Experiências de mulheres no gestar e parir fetos anencéfalos: as múltiplas faces da violência obstétrica

Experiencias de mujeres en la gestación y parto de fetos con anencefalia: las múltiples faces de la violencia obstétrica

Iulia Bicu Fernandes Paulo Alexandre de Souza São Bento Rozânia Bicego Xavier Sobre os autores

Resumos

A anencefalia é uma malformação congênita caracterizada pela ausência total ou parcial do cérebro, resultando em incompatibilidade com a vida extrauterina do feto, não sendo incomum relatos de violências sofridas por mulheres que deram à luz a tais fetos. Os objetivos deste trabalho foram identificar as violências sofridas pelas gestantes de fetos anencéfalos e discutir a violência experienciada por mulheres em gestações e partos de fetos anencéfalos. O método foi composto por Narrativas de Vida, sendo o estudo realizado entre junho e novembro de 2016 em uma maternidade do Rio de Janeiro com 12 mulheres com diagnóstico de feto anencéfalo. Após análise compreensiva e comparativa dos dados, a violência obstétrica surgiu predominantemente na forma de julgamento moral das escolhas das mulheres, má assistência, abusos, utilização de jargões, entre outras. Nessas experiências permeadas por sofrimentos e perdas, a violência obstétrica amplia a situação de vulnerabilidade das mulheres, havendo a necessidade de um debate mais aprofundado.

Anencefalia; Violência; Violência obstétrica; Saúde da mulher; Saúde pública


La anencefalia es una mala formación congénita caracterizada por la ausencia total o parcial del cerebro, resultando en incompatibilidad con la vida extrauterina del feto, siendo bastante comunes los relatos de violencias sufridas por esas mujeres.

Objetivos

identificar las violencias sufridas por las gestantes de fetos con anencefalia y discutir la violencia experimentada por mujeres en gestaciones y partos de fetos con anencefalia.

Método

narrativas de vida, siendo el estudio realizado entre junio y noviembre de 2016 en una maternidad de Río de Janeiro, con 12 mujeres con diagnóstico de fetos con anecefalía. Después de un análisis amplio y comparativo de los datos, la violencia obstétrica surgió predominantemente en la forma de juicio moral de las opciones de las mujeres, mala asistencia, abusos, utilización de jergas y otros. En esas experiencias puntuadas por sufrimientos y pérdidas, la violencia obstétrica amplía la situación de vulnerabilidad de las mujeres, habiendo necesidad de un debate más profundizado.

Anencefalia; Violencia; Violencia obstétrica; Salud de la mujer; Salud pública


Introdução

A maternidade é considerada uma construção social e, dependendo de cada contexto cultural específico, o conceito de mãe e filho tem um significado diferente11. Gradvohl SMO, Osis MJD, Makuch MY. Maternidade e formas de maternagem desde a idade média à atualidade. Pensando Fam. 2014; 18(1):55-62. , que não se restringe aos aspetos fisiológicos inerentes, já que uma gravidez engloba também um conjunto de sentimentos e emoções que se entrelaçam e estão ancorados na sociedade em que a mulher está inserida. Ou seja, a gravidez implica mudanças dinâmicas – sejam elas físicas, sociais ou emocionais – e é considerada uma experiência de vida saudável na maioria dos casos22. Brasil. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Gestação de alto risco manual técnico [Internet]. 5a ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2012 [citado 15 Mar 2016]. (Série A. Normas e Manuais Técnicos). Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/gestacao_alto_risco.pdf
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Contudo, determinadas gestantes apresentam uma maior probabilidade de evolução desfavorável da gravidez, sendo chamadas de gestantes de alto risco. Por isso, é de suma importância o acompanhamento e assistência pré-natal, que permitirá uma avaliação dinâmica, a deteção precoce e o manejo adequado das situações de risco eventualmente presentes, com vistas a impedir um resultado desfavorável22. Brasil. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Gestação de alto risco manual técnico [Internet]. 5a ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2012 [citado 15 Mar 2016]. (Série A. Normas e Manuais Técnicos). Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/gestacao_alto_risco.pdf
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. Uma dessas situações é a presença de antecedentes de recém-nascido malformado em gestações anteriores ou quando há anomalia congênita fetal na gestação atual22. Brasil. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Gestação de alto risco manual técnico [Internet]. 5a ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2012 [citado 15 Mar 2016]. (Série A. Normas e Manuais Técnicos). Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/gestacao_alto_risco.pdf
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Aproximadamente 21% dessas malformações envolvem o sistema nervoso central e são um dos defeitos congênitos mais frequentes33. Simoni RZ, Couto E, Barini R, Heinrich-Moçouçah J, Bragança WO, Couto ER, et al. Malformações do sistema nervoso central e a presença da mutação C677T-MTHFR no sangue fetal. Rev Bras Ginecol Obstet. 2013; 35(10):436-41. . Segundo últimos dados do Ministério da Saúde, no ano de 2016, houve 2.857.800 nascidos vivos em todo o território brasileiro e, destes, 4.085 foram diagnosticados com malformação congênita do sistema nervoso. A região Nordeste apresentou o maior número de casos, com 1646 nascidos vivos com este diagnóstico; seguida da região Sudeste, com 1568 casos; região Norte, com 365; região Centro-Oeste, com 267; e região Sul, com 239 casos44. Brasil. Departamento de Informática do SUS. Informações de saúde, demográficas e socioeconômicas [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2013 [citado 16 Mar 2016]; Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sinasc/cnv/nvuf.def
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. Chamados também de defeitos de fechamento do tubo neural (DFTN), essas malformações incidem sobre a fase inicial do desenvolvimento fetal na quarta semana da gestação, abrangendo a estrutura primitiva que dará origem ao cérebro e à medula espinhal, havendo uma falha no fechamento adequado do tubo neural embrionário. As causas perpassam pela interação entre fatores genéticos e ambientais, denominada herança multifatorial, sendo a deficiência do ácido fólico um fator de risco importante. Porém, o mecanismo exato que ocorre durante a embriogênese é desconhecido33. Simoni RZ, Couto E, Barini R, Heinrich-Moçouçah J, Bragança WO, Couto ER, et al. Malformações do sistema nervoso central e a presença da mutação C677T-MTHFR no sangue fetal. Rev Bras Ginecol Obstet. 2013; 35(10):436-41. .

A anencefalia, um dos DFTN mais frequentes, é uma malformação congênita decorrente da falha no fechamento da extremidade superior do tubo neural durante a quarta semana de embriogênese, resultando na ausência total ou parcial do cérebro e do crânio, deixando o cérebro exposto, quando este é desenvolvido parcialmente. Trata-se de uma doença letal que ocorre em um a cinco em 1000 nascidos vivos e é mais frequente no sexo feminino. Esse acometimento do feto o torna inviável, ou seja, há incompatibilidade com a vida extrauterina. Em mais de metade dos casos, os fetos não resistem à gestação e os que alcançam o momento do parto sobrevivem minutos ou horas fora do útero55. Gazzola LPL, Melo FHC. Anencefalia e anomalias congênitas: contribuição do patologista ao Poder Judiciário. Rev Bioet. 2015; 23(3):495-504. , 66. Diniz D, Vélez ACG. Aborto na Suprema Corte: o caso da anencefalia no Brasil. Estud Fem. 2008; 16(2):440. . Tal como no caso dos DFTN, estima-se que o principal agente causador da anencefalia seja a deficiência de vitaminas durante a gestação, principalmente do ácido fólico, além da influência de outros agentes teratogênicos como radiação, sulfonamidas e salicilatos77. Silva MH, Rodrigues MFS, Amaral WN. Aspectos médicos e psicológicos de grávidas portadoras de feto anencefálico. Femina. 2011; 39(10):493-8. .

Não obstante, até o ano de 2012, os excludentes de ilicitude para o aborto no Brasil não previam a situação clínica da anencefalia ou de outras malformações incompatíveis com a vida do feto, e as mulheres se viam obrigadas a manterem a gestação; podiam buscar autorização judicial para interrompê-la, mas não tinham a garantia da sua obtenção. Somente em 2012 a situação da anencefalia foi contemplada no Supremo Tribunal Federal e a interrupção da gestação nesses casos tornou-se legal. O objetivo dessa decisão não foi criar um novo permissivo para o aborto, mas sim demonstrar que a situação clínica da anencefalia não se enquadrava na determinação penal do crime de aborto, já que o feto anencéfalo não possui expectativa de vida extrauterina88. Diniz D, Penalva J, Fagúndes A, Rosas C. A magnitude do aborto por anencefalia: um estudo com médicos. Cienc Saude Colet. 2009; 14(1):1619-24. .

Perante essa situação, a gestante experimenta sentimentos muito negativos, além de que a própria gestação de anencéfalo pode acarretar complicações físicas, como polidramnia, parto distócico, doenças hipertensivas, quadros psicológicos graves, entre outros55. Gazzola LPL, Melo FHC. Anencefalia e anomalias congênitas: contribuição do patologista ao Poder Judiciário. Rev Bioet. 2015; 23(3):495-504. . Há um rompimento com a expectativa do filho idealizado e perfeito, o que se traduz em um momento de intenso sofrimento e angústia emocional na maioria dos casos e a decisão complexa entre interromper ou não a gestação se torna real99. Cunha ACB, Pereira Junior JP, Caldeira CLV, Carneiro VMSP. Diagnóstico de malformações congênitas: impactos sobre a saúde mental de gestantes. Estud Psicol. 2016; 33(4):601-11. .

Como se não bastasse o que a experiência de gestar um feto anencéfalo acarreta na vida da gestante, não são incomuns os relatos de violências sofridas por essas mulheres ao longo da gestação e parto dos bebês anencéfalos. Essa realidade é capaz de desencadear prejuízos ao binômio mãe-filho que frequentemente se tornam irreparáveis1010. Santos SMAB, Oliveira ZM, Coqueiro RS, Santos VC, Dos Anjos KF, Casotti CA. Prevalência e perfil de mulheres grávidas que sofreram violência física. J Res Fundam Care. 2017; 9(2):401-7. .

O Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher define a violência contra as mulheres como qualquer ato ou conduta baseada no gênero, causando morte, dano ou sofrimento de ordem física, sexual ou psicológico às mulheres, tanto na esfera pública quanto na privada1111. Andrade BP, Aggio CM. Violência obstétrica: a dor que cala [Internet]. In: Anais do 3o Simpósio Gênero e Políticas Públicas; 2014; Londrina. Londrina: UEL; 2014 [citado 10 Nov 2016]. Disponível em: http://www.uel.br/eventos/gpp/pages/arquivos/GT3_Briena%20Padilha%20Andrade.pdf
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. Essa é uma das principais formas de violação dos direitos humanos, atingindo as mulheres em seus direitos à vida, à saúde e à integridade física e se manifesta pela negligência assistencial, discriminação social, violência verbal (como tratamento grosseiro, ameaças, reprimendas, gritos e humilhação intencional), violência física (como a não utilização de medicação analgésica quando indicada), uso inadequado da tecnologia ou intervenções desnecessárias e até o abuso sexual. Essas violências são manifestadas em instituições de saúde, o que as caracteriza também como violências institucionais1212. Strapasson MR, Nedel MNB. A institucionalização da violência contra a mulher no processo de nascimento: revisão integrativa. J Nurs UFPE. 2013; 7 Spe:6663-70. , 1313. Aguiar JM, D’Oliveira AFPL. Violência institucional em maternidades públicas sob a ótica das usuárias. Interface (Botucatu). 2011; 15(36):79-91. .

A violência provoca impactos significativos na saúde mental e física das mulheres, não sendo um fenômeno restrito à esfera doméstica, mas sim um problema de saúde pública mundial, muitas vezes velado1212. Strapasson MR, Nedel MNB. A institucionalização da violência contra a mulher no processo de nascimento: revisão integrativa. J Nurs UFPE. 2013; 7 Spe:6663-70. . No Brasil, somente recentemente foi avaliada como um grave problema social e de saúde pública a ser enfrentado, por meio das denúncias dos movimentos feministas iniciados nos anos sessenta e do reconhecimento dos direitos das mulheres como Direitos Humanos1010. Santos SMAB, Oliveira ZM, Coqueiro RS, Santos VC, Dos Anjos KF, Casotti CA. Prevalência e perfil de mulheres grávidas que sofreram violência física. J Res Fundam Care. 2017; 9(2):401-7. . É vista também como uma das expressões da violência de gênero, por atingir especificamente as mulheres e se manifestar com base nas relações de poder desiguais entre homens e mulheres na nossa sociedade1414. Aguiar JM, D’Oliveira AFPL, Schraiber LB. Violência institucional, autoridade médica e poder nas maternidades sob a ótica dos profissionais de saúde. Cad Saude Publica. 2013; 29(11):2287-96. . Tem como núcleo central a cultura patriarcal que, desde seu surgimento, delimita fronteiras entre dominador e dominado, no qual o segundo será reprimido pelo primeiro. Ainda que as relações entre as pessoas, mormente entre homens e mulheres, se modifiquem histórica e geograficamente, a ideologia de mando permanece forte em muitas culturas, afetando as mais diversas formas de convívio1515. Silva RLV, Lucena KDT, Deininger LSC, Martins VS, Monteiro ACC, Moura RMA. Violência obstétrica sob o olhar das usuárias. Rev Enferm UFPE. 2016; 10(12):4474-80. .

Uma dessas formas de expressar a violência contra as mulheres, muitas vezes oculta, é a violência obstétrica (VO). Esta acontece no momento da gestação, parto, nascimento e/ou pós-parto, inclusive no atendimento ao abortamento, e pode ser classificada em violência institucional, moral, física, psicológica, verbal e sexual. Estas são traduzidas na falta de acesso, na peregrinação, na supervalorização da tecnologia, na medicalização excessiva, no desrespeito, na negligência e na manobra de Kristeller. Também é traduzida nos toques excessivos; na episiotomia e amniotomia; no uso de ocitocina sintética e negação da analgesia; nos xingamentos, gritos e humilhações durante o cuidado obstétrico, entre outros1616. Martins AC, Barros GM. Parirás na dor? Revisão integrativa da violência obstétrica em unidades públicas brasileiras. Rev Dor (São Paulo). 2016; 17(3):215-8. .

Segundo vários autores, cerca de um quarto das mulheres que vivenciaram a experiência do parto e metade das que passaram por um processo de abortamento sofreram algum tipo de violência obstétrica1212. Strapasson MR, Nedel MNB. A institucionalização da violência contra a mulher no processo de nascimento: revisão integrativa. J Nurs UFPE. 2013; 7 Spe:6663-70. , 1717. Tesser CD, Knobel R, Andrezzo HFA, Diniz SG. Violência obstétrica e prevenção quaternária: o que é e o que fazer. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2015; 10(35):1-12. , o que indica que a violência já se naturalizou, transformando-se em uma das características comuns da atenção ao parto1414. Aguiar JM, D’Oliveira AFPL, Schraiber LB. Violência institucional, autoridade médica e poder nas maternidades sob a ótica dos profissionais de saúde. Cad Saude Publica. 2013; 29(11):2287-96. .

O momento do parto é permeado também pela violência institucional, cometida justamente por aqueles que deveriam ser os principais cuidadores da mulher neste evento social que é a maternidade. A paciente é tratada como um objeto de intervenções e anulada como sujeito de direitos, particularmente em relação aos direitos sexuais e reprodutivos. Isso é determinado em parte pela violência de gênero, que transforma diferenças de ser mulher, além de paciente, em desigualdades. Dessa forma, a violência institucional se dá no seio de relações desiguais de poder: por um lado, devido às relações de gênero existentes na nossa sociedade e, por outro, no seio da relação profissional de saúde e paciente, na qual o profissional é hierarquicamente superior e detentor do saber e o paciente é inferior e receptor dos cuidados1313. Aguiar JM, D’Oliveira AFPL. Violência institucional em maternidades públicas sob a ótica das usuárias. Interface (Botucatu). 2011; 15(36):79-91. , 1414. Aguiar JM, D’Oliveira AFPL, Schraiber LB. Violência institucional, autoridade médica e poder nas maternidades sob a ótica dos profissionais de saúde. Cad Saude Publica. 2013; 29(11):2287-96. .

Assim, ao refletir sobre os conceitos expostos acima sobre a malformação fetal, anencefalia e violência, compreende-se que a violência contra as mulheres encerra diversas formas de violência, notadamente: a violência de gênero, a obstétrica e a institucional. Notável, mas não raro, que ainda hoje muitas mulheres sofrem esses tipos de violência. Nesse sentido, cabe-se questionar alguns aspectos singulares: a experiência de gestantes de fetos anencéfalos revela que situações de violência? Quais os efeitos das violências na vida dessas mulheres? Dessa forma, o objeto deste estudo é a violência contra mulheres em gestações e partos de fetos anencéfalos e os objetivos são identificar e discutir as violências sofridas pelas gestantes de fetos anencéfalos.

O presente estudo – calçado em uma pesquisa matriz (Trabalho de Conclusão de Residência) – revela e ilumina a necessidade da ampliação do debate da vulnerabilidade das mulheres a diversos tipos de violências em seus contextos de vida. Ao pensar que gestar um feto anencéfalo é, por si só, algo complexo no que tange às subjetividades das mulheres, estas se deparam ainda com vários tipos de violência, em uma constante, no interior das instituições de saúde brasileiras. Além disso, durante a gestação e após o parto, ainda passam por situações simbólicas de violência e, nesse sentido, as reflexões e discussões acerca do tema permitirão, mais uma vez, reconhecer esse fenômeno e potencializar o reconhecimento dos profissionais de saúde a pensarem e repensarem as suas condutas.

Métodos

Tratou-se de um estudo com visão retrospectiva, de abordagem qualitativa e método de estudo das Narrativas de Vida1818. Bertaux D. Narrativas de vida: a pesquisa e seus métodos. São Paulo, Natal: EDUFRN, Paulus; 2010. . O campo de pesquisa foi a enfermaria de gestantes de uma maternidade do Rio de Janeiro e as participantes foram mulheres maiores de 18 anos, com diagnóstico de feto anencéfalo e que realizaram o parto na instituição, seja as que optaram pela interrupção ou não da gestação. Utilizaram-se os livros de admissão e alta dos arquivos da maternidade, no sentido de identificar as mulheres que gestaram fetos anencéfalos, e criou-se uma lista de 79 contatos telefônicos de mulheres elegíveis para a pesquisa, sendo feito o convite para participar desta via telefone. Tendo em conta a disponibilidade dos livros de admissão e alta, a busca foi realizada a partir do ano de 2009. Após contato, ocorreram 55 perdas pelos seguintes motivos: números inexistentes, ligações por engano e chamadas não completadas ou não atendidas em várias ocasiões. Das que se conseguiu contato, nove mulheres não aceitaram participar, duas mulheres relataram se tratar de outro diagnóstico e não anencefalia e uma mulher relatou morar em outra cidade. Assim, chegou-se a um total de 12 mulheres que aceitaram participar da pesquisa. Foi utilizada a entrevista narrativa para coletar os dados e as entrevistas foram realizadas de junho a novembro de 2016, após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Foi realizada uma única pergunta para nortear a entrevista: “Vamos conversar sobre as suas gestações: pode me contar como foram as suas gestações?”. Além disso, a Pauta Temática foi utilizada como instrumento auxiliar. As entrevistas foram realizadas em local e horário convenientes às participantes: duas nas instalações da maternidade, duas na residência das mulheres e o restante em locais públicos, garantindo a confidencialidade da narrativa. A saturação progressiva foi alcançada na quinta entrevista, a partir das recorrências, e a coleta dos dados foi encerrada na 12a entrevista, permitindo a pesquisa de caso negativo1818. Bertaux D. Narrativas de vida: a pesquisa e seus métodos. São Paulo, Natal: EDUFRN, Paulus; 2010. , 1919. Fontanella BJB, Luchesi BM, Saidel MGB, Ricas J, Turato ER, Melo DG. Amostragem em pesquisas qualitativas: proposta de procedimentos para constatar saturação teórica. Cad Saude Publica. 2011; 27(2):389-94. . Para garantir o anonimato das participantes, estas foram identificadas a partir do sistema alfanumérico e as entrevistas foram enumeradas sequencialmente, conforme a sua realização, e utilizou-se a letra E (de entrevista) antes de cada número. A fim de proporcionar a leitura em paralelo, as entrevistas foram gravadas em MP3 e transcritas simultaneamente.

Após ser realizada a leitura flutuante e aprofundada do material surgido, foram constatados 18 enunciados e a partir destes foi possível realizar uma análise compreensiva e comparativa dos dados, conforme aponta Bertaux1818. Bertaux D. Narrativas de vida: a pesquisa e seus métodos. São Paulo, Natal: EDUFRN, Paulus; 2010. . Neste artigo, discutiu-se o que se nomeou núcleo narrativo, que são as narrativas que evocaram a experiência das mulheres sobre violências. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do hospital e possui o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética no 52403915.6.0000.5269. Dessa forma, as normas da Resolução 466/122020. Brasil. Ministério da Saúde. Resolução nº 466, de 12 de Dezembro de 2012. Brasília, DF: Conselho Nacional de Saúde; 2012. foram respeitadas.

Resultados e discussão

A faixa etária das participantes do estudo variou entre 23 e 42 anos. No que diz respeito à cor da pele, dois terços das mulheres se autodeclararam pardas, duas se autodeclararam negras, uma branca e uma amarela. Quanto à escolaridade, duas mulheres referiram ensino fundamental (uma incompleto e uma completo); quatro, ensino médio completo; uma, ensino médio incompleto; duas, ensino superior incompleto; e duas, ensino superior completo. Uma mulher referiu ser pós-graduada. Em relação à ocupação, dois terços das mulheres referiram estar formalmente empregadas, três relataram ser “do lar” e uma mulher se declarou estudante. No que tange à situação conjugal, sete participantes diziam-se casadas, duas em união estável e três solteiras. Em relação à renda, esta variou entre zero e 11 salários mínimos.

No que diz respeito ao número de gestações, este variou entre duas a quatro gestações por entrevistada. Quanto ao número de partos, houve variação entre um e três partos por participante. Quanto ao número de abortos, a variação foi entre zero e duas por mulher entrevistada. No momento da realização das entrevistas, três participantes estavam grávidas. Em relação à gestação do feto anencéfalo, um pouco mais da metade optou pela antecipação terapêutica do parto, três participantes realizaram cesariana, uma mulher entrou em trabalho de parto prematuro e uma entrevistada interrompeu a gestação pelo diagnóstico de óbito fetal intrauterino. Em relação à idade gestacional do procedimento, houve variação de cinco a nove meses. No que diz respeito à gestação do anencéfalo, foi a primeira gestação em metade dos casos e a variação ocorreu entre a primeira e a quarta gestação. Quanto ao número de filhos, duas entrevistadas não tinham nenhum filho vivo no momento da entrevista, dois terços tinham um filho vivo, uma participante referiu ter dois filhos e uma referiu ter três filhos.

Os resultados desta pesquisa desvendaram que, desde o momento da descoberta da anencefalia até o período da internação para interromper a gestação ou realização do parto, as participantes do estudo sofreram vários tipos de violência. Ou seja, a jornada dessas mulheres foi permeada por este fenômeno, o que se traduziu em uma caminhada ainda mais dolorosa. Após análise, essas violências foram classificadas como facetas da VO e ao longo desta seção elas serão trazidas para discussão.

A identificação das diversas formas de violência obstétrica não foi, de imediato, percebida como um fenômeno sociocultural que envolve as desigualdades relacionadas a gênero, raça e instituições. Inicialmente, os cenários foram classificados enquanto descasos, desrespeitos às escolhas das mulheres, má assistência profissional, entre outros, tornando-se elementos marcantes, mas ainda dispersos nas vivências narradas.

Nesse sentido, foi importante compreender e validar por meio de leituras e análises que esses elementos geraram o núcleo duro da violência obstétrica. Isso reflete o tipo de ensino predominante na área da saúde, no qual as necessidades de formação dos profissionais são valorizadas acima do direito à autonomia ou integridade corporal das parturientes. Somado a isso, os profissionais de saúde são socializados a crer que o seu atendimento, mesmo gerando situações de violência, é uma “ajuda” às mulheres e tendem a ignorar a existência desses diversos tipos de violência, a não ser que haja uma reflexão mais aprofundada sobre o assunto. Por isso, quando as parturientes percebem e verbalizam a assistência como um abuso e desrespeito, essas narrativas são vistas com hostilidade por parte dos profissionais de saúde2121. Diniz CSG, Niy DY, Andrezzo HFA, Carvalho PCA, Salgado HO. A vagina-escola: seminário interdisciplinar sobre violência contra a mulher no ensino das profissões de saúde. Interface (Botucatu). 2016; 20(56):253-9. .

Uma das facetas da violência obstétrica que mais chamou a atenção foi o julgamento moral das escolhas das mulheres. Isso foi manifestado pela recriminação e desrespeito por parte dos profissionais de saúde e familiares para com a decisão da mulher em relação ao seu próprio corpo, seja por decidir levar adiante uma gestação de anencéfalo – que, do ponto de vista dos que a rodeiam, era inútil e não fazia sentido –, seja por decidir interromper a gestação.

A recriminação e não aceitação da escolha e da decisão da mulher estão permeadas pelas relações desiguais de poder presentes na relação entre o profissional de saúde e a paciente, contexto no qual a medicina detém o poder enquanto saber legítimo em nossa sociedade e a paciente é vista como vulnerável. No topo da hierarquia, está o médico e o poder por este exercido baseia-se na autoridade cultural e moral que a profissão médica tem detido em nossa sociedade. Essa autoridade está pautada não apenas em determinados conhecimentos científicos e em tecnologias, mas também em certos valores e crenças culturais que são compartilhados como verdadeiros socialmente, além de exercerem determinado domínio sobre a conduta moral dos sujeitos. Assim, os profissionais de saúde, nomeadamente a equipe médica, tem como pilar a legitimidade científica e isso é refletido nas falas de desaprovação dos médicos em relação à decisão das mulheres1313. Aguiar JM, D’Oliveira AFPL. Violência institucional em maternidades públicas sob a ótica das usuárias. Interface (Botucatu). 2011; 15(36):79-91. .

Por outro lado, a mulher e o seu corpo têm sido vistos como máquina, na qual o profissional médico é o engenheiro que detém todo o saber sobre ela e, por isso, acha-se no direito de negligenciar informações, emoções, sentimentos, percepções e direitos da mulher a gestar, parir e expressar os seus sentimentos e emoções, o que contraria a Política Nacional de Humanização1111. Andrade BP, Aggio CM. Violência obstétrica: a dor que cala [Internet]. In: Anais do 3o Simpósio Gênero e Políticas Públicas; 2014; Londrina. Londrina: UEL; 2014 [citado 10 Nov 2016]. Disponível em: http://www.uel.br/eventos/gpp/pages/arquivos/GT3_Briena%20Padilha%20Andrade.pdf
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. Isso pode ser visível neste relato: "[...] todo o lugar que eu chegava era as pessoas... assim, me olhava torto, ou achava assim uma loucura eu não... carregar uma gestação assim que... pra eles seria em vão, né?" (E5).

Outro fenômeno muito evidente que várias entrevistadas fizeram menção foi em relação à má assistência e banalização de suas queixas, presentes na medida em que foi negada analgesia, mesmo quando prescrita, e também pela presença da dor e sensação da parturiente como sendo mais uma mulher em trabalho de parto: a partir desse raciocínio, a mulher teria, portanto, que suportar as dores em silêncio, porque essa seria a condição social aceita.

As dores sentidas pelas mulheres durante o trabalho de parto são reconhecidas, culturalmente, como punições sensíveis relacionadas ao conceito religioso de ter cometido o pecado original. A replicação desse ponto de vista no arcabouço histórico e cultural da sociedade leiga e de profissionais de saúde expõe a mulher à violência obstétrica e de gênero e a dor torna-se inerente à experiência da maternidade1111. Andrade BP, Aggio CM. Violência obstétrica: a dor que cala [Internet]. In: Anais do 3o Simpósio Gênero e Políticas Públicas; 2014; Londrina. Londrina: UEL; 2014 [citado 10 Nov 2016]. Disponível em: http://www.uel.br/eventos/gpp/pages/arquivos/GT3_Briena%20Padilha%20Andrade.pdf
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. A mulher deve aguentar a dor do parto, pois ela é capaz de a suportar, biologicamente, sendo o preço pago pelo suposto prazer vivenciado no ato sexual originário da gestação1313. Aguiar JM, D’Oliveira AFPL. Violência institucional em maternidades públicas sob a ótica das usuárias. Interface (Botucatu). 2011; 15(36):79-91. . O seguinte relato vai ao encontro desse pensamento: “'Ah, isso é o trabalho de parto, você tem que estar acostumada com isso'. [...] na verdade eu também estava com crise renal e eu pedi isso pra enfermeira, ela falou que não iria me aplicar" (E4).

A presença da violência obstétrica apareceu também na medida em que o tratamento foi recusado com frieza no caso da entrevistada E4, já que se tratava de gestação de feto anencéfalo. O médico da entrevistada se negou a realizar a colocação de um catéter devido aos problemas renais que a entrevistada apresentava, apesar dos riscos de saúde que esta corria, e afirmou que ela morreria caso não interrompesse a gestação o mais breve possível. Ou seja, a centralidade da antecipação do parto e a negação constante do cuidado se mostraram presentes continuamente.

O abandono, negligência ou recusa de assistência são categorias de violência obstétrica, principalmente em relação às mulheres que são percebidas como muito queixosas, descompensadas ou demandantes. É direito da mulher receber cuidados de saúde em tempo oportuno e no mais alto nível possível de saúde1717. Tesser CD, Knobel R, Andrezzo HFA, Diniz SG. Violência obstétrica e prevenção quaternária: o que é e o que fazer. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2015; 10(35):1-12. , o que não foi revelado no estudo:

[...] “na minha opinião como médico, você teria que colocar um cateter, mas eu não vou colocar […] se fosse viável, colocaria... eu não vou colocar, eu quero que você procure o hospital e lá você faça a interrupção […] se você não fizer isso, você vai morrer”. (E4)

Outras duas formas de violência obstétrica foram o abuso físico e verbal e o cuidado indigno, relatados pela E5, contrariando o direito da mulher de estar livre de tratamento prejudicial, de maus-tratos e de receber um cuidado com dignidade e respeito1717. Tesser CD, Knobel R, Andrezzo HFA, Diniz SG. Violência obstétrica e prevenção quaternária: o que é e o que fazer. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2015; 10(35):1-12. . Segundo sua narrativa, quando foi se levantar após a cirurgia de cesariana, ato que deve ser mediado por um cuidado qualificado, a profissional não a conduziu adequadamente, mencionando, inclusive, que suas dores eram “frescura”. Como resultado dessa má conduta, E5 sofreu uma queda da própria altura:

[...] ela chegou supergrosseira... muito malvada... não me ajudou a levantar, ela segurou em uma mão só minha... [pausa com muito choro]. Segurou em uma mão só minha e me puxou. Quando ela me puxou eu caí no chão e eu não estava de cinta, nem de tala [muito choro]. […] aí eu me levantei sozinha, que ela não me ajudou a levantar. (E5)

Existem vários autores que descrevem situações em que o paciente e o profissional de saúde são iguais no gênero, mas desiguais na relação de poder. Esse discurso autoritário e comportamento hostil com as pacientes por parte de profissionais de saúde mulheres é reproduzido de forma recorrente nas falas das entrevistadas. A desigualdade se ampara muitas vezes nas diferenças de classe, na etnia, no conhecimento técnico e científico que as profissionais detêm e na naturalização ideológica do exercício do poder médico pela posição hierárquica que possuem1313. Aguiar JM, D’Oliveira AFPL. Violência institucional em maternidades públicas sob a ótica das usuárias. Interface (Botucatu). 2011; 15(36):79-91. .

Foi possível observar que a entrevistada supracitada apresentou consequências psicológicas decorrentes do comportamento da profissional, manifestadas pelo medo de ficar sozinha durante a noite enquanto internada. A mesma refere sentir medo até hoje, classificando a situação como traumatizante. Isso aponta para a seriedade e gravidade da violência institucional:

[...] como eu caí... eu acho que mexeu com o meu emocional... fiquei com medo que eu não conseguia nem dormir, porque eu ficava com medo de ela voltar lá e não ter ninguém […] eu acho que o único trauma que eu tenho, que eu tenho até medo de ficar sozinha hoje em dia. (E5)

A mesma entrevistada apontou também para a utilização de jargões na fala: “Ai moça, você que é fresca. Você tem que entender que você já é mãe, não tem que ficar... não sabe fazer filho? Não tem que ficar assim de moleza... tudo é ‘mamãe’, tudo é ‘mamãe’" (E5).

Há desrespeito pela parturiente na sala de parto e a violência obstétrica no âmbito institucional se torna naturalizada e banalizada em jargões e condutas pautadas em estereótipos de classe e gênero como prática perpetuada na maioria das maternidades brasileiras. A violência no parto se traduz no ato de gritar ou humilhar a paciente e submetê-la a constrangimentos, e o mau atendimento é caracterizado, entre outros, pelo tratamento grosseiro marcado pela impaciência ou indiferença dos profissionais e por falas de cunho moralista e desrespeitoso1212. Strapasson MR, Nedel MNB. A institucionalização da violência contra a mulher no processo de nascimento: revisão integrativa. J Nurs UFPE. 2013; 7 Spe:6663-70. , 1313. Aguiar JM, D’Oliveira AFPL. Violência institucional em maternidades públicas sob a ótica das usuárias. Interface (Botucatu). 2011; 15(36):79-91. .

Vale apontar que as duas entrevistadas (E4 e E5) submetidas à má assistência concretizada na banalização das queixas, na recusa de tratamento, no abuso físico e verbal e na utilização de jargões se autodeclararam parda e preta, respectivamente. Mesmo elas não tendo relacionado a violência sofrida à cor de pele, a discriminação baseada em certos atributos é um tipo de violência obstétrica, na qual prevalece o tratamento diferencial com base em atributos considerados positivos (casadas, com gravidez planejada, adultas, brancas, mais escolarizadas, de classe média, saudáveis, etc.), depreciando as que têm atributos considerados negativos (pobres, não escolarizadas, mais jovens, negras e as que questionam ordens médicas)1717. Tesser CD, Knobel R, Andrezzo HFA, Diniz SG. Violência obstétrica e prevenção quaternária: o que é e o que fazer. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2015; 10(35):1-12. .

Outro tipo de violência muito presente foi a peregrinação e negação do atendimento, apontadas pelas entrevistadas, já que estavam na condição de gestantes de fetos anencéfalos, o que implicava a necessidade de um centro de referência que pudesse acompanhar esse tipo de gestação. A peregrinação ainda é um grave problema de saúde pública, implicando na falta de organização e de qualidade da assistência obstétrica; e na manutenção dos índices de mortalidade materna no Brasil. Além disso, ela colabora para o descumprimento de melhorar a qualidade da assistência obstétrica, que é um dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio, e pode ser considerada como violência obstétrica, pela anulação implícita dos direitos das mulheres2222. Rodrigues DP, Alves VH, Penna LHG, Pereira AV, Branco MBLR, Da Silva LA. A peregrinação no período reprodutivo: uma violência no campo obstétrico. Esc Anna Nery. 2015; 19(4):614-20. .

No caso das gestantes de fetos anencéfalos, a peregrinação até conseguir atendimento se explicou pelo fato de que as gestantes necessitavam de um serviço especializado e de referência, pelo fato de que nem todas as maternidades aceitavam assistir uma gestação de feto anencéfalo. Assim, a falta de acolhimento configurou uma violência institucional, situação presente mesmo já existindo jurisdição em relação à interrupção da gestação por feto com anencefalia. O seguinte depoimento revela tal situação: "Eu tentei aqui... eu quis fazer o pré-natal aqui onde eu moro, sendo que nenhum dos hospitais quis ficar comigo aqui por causa do problema da minha filha" (E9).

Outros depoimentos apontaram para a negação do direito de esclarecimento/informação, na medida em que não foram informadas da necessidade do uso do ácido fólico, seja na gestação anterior, seja na gestação do feto anencéfalo. Tais relatos vão contra a Norma Técnica Atenção às Mulheres com Gestação de Anencéfalos2323. Brasil. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção às mulheres com gestação de anencéfalos [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2014 [citado 22 Mar 2016]. (Norma Técnica. Série Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos – Caderno nº 11). Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_mulheres_gestacao_anencefalos.pdf
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, que reforça o fato de que, no ato de acolher a gestante, deve ser realizado o repasse de informações técnicas à mulher e/ou à família, a fim de que a tomada de decisão seja realizada de modo consciente e eficaz, não restando dúvidas. O profissional de saúde deve ser respeitoso; escutar e informar a gestante; e fazer as orientações pertinentes para esclarecer as dúvidas, sem manifestar condutas discriminatórias. Além disso, o profissional deve apresentar conhecimento técnico-científico para tornar os procedimentos seguros2323. Brasil. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção às mulheres com gestação de anencéfalos [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2014 [citado 22 Mar 2016]. (Norma Técnica. Série Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos – Caderno nº 11). Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_mulheres_gestacao_anencefalos.pdf
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. O seguinte relato demonstrou tal negação: "[...] assim que eu soube da minha gravidez, eu falei pro meu médico: 'olha, estou grávida', e ele não passou vitamina nenhuma..." (E4).

Uma entrevistada em particular (E7) relatou intimidação por parte de seu ginecologista para realizar o procedimento da cesariana para interromper a gestação, apesar da manifestação expressa da entrevistada em levar a gestação até o termo. Segundo sua narrativa, o médico ligava várias vezes por semana, insistindo na realização da cirurgia:

[...] a gente não quer interromper [...] e ele “Mas por que? Eu não preciso pedir mais exame nenhum, pra que que eu quero saber se o bebê está bem ou não? Se vai morrer, não tem necessidade disso [...] a gente interrompe logo e daqui a uns meses você pode engravidar de novo”. (E7)

Tal atitude por parte do médico mostra-se contrária ao apontado pela literatura. Vários autores relatam que muitas mulheres conseguem encontrar sentido no fato de prosseguirem com a gestação, mesmo perante a inviabilidade do feto, e devem ser respeitadas na sua vontade de levarem a gestação adiante2323. Brasil. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção às mulheres com gestação de anencéfalos [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2014 [citado 22 Mar 2016]. (Norma Técnica. Série Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos – Caderno nº 11). Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_mulheres_gestacao_anencefalos.pdf
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. Assim sendo, a decisão de interromper ou não a gestação cabe exclusivamente à gestante e/ou ao casal e os profissionais de saúde têm a obrigação de respeitar qualquer que seja a decisão, fato que não ocorreu, segundo o relato da entrevistada E7. Por outro lado, ainda que a cirurgia da cesariana seja reconhecida como procedimento cirúrgico que salvaguarda a saúde da mãe e do recém-nascido, esta aumenta o risco de hemorragia, infeção puerperal, embolia pulmonar e complicações anestésicas por parte da mulher. No caso do recém-nascido, há riscos de problemas respiratórios, icterícia fisiológica, prematuridade iatrogênica, entre outros, sobretudo quando não existe indicação para cesariana2424. Anjos CS, Westphal F, Goldman RE. Cesárea desnecessária no Brasil: revisão integrativa. Enferm Obstet. 2014; 1(3):86-94. .

A entrevistada E5 apontou para a negligência e frieza na forma de dar o diagnóstico de anencefalia por parte do profissional da clínica de ultrassonografia. A mulher e/ou o casal nunca está preparado para o diagnóstico de uma malformação quando vai realizar uma ultrassonografia de rotina e, dessa forma, no momento de revelar o diagnóstico de anencefalia, o profissional deverá fazê-lo cuidadosamente, oferecendo informações precisas, de modo a evitar que a mulher se sinta culpada pela malformação2323. Brasil. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção às mulheres com gestação de anencéfalos [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2014 [citado 22 Mar 2016]. (Norma Técnica. Série Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos – Caderno nº 11). Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_mulheres_gestacao_anencefalos.pdf
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. O diagnóstico de anencefalia é sempre seguido de grande angústia por parte das pacientes e o médico precisa estar suficientemente preparado para dar a notícia e orientá-las de forma segura99. Cunha ACB, Pereira Junior JP, Caldeira CLV, Carneiro VMSP. Diagnóstico de malformações congênitas: impactos sobre a saúde mental de gestantes. Estud Psicol. 2016; 33(4):601-11. , 2323. Brasil. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção às mulheres com gestação de anencéfalos [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2014 [citado 22 Mar 2016]. (Norma Técnica. Série Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos – Caderno nº 11). Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_mulheres_gestacao_anencefalos.pdf
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. Posto isto, é visível, por meio do depoimento da entrevistada, que a forma como lhe foi dado o diagnóstico da anencefalia foi contrária ao que a literatura aponta e provocou um estado de angústia superior àquele já esperado ao receber tal diagnóstico:

[...] na morfológica [...] ela: “O seu filho não tem a cabeça”. Aí eu: “como assim a criança não tem cabeça?” […] “essa criança vai vegetar, ele não vai mexer, ele não vai falar, ele não vai andar, você não vai ter vida com essa criança, essa criança praticamente é um ser morto dentro de você.” […] eu gritava, eu... me deu... assim...pânico total, eu saí de mim. (E5)

Já no caso da entrevistada E4, foi apontada uma vivência que remeteu para a violência institucional. A entrevistada trabalhava como recepcionista em uma clínica obstétrica que compartilhava o mesmo espaço físico com uma clínica radiológica. A violência se traduziu pelo descaso em manter as duas clínicas no mesmo espaço, colocando em risco a entrevistada, como funcionária e gestante, bem como as gestantes que faziam o pré-natal na clínica em questão.

Esse fato revela o descumprimento direto da Norma Regulamentadora 322525. Brasil. Ministério do Trabalho e Emprego. Portaria nº 485, de 11 de Novembro de 2005. Norma Regulamentadora nº 32 (Segurança e saúde no trabalho em estabelecimentos de saúde). Diário Oficial da República Federativa do Brasil [Internet]; 2016 [citado 06 Dez 2016]. Disponível em: http://www.guiatrabalhista.com.br/legislacao/nr/nr32.htm
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, que discorre sobre o trabalhador que realiza atividades em áreas onde existam fontes de radiações ionizantes, devendo este permanecer nessas áreas o menor tempo possível para a realização do procedimento e usar os equipamentos de proteção individual adequados para a minimização dos riscos. No caso de toda trabalhadora com gravidez confirmada, esta deve ser afastada das atividades com radiações ionizantes, devendo ser remanejada para atividade compatível com seu nível de formação, o que não ocorreu no caso da entrevistada E4: "[...] era uma clínica, ela dividia um espaço da clínica que eu trabalhava, eu trabalhava na parte obstétrica e eles na mesma clínica tinham a parte radioativa […] as pessoas tomavam aquela medicação radioativa e ficavam assim na recepção" (E4).

Assim, tornou-se visível que as práticas de saúde se orientam em uma direção banalizadora e naturalizadora das violências e os seus agentes profissionais aceitam os diferentes tipos de violência, incluindo a obstétrica, como atos “necessários ao cuidado” e assim, as consideram “boas práticas” assistenciais1313. Aguiar JM, D’Oliveira AFPL. Violência institucional em maternidades públicas sob a ótica das usuárias. Interface (Botucatu). 2011; 15(36):79-91. . A banalização da violência tanto pode ser em decorrência de estratégias de defesa individuais e coletivas por parte dos profissionais, para lidarem com o sofrimento alheio, como nos casos de gestantes de fetos anencéfalos, quanto reflexo de um fenômeno de banalização da injustiça social presente em toda a sociedade1212. Strapasson MR, Nedel MNB. A institucionalização da violência contra a mulher no processo de nascimento: revisão integrativa. J Nurs UFPE. 2013; 7 Spe:6663-70. .

Considerações finais

O estudo expôs as diversas formas de violência presentes na trajetória de gestar e parir um filho anencéfalo, surgindo com destaque a violência obstétrica. Essas situações não foram identificadas como tal em um primeiro momento da leitura das narrativas. Foi ressaltada a negação dos direitos destas mulheres em vários aspectos, especialmente a negação e julgamento moral das escolhas de interromper ou não a gestação; a negação da assistência e tratamento adequados; e negligência e abusos verbal e físico praticados contra as entrevistadas, demonstrando que a violência obstétrica está presente nas práticas cotidianas dos profissionais de saúde e, mais do que isso, é banalizada e consentida. Apesar de terem sido assistidas em uma maternidade de referência para o atendimento de gestantes apresentando risco fetal e vivenciarem uma condição já por si frágil, essas mulheres foram alvo de violência obstétrica em várias dimensões. Ou seja, mesmo experienciando gestações de filhos gravemente malformados, o que aumenta o risco de afetar a saúde mental e emocional da mulher e sua família, essas mulheres vivenciaram algum tipo de violência, com enfoque na violência obstétrica. Esse fenômeno nos remete para a necessidade de um debate mais aprofundado acerca da assistência à saúde e situações de vulnerabilidade desse grupo.

Como lacuna do estudo, aponta-se a dificuldade de acessar essas mulheres, seja por indisponibilidade de informações completas nos arquivos da maternidade, seja por recusa de participar de uma pesquisa que remetia para memórias sensíveis.

Sugere-se a elaboração de outros estudos dentro desta temática, para despertar discussões dentro da academia e dos serviços e promover dessa forma reflexões acerca do ensino e assistência prestadas no cotidiano das organizações formadoras e de saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    19 Out 2017
  • Aceito
    06 Jun 2019
UNESP Botucatu - SP - Brazil
E-mail: intface@fmb.unesp.br