Ambiente, saúde e trabalho: temas geradores para ensino em saúde e segurança do trabalho no Acre, Brasil

Ambiente, salud y trabajo: temas generadores para la enseñanza en salud y seguridad del trabajo en Acre, Brasil

Josina Maria Pontes Ribeiro Tania Cremonini de Araújo-Jorge Vicente Bessa NetoSobre os autores

Resumos

O artigo apresenta ambiente, saúde e trabalho como temas geradores necessários à construção de uma tecnologia social para educação profissional, considerando a ergologia como perspectiva de análise, e, o diálogo, como estratégia de ensino em Saúde e Segurança no Trabalho para Agentes de Combate a Endemias em Rio Branco, Acre, Brasil. A definição dos temas geradores é resultado do diálogo entre pesquisadores de diferentes áreas, trabalhadores que atuam ou atuaram no combate às endemias, bem como de discentes e docentes do Curso Técnico em Segurança do Trabalho no Instituto Federal do Acre (IFAC), mediante exercício de atividades de ensino, pesquisa e extensão. As pesquisas histórica e documental permitiram que se estabelecessem os nexos entre os projetos de desenvolvimento que impactaram significativamente o ambiente e as relações de trabalho na saúde daí resultantes.

Temas geradores; Ambiente; Trabalho; Saúde


Este artículo presenta ambiente, salud y trabajo como temas generadores necesarios a la construcción de una tecnología social para la educación profesional, considerando la ergología como perspectiva de análisis y el diálogo como estrategia de enseñanza en Salud y Seguridad en el Trabajo para los Agentes de Combate a Endemias, en Rio Branco, Acre, Brasil. La definición de los temas resulta del diálogo entre investigadores de distintas áreas, trabajadores que actúan o actuaron en el combate a endemias, así como entre los discentes y docentes del Curso Técnico en Seguridad del Trabajo en el Instituto Federal de Acre (IFAC), mediante actividades de enseñanza, investigación y extensión. Las investigaciones históricas y documentales posibilitaron que se establecieran nexos entre los proyectos de desarrollo, que resultaron significativos en el ambiente y en las relaciones laborales en el área de la salud.

Temas generadores; Ambiente; Trabajo; Salud


Introdução

Pensar em formação para a vida é um desafio teórico e prático grandioso que valoriza o arcabouço teórico e metodológico das ciências sociais, especialmente quanto ao ensino em saúde e segurança do trabalho, tão permeado por questões de natureza social, política e cultural. A elaboração de proposta de ensino dialógico, autônomo, que apresente respostas às situações-limites, é fundamental para que se rompa com o ideário de “educação sanitária” das décadas de 1930 e 1940, que prescrevia normas e responsabilizava o trabalhador pela ameaça a sua saúde e segurança11. Freire P. A pedagogia do oprimido. 50a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011.,22. Santos AK. Comunicação em Saúde do trabalhador. Curitiba: Juruá; 2009.. Este artigo tem por objetivo apresentar a construção de três temas – “Ambiente”, “Saúde” e “Trabalho” –, como macroestruturais e, por assim dizer, necessários à contextualização e problematização para elaboração de saberes e práticas com Agentes de Combate às Endemias (ACE’s).

Para esse objetivo, adotamos, a priori, alguns conceitos, de modo a sustentar as ideias desenvolvidas. Nossa proposta confirma a solidez e longevidade do “trabalho”, enquanto categoria de análise social, como espaço de dominação e submissão do trabalhador ao capital, mas, igualmente, de resistência, de constituição, e do fazer histórico no modo de produção capitalista33. Antunes R. O caracol e sua concha: ensaio sobre a nova morfologia do trabalho. São Paulo: Boitempo; 2005.

4. Mészáros I. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo; 2005.

5. Vasconcelos LCF. As relações saúde, trabalho e direito e a justiça injusta. In: Vasconcelos LCF, Oliveira MHB, organizadores. Saúde, trabalho e direito: uma trajetória crítica e a crítica de uma trajetória. Rio de Janeiro: EDUCAM; 2011. p. 33-84.

6. Mendes R, Dias EC. Da medicina do trabalho à saúde do trabalhador. Rev Saude Publica. 1991; 25(3):341-9.
-77. Neves TP. As contribuições da ergologia para a compreensão da biossegurança como processo educativo: perspectivas para a saúde ambiental e do trabalhador. Mundo Saude. 2008; 32(3):367-75.. Destaca-se que o capitalismo é entendido, aqui, como uma das possíveis formas de realização do capital, ou melhor, uma de suas variantes históricas, tal como apontado por Meszaros44. Mészáros I. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo; 2005..

A consolidação do modo de produção capitalista, no qual se inscreve esta análise, ocorreu na passagem do século XVIII ao XIX, quando se intensifica a produção de mercadorias, enquanto unidades sintetizadoras de valores, de uso e de troca, e que prescindem, por conseguinte, de uma divisão social do trabalho de natureza complexa e de propriedade privada dos meios de produção. Da exploração crescente da força de trabalho pelos proprietários dos meios de produção mediante extração de mais-valia, amplia-se a acumulação e concentração do capital, tal como apresentada por Netto e Braz88. Paulo Netto J, Braz M. Economia política: uma introdução crítica. 3a ed. São Paulo: Cortez; 2007.. Consideramos, para fins de análise sobre o Acre, a incipiente industrialização e a condição histórica de subordinação do território, e, posteriormente, do Estado, a repositório de matéria-prima ao capital internacional e nacional. Também tomamos como referência a abordagem ergológica sobre as atividades laborais, que destaca o trabalho como atividade humana complexa77. Neves TP. As contribuições da ergologia para a compreensão da biossegurança como processo educativo: perspectivas para a saúde ambiental e do trabalhador. Mundo Saude. 2008; 32(3):367-75.,99. Durrive L. A atividade humana, simultaneamente intelectual e vital: esclarecimentos complementares de Pierre Pastré e Yves Schwartz. Trab Educ Saude. 2011; 9(1):47-67.. Finalmente, aplicamos, ainda, a definição ampliada de classe trabalhadora, proposta por Ricardo Antunes33. Antunes R. O caracol e sua concha: ensaio sobre a nova morfologia do trabalho. São Paulo: Boitempo; 2005., segundo a qual se inscrevem os ACE’s como parte da totalidade dos trabalhadores assalariados, precarizados ou não.

A definição de “saúde” adotada foi a apresentada na VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, na qual “Saúde é resultado das condições de habitação, educação, renda, meio ambiente, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso a posse da terra e acesso aos serviços de saúde”1010. Ministério da Saúde (BR). Relatório da 8ª Conferência Nacional da Saúde: tema 1 - saúde como direito. Brasília (DF); 1986.. Logo, “[...] a saúde ou a doença é o resultado do processo complexo de produção ou reprodução sociais, propriedade fundamental das relações históricas dos seres humanos”1111. Jimenez JGP. Malaria y determinantes sociales de la salud: un nuevo marco heurístico desde la medicina social latino-americana. Biomedica. 2010; 30(2):180..

A definição de “ambiente” é globalizante, abrangendo aspectos naturais, artificiais e culturais correlatos1212. Silva JA. Direito ambiental constitucional. 5a ed. São Paulo: Malheiros; 2004.. Acrescente-se a noção de “ambiente de trabalho”, definida como “o conjunto de fatores físicos, climáticos, ou qualquer outro que, interligados, ou não, estão presentes e envolvem o local de trabalho da pessoa”. Vale destacar aqui que a Constituição Federal de 1988, artigo 200, VIII, estabelece que ao Sistema Único de Saúde (SUS) compete, além de outras atribuições: “colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho”1313. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília (DF): Senado Federal; 1988.. A saúde e a segurança do trabalhador são pensadas, portanto, a partir da necessidade de comunicação dialógica de saberes e práticas que permitam um agir consciente, contextualizado e dotado de sentido.

Metodologia

A construção de temas geradores remete à necessidade de superar a visão funcionalista do conhecimento e promover uma abordagem contextualizada e crítica sobre ciência e tecnologia, para além de sua aplicação pura e simples aos sistemas produtivos44. Mészáros I. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo; 2005.. Para tanto, consideramos o materialismo histórico como caminho teórico e a dialética como estratégia metodológica1414. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 12a ed. São Paulo: Hucitec; 2010., levando em consideração as sequências características das ciências sociais, tal como apontados por Minayo1515. Minayo MCS. De ferro e flexíveis: marcas do estado empresário e da privatização na subjetividade operária. Rio de Janeiro: Garamond; 2004., no que se refere à coleta, classificação e análise de dados obtidos: na pesquisa bibliográfica, documental, na observação de rotinas de trabalho, coleta de histórias de vida e entrevistas realizadas.

Nossa proposta foi desenvolvida no Instituto Federal do Acre (IFAC) e implicou reflexão dialógica sobre a prática docente. Nestes termos, a verdadeira liberdade estava em perguntar, aos interessados, sobre o conteúdo do diálogo, e não apenas em fazê-los cumprir um programa que fosse prévia e/ou solitariamente elaborado, sem o menor conhecimento da realidade dos sujeitos11. Freire P. A pedagogia do oprimido. 50a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011.. Assim, a aproximação dos pesquisadores com quem seria partilhada a atividade pedagógica tornou-se questão de primeira ordem, posto que as condições materiais dos educandos condicionam a compreensão do próprio mundo, bem como a capacidade de aprender e responder aos desafios11. Freire P. A pedagogia do oprimido. 50a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011.. Logo, é preciso considerar a experiência e a voz do trabalhador, deixando de tratá-lo como sujeito passivo e mero objeto da pesquisa1616. Franco T. Padrões de produção e consumo nas sociedades urbano-industriais e suas relações com a degradação da saúde e do ambiente. In: Minayo MCS, Miranda AC, organizadores. Saúde e ambiente sustentável: estreitando os nós. 20a ed. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2002. p. 209-22.,1717. Schwartz Y, Durrive L. Trabalho e ergologia: conversas sobre a atividade humana. 2a ed. Niterói: UFF; 2007.. Resulta, então, que a definição de um universo temático mínimo foi obtida a partir não só da própria experiência existencial, mas, também, de uma reflexão crítica sobre as relações homens-mundo e homens-homens, implícitas nas primeiras” (p. 50), conforme proposto por Freire11. Freire P. A pedagogia do oprimido. 50a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011..

Consideramos os primeiros contatos com a categoria de trabalhadores datados de 2012, a partir do “Projeto Expedições Fiocruz para um Brasil sem Miséria”, quando ocorreram oficinas e palestra aos trabalhadores da educação, assistência social e saúde, o que incluía ACE’s do município de Rio Branco/Acre. Em 2014, uma nova expedição realizou outras oficinas com o público supracitado1818. Araújo-Jorge T, Matraca M, Moraes Neto A, Trajano V, D’Andrea P, Fonseca A. Doenças negligenciadas, erradicação da pobreza e o plano Brasil sem Miséria. In: Campelo T, Falcão T, Costa P, organizadores. O Brasil sem Miséria. Brasília (DF): Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; 2014. p. 703-26.. Nos anos de 2013 e 2014, desenvolvemos pesquisa bibliográfica e documental, bem como coletas de dez histórias de vida tópicas, ampliando a possibilidade de diálogo com aquela categoria. Nessa primeira parte, os contatos e entrevistas foram realizados pela primeira autora.

Agregamos, a estas pesquisas, o projeto aprovado para o Doutorado da primeira autora em Ensino de Biociências e Saúde (EBS - IOC/Fiocruz), iniciado em 2013, a partir do qual realizamos observação de rotinas de trabalho de duas equipes profissionais indicadas pela Secretaria Municipal de Saúde (SEMSA), que atuavam no combate a endemias na área de localização do IFAC (Regional III - Rio Branco/AC). A observação foi realizada por uma turma de 18 alunos do terceiro período do Curso Técnico em Segurança do Trabalho do IFAC, distribuídos em seis equipes de três alunos cada, integrando conhecimentos das disciplinas de: “Práticas Profissionais, Segurança do Trabalho em Serviços de Saúde”, “Trabalho e Desenvolvimento Brasileiro e Regional”. Foram também entrevistados quatro gestores de diferentes instâncias governamentais e não governamentais (SEMSA, Secretaria Estadual de Saúde - SESACRE, Fundação Nacional de Saúde - FUNASA e Associação DDT- Luta pela Vida).

À medida que emergiam os temas saúde, ambiente e trabalho, iniciamos submissões de trabalhos em eventos científicos nacionais e internacionais, a fim de obter validação acadêmica nas áreas em que os temas foram sendo inscritos (Sociologia do Trabalho, Ambiente e Saúde)1919. Plese LPM, Alcântara JMPR, Souza PRS, Lima AA, Ferreira EC. Avaliação de teores de Dicloro-Difenil-Tricloroetano (DDT) em solos do Estado do Acre [Internet]. In: Anais da 66ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência; 2014; Rio Branco/AC, Brasil. São Paulo: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência; 2014 [acesso 2015 Mar 16]. Disponível em: http://www.sbpcnet.org.br/livro/66ra/resumos/resumos/6443.htm
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,2020. Alcântara JMPR, Plese LPM, Souza PRS. Trabalho, ambiente e saúde: sobre a história do exército de mata mosquitos no Acre e o uso de Dicloro-Difenil-Tricloroetano (DDT) [Internet]. In: Anais da 66ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência; 2014; Rio Branco/AC, Brasil. São Paulo: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência; 2014 [acesso 2015 Mar 16]. Disponível em: http://www.sbpcnet.org.br/livro/66ra/resumos/resumos/6715.htm
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A sistematização e análise dos dados para construção dos temas geradores considerou, portanto, o confronto do material empírico com as teorias já existentes, bem como das discussões realizadas em rodas dialógicas com professores e alunos do Curso Técnico em Segurança do Trabalho. Pretendemos, portanto, que tais temas perpassem todo o processo de qualificação da categoria no Acre, entendendo qualificação como relação social, como resultado de aptidões, qualidades e credenciais do indivíduo que são, também, socialmente construídas2121. Guimarães NA. Qualificação como relação social. In: Escola Politécnica Joaquim Venâncio. Dicionário da educação profissional em saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2006. p. 301-6..

Resultados e discussão

Ambiente, saúde e trabalho na prática profissional de ACE’s no Acre: contexto e reflexões teóricas

Historicamente, a relação entre Ambiente e Saúde é explicada a partir de três paradigmas básicos apontados por Minayo2222. Minayo MCS, Freitas CM, Rozemberg B, Mendes RL, Porto MFS, Gomes MZR. O Programa institucional sobre Saúde e Ambiente no processo de desenvolvimento da Fundação Oswaldo Cruz. An Acad Bras Cienc. 1999; 71(2):279-88.: O paradigma biomédico, com origem na parasitologia clássica; o paradigma do saneamento, vinculado à engenharia ambiental, e, por fim, o paradigma originário dos movimentos ambientalistas e da medicina social, com forte relação com os projetos de desenvolvimento, e que marca o surgimento do campo da Saúde Coletiva no Brasil. Para consecução deste terceiro paradigma, foi necessário transcender da avaliação técnica ao reconhecimento da cidadania, sobretudo a partir da Constituição de 1988, em seu art. 200, inciso II1313. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília (DF): Senado Federal; 1988.. A partir de então, “[...] a saúde do trabalhador abrange a totalidade política da dimensão da saúde enquanto direito de todos e dever do Estado, de garanti-la e vigiar para que seja garantida [...]”2323. Vasconcelos LCF. Entre a saúde ocupacional e a saúde do trabalhador: as coisas nos seus lugares. In: Vasconcelos LCF, Oliveira MHB, organizadores. Saúde, trabalho e direito: uma trajetória crítica e a crítica de uma trajetória. Rio de Janeiro: Educam; 2011. p. 413., totalidade esta que deve incluir as relações sociais decorrentes e a psicodinâmica do trabalho2424. Petras J. Neoliberalismo: América Latina, Estados Unidos e Europa. Blumenau: FURB; 1999.

25. Dejours C. A loucura do trabalho: estudo da psicopatologia do trabalho. 5a ed. São Paulo: Cortez, Oboré; 1992.

26. Jayet C, Christophe D, Abdoucheli E. A psicodinâmica do trabalho: contribuições da escola dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas; 2007.
-2727. Bourdieu P. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 1998..

Para Franco1616. Franco T. Padrões de produção e consumo nas sociedades urbano-industriais e suas relações com a degradação da saúde e do ambiente. In: Minayo MCS, Miranda AC, organizadores. Saúde e ambiente sustentável: estreitando os nós. 20a ed. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2002. p. 209-22., na ordem moderna, os conhecimentos sobre saúde e segurança do trabalho tornam-se sistemáticos e consistentes, advindo a certeza de que “a natureza das agressões à saúde do trabalhador depende, basicamente, das condições materiais e ambientais do trabalho e da organização do trabalho em si [...]”

A aproximação entre saúde do trabalhador e saúde ambiental obteve maior respaldo no Brasil, a partir de quatro marcos que projetaram o conceito de sustentabilidade: (i) a criação do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (CESTEH/FIOCRUZ), em 1985; (ii) a publicação no Brasil, em 1986, do livro de Laura Conti, Ecologia, capital, trabalho e ambiente; (iii) da divulgação do Relatório de Bruntland; e (iv) da construção da Agenda 21, criada a partir da Eco 922828. Porto MF. Saúde do trabalhador e o desafio ambiental: contribuições do enfoque ecossocial, da ecologia política e do movimento pela justiça ambiental. Cienc Saude Colet. 2005. 10(4):829-39..

No cenário acriano, o tema sustentabilidade emergiu em letra, sangue e suor de populações tradicionais que prepararam o caminho para que se pudesse discorrer, hoje, sobre a necessária relação entre ambiente, saúde e trabalho, a partir das abordagens ecossociais, da economia política da justiça ambiental2929. Freitas CM, Porto MF. Saúde, ambiente e sustentabilidade. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2006.,3030. Alves F. Balanço das lutas sociais no campo na década de 80. In: Oliveira CAB, Mattoso JEL, Siqueira Neto JF, Pochmann M, Oliveira MA, organizadores. O mundo do trabalho: crise e mudança no final do século. São Paulo: Página Aberta; 1994. p. 425-58.. É mister relembrar que, a partir dos anos 1970, o estado do Acre foi palco de conflitos resultantes do movimento de luta pela terra, organizado pelos chamados “povos da floresta”. Este conceito identifica populações tradicionais do Acre que vivem da prática do extrativismo, como índios, seringueiros, castanheiros e populações ribeirinhas, sendo que, a partir da morte de Chico Mendes, estes povos foram apoiados pelo movimento ambientalista, sobretudo quanto à sua divulgação internacional3131. Sant’anna Júnior HA. Florestania: a saga acreana e os povos da floresta. Rio Branco: Edufac; 2004.

32. Costa Sobrinho PV. Capital e trabalho na Amazônia Ocidental: contribuição à história social e das lutas sindicais no Acre. São Paulo: Cortez; 1992.

33. Tocantins L. Estado do Acre: geografia, história e sociedade. Rio Branco: Tribunal de Justiça; 2003.
-3434. Martinello P. A batalha da borracha na segunda guerra mundial. Rio Branco: Edufac; 2004..

Nestes termos, podemos afirmar que os trabalhadores responsáveis pelo combate às endemias no Acre colaboraram, desde a época dos seringais, com a manutenção de infraestrutura mínima para a produção capitalista; estiveram sempre repletos de deveres e responsabilidades, mas sempre foram invisíveis aos olhos do poder público quanto aos direitos atinentes à sua saúde e segurança. A definição de temas geradores exigiu, por conseguinte, a contextualização sobre a constituição da categoria e que impacto seus processos de trabalho trouxeram sobre a sociedade.

Das expedições de Carlos Chagas ao Serviço Especial de Saúde Pública (SESP): primeiros registros da saúde no Acre

As primeiras ações de combate às endemias registradas no Acre foram resultado da imposição de um “padrão civilizatório”, no sentido de assegurar a sobrevivência dos indivíduos para a reprodução do capital. Assim, tais marcos são definidos a partir do ciclo econômico da borracha, em seu primeiro e segundo surto (1879-1912 e 1942-1945), para abastecer indústrias de pneumáticos e bélica3030. Alves F. Balanço das lutas sociais no campo na década de 80. In: Oliveira CAB, Mattoso JEL, Siqueira Neto JF, Pochmann M, Oliveira MA, organizadores. O mundo do trabalho: crise e mudança no final do século. São Paulo: Página Aberta; 1994. p. 425-58.

31. Sant’anna Júnior HA. Florestania: a saga acreana e os povos da floresta. Rio Branco: Edufac; 2004.

32. Costa Sobrinho PV. Capital e trabalho na Amazônia Ocidental: contribuição à história social e das lutas sindicais no Acre. São Paulo: Cortez; 1992.

33. Tocantins L. Estado do Acre: geografia, história e sociedade. Rio Branco: Tribunal de Justiça; 2003.

34. Martinello P. A batalha da borracha na segunda guerra mundial. Rio Branco: Edufac; 2004.
-3535. Cavalcante FCS. A política Ambiental na Amazônia: um estudo sobre as reservas extrativistas [tese]. Campinas (SP): Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas; 2002.. A expedição de Carlos Chagas à Amazônia (1910-1913), contratada pela Superintendência de Defesa da Borracha3636. Fundação Nacional de Saúde. Revista 100 anos de Saúde Pública. Brasília (DF): Funasa; 2004.,3737. Fundação Nacional de Saúde. Revista Funasa 15 anos. Brasília (DF): Funasa; 2006., foi realizada, ainda, no primeiro surto da borracha, para amparar políticas que exigiam grandes intervenções sobre o ambiente e impedir que doenças transmissíveis causassem prejuízos econômicose.

Especificamente sobre a malária, expedicionários destacaram existir, na Amazônia, grande área territorial, com ocupação demográfica esparsa, habitação precária e dificuldades de transporte e comunicação. A distribuição gratuita de quinino e construção de hospitais fora recomendada, mas relegada pela crise na produção de borracha. Pode-se considerar tais expedições como denúncias das condições de vida dos trabalhadores nos seringais3838. Mello MTVB, Pires-Alves F. Expedições científicas, fotografia e intenção documentária: as expedições do Instituto Oswaldo Cruz (1911-1913). Hist Cienc Saude - Manguinhos. 2009; 16 Supl 1:139-79.,3939. Schweickardt JC, Lima NT. Os cientistas brasileiros visitam a Amazônia: as viagens científicas de Oswaldo Cruz e Carlos Chagas (1910-1913). Hist Cienc Saude - Manguinhos. 2007; 15 Supl:15-50..

Euclides da Cunha4040. Cunha E. Um paraíso perdido: reunião de ensaios amazônicos. Brasília (DF): Senado Federal; 2000.descreveu a indústria gumífera na Amazônia, em sua primeira fase, como “a mais imperfeita organização do trabalho que engendrou o egoísmo humano”. A única saúde e segurança possível ao trabalhador acriano era aquela que o coronel de barranco (seringalista) lhe permitisse ter, ou seja, a que fosse resultante dos saberes tradicionais de rezadeiras, benzedeiras ou pajés, por meio do uso de plantas medicinais. Ressalte-se que o plantio de espécies vegetais e a criação de pequenos animais sempre foram clandestinos.

Data apenas de 1922 a organização dos serviços de saúde no então Território Federal do Acre, quando da criação da Diretoria Geral de Higiene e Saúde Pública. Suas atividades constavam de: profilaxia geral e específica das moléstias transmissíveis, inspeção sanitária a diversas atividades produtivas, nas quais se estimulava o uso de óleos, queima de enxofre ou de Verde Paris4040. Cunha E. Um paraíso perdido: reunião de ensaios amazônicos. Brasília (DF): Senado Federal; 2000.

41. Klein P. História da saúde pública no Acre. Rio Branco: Fundação Cultural Elias Mansur; 2002.
-4242. Braga IA, Valle D. Aedes aegypti: inseticidas, mecanismos de ação e resistência. Epidemiol Serv Saude. 2007; 16(4):279-93.. No relatório de 1928 a 1929, o governador Hugo Carneiro declarou: “em matéria de prophylaxia rural nada, porém, encontrei no território e o pouco que tenho podido realizar, constitui um simples arremedo, devido à ausência de pessoal técnico, a falta de aparelhamento e material e a insuficiência de verba para custeio”4343. Território do Acre. Relatório do período de janeiro do ano de 1928 a outubro do ano de 1929. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional; 1930.(p. 52). Os principais agravos de saúde citados são: paludismo, leishmaniose, tuberculose e lepra – o que requeria aumento de recursos para compra de equipamentos e ações mais enérgicas do Governo Federal, citando o art. 1.464 do Decreto nº 16.300 de 31 de dezembro de 1923, que determinava responsabilidades da União no combate às endemias e epidemias, bem como nas medidas de higiene e profilaxia no Distrito Federal, Estados e Territórios4343. Território do Acre. Relatório do período de janeiro do ano de 1928 a outubro do ano de 1929. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional; 1930..

Durante o segundo Surto da Borracha, destacou-se a organização do SESP, em cooperação com o Governo Americano, e assinatura de convênio para atividades de saneamento, profilaxia da malária e assistência médico-sanitária às populações da Amazônia, ofertadas, de maneira tópica, em 19423636. Fundação Nacional de Saúde. Revista 100 anos de Saúde Pública. Brasília (DF): Funasa; 2004.. A ausência de equipes fixas no Estado e municípios dificultava a sobrevivência, ainda que precária, de centenas de nordestinos e populações nativas “adestradas” à lógica capitalista. Entrementes, a introdução do uso do Diclo-Difenil-Tricloroetano (DDT)f em 1945, bem como a utilização de Cloroquina, levou à crença de que, até 1975, a erradicação da malária no Brasil seria possível, a partir do modelo campanhista. Tal fato não se consumou, sobretudo a partir do estabelecimento do ciclo da agropecuária no Acre4545. Até 1975 a malária estará erradicada no Brasil. Jornal O Rio Branco. 21 Abr 1971; 3(287):3.-4646. Paula EA. (Des)envolvimento insustentável da Amazônia. Ocidental: dos missionários do progresso aos mercadores da natureza. Rio Branco: Edufac; 2005..

O desenvolvimento na pata do boi, malária como indicador de progresso e a emergência do agente de combate às endemias no Acre

Durante o período da ditadura militar no Brasil (1964-1984), investimentos ousados começaram a ser realizados em infraestrutura, e ocorreu um deslocamento de trabalhadores para projetos de colonização, bem como implementação de incentivos fiscais que contemplavam a mineração, a atividade madeireira e, sobretudo, a agropecuária na Amazônia. Destaque-se o Programa de Integração Nacional (PIN), em 1970, e o Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (PND) I e II3333. Tocantins L. Estado do Acre: geografia, história e sociedade. Rio Branco: Tribunal de Justiça; 2003.

34. Martinello P. A batalha da borracha na segunda guerra mundial. Rio Branco: Edufac; 2004.

35. Cavalcante FCS. A política Ambiental na Amazônia: um estudo sobre as reservas extrativistas [tese]. Campinas (SP): Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas; 2002.
-3636. Fundação Nacional de Saúde. Revista 100 anos de Saúde Pública. Brasília (DF): Funasa; 2004.. Era necessário criar uma nova geopolítica brasileira, fazendo intervenções em áreas de conflito ou, ainda, ocupando os “lugares vazios”, por onde fosse possível haver a “penetração do comunismo internacional”.

Para Lima e Mamed4747. Lima EO, Mamed LH. Trabalho e precarização na Amazônia Acreana [Internet]. In: Anais do 29º Congresso Latino-Americano de Sociologia; 2013, Chile. Chile: Associação Latinoamericana de Sociologia; 2013 [acesso 2015 Abr 10]. Disponível em: http://actacientifica.servicioit.cl/biblioteca/gt/GT18/GT18_OliveiraDeLima_Mamed.pdf
http://actacientifica.servicioit.cl/bibl...
, a implantação da pecuária extensiva foi de alto custo social: incluía a derrubada da floresta, a expulsão de trabalhadores que viviam mediante combinação da extração de látex, coleta da castanha, agricultura de subsistência, criação de pequenos animais, entre outros. Neste cenário de êxodo rural, conformou-se a ocupação desordenada das cidades acrianas, especialmente de Rio Branco, não existindo qualquer política pública que favorecesse o acesso a moradia ou a condições de vida digna para estes trabalhadores que eram expulsos de suas terras.

Com a devastação da floresta para implantação da pecuária, tornou-se necessária a criação da Campanha de Erradicação da Malária (CEM) e da Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM), em 1965 e 1970, consecutivamente3636. Fundação Nacional de Saúde. Revista 100 anos de Saúde Pública. Brasília (DF): Funasa; 2004.,3737. Fundação Nacional de Saúde. Revista Funasa 15 anos. Brasília (DF): Funasa; 2006.,4848. Batistella CEC. Tensões na constituição de identidades profissionais a partir do currículo: análise de uma proposta de formação profissional na área de vigilância em saúde [dissertação]. Rio de Janeiro (RJ): Escola Nacional de Saúde Pública; 2009.Nesse período, era visível a cisão político-administrativa entre atribuições do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps) e do Ministério da Saúde, sendo o primeiro responsável por ações de assistência à saúde individual e, o segundo, por ações de assistência à saúde coletiva (vigilância, prevenção e controle de doenças transmissíveis)4949. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Vigilância em Saúde no SUS: fortalecendo a capacidade de resposta a novos e velhos desafios [Internet]. Brasília (DF): MS; 2006 [acesso 2015 Mar 16]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/vigilancia_saude_SUS.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
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A mídia acriana divulgou, em 1975, o Plano de Ação Sanitária para a região Amazônica, a ser executado a partir de 1979, considerando a necessidade de ocupação produtiva da Amazônia e, para tanto, o estabelecimento de uma infraestrutura de saúde e de programas de ação médico sanitária de caráter preventivo e curativo, compatível com o equilíbrio social5050. Plano de Ação Sanitária beneficia Região Amazônica. Jornal O Rio Branco. 9 Jun 1977; 9(43):3.,5151. SUCAM amplia atendimento. Jornal O Rio Branco. 11 Abr 1980; 10(873):1.. A vinculação entre malária e projetos de desenvolvimento manifestou-se na fala de representantes da SUCAM: “a malária caminha pela estrada e chega a ser índice de progresso: onde aparece um surto grande de malária está havendo colonização”5252. SUCAM anuncia diminuição de casos de malária no Acre. Jornal O Rio Branco. 10 Abr 1985; 15(2.514):3..

Para garantir a manutenção das vidas na floresta, via controle de endemias, em 1980, a SUCAM ampliou o atendimento estadual para um efetivo de duzentos homens, conforme segue: “o órgão inicia a intensificação de serviço de vigilância tendo em vista o próximo desmatamento, processo que culmina com aumento da malária, já que os transmissores se alojam no tronco das árvores derrubadas”5151. SUCAM amplia atendimento. Jornal O Rio Branco. 11 Abr 1980; 10(873):1.(p. 1). O combate a endemias no Acre foi prioridade no Projeto Planacre, apresentado ao Banco Mundial, sendo as outras metas prioritárias vinculadas ao levantamento dos recursos naturais para zoneamento agropecuário e demarcação de terras indígenas.

Em 1988, mudanças significativas, apresentadas com a aprovação da Constituição Federal, oportunizam a criação do SUS. Como resultado, seguiram-se inúmeras normas e pactos, no intuito de melhor definir papéis dos entes federados na gestão e operacionalização do sistema, formas de financiamento e mecanismos de repasse de recursos.

Um parêntese deve ser feito para relatar que, a partir da década de 1970, o movimento ambientalista projetou, nacional e internacionalmente, a luta pela terra no Acre de forma surpreendente, tornando suas ações, que antes representavam atraso econômico, em significativa contribuição para manutenção das futuras gerações5353. Paula EA. Capitalismo verde e transgressões Amazônia no espelho de Caliban. Dourados: UFGD; 2013.,5454. Alcântara JMPR. Privatizações das telecomunicações: desemprego, informalidades e reestruturação do trabalho no Acre [dissertação]. Rio de Janeiro (RJ): Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro; 2009.. A repercussão na mídia nacional e internacional sobre a situação de violência a que estavam submetidos os seringueiros no Acre acelerou discussões sobre a implantação das reservas extrativistas e a formulação de modelo de desenvolvimento sustentável para a região, construído a partir da trajetória e necessidade dos povos da floresta. Este projeto foi consolidado com a vitória do candidato petista para a Prefeitura de Rio Branco em 1992, e efetivado em 1999, quando, com o discurso de “Governo da Floresta”, este mesmo candidato ganhou eleições para o governo do Estado, garantindo a hegemonia do Partido dos Trabalhadores no Acre até os dias atuais (2015).

A mercantilização da natureza, a descentralização dos serviços de saúde e a precarização do trabalho

A partir da década de 1990, algumas áreas de terra com potencial para o cultivo de seringueiras passaram a integrar o patrimônio público, sendo permitida a utilização sustentável por famílias tradicionais. Estabeleceu-se, no Acre, o que Paula5353. Paula EA. Capitalismo verde e transgressões Amazônia no espelho de Caliban. Dourados: UFGD; 2013. denominou de “desempate a favor do capital”, referindo-se à aceitação do “capitalismo verde” por parte do Governo Estadual, sendo este legitimado pelo discurso do desenvolvimento sustentável. Lima e Mamed4747. Lima EO, Mamed LH. Trabalho e precarização na Amazônia Acreana [Internet]. In: Anais do 29º Congresso Latino-Americano de Sociologia; 2013, Chile. Chile: Associação Latinoamericana de Sociologia; 2013 [acesso 2015 Abr 10]. Disponível em: http://actacientifica.servicioit.cl/biblioteca/gt/GT18/GT18_OliveiraDeLima_Mamed.pdf
http://actacientifica.servicioit.cl/bibl...
confirmam polarizado debate, tendo, de um lado, a questão da defesa da floresta para quem nela vive e, de outro, a exploração econômica organizada para os agentes do mercado. A luta pela terra foi redirecionada para a luta pela preservação da floresta, e a fragmentação da classe trabalhadora no campo foi destacada, assim como o peso da cadeia produtiva da madeira. É possível constatar, também, que a reestruturação produtiva alcança os funcionários públicos acrianos na área urbana, por meio de privatizações, extinção e/fusões de empresas/secretarias5454. Alcântara JMPR. Privatizações das telecomunicações: desemprego, informalidades e reestruturação do trabalho no Acre [dissertação]. Rio de Janeiro (RJ): Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro; 2009.

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57. Soares ASS. Três décadas de estruturação: uma análise da administração pública acreana [monografia]. Rio Branco (AC): Universidade Federal do Acre; 2000.
-5858. Klein P. As relações intergovernamentais na implantação da política de saúde no Estado do Acre de 1990 a 2008 [tese]. São Paulo (SP): Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo; 2010..

Em 1991, registra-se, no campo da saúde, a fusão da Fundação Serviço Especial de Saúde Pública (FSESP), de parte das Secretarias Nacionais de Ações Básicas de Saúde (SNABS), de Programas Especiais de Saúde (SNPES) e da SUCAM, constituindo a Fundação Nacional de Saúde (FNS). Identificou-se, no governo Collor (1990-1992), que 66 trabalhadores acrianos tiveram seus contratos de trabalho rescindidos sem justa causa, sendo, posteriormente, readmitidos mediante a Lei nº 8.878/94. Como resultado imediato, o agravamento do quadro da malária no Acre5757. Soares ASS. Três décadas de estruturação: uma análise da administração pública acreana [monografia]. Rio Branco (AC): Universidade Federal do Acre; 2000., sobretudo em áreas de difícil acesso, como era o caso da Fazenda Sudam, com população de 163 pessoas e cuja coleta de 102 lâminas rendeu 77 resultados positivos para malária, em fevereiro de 1995.

A partir da Constituição Federal de 1988, foram adotadas medidas para descentralização, mediante leis e decretos que organizaram serviços em níveis crescentes de complexidade, por unidades geográficas específicas e para clientelas definidas, sendo a integralidade dos atendimentos garantida em Contrato Organizativo de Ação Pública (COAP). De 1999 a 2000, surgiram reformas organizacionais no campo da saúde pública, para início do processo de descentralização dos serviços de saúde no Acre, dentre as quais: a) adoção da denominação SESACRE e redefinição de organograma estadual; b) implantação de sistemas informatizados para gerenciamento de unidades; c) criação da comissão interinstitucional de epidemiologia; d) reformas e ampliação da rede de unidades de saúde; e) assinatura de convênio SESACRE e FUNASA (anterior FNS) disponibilizando, à gestão estadual, 305 servidores federais para controle de doenças transmitidas por vetoresg. Como resultado deste processo, em 2001, do total de 22 municípios do estado, existia apenas um município habilitado com gestão plena do Sistema Municipal de Saúde, 16 habilitados para atenção básica e cinco não habilitados4141. Klein P. História da saúde pública no Acre. Rio Branco: Fundação Cultural Elias Mansur; 2002.,5959. Portaria nº 399/GM, de 22 de fevereiro de 2006. Divulga o Pacto pela Saúde 2006 – Consolidação do SUS e aprova as Diretrizes Operacionais do Referido Pacto [Internet]; 2006 [acesso 2014 Abr 23]. Disponível em: http://www.cremesp.org.br/library/modulos/legislacao/versao_impressao.php?id=6620
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,6060. Portaria nº 648/GM, de 28 de março de 2006. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica para o Programa Saúde da Família (PSF) e o Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS) [Internet]; 2006 [acesso 2014 Abr 24]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/prtGM648_20060328.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
.

De 1995 a 1998, o governo estadual programou: ações de privatização, extinção, fusão, municipalização e incorporação de órgãos e entidades da administração direta ou indireta, bem como programa de incentivo à exoneração ou desligamento voluntário6161. Lei nº 11.350, de 5 de outubro de 2006. Regulamenta o § 5º do art. 198 da Constituição, dispõe sobre o aproveitamento de pessoal amparado pelo parágrafo único do art. 2º da Emenda Constitucional nº 51, de 14 de fevereiro de 2006, e dá outras providências [Internet]; 2006 [acesso 2013 Abr 23]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11350.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
. A dependência de verbas do governo federal para integração ao cenário nacional e a ausência de indústrias que absorvessem o contingente de trabalhadores urbanos explicaram a ampliação do desemprego e a precarização do trabalho no Acre, a partir da reforma neoliberal.

Visando acelerar o processo de descentralização, em 2006, foi firmado, no Acre, o “Pacto pela Saúde”, mediante Portarias Ministeriais n° 399, de 22 de fevereiro de 2006, e n° 648, de 28 de março de 2006. Data também deste ano a regulamentação da categoria dos ACE’s, por meio da promulgação da Lei nº 11.350, de 05 de outubro de 2006, que foi alterada pela Lei nº 12.994, de 17 de junho de 20146161. Lei nº 11.350, de 5 de outubro de 2006. Regulamenta o § 5º do art. 198 da Constituição, dispõe sobre o aproveitamento de pessoal amparado pelo parágrafo único do art. 2º da Emenda Constitucional nº 51, de 14 de fevereiro de 2006, e dá outras providências [Internet]; 2006 [acesso 2013 Abr 23]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11350.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...

62. Lei nº 12.994, de 12 de junho de 2014. Altera a Lei nº 11.350, de 5 de outubro de 2006, para instituir piso salarial profissional nacional e diretrizes para o plano de carreira dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias [Interne]; 2014 [acesso 2014 Out 23]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11350.htm
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-6363. Decreto nº 7.508, de 28 de Junho de 2011. Regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências [Internet]; 2011 [acesso 2013 Abr 23]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/D7508.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
. Entretanto, apenas a partir do Decreto 7.508 de 28 de junho, os municípios acrianos assumiram totalmente a execução de ações de vigilância em saúde. Uma exceção ocorreu no município de Cruzeiro do Sul, cujos números elevados de malária justificaram realização de acordo entre entes públicos, no qual o Estado responsabilizar-se-ia gerencial e financeiramente pela contratação de pessoal e infraestrutura necessária, o que incluía aquisição de Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s) para os ACE’s.

A partir do discurso da implantação do SUS, emergiu ainda mais a precarização do trabalho, via transferência da produção estatal de bens e serviços para o terceiro setor. Registrou-se, por meio da Lei 2.031 de 26 de novembro de 2008, a criação do Serviço Social de Saúde do Acre (Pró-Saúde Acre), uma instituição paraestatal de direito privado, sem fins lucrativos, de interesse coletivo e utilidade pública, com autonomia gerencial, patrimonial, orçamentária e financeira, quadro de pessoal próprio e prazo de duração indeterminado. Logo, para uma nova forma de relação com o ambiente, a política de saúde descentralizada incorporou a flexibilização e a precarização no trabalho de ACE’s, para quem passaram a ser pensadas propostas de qualificação que dessem conta deste processo histórico em construção.

Considerações finais

Após revisão bibliográfica e escuta de protagonistas das ações técnicas, políticas e sanitárias levadas a cabo no Acre, os temas tratados anteriormente constituem o repertório que consideramos relevante para nuclear as ações de ensino de saúde e segurança do trabalho no Estado a ACE’s. A definição dos temas está referenciada no paradigma originado de movimentos ambientalistas e da medicina social, tendo forte relação com projetos de desenvolvimento que marcaram o surgimento da saúde coletiva no Brasil, a partir dos quais se constroem as relações de trabalho na ordem moderna. Logo, uma vez garantida a expansão capitalista e gerados agravos decorrentes da ação do homem sobre o ambiente, tornou-se necessário desenvolver tecnologias (novos produtos ou processos) que os contivessem. Assim se justificaram investimentos em saúde e determinados produtos químicos foram liberados ou retirados do mercado, como ocorreu com o DDT. Como o foco sempre foi o desenvolvimento produtivo, e não o ambiente do qual somos parte e no qual estabelecemos relações sociais de produção, as medidas de segurança e proteção ao trabalhador foram consideradas apenas quando afetavam diretamente ao mercado.

A construção dos temas geradores “ambiente, saúde e trabalho” tornou-se necessária para que exista real integração das dimensões sociopolíticas, culturais e econômicas. Visa retirar a sociedade e o trabalhador da situação de total alienação em relação aos meios de produção, de forma que a mera reprodução dos processos e definições, bem como a quantificação de casos não sejam mais relevantes que sua explicação. Assim sendo, a proposta dos temas permitirá que se trabalhem os limites existentes entre o orgânico e o social, conhecimentos técnico científicos e tradicionais. Essa investigação se desdobrará, portanto, na elaboração e teste de propostas educativas afinadas com essas perspectivas, aplicadas à realidade do público que procura o IFAC para formação técnica em saúde e segurança do trabalho.

Agradecimentos

Aos trabalhadores que atuaram ou atuam no combate às endemias no Acre. Às discentes Lisiane Ferreira, Ketlen da Costa, Maria Targino, Ana Paula Silva e Patrícia Silva e aos pesquisadores Pedro Plese e Emanuela dos Santos, por colaborarem com atividades de pesquisa e extensão que contribuíram com a elaboração do artigo. A pesquisa foi financiada pelo Termo de Cooperação nº 004, de 29 de agosto de 2012, celebrado entre Instituto Federal do Acre (IFAC) e Instituto Oswaldo Cruz (IOC-Fiocruz).

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    Portaria nº 399/GM, de 22 de fevereiro de 2006. Divulga o Pacto pela Saúde 2006 – Consolidação do SUS e aprova as Diretrizes Operacionais do Referido Pacto [Internet]; 2006 [acesso 2014 Abr 23]. Disponível em: http://www.cremesp.org.br/library/modulos/legislacao/versao_impressao.php?id=6620
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  • 60
    Portaria nº 648/GM, de 28 de março de 2006. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica para o Programa Saúde da Família (PSF) e o Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS) [Internet]; 2006 [acesso 2014 Abr 24]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/prtGM648_20060328.pdf
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  • 61
    Lei nº 11.350, de 5 de outubro de 2006. Regulamenta o § 5º do art. 198 da Constituição, dispõe sobre o aproveitamento de pessoal amparado pelo parágrafo único do art. 2º da Emenda Constitucional nº 51, de 14 de fevereiro de 2006, e dá outras providências [Internet]; 2006 [acesso 2013 Abr 23]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11350.htm
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  • 62
    Lei nº 12.994, de 12 de junho de 2014. Altera a Lei nº 11.350, de 5 de outubro de 2006, para instituir piso salarial profissional nacional e diretrizes para o plano de carreira dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias [Interne]; 2014 [acesso 2014 Out 23]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11350.htm
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  • 63
    Decreto nº 7.508, de 28 de Junho de 2011. Regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências [Internet]; 2011 [acesso 2013 Abr 23]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/D7508.htm
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    20 Maio 2015
  • Aceito
    02 Mar 2016
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