TDAH, aprimoramento e medicalização no âmbito da Saúde Mental Global: uma entrevista com Ilina Singh (Parte 2)

TDAH, mejora y medicalización en el marco de la salud mental global: una entrevista con Ilina Singh (Parte 2)

Luís Henrique Sacchi dos Santos Claudia Rodrigues de Freitas Sobre os autores

Palavras-chave
TDAH; Ritalina; Medicalização; Aprimoramento

Palabras clave
TDAH; Ritalin; Medicalización; Mejora

Esta é a segunda parte da série de três entrevistas realizadas com Ilina Singh, que, no seu conjunto, exploram aspectos de sua ampla produção acadêmica acerca do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Na primeira parte (v. 20, n. 59, 2016), destacamos alguns dos deslocamentos operados ao longo de sua trajetória de pesquisa, os movimentos e as contigências que a levaram a empreender determinados tipos de investigação, bem como a importância de se considerar o TDAH de modo biossocial. Nesta segunda parte, exploramos algumas possibilidades do uso de psicoestimulantes (como a Ritalina) com fins de aprimoramento (enhancement), e situamos a questão do TDAH no âmbito da globalização ou da “saúde mental global”. A terceira parte se dedicará a ponderar algumas discussões que possibilitem pensar em termos de uma agenda política, ética, médica, social e educacional para lidar com o TDAH.

LH (Luís Henrique): No seu texto, Biology and context1. Singh I. Biology in context: social and cultural perspectives on ADHD. Child Soc. 2002; (16):360-7., você dizia que, em termos de um debate filosófico, a Ritalina poderia ser vista como “uma tecnologia que se situa na fronteira entre o tratamento de uma desordem e o aprimoramento [enhancement] da pessoa” (p.365). A ideia de aprimoramento é algo que você vai explorar desde o início (de seus textos acerca do tema TDAH), mas que você detalha mais particularmente no texto Neuroenhancement and young people…2. Singh I, Kelleher KJ. Neuroenhancement in young people: proposal for research, policy and clinical management. AJOB Neurosci. 2010; 1(1):3-16.. Você acredita que essa fronteira da Ritalina poderia ser tomada como uma evidência empírica de um tipo de aprimoramento em curso nas escolas, ao menos em termos comportamentais e disciplinares? Aqui, quão importante é o papel da autenticidade (a ideia de que as drogas estimulantes restringiriam a liberdade das crianças), discutido, por exemplo, no texto Clinical implications of ethical concepts..3. Singh I. Clinical implications of ethical concepts: moral self-understandings in children taking methylphenidate for ADHD. Clin Child Psychol Psychiatry. 2007; 12(2):167-82.?

IS (Ilina Singh): Eu comecei a estudar o aprimoramento não porque tivesse qualquer interesse no tema, mas porque passei a estudar a Ritalina. As pessoas começaram a me fazer perguntas sobre aprimoramento, e a primeira coisa que disse foi: “eu não sei nada sobre isso, porque não vejo evidências de aprimoramento”. Converso com crianças e famílias em um contexto terapêutico, e não gostaria de presumir que qualquer uma dessas crianças estivesse com suas capacidades ampliadas. Além disso, [a pergunta aqui talvez seja] o que “aprimoramento” significa mesmo?

Eu tinha duas opiniões acerca do aprimoramento. Em primeiro lugar, acreditava que havia a necessidade de pensar num contexto que permitisse às famílias solicitarem medicamentos para o [tratamento do] TDAH com fins de aprimoramento. Para mim, parecia que, se realmente considerávamos que muitas famílias já estavam solicitando medicamentos para o TDAH para fins de aprimoramento, era necessário considerar as dimensões éticas disso. Em segundo lugar, achava que alguém deveria fazer um estudo para entender o que se entendia por aprimoramento, bem como entender por que os próprios jovens estavam escolhendo usar (ou não) esses medicamentos para aprimoramento. Na época, nossos jornais no Reino Unido estavam repletos de denúncias sobre um grande número de estudantes consumindo potencializadores cognitivos, mas, no entanto, não havia qualquer evidência disso fora do jornalismo. [Na época,] foi relativamente fácil elaborar uma pesquisa sobre o aprimoramento cognitivo no ambiente universitário e mostrar, de modo consistente, que o número de estudantes que estava fazendo uso de medicamentos para o TDAH com fins de aperfeiçoamento cognitivo era muito menor do que os jornais apresentavam. Naturalmente, isso não impediu os meios de comunicação britânicos de continuarem apresentando suas denúncias hiperbólicas.

Esse primeiro tópico [o de pensar num contexto que permitisse às famílias requererem medicamentos para o tratamento do TDAH com fins de aprimoramento] foi mais difícil, pois eu queria desenvolver uma perspectiva clínica para o que poderia ser feito para ajudar a minimizar os potenciais danos do uso de medicamentos prescritos [com receita] para o TDAH para fins de aprimoramento(c)(c)Recentemente, a professora Ilina publicou dois textos que ampliam a discussão aqui apresentada: “Cognitive enhancement in healthy children will not close the achievement gap in education”. The American Journal of Bioethics. 2016, 16(6):39-59, em parceria com Sebastian Sattler; e “Can guidelines help reduce the medicalization early childhood?” Journal of Pediatrics. 2016, 166:1344-6), em parceria com Willian D. Graf.. Parecia apropriado tentar pensar o que aconteceria se esses medicamentos fossem clínicamente disponíveis e você pudesse ir ao seu médico e dizer “meu filho tem uma prova na próxima semana. Posso, por favor, ter uma receita para Ritalina?”. Com minha colega americana, a pediatra Kelly Kelleher, escrevi um conjunto de diretrizes22. Singh I, Kelleher KJ. Neuroenhancement in young people: proposal for research, policy and clinical management. AJOB Neurosci. 2010; 1(1):3-16. que considerava, de forma sistemática, o que precisaria estar em vigor para que tais pedidos fossem tratados com responsabilidade, em parte porque sabemos que há médicos nos Estados Unidos que não estão sendo cuidadosos em relação a quem estão dispensando esses medicamentos. Como resultado, as pessoas geralmente citam esse artigo para mostrar que estamos erradas. Eu acho que é justo, pois queríamos estimular o debate. Logo depois disso, a Academia Americana de Neurologia publicou uma declaração afirmando que o uso de medicamentos para o tratamento do TDAH com fins de neuroaprimoramento pediátrico era inaceitável.

A outra parte da sua pergunta é sobre a autenticidade e a restrição da liberdade que pode advir do uso de medicamentos para o TDAH. O que eu tentei mostrar no artigo a que você faz referência é que a autenticidade não é um conceito ao qual devamos atribuir conotações positivas ou negativas a priori. Se uma criança sente que não está sendo autêntica, em um estágio de desenvolvimento em que a identidade ainda está se consolidando, então, provavelmente, não vamos querer preservar esse senso de autenticidade pessoal, embora também possamos não querer interferir na liberdade de alguém decidir quem é em termos de autenticidade. Obviamente, este é um conflito que necessita de maior aprofundamento e análise.

Sua pergunta também se refere a uma questão mais ampla, qual seja, como a educação promove a liberdade das crianças neste momento - ou, talvez seja mais apropriado usar o termo “desabrochar” [a se desenvolver com sucesso], que combina a noção de liberdade com um senso de autoconhecimento por meio de práticas institucionais.

Acho que as escolas no Reino Unido não estão suficientemente preparadas para a questão: como você ajuda uma criança a se desenvolver? Em vez disso, elas perguntam: como você ajuda uma criança a se sair bem nos exames? Essas expectativas e condições limitadas parecem encorajar uma mudança em direção ao aprimoramento cognitivo. Mas, claro, esse é um velho problema na educação; o que acontece é que as antigas soluções, como as aulas de reforço fora da escola(d)(d)A entrevistada faz referência à “tutoria adicional”, a qual foi, aqui, traduzida como “aulas de reforço fora da escola” para enfatizar o modo como temos tratado esta questão no âmbito brasileiro. ou a preparação para exames, deram lugar à possibilidade das drogas psicotrópicas. Então, qual é a diferença? Por que as aulas de reforço fora da escola (que levantam preocupações sobre equidade entre aqueles que podem pagar e aqueles que não podem(e)(e)Nota do entrevistador: Renato Janine Ribeiro, no texto “Novas fronteiras entre natureza e cultura” (In: NOVAES, Adauto. O homem-máquina: a ciência manipula o corpo. São Paulo, Companhia das Letras, 2003. p.15-36), faz uma interessante discussão acerca deste aspecto.) seriam melhores que os medicamentos para o TDAH? Alguns diriam que, pelo menos, as aulas de reforço exigiriam esforço da criança, enquanto os medicamentos não. Minha opinião é que essa visão atribui muito poder a esses medicamentos. Eles não “fazem o trabalho” para a criança - de modo algum! É por isso que eu afirmo que as crianças que tomam medicação para o TDAH “não são robôs”44. Singh I. Not robots: children's perspectives on authenticity, moral agency and stimulant drug treatments. J Med Ethics. 2013; 39(6):359-66..

Por outro lado, acredito que os medicamentos para o TDAH incrementam a capacidade das crianças de se encaixarem nas caixas em que as escolas precisam que elas se encaixem. Para mim, o problema central é que não creio que essas caixas, necessariamente, apoiem o desenvolvimento de uma criança. Até que nós, como sociedade, não estejamos dispostos a mudar a estrutura da caixa, não seremos capazes de fazer melhor do que estamos fazendo agora. Por que não há flexibilidade nessas caixas? Por que temos medo de fazer mudanças radicais na forma como educamos os jovens? Não podemos dizer que a caixa é inflexível porque - bem - sabemos que ela funciona para nos devolver, ao final, uma criança que atingiu um dado desenvolvimento, mas também sabemos que para muitas crianças isso não é verdadeiro. Recentemente tivemos uma pesquisa no Reino Unido que mostrou que nossas crianças são as mais infelizes da Europa. Acredito que eu relacione o problema da virada em direção aos medicamentos como a Ritalina em razão da falta de flexibilidade e do reconhecimento das diferenças cognitivas dentro das escolas. Além disso, há a questão básica da falta de recursos qualificados para dar sustenção a uma gama mais ampla de apoio e ensino.

LH: Em Biology in context…1. Singh I. Biology in context: social and cultural perspectives on ADHD. Child Soc. 2002; (16):360-7., você disse que existiam três mistérios que representavam uma oportunidade para a integração entre as abordagens biomédicas e socioculturais, que você achou particularmente interessantes: a) a cronicidade do TDAH; B) o fato de as crianças com TDAH tenderem a se comportar melhor com seus pais do que com suas mães; c) e o viés de gênero (em relação à prevalência de meninos) nos diagnósticos de TDAH e no tratamento com metilfenidato (p. 365). Você diria o mesmo hoje?

IS: É muito interessante olhar para trás e pensar sobre isso, sobre a cronicidade do TDAH, pois uma interessante dinâmica social se deu nos últimos dez anos. Na semana passada(f)(f)A entrevistada faz referência à segunda semana de dezembro de 2014. fui a uma palestra, na qual estava presente uma das pessoas que ajudou a criar a primeira clínica de TDAH para adultos no Reino Unido, que me disse, muito feliz: “cinco anos atrás havia três clínicas e hoje há 66 clínicas para atender adultos com TDAH!”. Desde uma perspectiva médica, este “mistério” de cronicidade parece ter sido resolvido: o TDAH é uma doença crônica, não sendo mais considerado um distúrbio que passa após a infância. Claro que para nós, pensando sociologicamente, isso ainda é problemático, especialmente porque esta “entidade TDAH” não parece ser a mesma ao longo do curso de vida. Ela não parece ser a mesma quando você passa da terceira infância(g)(g)A entrevistada utiliza a expressão middle childhood, que corresponderia à idade entre seis e oito anos. No entanto, algumas descrições no âmbito brasileiro referem este período como terceira infância, variando de 6-8 a 12-13 anos, o que torna mais coerente com a colocação da entrevistada, que refere a passagem da infância para a adolescência. para a adolescência ou mesmo quando você passa da adolescência para o início da idade adulta; o TDAH como fenótipo (se posso usar essa palavra) muda novamente de acordo com a maturidade e o contexto. É interessante comparar esta trajetória com uma doença como o autismo, que tem sido considerada crónica por muito mais tempo. Nesta direção, é mais comum dizer que a manifestação do autismo muda ao longo da vida, e que ela também muda de acordo com os ambientes ao longo da vida útil. As pessoas tendem a pensar no autismo como uma desordem muito dinâmica - é viva, muda com a idade e com o lugar no qual você se encontra, bem como a partir de outros fatores em sua vida. Enquanto isso, o TDAH foi pensado como algo dicotómico, limitado no tempo. Assim, penso que podemos ser produtivamente perturbadores e perguntarmos: se o TDAH é crónico, isso significa que ele permanece o mesmo durante o curso de vida? Ou ele apresenta mudanças em suas manifestações, tal como sabemos que acontece com o autismo?

O viés de gênero está mudando. Eu acho que costumava ser 4:1 meninos na maioria dos ambientes anglo-europeus, e agora está se movendo para 3:1. Eu não diria que se trata de um mistério, talvez nunca tenha sido. Em minha opinião, a diferença de gênero é, em grande parte, para baixo na dinâmica social, embora a relativa imaturidade cognitiva dos meninos, em comparação com as meninas, provavelmente contribua. Diferentes países pensam de forma diferente sobre o TDAH e as meninas, embora os índices globais sejam semelhantes. No Reino Unido, tendemos a não identificar e diagnosticar o componente de desatenção do TDAH, sendo um diagnóstico que passa a ser visto com mais frequência em meninas (provavelmente porque, em parte, a desordem de déficit de atenção - DDA -, em um nível descritivo, está em si vinculada às normas de gênero). Tenho certeza de que a dinâmica de gênero é tanto similar quanto diferente em todo o mundo. Mais uma vez, não se trata de uma dinâmica que possa ser explicada de forma puramente biológica ou puramente social. Portanto, se houver trabalho a ser feito em torno dos mistérios do TDAH a partir de uma perspectiva biossocial, acho que estas ainda são áreas ricas para se trabalhar.

LH: Em Biology in Context1. Singh I. Biology in context: social and cultural perspectives on ADHD. Child Soc. 2002; (16):360-7., você mencionou Thomas Szazs (1974), o qual sugeria que uma doença mental poderia ser interpretada como uma metáfora para comportamentos, sentimentos e pensamentos culturalmente reprovados (ver p. 362). Você acha que essa afirmação ajudaria a explicar o “caso francês” sobre o TDAH - onde muito poucos casos de TDAH são relatados, simplesmente porque “eles” pensam que as crianças estão fazendo o que as crianças devem fazer? Em outras palavras, o que você acha da ideia de o TDAH ser interpretado como uma construção cultural que afeta de modo diferente segundo o modo como o concebemos?

IS: Bem, eu não sei se esta descrição do caso francês pode ser tomada como completamente precisa. Existem opiniões diferentes. Por outro lado, fico bastante irritada quando as pessoas dizem que há uma prevalência de 5% de TDAH no mundo - há muitas questões relativas à medição e definição envolvidas nesse cálculo. Ainda há muitos trabalhos importantes para serem feitos no sentido de se entender adequadamente a dinâmica local do TDAH em diferentes contextos. Quando a estimativa de prevalência global apareceu pela primeira vez, em 2007, ela foi interpretada na direção de demonstrar, de modo definitivo, que o TDAH não constituía uma questão cultural55. Singh I, Filipe AM, Bard I, Bergey M, Baker L. Globalization and cognitive enhancement: emerging social and ethical challenges for ADHD clinicians. Curr Psychiatry Rep. 2013; 15(9):385.. Mas, é claro, isso não elimina nenhuma das questões culturais. Quando você faz um grande estudo epidemiológico, ele oculta a complexidade das estatísticas.

Em geral, eu acho que um forte argumento construcionista é aquele para o qual não posso dar credibilidade porque ele não representa o papel do biológico ou do físico, sendo que o mesmo pode ser dito quanto à compreensão do argumento biológico reducionista forte. Relembremos o maravilhoso trabalho empreendido por Ian Hacking(h)(h)A professora Ilina faz referência ao texto The social construction of what? (Cambridge, MA: Harvard UP 1999).. Estou muito mergulhada nesse trabalho e acho que, particularmente no artigo de 201166. Singh I. A disorder of anger and aggression: children's perspectives on attention deficit/hyperactivity in the UK. Soc Sci Med. 2011; 73(6):889-96., tento dizer algo semelhante, mas emprego uma metáfora pobre, de canais, de modo que reveria isso se pudesse, pois creio que não transmitiu aquilo que quis dizer. Cada vez mais, parto da premissa de que o biológico e o social estão entrelaçados desde o começo, de modo que tentar separá-los não é realmente de grande utilidade. Como disse antes, em certas disciplinas, é preciso fazer essa separação heurísticamente, mas eu não acredito que façamos isso na sociologia e na bioética. No lugar em que nos encontramos, na interface da sociologia, da biologia e da ética, temos a obrigação de pensar de maneiras mais complexas e de elaborar modelos complexos e dinâmicos.

É claro que a dinâmica social molda o comportamento das crianças e nossa interpretação acerca de seus comportamentos. Apenas para dar um exemplo concreto: é por isso que continuo falando sobre o cenário do parque infantil (playground), porque é onde você pode ver claramente essas dinâmicas e seus efeitos sobre a capacidade de autocontrole das crianças.

Vamos supor que você tem uma criança que apresenta problemas de autocontrole; digamos que esses problemas são leves e que, na maioria das vezes, ele ou ela pode administrar e não precisar de remédio. Mas, então, a criança se muda para uma nova escola, onde há uma interação diária com um valentão na hora do almoço. De repente, o comportamento dessa criança começa a deteriorarse, de modo que a escola ou os pais passam a pensar que a medicação pode ser necessária. No entanto, na minha opinião, e tal como já mencionei, a primeira tentativa de resolver o problema deve incluir a mudança da cultura do parquinho infantil para que o bullying não aconteça mais. A Ritalina não ajudará uma criança que continua a ter experiências deste tipo no parque.

Considero que a perspectiva construcionista social ajuda a nos mantermos atentos à dinâmica social. As escolas precisam estar muito mais cientes dos modos através dos quais os vários ambientes em que uma criança circula diariamente ajudam ou dificultam que ela se comporte da maneira que a escola pensa que é certa e apropriada. Além disso, precisamos ter uma discussão dentro das escolas no sentido de perguntar: que tipo de comportamento nós valorizamos nas crianças? Estes valores são adequados?

Creio que ambas as discussões precisam acontecer ao mesmo tempo. Uma diz respeito à discussão política e ética sobre valores, desenvolvimento e infância; a outra diz respeito a uma discussão muito mais concreta: se você é um professor que grita 25 minutos em uma aula de quarenta minutos e se você tem uma criança que luta com o autocontrole, você precisa saber que essa criança está sendo atiçada/estimulada fisicamente por sua abordagem. Isso é muito fácil de mudar, basta baixar a sua voz. Provavelmente, vai ajudar todos os alunos na aula a se concentrarem mais.

LH: Em alguns de seus primeiros textos aqui considerados (de 2002 a 2007)1. Singh I. Biology in context: social and cultural perspectives on ADHD. Child Soc. 2002; (16):360-7.,3. Singh I. Clinical implications of ethical concepts: moral self-understandings in children taking methylphenidate for ADHD. Clin Child Psychol Psychiatry. 2007; 12(2):167-82.,7. Singh I. Bad boys, good mothers, and the “miracle” of Ritalin. Sci Context. 2002; 15(4):577-603.

8. Singh I. Doing their jobs: mothering with Ritalin in a culture of mother-blame. Soc Sci Med. 2004; 59(6):1193-205.

9. Singh I. Will the “real boy” please behave: dosing dilemmas for parents of boys with ADHD. Am J Bioeth. 2005; 5(3):34-47.

10. Singh I. A framework for understanding trends in ADHD diagnoses and stimulant drug treatment: schools and schooling as a case study. Biosociet. 2006; (1):439-52.

11. Singh I. Stimulants - not just naughty: 50 years of stimulant drug advertising. In: Tone A, Watkins ES, editors. Medicating modern America - prescription drugs in history. New York: New York University Press; 2007.
-12. Singh I. Capacity and competence in children as research participants. EMBO Rep. 2007; 8 Supl 1:35-9., você alude/afirma, de modo recorrente, que nos EUA teria havido uma correlação entre o uso de Ritalina para crianças com problemas escolares e o fato de suas mães tomarem ou terem tomado antidepressivos (pelo menos no passado). Por quais razões você acha que essa análise não é extensiva ao Reino Unido ou a outros contextos? Nossa pergunta aqui também poderia ser apresentada de uma forma mais ampla, pensando em termos de medicalização: você acha que o fato de termos aprendido a tomar remédios ao longo do século XX, e termos acompanhado e acreditado em seus resultados, contribuiu para a emergência do TDAH como uma síndrome médica nas últimas décadas? Claro, também não podemos esquecer dos avanços em termos das neurociências e do uso de imagens para colonizar o suposto “silêncio do cérebro” na direção de problematizar este tópico.

IS: Certamente! Não há dúvidas disso quando você olha este processo historicamente. Desde o início da publicidade de tranquilizantes para os problemas das crianças no contexto dos EUA, era claro que ela estava diretamente ligada à publicidade de tranquilizantes para os sintomas depressivos da mãe. Portanto, há essa conexão muito clara, particularmente na dinâmica mãe-filho. Gostaria de sustentar minha afirmação de que há uma forte preocupação com as mães e a maternidade no diagnóstico do TDAH, e que a relação entre mães e filhos pode ser uma motivação para se iniciar o caminho em direção ao diagnóstico. A questão é se a ênfase nos filhos em particular ainda é tão forte, dado que a dinâmica de gênero no TDAH está mudando.

Certamente, vemos uma cultura mais terapêutica em todo o mundo e uma normalização de medicamentos de todos os tipos. Há um fascínio geral com o cérebro e um aumento das imagens cerebrais como “evidência” de “coisas” acontecendo que, provavelmente, também contribui para a medicalização. Por outro lado, não acredito que os indivíduos andem por aí pensando em si mesmos em termos cerebrais. Acho que a neurociência tem menos impacto, pelo menos em termos de identidade, do que às vezes se argumenta. Foi sobre isso que escrevi sobre as crianças no artigo Brain talk…1313. Singh I. Brain talk: power and negotiation in children's discourse about self, brain and behavior. Sociol Health Illn. 2013; 35(6):813-27.. No geral, eu diria que, atualmente, a “evidência” neurocientífica constitui mais um dispositivo retórico para produzir uma forma particular de argumento, mas isso não significa necessariamente que as pessoas acreditem no “Eu sou o meu cérebro”.

Claro, a sensibilidade cultural em torno do consumo de drogas psicotrópicas é importante. Os psiquiatras do Reino Unido às vezes falam sobre os motivos para as taxas de uso de Ritalina serem mais baixas aqui, e - bem - eles vão dizer que não somos uma cultura de tomar medicamentos. Eu acho que na Grã-Bretanha há uma sensibilidade diferente sobre drogas psicotrópicas, uma sensibilidade muito britânica - elas são uma muleta; não devemos usar ou necessitar delas; “queixo para cima, você pode superar”; e assim por diante. O problema é que essa atitude também leva ao subtratamento e ao sub-reconhecimento da doença mental, bem como ao estigma em torno de tratamentos de saúde mental. Eu creio que temos um contingente de pessoas que precisa de serviços de saúde mental e que não os acessa por essas razões no Reino Unido.

Se não me engano, ontem(i)(i)Novamente, a entrevistada faz referência a uma matéria publicada em dezembro de 2014. saiu um artigo, em um de nossos jornais, que dizia que o Reino Unido se transformou em uma cultura viciada em comprimidos(j)(j)A entrevistada emprega a expressão “pill-popping culture”, cujo significado seria uma cultura de tomar comprimidos/medicamentos, especialmente quando isso se torna um hábito ou quando as pílulas são drogas ilegais., sendo em maior número os antidepressivos, as estatinas para o coração e um outro. Fiquei chocada ao ver um número tão alto de antidepressivos, mas eles ainda são relativamente menores do que a percentagem de pessoas tomando antidepressivos, por exemplo, nos Estados Unidos.

Penso que a formulação de algumas boas perguntas de pesquisa - que realmente demonstrem essa cultura dos medicamentos e as maneiras por meio das quais ela reitera o modo como tratamos nossos filhos quando eles têm problemas - poderia constituir um bom estudo. No entanto, ainda não observei isso sendo realizado no Brasil, à exceção do trabalho de Dominique Behague(k)(k)Vide, por exemplo, alguns dos trabalhos desta pesquisadora no âmbito brasileiro no seguinte endereço eletrônico: https://kclpure.kcl.ac.uk/portal/en/persons/dominique-behague(9a782d7a-4351-46bd-8b7c-3ca8748866f0)/publications.html.. Naturalmente, existem muitas regiões diferentes no Brasil, então, haveria necessidade de se considerar uma série de casos e, em seguida, algumas comparações. No próximo ano, um de nossos grupos, incluindo o importante sociólogo Peter Conrad(l)(l)Um dos trabalhos recentes mais conhecidos de Peter Conrad é o livro The medicalization of society - on the transformation of human conditions on treatable disorders (Baltimore: The John Hopkins University Press, 2007)., publicará um livro sobre as dimensões globais do TDAH numa perspectiva sociológica. Conseguimos incluir 16 países em nossas análises e esperamos que isso incentive outros mais(m)(l)Um dos trabalhos recentes mais conhecidos de Peter Conrad é o livro The medicalization of society - on the transformation of human conditions on treatable disorders (Baltimore: The John Hopkins University Press, 2007)..

LH: Eu creio que há um certo tipo de autoridade que desempenha um papel importante nesta decisão. Além disso, no Brasil também há uma divisão entre o sistema de saúde público universal e os planos de saúde suplementares (privados). As pessoas que utilizam o sistema privado geralmente estão muito mais envolvidas nestas perspectivas médicas e veem a si mesmas como “criaturas médicas”, com doenças explicadas em termos médicos, do tipo “estou deprimido agora e isso explica por que eu estava fazendo aquilo”. Este é um tipo de conversa bastante comum entre pessoas que compartilham esse tipo de perspectiva.

IS: Esta é uma situação interessante nos sistemas de saúde pública, e, assim, olhar para as taxas de prescrição nos diferentes sistemas de saúde é, muitas vezes, revelador, penso eu. Uma coisa acerca da qual não falamos, mas igualmente interessante como uma questão de pesquisa, é: e quanto ao número de pessoas que recebem muitos tipos diferentes de drogas psicotrópicas prescritas? Porque os medicamentos do tipo Ritalina costumam colocar você para cima [“deixar ligado”], então, às vezes, as crianças precisam de algo para ajudá- las a dormir, por vezes até recebendo antidepressivos para isso. Ouvimos falar de pessoas indo a diferentes médicos para diferentes tipo de prescrições, mas sem revelarem tudo o que estão tomando.

Quando você está em uma sociedade que normaliza a ingestão de medicamentos, muitas vezes, você recebe crianças que estão tomando mais de uma droga ou que mudam de ciclo de tratamento rapidamente de uma droga para experimentar outra, nova - vê-se muito disso nos Estados Unidos. As crianças dirão que tomaram seis/sete medicamentos diferentes e eles têm 13 anos; e isso acontece só porque uma nova droga está sempre chegando e o médico pergunta “por que você não a experimenta?”. Eles se tornam um tipo de especialistas em medicamentos e, então, você pode entender o porquê; como especialistas em medicamentos em sua juventude, eles podem simplesmente continuar a recapitular esse tipo de comportamento mais tarde. Isto não acontece sob a medicina socializada, porque os sistemas de saúde públicos não podem pagar por todos estes medicamentos. No Reino Unido, por exemplo, temos apenas quatro tratamentos medicamentosos para o TDAH disponíveis no serviço nacional de saúde. Gostaria de saber quantos estão disponíveis no serviço nacional de saúde do Brasil.

LH: Ao lermos seus textos, publicados entre 2002 e 20071. Singh I. Biology in context: social and cultural perspectives on ADHD. Child Soc. 2002; (16):360-7.,3. Singh I. Clinical implications of ethical concepts: moral self-understandings in children taking methylphenidate for ADHD. Clin Child Psychol Psychiatry. 2007; 12(2):167-82.,7. Singh I. Bad boys, good mothers, and the “miracle” of Ritalin. Sci Context. 2002; 15(4):577-603.

8. Singh I. Doing their jobs: mothering with Ritalin in a culture of mother-blame. Soc Sci Med. 2004; 59(6):1193-205.

9. Singh I. Will the “real boy” please behave: dosing dilemmas for parents of boys with ADHD. Am J Bioeth. 2005; 5(3):34-47.

10. Singh I. A framework for understanding trends in ADHD diagnoses and stimulant drug treatment: schools and schooling as a case study. Biosociet. 2006; (1):439-52.

11. Singh I. Stimulants - not just naughty: 50 years of stimulant drug advertising. In: Tone A, Watkins ES, editors. Medicating modern America - prescription drugs in history. New York: New York University Press; 2007.
-12. Singh I. Capacity and competence in children as research participants. EMBO Rep. 2007; 8 Supl 1:35-9., observamos uma preocupação particular em explorar analiticamente o contexto histórico de produção daquilo que hoje chamamos TDAH. Este parece ser um período muito importante, mas pouco ou quase nada foi dito antes (pelo menos, no Brasil). Você também analisou uma grande quantidade de documentos, começando com a organização da Bradley Home, por Charles Bradley, onde, a partir de uma variedade de perspectivas teóricas e práticas, as crianças foram submetidas a diferentes estratégias de tratamento (incluindo benzodiazepinas). No mesmo período, observamos um cuidado especial nas análises acerca da discussão sobre a família (priorizando a relação mãe-filho/menino) e, também, a análise dos fatos produzidos pelos anúncios da droga (especialmente em Not just naughty11. Singh I. Stimulants - not just naughty: 50 years of stimulant drug advertising. In: Tone A, Watkins ES, editors. Medicating modern America - prescription drugs in history. New York: New York University Press; 2007.). O que você mantém deste período e destas descobertas em sua pesquisa hoje? Em outras palavras, como isso se articula em sua pesquisa hoje?

IS: Eu realmente gostei daquela fase do meu trabalho. Passava horas na biblioteca lendo textos antigos para compreender a produção histórica da “criança problemática”, tanto na cultura popular quanto na psiquiatria. Foi tão divertido! E estou um pouco triste porque hoje tudo está provavelmente disponível online e os pesquisadores não terão a oportunidade de folhear as páginas de jornais e revistas velhos e empoeirados, sentindo aquele cheiro característico de papel velho. Mas, pelo lado positivo, o material online é provavelmente pesquisável, de modo que isso vai demorar muito menos tempo. Durante meu doutorado eu tive o luxo do tempo!

Como já disse antes, penso que, como pesquisadores, passamos por fases, algumas delas são influenciadas pelos financiamentos, outras são influenciadas pelos tipos particulares de problemáticas que se tornam interessantes em um determinado momento. O TDAH é um tópico que poderíamos passar a vida toda estudando. Como pesquisadora do Wellcome Trust, acabei de receber recursos para um novo projeto, o qual me permite usar diferentes posições teóricas e conceituais para olhar a questão do desenvolvimento moral de uma criança, através das lentes da neurociência e da psiquiatria(n)(n)Este novo projeto, denominado “Becoming Good: Early Intervention and Moral Development in Child”, pode ser acessado no site: http://www.begoodeie.com.. Assim, este projeto me permitirá trazer de volta preocupações sociológicas sobre gênero, específicamente sobre mães e maternidade. Haverá um trabalho envolvendo crianças diagnosticadas com TDAH e suas atitudes morais em relação à intervenção precoce, e, também, complementaremos o trabalho de bioética com entrevistas biográficas, para que, assim, possamos colocar as atitudes morais manifestadas no contexto da biografia pessoal. Isso - eu espero - irá relacionar bem o normativo e o empírico. Estou montando esta abordagem a partir da antropologia moral - por exemplo, Didier Fassin, um antropólogo que trabalha em Paris, perguntou: qual é a história de fundo das articulações que vemos em torno das crianças? Quais são suas biografias pessoais e como elas se relacionam com os elementos mais performativos das posições e papéis das crianças nos discursos sociopolíticos e globais?

No projeto Voices(o)(o)“VOICES” (Vozes sobre identidade, Infância, Ética e Estimulantes: Crianças se juntam ao debate, financiado pelo Wellcome Trust). Para maiores informações, acesse a primeira parte desta entrevista (http://interface.org.br/edicoes/v-20-n-59-out-dez-2016) ou o próprio site do projeto (http://www.adhdvoices.com/). não podíamos fazer muito deste enquadramento mais amplo de forma sistemática, mas ainda dispomos de muitos dos dados daquele projeto. Nele, nós andamos pelos bairros, conhecemos famílias e, às vezes, entrevistamos crianças em suas casas, de modo que temos dados muito ricos sobre a vida delas; uma materialidade de suas vidas que podemos, agora, começar a reinterpretar sob esta forma um pouco mais individualizada do que já apresentei sobre essas crianças em meu trabalho. Pessoalmente, isso me moverá de um foco na autenticidade, na responsabilidade pessoal e na agência, como conceitos de bioética, para colocar estes conceitos, e como eles são percebidos e experimentados, dentro de um quadro mais amplo. Certamente, tentei usar uma abordagem mais ecológica do que uma grande parte da literatura sobre bioética, mas parte dessa análise ainda me parece muito individualizada em comparação com o que eu estava fazendo anteriormente.

Você pergunta o que daquele trabalho anterior ainda permanece: ainda está comigo a gratidão pela minha profunda compreensão do fenômeno, pelo menos no contexto dos EUA, onde eu fiz esse trabalho inicial. Espero que isso inspire outros pesquisadores a realizarem análises profundamente históricas e ecológicas de como o TDAH veio a se constituir em seus países. Há uma história lá, uma narrativa importante que ajuda a enquadrar um argumento sobre como e por que este diagnóstico surge em sociedades globais, como ganha sua legitimidade e valor. Precisamos desta perspectiva, juntamente com aqueles estudos epidemiológicos anônimos em larga escala, porque, sem essa compreensão mais profunda e mais rica, não temos um contexto adequado para as estatísticas.

LH: Em A framework for understanding trends…10. Singh I. A framework for understanding trends in ADHD diagnoses and stimulant drug treatment: schools and schooling as a case study. Biosociet. 2006; (1):439-52.e, também, em ADHD, culture and education14. Singh I. ADHD, culture and education. Early Child Dev Care. 2008; 178(4):347-61.você dizia, comparando com o contexto dos EUA, que a falta de uma agenda integrada (escola, clínica, políticas públicas e a compreensão psiquiátrica do desenvolvimento das crianças) poderia ser um fator especulativo que poderia explicar a aceitação tardia dos diagnósticos de TDAH e do tratamento com medicamentos no Reino Unido. Você acha que esse contexto mudou desde aquele momento até hoje no Reino Unido? Além disso, você poderia dizer o que sabe a este respeito em termos de outros países?

IS: No Reino Unido observou-se que há ainda uma compreensão, entre os psiquiatras, de que há um problema real de reconhecimento do TDAH nas escolas. Acho que isso acontece por uma série de razões: muitos professores são céticos quanto ao diagnóstico; muitas escolas não estão equipadas/preparadas para lidarem com qualquer tipo de problema de saúde mental com crianças, e há mais trabalho sendo feito agora para possibilitar a identificação precoce e os serviços preventivos nas escolas. Esperamos que isso seja para o bem das crianças.

Provavelmente, algumas crianças que não deveriam ser identificadas nestes processos o serão, e as razões pelas quais elas serão identificadas podem ter a ver com o fato de elas serem pobres ou pertencerem a minorias étnicas. Isso acontece no contexto dos EUA, e temos dados que mostram que em comunidades pobres no Reino Unido há maior probabilidade de diagnóstico de TDAH.

A outra área problemática que eu observei no Reino Unido é a de que parte da educação de professores em torno de condições como o TDAH está sendo conduzida pela indústria farmacêutica. A indústria convida professores para suas conferências e produz materiais especiais para eles. É muito difícil não ter uma visão cínica quanto a isso. Mas a pharma(p)(p)No sentido de tudo o que envolve a indústria farmacêutica. está preenchendo uma lacuna também. Eles estão fornecendo educação aos professores, e isso poderia ser algo positivo se um professor, em seguida, pudesse ajudar um aluno que realmente precisa de ajuda. Aqui não há trabalho empírico para investigar se, depois que os professores saem para estes treinamentos de dois dias, o número de diagnósticos ou encaminhamentos aumenta nas escolas. Gostaria de levantar a hipótese de que, provavelmente, há alguma relação, mas sem dados não temos uma maneira de avaliar isso, então nos resta apenas o ceticismo e um pouco de cinismo.

Uma coisa que eu poderia dizer - e isso talvez seja relevante para o Brasil também: o que precisamos é de uma estratégia melhor para os serviços de saúde mental nas escolas. Precisamos educar os professores sobre saúde mental e sobre as necessidades de seus alunos, e precisamos garantir que os alunos que precisam de ajuda possam acessá-la. Devemos também avaliar cuidadosamente o que acontece quando os professores têm conhecimento, se eles começam a ver/filtrar as suas observações através da lente do diagnóstico. Também precisamos entender até que ponto o diagnóstico beneficia a criança ou não.

Não temos este tipo de acompanhamento, e eu acho que, se nós vamos fazer reivindicações reais sobre os benefícios ou danos da identificação precoce e dos programas preventivos nas escolas, então temos de ter programas de pesquisa criados em torno deles para nos mostrarem se eles estão ou não fazendo o que esperamos que eles façam. Caso contrário, estamos apenas adivinhando.

É sempre uma questão de dinheiro: quem vai financiar um projeto longitudinal deste tipo? O que frequentemente acontece é que o financiador dirá que um número X de crianças foi identificado, e isso é considerado o benefício do serviço de intervenção precoce; mas sabemos que isso não é, necessariamente, um benefício se as crianças foram identificadas erroneamente ou se não tiveram acesso aos serviços de que necessitavam depois de serem identificadas. Portanto, precisamos de bons dados de avaliação pós-intervenção.

  • (c)
    Recentemente, a professora Ilina publicou dois textos que ampliam a discussão aqui apresentada: “Cognitive enhancement in healthy children will not close the achievement gap in education”. The American Journal of Bioethics. 2016, 16(6):39-59, em parceria com Sebastian Sattler; e “Can guidelines help reduce the medicalization early childhood?” Journal of Pediatrics. 2016, 166:1344-6), em parceria com Willian D. Graf.
  • (d)
    A entrevistada faz referência à “tutoria adicional”, a qual foi, aqui, traduzida como “aulas de reforço fora da escola” para enfatizar o modo como temos tratado esta questão no âmbito brasileiro.
  • (e)
    Nota do entrevistador: Renato Janine Ribeiro, no texto “Novas fronteiras entre natureza e cultura” (In: NOVAES, Adauto. O homem-máquina: a ciência manipula o corpo. São Paulo, Companhia das Letras, 2003. p.15-36), faz uma interessante discussão acerca deste aspecto.
  • (f)
    A entrevistada faz referência à segunda semana de dezembro de 2014.
  • (g)
    A entrevistada utiliza a expressão middle childhood, que corresponderia à idade entre seis e oito anos. No entanto, algumas descrições no âmbito brasileiro referem este período como terceira infância, variando de 6-8 a 12-13 anos, o que torna mais coerente com a colocação da entrevistada, que refere a passagem da infância para a adolescência.
  • (h)
    A professora Ilina faz referência ao texto The social construction of what? (Cambridge, MA: Harvard UP 1999).
  • (i)
    Novamente, a entrevistada faz referência a uma matéria publicada em dezembro de 2014.
  • (j)
    A entrevistada emprega a expressão “pill-popping culture”, cujo significado seria uma cultura de tomar comprimidos/medicamentos, especialmente quando isso se torna um hábito ou quando as pílulas são drogas ilegais.
  • (k)
    Vide, por exemplo, alguns dos trabalhos desta pesquisadora no âmbito brasileiro no seguinte endereço eletrônico: https://kclpure.kcl.ac.uk/portal/en/persons/dominique-behague(9a782d7a-4351-46bd-8b7c-3ca8748866f0)/publications.html.
  • (l)
    Um dos trabalhos recentes mais conhecidos de Peter Conrad é o livro The medicalization of society - on the transformation of human conditions on treatable disorders (Baltimore: The John Hopkins University Press, 2007).
  • (m)
    Trata-se do livro Global Perspectives on ADHD: The Social Dimensions of Diagnosis and Treatment in 16 Countries (coedited with Meredith Bergey, Angela Filipe, and Ilina Singh). Baltimore: Johns Hopkins University Press. In Press.
  • (n)
    Este novo projeto, denominado “Becoming Good: Early Intervention and Moral Development in Child”, pode ser acessado no site: http://www.begoodeie.com.
  • (o)
    “VOICES” (Vozes sobre identidade, Infância, Ética e Estimulantes: Crianças se juntam ao debate, financiado pelo Wellcome Trust). Para maiores informações, acesse a primeira parte desta entrevista (http://interface.org.br/edicoes/v-20-n-59-out-dez-2016) ou o próprio site do projeto (http://www.adhdvoices.com/).
  • (p)
    No sentido de tudo o que envolve a indústria farmacêutica.

Referências

  • 1
    Singh I. Biology in context: social and cultural perspectives on ADHD. Child Soc. 2002; (16):360-7.
  • 2
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  • 3
    Singh I. Clinical implications of ethical concepts: moral self-understandings in children taking methylphenidate for ADHD. Clin Child Psychol Psychiatry. 2007; 12(2):167-82.
  • 4
    Singh I. Not robots: children's perspectives on authenticity, moral agency and stimulant drug treatments. J Med Ethics. 2013; 39(6):359-66.
  • 5
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    Singh I. Brain talk: power and negotiation in children's discourse about self, brain and behavior. Sociol Health Illn. 2013; 35(6):813-27.
  • 14
    Singh I. ADHD, culture and education. Early Child Dev Care. 2008; 178(4):347-61.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    20 Mar 2017
  • Aceito
    12 Abr 2017
UNESP Botucatu - SP - Brazil
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