativo e mais democrático.
Eduardo Henrique Passos Pereira
Gustavo Nunes de Oliveira
Maria Elizabeth Barros de Barros
Ricardo Rodrigues Teixeira
Tadeu de Paula Souza
Editores convidados
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
09 Dez 2014