Parangolés: inspiração para dançar no território

Parangolés: inspiration to dance in the territory

Parangolés: inspiración para bailar en el territorio

Marina Souza Lobo Guzzo Flavia Liberman Nice Gonçalvez Lenita Maria Tonon Viviane Santalucia Maximino Conrado Augusto Gandara Federici Sobre os autores

Resumos

Alguns artistas e suas obras, inspiram processos inventivos. Hélio Oiticica, artista revolucionário, provocou a realização e o registro fotográfico do projeto Parangolés: inspirações para dançar no território. Este projeto, desenvolvido na cidade de Santos, na Zona Noroeste, no ano de 2016, teve como participantes professores e estudantes de diferentes cursos da área da saúde e um grupo de mulheres que vive em uma região de vulnerabilidade e desejou promover experiências artísticas e culturais. Deslocando-se de um território a outro, os participantes puderam dançar e experimentar a potência lúdica e criativa de seus corpos, em uma paisagem composta por areia e mar. Vestindo roupas criadas com as formas dos Parangolés e com a delicadeza ética e estética que pauta as nossas ações de cuidado, afirmamos a importância das artes na formação e atenção em saúde, compreendida como produção de vida, como invenção de si e de mundos, como dança coletiva nos territórios.

Palavras-chave:
Dança; Arte; Fotografia; Mulheres; Vulnerabilidade


Some artists and their works motivate inventive processes. Hélio Oiticica, a revolutionary artist, inspired the realization and photographic record of the project Parangolés: inspirations to dance in the territory. This project developed in the city of Santos, in the Northwest Zone, in the year 2016, had the participation of professors and students from different undergraduate courses in the health area and a group of women who lived in a vulnerable region and wished to promote artistic and cultural experiences. Moving from one territory to another, the participants had the opportunity to dance and experience the spontaneous and creative power of their bodies in a landscape made up of sand and sea. Wearing clothes with the shapes of parangolés and with the ethnic and esthetic delicacy which guides our care actions, we affirm the importance of art in health training and care, understood as the production of life, as an intervention of oneself and worlds, as a collective dance in territories.

Keywords:
Dancing; Art; Photography; Women; Vulnerability


Algunos artistas y sus obras inspiran procesos inventivos. Hélio Oiticica, artista revolucionario, provocó la realización y el registro fotográfico del proyecto Parangolés: inspiraciones para bailar en el territorio. Este proyecto desarrollado en la ciudad de Santos, en la Zona Noroeste, en el año 2016, tuvo como participantes a profesores y estudiantes de diferentes cursos del área de la salud y a un grupo de mujeres que vive en una región de vulnerabilidad y su deseo fue promover experiencias artísticas y culturales. Desplazándose de un territorio a otro, los participantes pudieron bailar y experimentar la potencia lúdica y creativa de sus cuerpos en un paisaje compuesto por arena y mar. Usando ropas creadas con las formas de los Parangolés y con la delicadeza ética y estética que pauta nuestras acciones de cuidado, afirmamos la importancia de las artes en la formación y atención de la salud, entendida como producción de vida, como invención de sí y de mundos, como baile colectivo en los territorios.

Palabras clave:
Baile; Arte; Fotografía; Mujeres; Vulnerabilidad


O que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais, no meio da alegria, e inda mais alegre ainda no meio da tristeza! Só assim de repente, na horinha em que se quer, de propósito - por coragem11. Rosa JG. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 1984.. (p. 297)

A vida é muito discordada. Tem partes. Tem artes. Tem as neblinas de Siruiz. Tem as caras todas do Cão, e as vertentes do viver11. Rosa JG. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 1984.. (p. 471)

Os Parangolés surgiram como uma proposta em muitas etapas: cortar, escolher tecidos, vestir-se de panos, mover-se com aquelas vestimentas, tornar-se criança tal como Hélio assim o desejava. Como vestir a roupa dos pais e brincar. O aspecto lúdico e o estado de infância da proposta envolveu a todos. Todos produziram seus Parangolés. Os corpos se aproximavam para escolher, coser, experimentar os trajes. Iríamos à praia, lugar tão perto e tão longe daquele território. Para isto, chamamos uma costureira e, para o registro, uma fotógrafa, que fez as imagens deste jogo, desta brincadeira que deve continuar…

Lindas fotos! Este ensaio traz algumas delas. Vêem-se os sorrisos, o grupo ora se aproximando, ora se distanciando, encontros entre os corpos. O mar, a areia e o morro. A paisagem faz parte do cenário dessa experimentação. Encontros entre corpos, humanos e não humanos, como nos diz Suely Rolnik22. Rolnik S. Pensamento, corpo e devir: uma perspectiva ético/estético/política no trabalho acadêmico. Cad Subjetiv.1993; 1(2):241-51..

Nesse projeto provocamos a potência artística de mulheres e estudantes, compreendendo-a como experiência estética de expressão, cuidado e conhecimento de si, do outro e dos ambientes. Esta potência, entrevista nas fotos, indica que as práticas corporais devem fazer parte da formação dos profissionais de saúde, integrando elementos da subjetividade e da complexidade humana que foram apartados da formação acadêmica e científica moderna, tais como: a afetividade, a sensibilidade e a potência inventiva e conectiva dos corpos.

Os tecidos, as cores, os olhares. Água, pernas, braços, movimentos… a mulher que não enxerga de um olho, a outra que quer entrar no mar de qualquer jeito, a outra que é só sorrisos. Pulos, saltos, silêncios, movimentos solitários, em duetos, em quartetos, o grupo todo compondo inúmeras variações coreográficas.

Hélio Oiticica e seus Parangolés33. Oiticica H. Projeto Hélio Oiticica [Internet]. Rio de Janeiro; 2018 [citado 20 Nov 2017]. Disponível em: http://www.heliooiticica.org.br/home/home.php
http://www.heliooiticica.org.br/home/hom...
foram um dos nossos inspiradores para a realização do projeto com as mulheres da região Noroeste de Santos. Hélio, que quando criança não frequentou a escola formal, desenvolveu-se como artista e associou-se à escola de samba Mangueira, onde diz ter encontrado um lar. Mais tarde foi expulso de uma exposição em um museu por ter levado sambistas para aquele espaço considerado imaculado. Um iconoclasta. Aplaudido por muitos que também não sentiam que aquele espaço era para todos, criou, com seus Parangolés, uma arte para usar e brincar. Arte para dançar e dar risada. Arte corajosa e provocativa.

Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia11. Rosa JG. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 1984.. (p. 60)

Nesse trabalho buscamos dar acesso, brincar, reunir, provocar. As mulheres que moram na região noroeste de Santos frequentam, com professores e estudantes universitários, um espaço dedicado a atividades de arte e cultura em uma região de vulnerabilidade social(g)(g)O projeto Delicadas Coreografias propõe interferências de práticas corporais e artísticas na região Noroeste de Santos, produzindo conexão das mulheres com seus corpos e o território. Em parceria com o Instituto Arte no Dique e o Eixo Trabalho em Saúde da UNIFESP-Baixada Santista, tem como público mulheres residentes nessa região, que se encontram em situação de vulnerabilidade social e apresentam diferentes desafios de ordem física, psíquica e social.. Nesses encontros convivem, inventam e vivem experiências de cuidado mediados pelas propostas corporais e artísticas, e expressam a força de vida no enfrentamento: da violência, da presença do tráfico de drogas e suas consequências, dos problemas que emergem quando há enchentes ou incêndios nas casas de madeira, etc. Um local onde o conflito parece estar sempre à espreita. A cada semana, desbravamos essa região e aprendemos seus caminhos, onde tudo parece igual e tudo é tão diferente.

O trabalho se faz de modo artesanal, no corpo a corpo, e é composto por ações com diferentes camadas. Podemos citar alguns desafios, sem perder de vista que, na prática, eles se desdobram em inúmeros outros que se apresentam em ato e ao longo dessa experiência. Iniciada em 2009, ainda segue vigorosa, pulsante e provocativa para todos os envolvidos.

Em relação aos estudantes, há sempre a necessidade de exercitar estados de prontidão para lidar com o inusitado. Impõe-se, conjuntamente a este aspecto, a busca pela autonomia dos estudantes, que envolve saber que esta se faz na interdependência, e não no fazer ou estar sozinho. Exercitar um corpo para lidar com o imprevisto; olhar e agir em parceria e coletivamente para criar um trabalho em comum; e, ao mesmo tempo, produzir e almejar a diferença que enriquece e potencializa a experiência. Além disso, exercitar um olhar e uma atenção para o seu processo, para o processo do grupo, para o processo de cada mulher-participante.

Em relação às mulheres, exercitamos a nossa capacidade de cuidar, acompanhar, acolher demandas, desejos e estar imersos nos processos em curso. Organizar, planejar e atuar em coparticipação, embarcar efetivamente nos processos, no fluxo dos acontecimentos. Trabalhar, acreditar e valorizar muito as ações mínimas, quase invisíveis, e reconhecer o trabalho “dos bastidores”, evitando correr o risco de apenas valorizar o produto final, aquilo que conseguimos enxergar.

Há, ainda, os desafios institucionais relacionados à aproximação e ao cuidado permanente com a parceria universidade pública-ONG de arte e cultura. Na medida do possível, almejamos envolver, na proposta, os profissionais, visando um trabalho interprofissional e coletivo. Por fim, trazer a arte para a academia é poder (re)afirmar seu lugar na produção de saúde, expandindo as fronteiras deste conceito e seus procedimentos.

Ao lado das dimensões artística, formativa e de intervenção, temos ainda, nesse trabalho: uma dimensão de pesquisa que envolve as articulações entre temas relacionados ao corpo, às artes e à saúde; e uma dimensão política, que envolve pensar e agir na articulação entre micro e macropolítica como esferas indissociáveis, pois o tecido social é composto e construído por múltiplas relações.

Nessa região, essa arte para brincar ilumina a vida, abre espaços. A areia, os gritos, as pernas ao ar, uma tarde regada pelas inspirações de Hélio e suas ideias. Ações que seguem se propagando em outras propostas que têm em si algo revolucionário, pois rompem a norma, criam novas narrativas, novos modos de ser e fazer. Novos mundos.

  • (g)
    O projeto Delicadas Coreografias propõe interferências de práticas corporais e artísticas na região Noroeste de Santos, produzindo conexão das mulheres com seus corpos e o território. Em parceria com o Instituto Arte no Dique e o Eixo Trabalho em Saúde da UNIFESP-Baixada Santista, tem como público mulheres residentes nessa região, que se encontram em situação de vulnerabilidade social e apresentam diferentes desafios de ordem física, psíquica e social.

Agradecimentos

Agradecimentos à Lenita Mora Tonon, pela confecção, com os participantes, das roupas inspiradas nos Parangolés, e ao Instituto Arte no Dique, pelo acolhimento de nossos projetos.

Referências

  • 1
    Rosa JG. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 1984.
  • 2
    Rolnik S. Pensamento, corpo e devir: uma perspectiva ético/estético/política no trabalho acadêmico. Cad Subjetiv.1993; 1(2):241-51.
  • 3
    Oiticica H. Projeto Hélio Oiticica [Internet]. Rio de Janeiro; 2018 [citado 20 Nov 2017]. Disponível em: http://www.heliooiticica.org.br/home/home.php
    » http://www.heliooiticica.org.br/home/home.php

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    21 Dez 2017
  • Aceito
    12 Jun 2018
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