Resumos
Este artigo aborda a formação e prática docente de profissionais da saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), pautadas nas teorias sociointeracionistas e metodologias ativas de ensino-aprendizagem. Após um processo de capacitação, profissionais de saúde atuaram como facilitadores em um curso lato sensu na área da saúde. Essa atuação fez parte da especialização desses profissionais em processos educacionais na saúde. Os facilitadores elaboraram narrativas reflexivas sobre sua prática docente como parte do Trabalho de Conclusão de Curso – TCC. Uma amostra de 10 TCC correspondente a 50% do universo foi analisada segundo a modalidade temática de conteúdos. As temáticas “prática docente nas metodologias ativas de ensino-aprendizagem” e “perspectivas para a formação de profissionais da saúde” apontaram que as metodologias ativas favoreceram o desenvolvimento de capacidades críticas e reflexivas, contribuindo para a transformação da realidade no contexto do SUS.
Docentes; Aprendizagem ativa; Ensino; Prática profissional
Este artículo aborda la formación y práctica docente de profesionales de la salud del Sistema Brasileño de Salud (SUS), regidas por las teorías socio-interaccionistas y metodologías activas de enseñanza y aprendizaje. Después de un proceso de capacitación, profesionales de salud actuaron como facilitadores en un curso lato sensu en el área de la salud. Esta actuación formó parte de la especialización de esos profesionales en procesos educativos en la salud. Los facilitadores elaboraron narrativas reflexivas sobre su práctica docente como parte del Trabajo de Conclusión de Curso – TCC. Una muestra de 10 TCC correspondiente al 50% del universo se analizó según la modalidad temática de contenidos. Las temáticas “práctica docente en las metodologías activas de enseñanza-aprendizaje” y “perspectivas para la formación de profesionales de la salud” señalaron que las metodologías activas favorecieron el desarrollo de capacidades críticas y reflexivas contribuyendo para la transformación de la realidad en el contexto del SUS.
Docentes; Aprendizaje activo; Enseñanza; Práctica profesional
Formar profissionais segundo uma perspectiva inovadora, que integre teoria e prática e favoreça a transformação da realidade de maneira significativa, tem sido um desafio para a educação nas sociedades pós-modernas 11. Bauman Z. O Mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar; 1998. .
No Brasil, com o advento das Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN para a graduação na área da saúde no início do século XXI, a formação vem sendo repensada a partir de uma visão ampliada do processo saúde-doença, considerando o indivíduo em seu contexto social, econômico e étnico-cultural. Para um processo de formação singularizado e não fragmentado, persiste o desafio de conciliar as diretrizes gerais às demandas específicas advindas da diversidade e necessidades geradas no cenário da formação, além de novas capacidades para a orientação de currículos por competência, o uso de tecnologias inovadoras de ensino-aprendizagem e a integração ensino-serviço 22. Coelho IB, Padilha RQ, Ribeiro ECO. Desafios na educação de profissionais de saúde no século XXI. In: Lima VV, Padilha RQ, organizadores. Reflexões e inovações na educação de profissionais de saúde. Rio de Janeiro: Atheneu; 2018. p. 25-36. .
Na interface entre o geral e o específico e frente aos desafios de promover uma educação contextualizada e baseada em metodologias ativas de ensino-aprendizagem, o papel dos docentes assume um destaque estratégico e representa um fator crítico no desenvolvimento de iniciativas educacionais orientadas por competência.
Apesar do pouco investimento na formação pedagógica dos docentes frente aos novos requerimentos dessa função, o papel do educador vem se transformando ao longo dos anos, particularmente no sentido de buscar um maior diálogo com novas demandas emergentes nas sociedades pós-modernas.
Repensando a formação docente
Um dos principais desafios da formação docente diz respeito ao deslocamento da centralidade do processo ensino-aprendizagem do professor para as necessidades de aprendizagem dos estudantes. Essa é uma mudança apontada no final do século XVIII, implantada em experiências pontuais no final do século XIX e início do século XX, e retomada como tendência a partir das últimas décadas do século XX 33. Gauthier C, Tardif M. A pedagogia: teorias e prática da antiguidade aos nossos dias. Petrópolis: Vozes; 2010. .
Investigar a prática docente em iniciativas inovadoras de pós-graduação vinculadas à capacitação de profissionais de saúde no contexto do Sistema Único de Saúde – SUS brasileiro é o objetivo desta investigação. Essa pesquisa visa apontar desafios e possibilidades da docência, considerando as novas nuances dos processos de ensinar e aprender em iniciativas orientadas por competência, que integram teoria e prática, e que utilizam metodologias ativas de ensino-aprendizagem.
Frente a esse novo contexto da docência, o papel do professor em relação aos conteúdos e às metodologias ativas de ensino-aprendizagem representa o problema a ser investigado. Com o deslocamento da centralidade do processo de ensino do saber do professor para a identificação das necessidades de aprendizagem dos educandos, os desafios e conquistas nessa atuação docente requerem investigação. Particularmente, o domínio dos conteúdos a serem trabalhados com os educandos e a atuação do docente como fonte privilegiada de informação representam aspectos de grande tensão no desenvolvimento de novas práticas na docência.
Contexto e metodologia da investigação
A escolha de uma iniciativa de educação pós-graduada de natureza sociointeracionista e que utiliza metodologias ativas de ensino-aprendizagem visou investigar em que medida os docentes apontam a necessidade de domínio de conteúdos cognitivos específicos, e de que modo a adesão ou o grau de domínio das metodologias utilizadas interferem na atuação do docente.
A iniciativa investigada fez parte do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS – PROADI, no triênio de 2012 a 2014, sendo desenvolvida em parceria entre: Ministério da Saúde – MS, Conselho Nacional de Secretários de Saúde – CONASS, Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde – CONASEMS e Hospital Sírio Libanês – HSL 44. Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde. Fundação Dom Cabral. Especialização em processos educacionais na saúde: ênfase em facilitação de metodologias ativas de ensino-aprendizagem na gestão da clínica no Sistema Único de Saúde. São Paulo: Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa; 2012. . Nessa inciativa, profissionais da área da saúde do SUS de dez capitais brasileiras participaram de uma formação pedagógica segundo uma abordagem sociointeracionista da educação.
A caracterização da capacitação pedagógica investigada foi obtida em material impresso e mídia eletrônica 44. Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde. Fundação Dom Cabral. Especialização em processos educacionais na saúde: ênfase em facilitação de metodologias ativas de ensino-aprendizagem na gestão da clínica no Sistema Único de Saúde. São Paulo: Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa; 2012. . O processo educacional realizado pode ser considerado como uma iniciativa que articula teoria e prática, sendo desenvolvido em dois movimentos. O primeiro, focado no aperfeiçoamento dos profissionais de saúde em metodologias ativas de ensino-aprendizagem, com 180 horas. Fundamentalmente, esse aperfeiçoamento foi baseado em atividades de simulação, nas quais os participantes desempenharam o papel de docente, sob supervisão, em situações controladas e simuladas 55. Oliveira JM, Lima VV, Padilha RQ, Pereira SMSF, Petta HL, Ribeiro ECO, et al. Processos educacionais na saúde: ênfase em aprendizagem significativa. São Paulo: Instituto de Ensino e Pesquisa; 2016. (Caderno do Curso). . O segundo, com 480 horas, foi destinado à prática docente em cursos de pós-graduação em gestão da clínica 44. Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde. Fundação Dom Cabral. Especialização em processos educacionais na saúde: ênfase em facilitação de metodologias ativas de ensino-aprendizagem na gestão da clínica no Sistema Único de Saúde. São Paulo: Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa; 2012. .
A docência investigada neste trabalho foi desenvolvida pelos profissionais do SUS aprovados no curso de aperfeiçoamento, sendo acompanhada por professores com maior experiência no desenvolvimento de currículos integrados, chamados de “gestores de aprendizagem”. Os profissionais aprovados passaram a atuar como docentes-especializandos em cursos de pós-graduação, tendo sua prática acompanhada pelos respectivos gestores de aprendizagem. Os docentes-especializandos, também chamados de facilitadores de aprendizagem, participaram de atividades de planejamento, de facilitação junto aos especializandos de cursos de gestão da clínica, e de reflexão da prática docente 55. Oliveira JM, Lima VV, Padilha RQ, Pereira SMSF, Petta HL, Ribeiro ECO, et al. Processos educacionais na saúde: ênfase em aprendizagem significativa. São Paulo: Instituto de Ensino e Pesquisa; 2016. (Caderno do Curso). . Esses movimentos ocorreram em duas ondas de formação que podem ser acompanhadas na Figura 1 .
Assim, a formação pedagógica dos docentes consistiu na participação destes profissionais de saúde em: (i) um curso de aprimoramento voltado à capacitação docente em metodologias ativas de ensino-aprendizagem; (ii) atividades de facilitação como docentes de um curso de Especialização lato sensu na área da saúde; e (iii) atividades de reflexão sobre a prática docente vivenciada, mediada por docentes especialistas na área educacional. A certificação do desempenho dos docentes-especializandos nas atividades de facilitação e de reflexão de prática conferiu-lhes o título de especialistas em processos educacionais na saúde.
Tanto no aprimoramento como na especialização, a capacitação pedagógica dos docentes foi orientada por um perfil de competência 66. Hager P, Gonczi A. What is competence? Med Teach. 1996; 18(1):15-8.
7. Lima VV, Ribeiro ECO, Padilha RQ, Gomes R. Processo de construção de perfil de competência de profissionais. São Paulo: Hospital Sírio-Libanês; 2014. (Série Nota Técnica nº 1).-88. Ribeiro ECO, Lima VV, Padilha RQ. Formação orientada por competência. In: Lima VV, Padilha RQ, organizadores. Reflexões e inovações na educação de profissionais de saúde. Rio de Janeiro: Atheneu; 2018. p. 25-36. que definiu a seleção de saberes e práticas 55. Oliveira JM, Lima VV, Padilha RQ, Pereira SMSF, Petta HL, Ribeiro ECO, et al. Processos educacionais na saúde: ênfase em aprendizagem significativa. São Paulo: Instituto de Ensino e Pesquisa; 2016. (Caderno do Curso). . As tecnologias educacionais utilizadas combinaram: (i) uma metodologia ativa de ensino-aprendizagem disparada por problemas reais ou simulados, chamada de Espiral Construtivista 99. Lima VV. Espiral construtivista: uma metodologia ativa de ensino-aprendizagem. Interface (Botucatu). 2017; 21(61):421-34. ; (ii) uma metodologia de aprendizagem interativa pautada na colaboração interprofissional e na aplicação de conhecimentos 1010. Michaelsen LK. Team learning in large classes. In: Bouton C, Garth RY. Learning in groups. New directions for teaching and learning series. San Francisco: Jossey-Bass; 1983. p. 13-22. , denominada aprendizagem baseada em equipe; (iii) ações educacionais artísticas voltadas à articulação de racionalidades e emoções 1111. Mourthé JCA, Lima VV, Padilha RQ. Integrando emoções e racionalidades para o desenvolvimento de competência nas metodologias ativas de aprendizagem. Interface (Botucatu). 2018; 22(65):577-88. , conhecida como viagens educacionais; (iv) oficinas de trabalho utilizadas para a aplicação de ferramentas e dispositivos educacionais; (v) encontros de portfólio, destinados ao acompanhamento das trajetórias singulares de aprendizagem; e (vi) avaliações formativa e somativa, referenciadas em critérios construídos a partir do perfil de competência 55. Oliveira JM, Lima VV, Padilha RQ, Pereira SMSF, Petta HL, Ribeiro ECO, et al. Processos educacionais na saúde: ênfase em aprendizagem significativa. São Paulo: Instituto de Ensino e Pesquisa; 2016. (Caderno do Curso). .
O portfólio, como ação educacional desenvolvida em encontros presenciais e a distância, representou o processo de produção crítica de materiais relacionados à prática docente e as reflexões elaboradas sobre a trajetória das aprendizagens. Esses materiais, embora com amplo grau de diversidade no processo de criação e na natureza das produções, incluíram narrativas reflexivas dos facilitadores de aprendizagem como produtos a serem compartilhados e analisados 55. Oliveira JM, Lima VV, Padilha RQ, Pereira SMSF, Petta HL, Ribeiro ECO, et al. Processos educacionais na saúde: ênfase em aprendizagem significativa. São Paulo: Instituto de Ensino e Pesquisa; 2016. (Caderno do Curso). .
Como narrativas, consideramos os documentos reflexivos construídos a partir de uma determinada experiência educacional, no intuito de organizar e dar um sentido singular aos: relatos, estudos, teorizações, associações, sentimentos e valores construídos no exercício da docência. De acordo com Bruner 1212. Bruner JS. La importancia de la educación. Barcelona: Paidós Ibérica; 1987. , as narrativas refletem a perspectiva daqueles que as constroem e traduzem desejos, interesses e conhecimentos.
As narrativas reflexivas foram incluídas nos Trabalhos de Conclusão de Curso – TCC dos facilitadores que representaram a fonte de informações utilizada nesta investigação. Os TCC são documentos públicos, disponibilizados pela Instituição certificadora. Do total de vinte facilitadores, sendo dois de cada uma das dez capitais participantes, foi definida uma amostra de conveniência de metade dos TCC. Os dez TCC selecionados, sendo um de cada capital, foram obtidos por sorteio aleatório. A identidade dos sujeitos foi preservada e, nesse sentido, os trabalhos foram codificados – DE (docente-especializando) e numerados de um a dez.
A análise dos TCC consistiu na aplicação da modalidade temática da técnica de análise de conteúdo 1313. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2009. . As temáticas que emergiram foram: (i) Prática docente nas metodologias ativas de ensino-aprendizagem; e (ii) Perspectivas para a formação de profissionais da saúde.
Em relação à prática docente nas metodologias ativas de ensino-aprendizagem, foram encontrados como núcleos de sentido: a perspectiva sociointeracionista; a construção de saberes e práticas; as emoções no processo de aprender a aprender.
Em relação às perspectivas para a formação de profissionais da saúde, os núcleos de sentido encontrados giraram em torno: (i) da integração teoria-prática e ressignificação das práticas.
Atuação do facilitador de aprendizagem na perspectiva sociointeracionista
Esse núcleo de sentido revelou a importância atribuída pelos docentes-especializandos ao papel de mediador ou facilitador da aprendizagem em pequenos e/ou grandes grupos de educandos. Segundo eles, esse papel pode estar voltado: à promoção de uma participação equilibrada entre os integrantes, à construção de uma atmosfera inclusiva, à escuta qualificada e ao respeito às diferenças e aos saberes prévios dos educandos, e ao estímulo para o desenvolvimento do pensamento crítico e reflexivo.
Na constituição deste papel, diversos depoimentos destacam que não existe uma forma única de facilitar, havendo caminhos que, a depender do contexto, das pessoas, da ação educacional a ser mediada e da intencionalidade educacional, requerem a mobilização de distintas capacidades.
“[...] observei que ser facilitadora do processo de ensino-aprendizagem com metodologias ativas é muito mais desafiador do que eu poderia imaginar.” (DE08)
“[...] o processo de mudança da educação traz inúmeros desafios, entre os quais romper com estruturas cristalizadas e modelo de ensino tradicional [...].” (DE03)
Segundo os docentes-especializandos, a força da inércia dificulta a abertura para novas aprendizagens, uma vez que os saberes prévios e a prática docente tradicional, já enraizada, funcionam como respostas prontas que impedem reflexões e a construção de novos significados.
“[...] requer do facilitador uma mudança de postura para o exercício de um trabalho reflexivo com o aluno, exigindo a disponibilidade do facilitador de pesquisar, de acompanhar e colaborar no aprendizado crítico do estudante.” (DE04)
“Este foi um momento de ansiedade, tanto por parte dos especializandos quanto das facilitadoras. A expectativa de iniciar um curso da magnitude do que nos foi proposto era imensa. Uma mistura de sentimentos pairava no ar: curiosidade, incertezas, dúvidas, vontade de corresponder, de conquistar o esperado e o imprevisível, de “chegar lá”.” (DE08)
De acordo com Hoffmann 1414. Hoffmann J. Avaliar para promover: as setas do caminho. 15a ed. Porto Alegre: Mediação; 2014. , o processo de aprendizagem, segundo uma abordagem sociointeracionista da educação, promove a construção de identidades, valores, saberes, práticas e culturas que caracterizam as sociedades nas quais vivemos, por meio da interação entre professor e educando e destes com o mundo. As trajetórias construídas nessas interações, por vezes, se desencontram e “por outras se cruzam, mas seguem em frente, na mesma direção” 1414. Hoffmann J. Avaliar para promover: as setas do caminho. 15a ed. Porto Alegre: Mediação; 2014. (p. 46).
A interação entre os sujeitos que aprendem e os objetos a serem apreendidos é mediada pelo docente no papel de facilitador, uma vez que este orienta sua ação educacional pelas necessidades e questões de aprendizagem dos educandos ao invés de direcioná-la pelos seus conhecimentos e perguntas. A abertura para o diálogo e a problematização a partir dos saberes prévios dos educandos foram apontados como elementos diferenciais em relação à docência tradicional, baseada na transmissão de informações. O diálogo foi apontado como um recurso que possibilita uma troca e construção contínua de significados por meio da linguagem. Freire 1515. Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 53a ed. São Paulo: Paz e Terra; 2014. reforça que “ensinar exige disponibilidade para o diálogo”, que é o espaço onde o sujeito se abre para o mundo e para os outros, inaugurando “com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade” 1515. Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 53a ed. São Paulo: Paz e Terra; 2014. (p. 113).
“[…] o diálogo funciona como um potencializador na busca de soluções e permite o trabalho coletivo. O resgate da palavra e da escuta potencializa a mudança.” (DE08)
Ainda segundo Freire 1515. Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 53a ed. São Paulo: Paz e Terra; 2014. , é na linguagem, na comunicação, na interação com o outro que ocorre o movimento simultâneo de ensinar e aprender, pois “foi aprendendo socialmente que, historicamente, mulheres e homens descobriram que era possível ensinar” 1515. Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 53a ed. São Paulo: Paz e Terra; 2014. (p. 26).
Um dos depoimentos explicita diferentes exemplos do deslocamento requerido para a prática de facilitação de modo orientada às necessidades de aprendizagem dos educandos:
“[...] Aprendi que posso escutar e não necessariamente responder de imediato para que possa assimilar melhor o que vem… Aprendi também a só ouvir e não precisar responder. Aprendi a esperar o momento certo... me permiti observar mais do que julgar. Aprendi a aceitar que ainda preciso melhorar no sentido de ouvir opiniões diversas, divergentes da minha e ter paciência e tolerância para ouvir com respeito. Aprendi que em todos os dias posso aprender quando me coloco a disposição nesse sentido.” (DE05)
“Cabe lembrar que todo esse movimento requer amadurecimento, pois se trata de um aprendizado diário, vivo e dinâmico de construção de saberes.” (DE08)
O papel do professor na construção de saberes e práticas
O perfil de competência parece ter ocupado um importante lugar como orientador do processo de capacitação dos docentes-especializandos, assim como, na construção de saberes e práticas pelos especializandos do curso de gestão da clínica no qual os facilitadores desenvolveram sua prática docente. O conceito de competência aqui utilizado foi referido à metacapacidade de mobilizar recursos em diferentes contextos para solucionar, com sucesso, os problemas da prática profissional 66. Hager P, Gonczi A. What is competence? Med Teach. 1996; 18(1):15-8.,1616. Lima VV. Competência: distintas abordagens e implicações na formação de profissionais de saúde. Interface (Botucatu). 2005; 9(17):369-79. .
“[...] pactuamos competências que são essenciais para ser facilitador [...] devem estar incluídas a paciência, o conhecimento, o respeito ético pelo processo pessoal e demandas do estudante, bem como saber acolher, criar vínculo e motivar [...] fazer críticas com amorosidade, bem como ter paciência com o ritmo de aprendizagem de cada pessoa, dando-lhe tempo para fazer o seu caminho reflexivo e de atuação.” (DE04)
Embora o perfil de competência que orientou a capacitação dos facilitadores reforçasse uma atuação problematizadora desses junto aos educandos, alguns depoimentos destacaram o movimento de aproximação do facilitador em relação aos contextos e a determinados conteúdos explorados no curso de gestão da clínica.
“[...] na perspectiva de seguir construindo o aprendizado, a fim de apoiar os especializandos, foi necessário trabalhar os conteúdos de forma contextualizada, o que exigiu que eu buscasse um maior conhecimento e reflexão sobre a realidade. Portanto, aprender nesse curso a que nos propomos estar, significa interação com textos que possibilite trabalhar com a realidade vivenciada.” (DE08)
“Imaginamos, portanto que a integralidade começa pela organização dos processos de trabalho na atenção básica, onde a assistência deve ser multiprofissional, operando através de diretrizes como a do acolhimento e vinculação de clientela, onde a equipe se responsabiliza pelo seu cuidado.” (DE02)
“A técnica da análise SWOT integrou as metodologias de planejamento estratégico organizacional; ela deve ser aplicada antes da formulação estratégica de ação.” (DE05)
Embora o domínio de conteúdos específicos da gestão da clínica não tivesse sido requerido para os docentes-especializandos, em função da presença de especialistas que cumpriam essa função e do perfil de competência esperado para o facilitador, as interações entre educandos e facilitadores e o acompanhamento das atividades educacionais promoveram uma aproximação desses facilitadores em relação aos temas/conteúdos específicos da gestão da clínica. Essa aproximação foi refletida nas narrativas que compuseram os Trabalhos de Conclusão de Curso, explicitando uma área de competência que não havia sido contemplada no perfil do facilitador, mas que, em alguma dimensão, manteve diálogo com o cotidiano do trabalho destes facilitadores.
“No trabalho que executo, como Diretora de Gestão e Políticas de Saúde do Município que resido, o processo de participação ficou muito mais efetivo, porque articulamos todas as ações de planejamento, com a assistência, vigilância e relações institucionais com programações alinhadas e além de tudo, com propostas validadas considerando uma gestão de clínica mais resolutiva, que fortaleça um modelo de atenção baseado na integralidade do cuidado e dos serviços.” (DE09)
Nesse sentido, fica claro que a ação de ensinar se relaciona diretamente com a ação de aprender e que, no processo de interação entre educandos e educadores, saberes e práticas são reconstruídos e ampliados. Assim, a construção de novos significados ocorre em ação, por meio de interações potencializadas pelo diálogo e pela problematização 1717. Anastasiou LGC. Ensinar, aprender, apreender e processos de ensinagem. In: Anastasiou LGC, Alves LP, organizadoras. Processos de ensinagem na universidade: pressupostos para as estratégias de trabalho em aula. 10a ed. Joinville: Univille; 2015. p. 15-43. . As interações produzidas resultaram no desenvolvimento de saberes e práticas que ultrapassaram as áreas de competência estabelecidas no Perfil de Competência do Facilitador de Aprendizagem. Assim, estes especializandos-facilitadores tiveram a oportunidade de vivenciar experiências e construir práticas na área educacional como facilitadores, ao mesmo tempo em que participavam da problematização de saberes de gestão da clínica, em função do escopo e foco das atividades educacionais que facilitavam.
A fluidez das emoções durante o processo de aprender
O núcleo de sentido relacionado ao desenvolvimento de emoções teve relevante presença nos Trabalhos de Conclusão de Curso investigados. Dentre as diversas capacidades relatadas pelos facilitadores, destacaram-se as relações estabelecidas entre educandos e educadores. Essas relações foram evidenciadas por meio das emoções que ocuparam um lugar de destaque e grande valorização por parte dos docentes-especializandos.
“Aprendemos a aprender, a ressignificar nossas práticas, ações e emoções. A partir de agora o que era “arte de ensinar” passou a ser “arte de aprender a aprender”. Dessa forma, somos responsáveis pela formação de uma consciência crítica e reflexiva onde o protagonismo do aluno é valorizado em sua totalidade. Assim, seremos capazes de contribuir para a promoção de sua autonomia.” (DE08)
“Poder fazer um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) com a emoção vivida no período de aprendizagem, em um tempo de construir com o outro o conhecimento recíproco, [...] é uma experiência que expressa e proporciona, em sua forma prática, a riqueza da aprendizagem e sua evolução em busca do conhecimento.” (DE07)
Diversos depoimentos atribuíram, à metodologia da espiral construtivista 99. Lima VV. Espiral construtivista: uma metodologia ativa de ensino-aprendizagem. Interface (Botucatu). 2017; 21(61):421-34. e às viagens educacionais 1111. Mourthé JCA, Lima VV, Padilha RQ. Integrando emoções e racionalidades para o desenvolvimento de competência nas metodologias ativas de aprendizagem. Interface (Botucatu). 2018; 22(65):577-88. , a exploração articulada entre razão-emoção. Essa articulação, segundo os docentes-especializandos, possibilitou a ampliação da consciência crítica e o desenvolvimento de uma maior independência intelectual e autonomia para aprender.
Segundo Maturana 1818. Maturana H. Emoções e linguagem na educação e na política. Fortes JFC, Tradutor. Belo Horizonte: UFMG; 1998. , a racionalidade é a expressão por meio da qual justificamos ou negamos desejos, intenções e preferências, sendo essa uma dimensão intrínseca ao processo de produção de conhecimentos e da cultura. Ainda de acordo com esse autor, vivemos uma cultura que desvaloriza as emoções em função de uma supervalorização da razão, num desejo de dizer que nós, os humanos, nos distinguimos dos outros animais por sermos seres racionais. Mesmo sendo racionais, as emoções são dinâmicas corporais que especificam nossa forma de agir no mundo, sendo a comunicação verbal ou não verbal um recurso privilegiado que expressa emoções e sentimentos. É por meio da linguagem e das conversações que os seres humanos, apesar de suas diferenças, podem construir consensos que transformam a realidade.
Nós, como seres humanos, somos unidades complexas formadas, simultaneamente, pelas dimensões biológica, psíquica e social. Considerar estas dimensões no processo de ensino-aprendizagem possibilita um pensamento complexo, que une as partes, ao invés de separá-las 1919. Morin E. Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. 6a ed. São Paulo: Cortez; 2013. . Autores como Mourthé et al. 1111. Mourthé JCA, Lima VV, Padilha RQ. Integrando emoções e racionalidades para o desenvolvimento de competência nas metodologias ativas de aprendizagem. Interface (Botucatu). 2018; 22(65):577-88. apontam estratégias para potencializar a integração da razão e da emoção nas ações educacionais. Nesse sentido, exploram o desenvolvimento concomitante de capacidades para o uso do método científico e para a identificação e compreensão dos sentimentos que subjazem a nossas escolhas e preferências, inclusive quando fazemos ciência. Reconhecer os valores, emoções e preferências que embasam as nossas racionalidades auxilia no acesso e compreensão dos esquemas cognitivos previamente estabelecidos, possibilitando problematizá-los e ressignificá-los.
Como os profissionais de saúde vivenciam situações no cotidiano do trabalho que envolvem tanto sofrimento físico quanto emocional das pessoas sob cuidado, a valorização do ensino de estratégias que permitam acolher e explorar as emoções foi bastante valorizada nos depoimentos dos especializandos-facilitadores. Esse achado aponta para a importância de espaços destinados à reflexão dos profissionais a respeito das emoções envolvidas nas situações e no atendimento.
As ações educacionais desenvolvidas na capacitação dos especializandos-facilitadores oferecerem esse tipo de atividade como parte constitutiva do processo de capacitação. Nessas atividades, cada profissional foi estimulado a expressar suas emoções e racionalidades frente a uma dada situação. Assim, a exploração da própria emoção e o respeito à expressão das emoções e sentimentos dos demais participantes dos grupos de capacitação tende a favorecer a circulação e fluidez das emoções, sendo considerada uma atividade de igual importância para o desenvolvimento do docente, tanto quanto o domínio de novas tecnologias educacionais.
Integrando teoria e prática
Diversas narrativas analisadas apontaram a saúde e a educação como campos integrados nas práticas de cuidado e de formação profissional. Nesse sentido, a fragmentação entre disciplinas, a separação entre teoria e prática e a desarticulação entre os mundos do trabalho e do ensino representam modelagens de organização curricular a serem superadas.
“O crescente volume do conhecimento científico torna cada vez mais difícil que as metodologias tradicionais deem conta de formar um profissional que corresponda às necessidades do mundo atual.” (DE01)
“Vislumbrei aqui a possibilidade de finalmente encontrar caminhos para tentar colaborar com soluções na relação tão difícil que é o ensino-serviço.” (DE02)
Ao reconhecermos que a educação é histórica e socialmente constituída e que o processo de aprendizagem é intersubjetivo e social, a utilização de currículos integrados e de metodologias ativas valorizam: a interdisciplinaridade, a contextualização dos saberes, os conhecimentos prévios, as necessidades de aprendizagem dos educandos e a capacidade de aprender ao longo da vida 2020. Lima VV, Padilha RQ, organizadores. Reflexões e inovações na educação de profissionais de saúde. Rio de Janeiro: Atheneu; 2018. p. 15-23. . Essas ideias foram encontradas na maioria das narrativas analisadas, sendo que algumas delas buscaram estabelecer pontes entre a formação de profissionais de saúde e sua atuação em cenários reais do trabalho.
“As metodologias ativas de ensino-aprendizagem constituem um recurso importante na trajetória de mudar o atual modelo de assistência à saúde.” (DE07)
A maneira de operar das metodologias ativas considera os conhecimentos preexistentes dos educandos e educadores para subsidiar a construção de novos conhecimentos, tornando a aprendizagem repleta de significado. Nesse sentido, foram destacadas a compreensão dos fenômenos ao invés da memorização arbitrária de conteúdos, em um movimento de associação dos elementos novos àquilo que os sujeitos já sabem, resultando em uma aprendizagem que ressignifica crenças e se volta para evidências científicas e melhores práticas.
Algumas narrativas evidenciaram a importância da identificação de lacunas de aprendizagem por meio da formulação de questões de aprendizagem e busca por novas informações na literatura científica frente à problematização de situações da prática consideradas relevantes na atuação profissional.
“[...] elaboração de situações de ensino que promovam uma aproximação crítica do profissional com a realidade; a reflexão sobre problemas que geram curiosidade e desafio; a disponibilização de recursos para pesquisar problemas e soluções; a identificação e organização das soluções hipotéticas mais adequadas à situação e a aplicação dessas soluções.” (DE07)
A curiosidade e o desejo da descoberta funcionam como molas propulsoras da aprendizagem de forma que os sujeitos se envolvam e se responsabilizem pela busca de informações e compartilhamento dos novos saberes 1515. Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 53a ed. São Paulo: Paz e Terra; 2014. .
“As metodologias ativas reúnem novas formas de ensino-aprendizagem e de organização curricular na perspectiva de integrar teoria/prática, ensino/serviço, as disciplinas e as diferentes profissões da área da saúde, além de buscar desenvolver a capacidade de reflexão sobre problemas reais e a formulação de ações originais e criativas capazes de transformar a realidade social.” (DE05)
De modo bastante presente nas narrativas, a Espiral Construtivista 99. Lima VV. Espiral construtivista: uma metodologia ativa de ensino-aprendizagem. Interface (Botucatu). 2017; 21(61):421-34. foi apontada como uma metodologia ativa de ensino-aprendizagem produtora de movimentos individuais e coletivos de reflexão, com: o reconhecimento das estruturas cognitivas preexistentes, desconstrução e reconstrução de saberes, desequilíbrio da mente, estímulo à busca de novos conhecimentos com desenvolvimento da autonomia e protagonismo para a transformação da sociedade.
“Foi utilizada a representação do processo ensino-aprendizagem através da espiral construtivista, simbolizando as diversas etapas educacionais com “movimentos articulados e que se retroalimentam”.” (DE02)
“[...] levam à rupturas com a forma tradicional de ensinar e aprender, estimulando gestão participativa dos protagonistas da experiência e reorganização da relação teoria/prática.” (DE01)
Ensinar e aprender num contexto de articulação entre teoria e prática foi considerado. pelos docentes-especializandos, como uma estratégia extremamente potente. Essa combinação, segundo os facilitadores, trouxe novas perspectivas para o “ser professor” e para o “ser profissional de saúde”, requerendo habilidades pedagógicas específicas para mediar a interação entre os educandos e apoiar as discussões trazidas do contexto prático de cada um. O ensino, assim, foi considerado um movimento interpessoal, intencional, pautado na comunicação e estimulado por um professor provocador de um saber ou de um saber-fazer 2121. Altet M. As pedagogias da aprendizagem. Lisboa: Instituto Piaget; 1999. .
“O professor sabe-tudo deverá dar lugar a um professor que se propõe a aprender, e o professor-obstáculo tornar-se-á um professor agente da inovação.” (DE03)
O potencial transformador da ressignificação das práticas
Um conjunto de depoimentos foi agrupado em torno de um núcleo de sentido voltado ao potencial transformador da iniciativa educacional da qual participaram.
“[...] considero que o objetivo de buscar a formação profissional significa que esse possa se instrumentalizar para uma prática de transformação de si, dos outros e do contexto em que estão inseridos.” (DE05)
“[...] percebi o quanto cresci como profissional e como pessoa, o quão valiosa foi à interação realizada tanto com os especializandos quanto nos encontros de Educação Permanente com as demais facilitadoras.” (DE08)
“Ao concluir este trabalho vários sentimentos estão aflorados: A saudade já estabelecida de um ano que a princípio se mostrava desafiador e que no seu decorrer se transformou em muito aprendizado. A certeza de ter descoberto um novo caminho, reflexivo, motivador e sem volta.” (DE06)
Diversas narrativas atribuíram, às constantes reflexões e trocas entre facilitadores e gestores de aprendizagem, o potencial para dissipar inseguranças e produzir deslocamentos. Essa valorização destaca as interações produzidas nos processos de educação permanente dos docentes-especializandos, caracterizados pela reflexão sobre a prática docente. As reflexões, invariavelmente, foram acompanhadas por mudanças de práticas.
“[...] houve, assim, a necessidade de desconstruir determinados pressupostos e experiências, de forma a desenvolver novas competências, na facilitação da aprendizagem [...].” (DE04)
“[...] por se tratar de um processo vivo de construção para o crescimento pessoal e profissional para todos os envolvidos, de forma que os sujeitos do aprendizado passam a se despir da “condição de certezas” para a construção e troca de saberes.” (DE08)
“[...] frequentemente coloca o facilitador diante de situações imprevistas, novas e desconhecidas, exigindo que facilitadores e alunos compartilhem de fato o processo de construção (e não apenas o de reconstrução e reelaboração) do conhecimento.” (DE04)
Lidar com a incerteza e o imprevisível passou a ser considerada uma capacidade a ser desenvolvida por docentes que utilizam metodologias ativas de ensino-aprendizagem. Segundo Morin 2222. .Morin E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2a ed. São Paulo: Cortez; 2000. “é preciso navegar em um oceano de incertezas em meio a arquipélago de certeza” 2222. .Morin E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2a ed. São Paulo: Cortez; 2000. (p. 86). Reconhecer que o processo educacional é inacabado permite que o facilitador construa seu perfil de competência de modo simultâneo à construção de competência pelos educandos, guardadas as especificidades de cada formação. Permite, também, que os sujeitos envolvidos nessas capacitações se apropriem de tal modo de novos saberes e práticas, que estes passam a fazer parte de seu cotidiano, independentemente de suas formações prévias.
Considerações finais
Repensar a formação docente a partir das narrativas reflexivas originadas na prática de facilitação de grupos de especializandos mostrou que, em uma educação sociointeracionista, há a possibilidade de educadores e educandos considerarem o outro um sujeito legítimo na construção de saberes e práticas. Esse processo tende a ampliar a tolerância à diversidade, incluir diferentes perspectivas e favorecer a produção de mudanças e de transformação da realidade.
Além desse aspecto mais geral, foi possível identificar que, em alguma dimensão, os facilitadores que participam de processos de aprendizagem em currículos integrados e que utilizam metodologias ativas passam a incorporar determinados conceitos, mesmo que os conteúdos explorados não façam parte de seus repertórios prévios ou do perfil de competência esperado para os facilitadores.
Os depoimentos analisados indicaram o potencial de uma iniciativa que, por meio de ondas de capacitação, representou uma expressão concreta de integração teoria-prática. A prática da docência foi o eixo da capacitação docente. Assim, a articulação entre a prática da facilitação em um curso de especialização em gestão da clínica e a reflexão sobre essa prática por meio de um curso de especialização em processos educacionais na saúde, aponta para o potencial multiplicador desse tipo de capacitação no formato de ondas e de construção de novos significados.
Uma capacitação que privilegia a reflexão sobre a prática, caracterizada como um processo de educação permanente para os professores, acaba sendo estendida para além de uma iniciativa educacional, de modo a fazer parte do cotidiano do trabalho em saúde. Esses espaços podem manter ativadas as capacidades críticas e reflexivas de coletivos de professores-profissionais de saúde, representando um investimento nos sujeitos, em suas relações e na qualificação dos serviços ou instituições às quais se vinculam.
Somente processos de educação permanente poderão enfrentar alguns dos desafios encontrados nessa investigação e que refletem limitações tanto da formação como da organização do trabalho em saúde, tais como: (i) graduações que não exploram a área de competência de educação na saúde como inerente ao perfil profissional; (ii) baixa utilização de metodologias de ensino que estimulem a reflexão sobre a prática e o desenvolvimento do pensamento crítico; (iii) práticas de cuidado fragmentadas, produzidas por equipes desarticuladas e com pouco espaço para diálogo; (iv) atenção à saúde centrada e organizada no atendimento à doença.
Nas iniciativas educacionais estudadas, esses desafios foram enfrentados por meio de um processo de capacitação orientado às necessidades de aprendizagem dos educandos, considerando o contexto do trabalho em saúde desses profissionais. A prática docente pautada nas teorias sociointeracionistas e nas metodologias ativas de ensino-aprendizagem promoveram um processo de ensino-aprendizagem pautado na mediação realizada pelo professor entre os sujeitos que aprendem e os objetos ou conteúdos a serem conhecidos. Essa prática, segundo Freire 1515. Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 53a ed. São Paulo: Paz e Terra; 2014. , transforma educandos e educadores, uma vez que, “[...] quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e [igualmente] forma ao ser formado” 1515. Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 53a ed. São Paulo: Paz e Terra; 2014. (p. 25).
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
10 Jun 2019 - Data do Fascículo
2019
Histórico
- Recebido
15 Jul 2018 - Aceito
26 Dez 2018