Sujeitos da saúde, agentes do território: o agente comunitário de saúde na Atenção Básica ao imigrante

Sujetos de la salud, agentes del territorio: el agente comunitario de salud en la Atención Básica al inmigrante

Luiza Nogueira Losco Sandra Francisca Bezerra Gemma Sobre os autores

Resumos

Com a intensificação e diversificação dos fluxos migratórios internacionais para o Brasil e a necessidade de inserção da população imigrante aos serviços públicos de saúde, novas dinâmicas se apresentam no contexto da Atenção Básica. Tendo como estudo de caso a população boliviana que utiliza os serviços da Unidade Básica de Saúde do Bom Retiro, em São Paulo, buscou-se compreender qual o papel dos agentes comunitários de saúde (ACS) para que o sistema público cumpra seu princípio de universalidade, oferecendo acesso às populações imigrantes e as incluindo. Por meio de entrevistas semiestruturadas, examinadas por meio da análise de conteúdo, pôde-se constatar que os agentes comunitários são essenciais para a garantia de inserção dos imigrantes ao serviço de Atenção Básica, pois são ao mesmo tempo sujeitos da promoção em saúde e agentes do território, construindo redes de vínculos que favorecem o cuidado integral.

Migração e saúde; Atenção básica; Agentes comunitários de saúde


Con la intensificación y la diversificación de los flujos migratorios internacionales para Brasil y la necesidad de inserción de la población inmigrante en los servicios públicos de salud, se presentan nuevas dinámicas en el contexto de la Atención Básica. Teniendo como estudio de caso la población boliviana que utiliza los servicios de la Unidad Básica de Salud de Bom Retiro, en São Paulo, se buscó entender cuál era el papel de los agentes comunitarios desalud para que el sistema público cumpla su principio de universalidad, ofreciendo acceso a las poblaciones inmigrantes e incluyéndolas. Por medio de entrevistas semiestructuradas, examinadas por medio del análisis de contenido, es posible constatar que los agentes comunitarios son esenciales para la garantía de inserción de los inmigrantes en el servicio de atención básica, puesto que son al mismo tiempo sujetos de la promoción de salud y agentes del territorio construyendo redes de vínculos que favorecen el cuidado integral.

Migración y salud; Atención básica; Agentes comunitarios de salud


Introdução

O serviço público de saúde brasileiro passou a ter um caráter universal desde a implantação e a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS)11. Vasconcelos CM, Pasche DF. O Sistema Único de Saúde. In: Campos GWS, Minayo MCS, Akerman M, Drumond Júnior M, Carvalho YM, organizadores. Tratado de saúde coletiva. 2a ed. São Paulo: Hucitec, Rio de Janeiro: Fiocruz; 2009. p. 531-62. , constituindo-se como direito de toda população que se encontra em território nacional22. L’Abbate S. Direito à saúde: discursos e práticas na construção do SUS. São Paulo: Hucitec; 2009. . Em conjunto com as outras diretrizes do SUS (integralidade e equidade), o princípio da universalidade faz com que o acesso da população imigrante aos serviços esteja assegurado pela legislação por meio das próprias condutas normativas constituintes do sistema de saúde.

Entretanto, em um contexto no qual o fluxo de pessoas se torna cada vez mais intensificado e diversificado, novas complexidades surgem para os serviços. A presença de pessoas oriundas de países distintos, com hábitos culturais diversos e com diferentes formas de compreender o processo de saúde-doença, traz demandas diferenciadas para a atuação dos profissionais de saúde33. Dias S, Gonçalves A. Migração e saúde. In: Dias S, organizador. Revista Migrações – número temático: imigração e saúde. Lisboa: Acid; 2007. n. 1, p. 15-26. , 44. Padilla B. Saúde dos imigrantes: multidimensionalidade, desigualdades e acessibilidade em Portugal. Rev Interdiscip Mobil Hum. 2013; 21(40):49-68. . Considerando que a população migrante deve ser atendida e inserida aos serviços, faz-se necessária a reflexão sobre o papel de cada ator social (incorporados nas instituições fornecedoras do serviço de saúde, sociedade civil, órgãos formuladores de políticas públicas, etc.) para assegurar essa inserção.

O presente trabalho decorre de uma pesquisa realizada na Unidade Básica de Saúde (UBS) do Bom Retiro sobre as relações e as assimetrias entre o acesso e a inserção da população imigrante boliviana aos serviços de Atenção Básica. Optou-se por analisar esse nível de atendimento em saúde por este preconizar uma maior aproximação entre o serviço e a comunidade de sua área de abrangência. Esse vínculo maior se deve ao fato de a Atenção Básica (modo como a Atenção Primária em Saúde é estruturada no Brasil) apresentar em sua forma de atuação um acompanhamento contínuo da saúde da população, propondo um trabalho de promoção da saúde55. Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre a necessidade de saúde, serviços e tecnologias. Brasília: Unesco, Ministério da Saúde; 2002. . Esses atributos são postulados por Starfield55. Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre a necessidade de saúde, serviços e tecnologias. Brasília: Unesco, Ministério da Saúde; 2002. e orientam uma forma de cuidado integral e longitudinal da saúde da população. O questionamento que direcionou o estudo estava relacionado com a reflexão sobre como esse serviço atuaria em um contexto no qual a população que necessita ser atendida apresenta constante mobilidade no espaço.

Durante a realização da pesquisa, percebeu-se a necessidade de se discutir o papel dos ACS para que a inserção da população boliviana pudesse ser garantida. Essa percepção decorreu do fato de que em muitas das entrevistas realizadas, tanto com os profissionais de saúde quanto com os usuários bolivianos, os ACSs apareciam como figuras centrais para que houvesse um vínculo entre UBS e comunidade boliviana.

No caso específico da UBS Bom Retiro, foram contratados agentes de saúde bolivianos para que a população imigrante, que não estava sendo atraída pelos serviços, conseguisse ser alcançada. Dessa forma, o ACS pôde ser percebido também como um “ator-estratégia” para o atendimento à população imigrante. Buscou-se, desse modo, compreender como foi percebida a necessidade da contratação desses ACSs e quais foram os reflexos de sua atuação na comunidade, entendendo como essa estratégia contribuiu para a garantia do acesso e inserção aos serviços de saúde pelos imigrantes.

Assim, propõe-se neste artigo discutir sobre o próprio trabalho do agente comunitário de saúde e sua importância no atendimento às populações imigrantes, que se distinguem culturalmente e podem enfrentar situações de maior vulnerabilidade. Dessa forma, procurou-se caracterizar e compreender a importância desse sujeito na organização da Atenção Básica, refletindo sobre sua dupla condição, sendo ao mesmo tempo ator da promoção à saúde e sujeito participante da dinâmica do território de abrangência da unidade de saúde.

Procedimentos metodológicos

A fim de conhecer as ações dos ACSs no território, a escuta do sujeito se fez premente. Por isso, optou-se por fazer uso das entrevistas qualitativas realizadas com os profissionais de saúde e com usuários bolivianos da UBS no âmbito da investigação sobre a complexidade da Atenção Básica aos imigrantes em São Paulo. Durante a análise das entrevistas, procurou-se entender qual a participação do ACS para que o atendimento em saúde fosse efetivado.

Foram realizadas entrevistas com 49 profissionais de saúde, entre eles quatro médicos, quatro enfermeiros, oito auxiliares de enfermagem, dois psicólogos, 17 agentes comunitários de saúde, cinco assistentes administrativos, um profissional de educação física, um agente de defesa ambiental, um psiquiatra, um fisioterapeuta, um fonoaudiólogo e quatro farmacêuticos. Esses profissionais são divididos em quatro equipes de saúde que atuam na área de abrangência da UBS Bom Retiro.

Além disso, foram entrevistados trinta bolivianos que moravam no bairro do Bom Retiro e utilizavam os serviços de saúde da unidade. A migração boliviana para o Brasil se mostra cada vez mais consolidada66. Baeninger R, organizador. O Brasil na rota das migrações latino-americanas. Imigração Boliviana no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População; 2012. p. 9-18. , portanto, faz-se necessário conhecer os distintos aspectos sobre a inserção nos serviços e o acolhimento dentro do atendimento básico para essa população que demanda ações dos serviços públicos.

A escolha pelo Bom Retiro se deu por ser um bairro paulistano que, segundo seu próprio histórico, é um território conhecido por ser um local típico de migrantes, inclusive, sendo atualmente bairro de residência de grande número da população boliviana imigrante77. Paiva OC. Territórios da migração na cidade de São Paulo: afirmação, negação e ocultamentos. In: Teixeira PE, Braga AMC, Baeninger R, organizadores. Migrações: implicações passadas, presentes e futuras. Marília: Oficina Universitária, São Paulo: Cultura Acadêmica; 2012. . Segundo a prefeitura de São Paulo, dados do censo demográfico de 2010 indicam que o bairro apresentava 33.832 habitantes88. São Paulo (cidade). Dados demográficos dos distritos pertencentes às Prefeituras Regionais. São Paulo: Infocidade; 2017. . Além disso, o bairro era residência de 30,3% dos imigrantes bolivianos que moravam em São Paulo99. São Paulo (cidade). Secretaria Municipal da Saúde. Aguiar BS, Neves H, Lira MTAM. Alguns aspectos da saúde de imigrantes estrangeiros recentes no município de São Paulo. Bol CEInfo Anal. 2015; ano X, (13). . Segundo dados fornecidos pela gestora responsável pela UBS Bom Retiro, entre a população residente na área de abrangência da unidade, 15.137 pessoas são cadastradas e atendidas pela UBS, sendo estimado que cerca de cinco mil sejam de origem boliviana.

Para a realização desta pesquisa, foi necessária aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, por meio dos processos de números 34589614.1.0000.5404 e 34589614.1.3001.0086, além do consentimento dos sujeitos entrevistados para que suas falas fossem gravadas. As entrevistas foram transcritas tal qual faladas e analisadas sob a perspectiva da análise de conteúdo, na qual há possibilidade de compreender os sentidos e significados das palavras ditas1010. Bardin L. Análise de conteúdo. 4a ed. Lisboa: Edições 70; 2010. .

A análise das entrevistas foi realizada a partir do estabelecimento de uma seleção inicial, buscando excertos que pudessem demonstrar o papel dos agentes de saúde. Esse recorte teve como base uma análise temática, procurando os significados do conteúdo das falas1010. Bardin L. Análise de conteúdo. 4a ed. Lisboa: Edições 70; 2010. , com o intuito de compreender como o agente de saúde era representado tanto pelos profissionais de saúde quanto pelos imigrantes bolivianos. Os conteúdos das entrevistas foram então confrontados com o referencial bibliográfico referente às questões da organização da Atenção Básica, ao trabalho dos ACSs e às perspectivas da utilização dos serviços de saúde pela população imigrante.

Sujeitos promotores da Saúde

Para compreender o papel do ACS inserido nos serviços de Atenção Primária em Saúde, no Brasil também conhecida como Atenção Básica, considerou-se importante resgatar como se deu a consolidação das ações desses profissionais no território nacional. Dessa forma, pretende-se discutir a importância dessas atividades para o próprio cuidado em saúde nos serviços de Atenção Primária para a população.

Desde que passou a ser compreendida como o eixo organizador do cuidado em saúde, a rede de Atenção Básica se inseriu no rearranjo institucional do SUS, tendo sido necessária a definição de novas atribuições para os profissionais de saúde que nela atuariam1111. Lacerda e Silva T, Dias EC, Ribeiro ECO. Saberes e práticas do agente comunitário de saúde na atenção à saúde do trabalhador. Interface (Botucatu). 2011; 15(38):859-70. . Operacionalizada por meio das UBSs, a Atenção Básica iniciou sua atuação com o Programa Saúde da Família (PSF), criado em 1994, com princípio voltado para a cobertura de pequenos municípios, com foco nas áreas que apresentavam maior vulnerabilidade social. Desde 2006, o PSF passou a ser uma estratégia nacional da Atenção Básica, sendo redefinido para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e se colocando definitivamente como uma ação centrada na família e no território, tendo como base ações de promoção e assistência à saúde e prevenção de doenças1212. Cunha MS, Sá MC. A visita domiciliar na estratégia de saúde da família: os desafios de se mover no território. Interface (Botucatu). 2013; 17(44):61-73. .

Dessa forma, apresentando como objetivo a promoção da saúde e a garantia da melhoria de vida dos sujeitos, a ESF confere grande ênfase para a autonomia dos sujeitos no cuidado de sua saúde, da saúde de sua família e de sua comunidade1313. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de atenção à saúde. Departamento de Atenção Básica. O trabalho do agente comunitário de saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. . Para conseguirem atuar de maneira transversal, os profissionais de saúde foram separados em equipes – Equipe de Saúde da Família (eSF) – compostas por um grupo interdisciplinar de atuação1313. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de atenção à saúde. Departamento de Atenção Básica. O trabalho do agente comunitário de saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. . Prevendo visitas domiciliares (VD) como instrumento central no trabalho das equipes, insere-se um novo modo de cuidado, que, além de prestar assistência às famílias por meio de um atendimento longitudinal, também funciona como dispositivo para diagnosticar a realidade local, sendo possível propor ações a partir dela1212. Cunha MS, Sá MC. A visita domiciliar na estratégia de saúde da família: os desafios de se mover no território. Interface (Botucatu). 2013; 17(44):61-73. .

São os ACSs que fazem o cadastro das famílias para a utilização dos serviços durante as VD1414. Costa SM, Araújo FF, Martins lV, Araújo FM, Rodrigues CAQ. Agente comunitário de saúde: elemento nuclear das ações em saúde. Cienc Saude Colet. 2013; 18(7):2147-56. . Portanto, são os sujeitos que primeiro tomam conhecimento da realidade dessas famílias, criando um estreito contato com os usuários da unidade e possibilitando o reconhecimento de seus problemas de saúde. Percebem, portanto, desde questões relacionadas a doenças infectocontagiosas até questões sociais e ambientais que influenciam a saúde da população, como violência doméstica e falta de saneamento básico1515. Nascimento EPL, Correa CRS. O agente comunitário de saúde: formação, inserção e práticas. Cad Saude Publica. 2008; 24(6):1304-13. .

Além das VD, os ACSs são responsáveis pela participação em grupos educativos, por ações de vigilância à dengue, pelo cadastro de renda mínima, pela busca ativa de faltosos, pelo trabalho comunitário, além de muitas vezes desempenharem atividades administrativas quando necessário, mesmo não estando entre suas atribuições iniciais1515. Nascimento EPL, Correa CRS. O agente comunitário de saúde: formação, inserção e práticas. Cad Saude Publica. 2008; 24(6):1304-13. .

Os ACSs se transformam em importante elo entre a população usuária da unidade e equipe de saúde, pois, além do constante encontro com a comunidade nas VD, os ACSs devem morar na mesma região circunscrita pela área de abrangência da UBS. Isso faz com que, além de residir na mesma localidade dos usuários da unidade, eles pertençam à mesma comunidade. Dessa forma, as relações de confiança são firmadas e reforçadas, sendo que os ACSs se tornam inclusive a voz da comunidade dentro da UBS1515. Nascimento EPL, Correa CRS. O agente comunitário de saúde: formação, inserção e práticas. Cad Saude Publica. 2008; 24(6):1304-13. .

Portanto, a importância do ACS para os serviços de Atenção Básica ultrapassa os limites de suas atribuições prescritas e previstas. Ele se transforma em “um agenciador de encontros, intérprete de línguas, mediador de fronteiras, inventor e/ou garantidor de vias de acesso de um no outro, ou ainda a de figura catalisadora de um dos territórios”1616. Costa SL, Carvalho EN. Agentes comunitários de saúde: agenciadores de encontros entre territórios. Cienc Saude Colet. 2012; 17(11):2931-40. (p. 2934).

Por esse duplo pertencimento, na equipe de saúde e na comunidade, é que Jardim e Lancman1717. Jardim TA, Lancman S. Aspectos subjetivos do morar e trabalhar na mesma comunidade: a realidade vivenciada pelo agente comunitário de saúde. Interface (Botucatu). 2009; 13(28):123-35. descreveram que os ACSs desenvolvem um duplo papel, sendo ao mesmo tempo agentes e sujeitos. Entretanto, pode-se conferir uma função ainda mais complexa a esses profissionais, pois, para além de agentes da promoção da saúde e sujeitos da comunidade, constituem-se em sujeitos promotores da saúde e agentes transformadores do território.

Em um contexto de construção de novas territorialidades, no qual distintos grupos populacionais demonstram, criam e recriam suas características e especificidades no espaço, existe uma intensa volatilidade na formação de vínculos com o território. Essa fluidez dificulta a permanência de um elo entre a unidade de saúde e a população a ser por ela atendida. Percebe-se assim que o ACS, ao participar ativamente dessa dinâmica, torna-se sujeito promotor de saúde e facilitador dos laços de confiança necessários para a continuidade do cuidado em saúde.

Agentes transformadores do território

Um dos principais eixos norteadores da implementação da ESF é a territorialização, que orienta as formas de intervenção na área de cobertura de cada uma das eSFs, fazendo com que haja uma autonomia das unidades com relação às suas estratégias1515. Nascimento EPL, Correa CRS. O agente comunitário de saúde: formação, inserção e práticas. Cad Saude Publica. 2008; 24(6):1304-13. . É a territorialização que define o público-alvo dos serviços, delimitando sua área de atuação e a população que será abrangida por seus cuidados1818. Faria RM. A territorialização da Atenção Primária à Saúde no Sistema Único de Saúde e a construção de uma perspectiva de adequação dos serviços aos perfis do território. Hygeia. 2013; 9(16):131-47. .

Entretanto, para além do território administrativo, no qual a eSF irá atuar, o processo de territorialização dos serviços pode se tornar um problema, uma vez que as dinâmicas sociais e populacionais se transformam constantemente e uma delimitação prévia poderia enrijecer essa fluidez1919. Macerata I, Soares JGN, Ramos JFC. Apoio como cuidado de territórios existenciais: atenção básica e a rua. Interface (Botucatu). 2014; 18(1):919-30. . Por outro lado, a própria condição de proximidade da unidade com a população que a territorialização traz faz com que seja possível de fato a prática da Atenção Básica. Além disso, entre as muitas críticas já realizadas em torno da utilização do conceito de territorialização da saúde, o próprio ACS acaba sendo o profissional que mais se funde com a comunidade e traz sentido à conceituação das territorialidades que são construídas no espaço.

Sendo o território resultado de ações dos sujeitos que nele se inserem e marcado por relações de poder, a territorialidade irá refletir a “multidimensionalidade do ‘vivido’ territorial pelos membros de uma coletividade”2020. Raffestin C. Por uma geografia do poder. França MC, tradutor. São Paulo: Ática; 1993. (p. 158), ou seja, são as relações se que formam e se transformam no território. As territorialidades se formam no cotidiano do território, “é a ‘face vivida da face agida’ do poder”2020. Raffestin C. Por uma geografia do poder. França MC, tradutor. São Paulo: Ática; 1993. (p. 161-2).

A UBS Bom Retiro está inserida em um local conhecido por ser um território da migração77. Paiva OC. Territórios da migração na cidade de São Paulo: afirmação, negação e ocultamentos. In: Teixeira PE, Braga AMC, Baeninger R, organizadores. Migrações: implicações passadas, presentes e futuras. Marília: Oficina Universitária, São Paulo: Cultura Acadêmica; 2012. , devido à sua própria história, marcada pelas rugosidades no espaço2121. Santos M. A natureza do espaço: técnica e tempo. Razão e emoção. 4a ed. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2012. , que fazem com que fluxos migratórios de diferentes épocas estejam representados na constituição e na paisagem do bairro. Outras vezes chamados de “enclaves étnicos”2222. Cymbalista R, Xavier IR. A comunidade boliviana em São Paulo: definindo padrões de territorialidade. Cad Metrópole. 2007; (17):119-33. , os territórios da migração se constituem voluntariamente representando a criação de redes sociais2323. Massey DS. Return to aztlan: the social process of international migration from Western Mexico. Los Angeles: University of California Press; 1987. , que facilitam a vinda de novos imigrantes e os auxiliam na inserção ao país de destino.

A importância territorial aparece inclusive nas entrevistas realizadas com os profissionais de saúde da UBS, como é possível verificar no excerto a seguir:

[...] o Bom Retiro tem uma peculiaridade [...] congrega os imigrantes do mundo. Porque aqui, você encontra de tudo, tem africano, [...], japonês, chinês, latino-americano, [...], tem de todos os continentes. Então o pequeno minimundo que o Bom Retiro é [...] ele é uma concentração de etnias e culturas. (Entrevista com profissional de saúde)

Dessa forma, a dinâmica territorial deve ser compreendida, já que os ACSs compartilham não somente o espaço do atendimento em saúde, mas também o espaço de vivência cotidiana, em um contexto no qual novas territorialidades são construídas a partir da presença de pessoas advindas de contextos sociais e culturais distintos. Esse é um dos principais diferenciais da prática dos ACSs. Eles são também agentes do território, ou seja, participam das territorialidades que se constituem na área de atuação da unidade, seus espaços de vida são os mesmos que os dos usuários da UBS1717. Jardim TA, Lancman S. Aspectos subjetivos do morar e trabalhar na mesma comunidade: a realidade vivenciada pelo agente comunitário de saúde. Interface (Botucatu). 2009; 13(28):123-35. .

Os ACSs compartilham vivências, construindo vínculos com a população, o que é imprescindível para o acompanhamento contínuo da saúde. Conhecem, portanto, quem são os sujeitos que habitam o território e, muitas vezes, compartilham das dificuldades enfrentadas por estes, já que também fazem parte da dinâmica territorial. Possuem, então, condições diferenciadas de acolher a população, que, quando imigrante, muitas vezes está “escondida”, por diversas razões, como pelas condições em que vive no país de destino, por sua documentação e por seu trabalho em condições precárias2424. Souchaud S. A confecção: nicho étnico ou nicho econômico para imigração latino-americana em São Paulo? In: Baeninger R, organizador. Imigração boliviana no Brasil. Campinas: Nepo/Unicamp, Fapesp, CNPq, Unfpa; 2012. p. 75-92. .

Sujeitos promotores da Atenção Básica aos imigrantes

A presença de imigrantes bolivianos em São Paulo é percebida desde o fim da década de 1950, decorrente de acordos bilaterais entre os dois países2525. Silva AS. Costurando sonhos: trajetória de um grupo imigrantes bolivianos em São Paulo. São Paulo: Paulinas; 1997. . Durante a década de 1980 o fluxo se intensifica, sendo decorrente de sua inserção na rota do setor têxtil, que se concentrava nos bairros centrais da cidade de São Paulo2424. Souchaud S. A confecção: nicho étnico ou nicho econômico para imigração latino-americana em São Paulo? In: Baeninger R, organizador. Imigração boliviana no Brasil. Campinas: Nepo/Unicamp, Fapesp, CNPq, Unfpa; 2012. p. 75-92.

25. Silva AS. Costurando sonhos: trajetória de um grupo imigrantes bolivianos em São Paulo. São Paulo: Paulinas; 1997.
- 2626. Silva AS. Bolivianos: a presença da cultura andina. São Paulo: Companhia Editora Nacional; 2005. .

O Bom Retiro, bairro que se compõe a partir da presença de imigrantes internacionais desde o fim do século XIX2727. Truzzi O. Etnias em convívio: o bairro do bom retiro em São Paulo. Estud Hist. 2001; 2(27):143-66. , constitui-se também em um dos locais de concentração da população boliviana, sendo onde se situa grande parte das oficinas de costura da cidade, ramo que emprega muitos dos que procuram o Brasil como país de destino2424. Souchaud S. A confecção: nicho étnico ou nicho econômico para imigração latino-americana em São Paulo? In: Baeninger R, organizador. Imigração boliviana no Brasil. Campinas: Nepo/Unicamp, Fapesp, CNPq, Unfpa; 2012. p. 75-92. , 2727. Truzzi O. Etnias em convívio: o bairro do bom retiro em São Paulo. Estud Hist. 2001; 2(27):143-66. . Tratando-se da UBS Bom Retiro uma unidade que atua por meio de um território predeterminado, os imigrantes que lá se encontram devem ser atendidos e inseridos nos serviços prestados.

É justamente a organização dos serviços que irá favorecer o acesso da população boliviana aos cuidados em saúde, já que não existem barreiras administrativas2828. Júnior NC, Oliveira RLS, Jesus CH, Luppi CG. Migração, exclusão social e serviços de saúde: o caso da população boliviana no centro da cidade de São Paulo. Bis Bol Inst Saude. 2011; 13(2):177-81. . Contudo, como foi citado por diversos profissionais durante a realização do trabalho de campo na UBS, o primeiro contato da equipe de saúde com a população boliviana apresentou distintos fatores que o dificultaram, fato que corrobora com o que já havia sido constatado por outros estudos2828. Júnior NC, Oliveira RLS, Jesus CH, Luppi CG. Migração, exclusão social e serviços de saúde: o caso da população boliviana no centro da cidade de São Paulo. Bis Bol Inst Saude. 2011; 13(2):177-81. , 2929. Martes ACB, Faleiros SM. Acesso dos imigrantes bolivianos aos serviços públicos de saúde na cidade de São Paulo. Saude Soc. 2013; 22(2):351-64. . Um dos obstáculos pode ser compreendido pela própria condição jurídica em que muitos bolivianos se encontram, estando muitas vezes indocumentados no país, fazendo com que estejam vulneráveis à situação de trabalho precária e não estando amparados pelas legislações trabalhistas brasileiras3030. Goldberg A, Silveira C. Desigualdad social, condiciones de acceso a la salud pública y procesos de atención en inmigrantes bolivianos de Buenos Aires y São Paulo: una indagación comparativa. Saude Soc. 2013; 22(2):283-97.

31. Silva CF. Precisa-se: bolivianos na indústria de confecções em São Paulo. Travessia Rev Migrante. 2009; (63):5-11.
- 3232. Silva AS. Bolivianos em São Paulo: entre o sonho e a realidade. Estud Av. 2006; 20(57):157-70. . Essa conjuntura favorece a condição de pobreza, exclusão social, estigmatização e vulnerabilidade de muitos dos bolivianos que vivem em São Paulo3232. Silva AS. Bolivianos em São Paulo: entre o sonho e a realidade. Estud Av. 2006; 20(57):157-70. .

Os profissionais de saúde entrevistados relataram que, por conta desse contexto, existia uma grande apreensão por parte dos donos das oficinas de costura em deixar que a equipe de saúde adentrasse o recinto para que pudessem cadastrar as famílias que ali viviam, pois, além de ser lugar de trabalho, também é considerado como residência de muitos dos imigrantes bolivianos. A desconfiança em receber a equipe da UBS acontecia por receio de alguma forma de fiscalização que pudesse prejudicar a permanência no país.

Além disso, a falta de informação sobre o funcionamento dos serviços brasileiros por parte dos imigrantes e dificuldades dos profissionais de saúde para acolher essa população fazia com que apesar do acesso aos serviços ser reconhecido em lei, a sua efetiva inserção fosse ainda um obstáculo. Ademais, as diferenças linguísticas e culturais também atrapalhavam a interação com a unidade de saúde, interferindo na compreensão do processo de saúde e doença, que é culturalmente determinado3333. Eshiett MUA, Parry EHO. Migrants and health: a cultural dilemma. Clin Med. 2003; 3(3):229-31. .

As populações tradicionais andinas, por exemplo, apresentam uma intensa relação com a natureza, chamada pachamama, marcando seus ritos medicinais por sua visão holística e cosmocêntrica. Compreendem que o estado de saúde se define como a regulação do equilíbrio, que engloba a saúde do indivíduo, de sua comunidade e de seu ambiente. Partindo dessa perspectiva, a doença se desenvolve como resultado de uma ruptura na ordem natural ou social3434. Súmar HED. Salud y enfermedad en el mundo andino I. Ayacucho: Ministerio de Salud; 1984. (Serie: Apuntes de Medicina Tradicional, nº 10a). . É necessário, portanto, sensibilizar-se e não descartar as distintas visões de mundo para que o atendimento em saúde possa de fato se dar de maneira integral.

Dessa forma, foi necessária a criação de estratégias para que a população boliviana que estava presente no território de abrangência da UBS pudesse ser acolhida pelos serviços. Assim, em 2001, a partir de decisões da gerência da unidade em conjunto com outros profissionais, foram contratados dois ACSs bolivianos, com o intuito de romper o obstáculo do primeiro contato.

Iniciou-se, então, o trabalho de visita às oficinas para conscientização da função da UBS e da importância do acompanhamento contínuo da saúde para a população por meio dos novos ACSs bolivianos. A contratação desses profissionais se mostrou de grande relevância não somente durante as VD, mas também no cotidiano da UBS, sendo que sempre que havia alguma dificuldade de compreensão linguística durante as consultas e não havia nenhum acompanhante com domínio do português, estes eram requisitados para a função de intérpretes. Tal fato pode ser verificado em outros estudos semelhantes, que dizem que os profissionais buscam estratégias para que, de alguma forma, possam se comunicar com os usuários imigrantes internacionais3535. Da Silva ECC, Ramos DLP. Interação transcultural nos serviços de saúde. Acta Bioeth. 2010; 16(2):180-90. .

Outras ações também foram realizadas, como participações das equipes de saúde em feiras e festas típicas bolivianas, com campanhas para medição de pressão arterial e glicemia capilar. Além disso, sendo um dos agentes comunitários bolivianos também locutor em rádios comunitárias bolivianas, um trabalho efetivo de comunicação em saúde foi realizado a partir desse meio de comunicação. A população boliviana, conhecendo a UBS Bom Retiro e reconhecendo seus direitos, passou a se apropriar do espaço e dos serviços oferecidos pela unidade de saúde, facilitado pela presença dos ACSs bolivianos.

Por meio das falas captadas durante as entrevistas realizadas com os profissionais de saúde, pôde-se perceber como o trabalho dos ACSs bolivianos foi necessário para que o atendimento na UBS fosse exercido. Os ACSs abriram espaço para que a equipe de saúde formasse uma relação de confiança com a população boliviana que necessitam atender em seu território. No trecho da entrevista a seguir, foi relatado como se deu a contratação desses profissionais e o motivo de sua necessidade:

Quando foram “contratados os agentes comunitários bolivianos”, naquele momento nós tínhamos uma necessidade importante porque a gente “não tinha muito contato com a população boliviana”, né, não tinha a entrada nas oficinas de trabalho. Eu acho que hoje a “comunidade já está bastante inserida”, né, dentro do serviço. Essa contratação foi uma política da Secretaria Municipal de Saúde na época, acho que 2001, e aí “tinha uma demanda nesse sentido” mesmo, né, por conta desse acesso, de ter profissionais que fossem bolivianos e pudessem ter um pouco mais desse entendimento, ajudar um pouco nessa linguagem também, fazendo um pouco mais desse trabalho de prevenção. (Entrevista com profissional de saúde)

Pode-se perceber em algumas falas de profissionais de outros setores da UBS um significativo reconhecimento do trabalho desenvolvido pelos ACSs por meio da constatação de uma melhoria a partir de sua atuação:

O medo deles mesmo era o contato com a gente, porque o brasileiro é meio agitado, e eles são mais recatados. Mas eles estão se envolvendo bem com a gente, os agentes de saúde estão fazendo um trabalho muito legal mesmo, tipo assim, de ter o vínculo, né, “eles estão criando o vínculo”. (Entrevista com profissional de saúde)

Pode-se verificar nessa fala a percepção de uma vulnerabilidade da população boliviana por parte da equipe de saúde, sendo que frequentemente o medo foi utilizado para se referir à atitude retraída deles. Os profissionais de saúde percebem que são pessoas que estão em uma condição social desfavorável e que o acolhimento é necessário para que possam superar essa situação.

Em falas de outros profissionais, existe a percepção sobre a importância da busca ativa realizada pelos ACSs, sendo que, sem elas, a livre demanda pelo atendimento seria mais escassa, e o atendimento ocorreria com maior dificuldade:

Não, não viriam sem os agentes de saúde, “eles fazem o papel principal” de tudo. Aqui funciona sim porque os agentes de saúde eles vão, eles conversam, tratam todo mundo igual, não existe, assim, uma desigualdade por ser de outro país, outra raça. O atendimento existe sim, os princípios do SUS estão sendo aplicados com eles sim. (Entrevista com profissional de saúde)

É possível observar a importância dada a esses profissionais por parte dos demais atores do coletivo de trabalho. Sem a cooperação e a colaboração no ambiente laboral, sabe-se que a atividade de um setor pode ser bastante prejudicada, pois, na falta delas, há necessidade de esforços adicionais por parte daqueles que trabalham, gerando insatisfação e frustação3636. Abrahão J, Sznelwar L, Silvino A, Sarmet M, Pinho D. Introdução à ergonomia: da prática à teoria. São Paulo: Blucher; 2009. .

Com relação ao encontrado nas falas dos bolivianos, percebe-se a importância de existirem bolivianos trabalhando na UBS para que possam se sentir representados, originando relações de confiança. Nas entrevistas foram encontradas falas que reconhecem a necessidade de ter alguém de confiança que pode prestar auxílio na hora do atendimento em saúde. Além disso, compreendem a importância do trabalho dos ACSs bolivianos.

Olha, pra gente não é difícil entender vocês, pra gente é difícil falar. Precisa ter uma pessoa, né, mas aquela pessoa que ajuda mesmo [...]. “Precisa ter uma pessoa que faz esse trabalho”, com paciência, porque precisa paciência, né [...]. Se a gente já fica nervoso tentando falar [...]. (Entrevista com usuário boliviano)

[Ter o ACS boliviano] ajuda, né, pra passar o resultado dos exames, porque se chega um alterado, já vai logo para o posto. É bom que “eles conhecem a gente” [...] (Entrevista com usuário boliviano)

A entrevista com o ACS boliviano demonstra como ele compreende o próprio trabalho e a importância de sua atuação para a população boliviana que vive neste território e como sua comunidade o reconhece:

Com o trabalho de rádio que a gente faz, eu tenho esse apreço, esse “respeito”, não só da minha comunidade, principalmente dos paraguaios, peruanos, argentinos, do próprio coreano, do grego, então isso é gratificante para mim. “É bem gratificante”, porque, no fim de semana, “quando eu estou caminhando na rua”, eu, ser humano, pessoa, não o agente de saúde, então vem aquele abraço, “vem aquele muito obrigado”. Meus filhos ficam muito contentes em ver, sendo testemunhas disso, eles falam: “Puxa vida, pai, como é que o senhor ganhou tanto carinho, tanto respeito deles?”. (Entrevista com o profissional)

Nessa fala, a questão do duplo pertencimento é claramente demonstrada. Ser um sujeito da promoção da saúde e ao mesmo tempo pertencer ao território de atuação torna-se uma estratégia essencial para as premissas da Atenção Básica. Esta, detalhada por Starfield55. Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre a necessidade de saúde, serviços e tecnologias. Brasília: Unesco, Ministério da Saúde; 2002. , seria a porta de entrada aos serviços de saúde, tendo como característica central a longitudinalidade do atendimento, propondo uma atenção generalizada, acessível, integrada e continuada; além de ser centrada no indivíduo e não na doença, ofertando um serviço voltado para a família e a comunidade, sem restrições de grupos de idade, gênero ou etnia55. Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre a necessidade de saúde, serviços e tecnologias. Brasília: Unesco, Ministério da Saúde; 2002. .

O trabalho realizado pelos ACSs faz com que exista uma proximidade entre população da área de abrangência e UBS; com isso, as relações de vínculo são firmadas e se faz possível um cuidado de forma integral. Esses vínculos se mostram ainda mais necessários quando se trata de uma situação na qual a população apresenta características de maior vulnerabilidade e exclusão social, como é o caso, muitas vezes, da população imigrante. Além disso, para os ACSs, a afirmação social da ação de trabalho, advinda da população atendida, confere a eles o sentido do trabalho bem-feito, na medida em que outorga o reconhecimento simbólico, tão importante para a construção de sua própria saúde mental3737. Dejours C. A sublimação, entre sofrimento e prazer no trabalho. Rev Port Psicanal. 2013; 33(2):9-28. .

Considerações finais

Com a descentralização do SUS e as transformações em suas diretrizes, foi possível a discussão sobre um acompanhamento contínuo no cuidado em saúde, contando com a promoção da saúde, e não apenas o tratamento de doenças. No entanto, para esse processo acontecer, foi necessário discutir como seria a atuação dos profissionais de saúde. A exigência de se ter agentes de saúde pertencentes à área de abrangência da UBS na qual exercem suas atividades faz com que redes de vínculo sejam reforçadas e o cuidado contínuo seja possível. No entanto, estabelecer vínculos demanda alteridade e a cultura e a língua trazem implicações inegáveis nesse processo.

No caso estudado, os agentes bolivianos contribuem para que a barreira da língua e das diferenças culturais seja minimizada. Assim, esses agentes de saúde e atores sociais contribuem para que uma visão mais ampla do conceito de saúde, que envolva todo o contexto de vida da pessoa, seja discutida e para que as diferenças culturais sejam respeitadas.

De certa forma, a presença dos agentes comunitários bolivianos favorece a inserção da população boliviana nos serviços. Esses agentes se caracterizam tanto como um dos atores sociais fundamentais para que exista a mediação entre unidade de saúde e população imigrantes quanto como uma estratégia para o alcance dessa população aos serviços. Por conta deles, a população boliviana que vive no território da UBS do Bom Retiro tem de fato a possibilidade de se inserir nos serviços, superando as barreiras de acesso colocadas socialmente.

Mesmo tendo esta exposição suas limitações por ser uma análise apenas de uma UBS, por meio do que foi colocado é possível perceber que a utilização do SUS se mostra ainda como uma estratégia de permanência no país de destino para esses imigrantes. A ação dos agentes de saúde é uma das estratégias para a criação de vínculo em um contexto de intensa transitoriedade, especialmente a contratação de ACSs estrangeiros, como os bolivianos. Entretanto, como fortalecer esses laços de confiança se o vínculo com o território ainda é muito recente? Como expandir essa inserção para os outros imigrantes não bolivianos? Deixa-se aqui, portanto, a necessidade de mais reflexões sobre os processos migratórios e suas relações com os serviços de saúde, sendo esta uma questão que cada vez mais se coloca perante as novas configurações dos fluxos populacionais.

Agradecimentos

Este estudo é decorrente de pesquisa financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, a qual fazemos aqui o devido agradecimento.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    26 Out 2018
  • Aceito
    16 Abr 2019
UNESP Botucatu - SP - Brazil
E-mail: intface@fmb.unesp.br