Programa Mais Médicos: avaliando a implantação do Eixo Formação de 2013 a 2015

Felipe Proenço de Oliveira Hêider Aurélio Pinto Alexandre Medeiros de Figueiredo Eliana Goldfarb Cyrino Aristides Vitorino de Oliveira Neto Vinícius Ximenes Muricy da Rocha Sobre os autores

Resumo

O Programa Mais Médicos (PMM), criado em 2013, estabeleceu novo marco regulatório para a graduação médica e a residência médica no Brasil, tendo a necessidade social como orientadora do processo. A presente reflexão pauta as políticas públicas e suas ações direcionadas à implementação de mudanças na formação médica no PMM e seus resultados até 2015, por meio de análise documental de fontes oficiais e literatura. Identificou-se: redução nas desigualdades regionais na distribuição de vagas de graduação; interiorização da formação; expansão de vagas de residência médica com enfoque na medicina de família e comunidade; expansão da qualificação da preceptoria; e criação do Cadastro Nacional de Especialistas. São apontados desafios enfrentados pelo PMM para alcançar efetivamente seus objetivos, a necessidade de comprometimento do Estado e as atuais ameaças a essa dimensão vital do programa, que busca a garantia do direito à saúde.

Palavras-chave:
Atenção primária à saúde; Educação médica; Programa Mais Médicos; Políticas públicas.

Introdução

O PMM foi criado em 2013 com o intuito de enfrentar os desafios que dificultam a expansão e o desenvolvimento da Atenção Básica em Saúde (ABS) e do Sistema Único de Saúde (SUS)11 Presidência da República (BR). Lei no 12.871, de 22 de Outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera a Lei 8.745, de 9 de Dezembro de 1993, e no 6.932, de 7 de Julho de 1981, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 23 Out 2013.. Está estruturado em três eixos: provimento emergencial, infraestrutura e formação médica22 Pinto HA, Sales MJT, Oliveira FP, Brizolara R, Figueiredo AM, Santos JTR. O Programa Mais Médicos e o fortalecimento da Atenção Básica. Divulg Saude Debate. 2014; 51:105-20.. O eixo de provimento emergencial baseia-se em chamadas de médicos para compor equipes da Estratégia Saúde da Família em territórios com escassez desse profissional. O eixo de infraestrutura caracteriza-se pelo aporte de recursos para a reforma, ampliação e construção de novas Unidades Básicas de Saúde. Por fim, o eixo da formação médica tem como objetivo ampliar e qualificar a formação de médicos no país, de acordo com as necessidades do SUS33 Ministério da Saúde (BR). Programa Mais Médicos - dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde; 2015..

A maior aproximação entre formação universitária e sistemas de saúde não é uma meta nova, nem apenas brasileira. A Organização Mundial da Saúde (OMS) a traz como desafio para todos os países e como seu objeto de cooperação técnica44 World Health Organization. Increasing access to health workers in remote and rural areas through improved retention. Genebra: WHO; 2010. v. 23.,55 Ceccim RB, Cyrino EG. O sistema de saúde e as práticas educativas na formação dos estudantes da área. In: Ceccim RB, Cyrino EG, editores. Formação profissional em saúde e protagonismo dos estudantes: percursos na formação pelo trabalho. Porto Alegre: Rede Unida; 2017. p. 4-26..

No Brasil, desde a década de 1970, foram propostas diversas iniciativas voltadas à adequação da formação médica às necessidades de saúde da população. A Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) esteve presente em muitos processos apoiando e fomentando mudanças na formação médica. Iniciativas como o projeto de Integração Docente Assistencial (IDA), na década de 1970, e o projeto Uma nova iniciativa na educação dos profissionais de saúde: união com a comunidade (UNI), nos anos de 1990, são consideradas como algumas das bases para maior integração ensino-serviço-comunidade6. Outro importante movimento de avaliação e proposição de mudanças na formação foi o Projeto Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico (Cinaem), composto por diversas entidades7.

Antecedendo ao PMM, é possível citar iniciativas recentes voltadas à expansão da formação médica88 OPAS - Organizacion Panamericana de la Salud. Informe final del grupo de trabajo sobre requisitos minimos para la creación de escuelas de medicina. Educ Med Salud. 1979; 13(3):1-10.,99 Cyrino EG, Pinto HA, Oliveira FP, Figueiredo AM. The Project "Mais Médicos" and training in and for the Brazilian Health System (SUS): why change it? Esc Anna Nery. 2015; 19(1):5-6. doi: 10.5935/1414-8145.20150001.
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. Um primeiro movimento de interiorização e expansão das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) e de cursos de graduação em Medicina em Ifes foi iniciado a partir de 2003, denominado pelo Ministério da Educação (MEC) como Expansão Fase 1. O programa Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), criado em 2007, orientou a reestruturação de Ifes como um segundo movimento que estimulou a interiorização e a ampliação de vagas.

O terceiro movimento foi o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (Provab)10, em 2011, criado pelo Ministério da Saúde (MS) para prover médicos em áreas de difícil acesso ou com populações vulneráveis. O programa desenvolveu estratégias de formação por meio de educação a distância, como a especialização em Saúde da Família e o Telessaúde, atividades de supervisão presencial e a distância, além de pontuação adicional de 10% nos concursos para o ingresso em programas de residência médica33 Ministério da Saúde (BR). Programa Mais Médicos - dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde; 2015.. Em sua formulação, o Provab veio ao encontro de experiências internacionais que buscam construir estratégias para responder à necessidade de uma formação médica compromissada com a interiorização e o estímulo à fixação de médicos em áreas rurais, propondo-se a responder a demandas sociais1111 Rourke J. How can medical schools contribute to the education, recruitment and retention of rural physicians in their region? Bull World Health Organ. 2010; 88(5):395-6..

Quando o PMM foi lançado, embora houvesse um número significativo77 Lampert JB. Tendências de mudança na formação médica no Brasil: tipologia das escolas. São Paulo: Hucitec, Associação Brasileira de Educação Médica; 2009. p. 309. de escolas médicas no Brasil, a proporção de egressos de cursos de Medicina por habitante era inferior à média dos países integrantes da Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE). Enquanto no Brasil havia 14.634 egressos em 2011, média de 0,74 egressos para cada dez mil habitantes1212 Martins MA, Silveira PSP, Silvestre D. Estudantes de medicina e médicos no Brasil: números atuais e projeções. Projeto avaliação das escolas médicas brasileiras: relatório I [Internet]. São Paulo; 2013 [citado 5 Fev 2018]. Disponível em: http://www.fm.usp.br/cedem/conteudo/publicacoes/cedem_92_relatoriopaemi.pdf
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, Reino Unido e Austrália tinham médias de, respectivamente, 1,1 e 0,9, e a média nos países da OCDE era de 1,061313 Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico. Health at a glance 2013: OECD Indicators [Internet]. Paris: OECD Publishing; 2013 [citado 5 Fev 2018]. doi: 10.1787/health_glance-2013-en.
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. Além de vagas insuficientes, o Brasil apresentava desigualdade na distribuição, com sua concentração nas maiores e mais ricas cidades e capitais nas regiões Sudeste e Sul do país33 Ministério da Saúde (BR). Programa Mais Médicos - dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde; 2015..

No mesmo período, no âmbito da formação de especialistas, era observado um quadro de insuficiência e má distribuição dos programas de residência, sendo essa etapa da formação considerada como inadequada às necessidades de saúde da população e do SUS1414 Alessio MM. Análise da implantação do Programa Mais Médicos [dissertação]. Brasília: Universidade de Brasília; 2015.,1515 Feuerwerker LCM. Além do discurso de mudança na educação médica - processos e resultados. São Paulo: Hucitec; 2002.. No fim de 2012, para 15.804 médicos formados foram ofertadas 11.468 vagas de acesso direto à residência com ingresso em 2013, ou seja, observava-se desproporção entre formados e vagas para residência.

Deve-se considerar que a residência médica no Brasil tem sido historicamente viabilizada basicamente com financiamento público. No entanto, até então, não existiam mecanismos definidos de regulação da necessidade e distribuição de especialistas, a exemplo de outros países com experiências exitosas de formação em sistemas universais de saúde33 Ministério da Saúde (BR). Programa Mais Médicos - dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde; 2015.,44 World Health Organization. Increasing access to health workers in remote and rural areas through improved retention. Genebra: WHO; 2010. v. 23.,66 Feuerwerker LCM. Mudanças na educação médica e residência médica no Brasil. São Paulo: Hucitec; 1998.. Nesse cenário nacional, observavam-se grandes disparidades no processo de formação. Os médicos de família representavam, em 2014, menos de 2% dos médicos do país e apenas 5% dos médicos que atuavam nas equipes de saúde da família, demonstrando um desequilíbrio significativo entre necessidade e oferta1616 López-Valcárel B, Pérez P, Vega R. Oferta, demanda e necessidade de médicos especialistas no Brasil: projeções para 2020 [Internet]. Las Palmas; 2011 [citado 5 Fev 2018]. Disponível em: http://www.sbmfc.org.br/media/file/texto24.pdf
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,1717 Fiocruz. A saúde no Brasil em 2030: diretrizes para a prospecção estratégica do sistema de saúde brasileiro. 4a ed. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2012..

O Eixo Formação do PMM buscou reordenar o processo de abertura de cursos de Medicina e de vagas para residência médica, priorizando regiões de saúde com menor relação entre vagas e médicos por habitante e com estrutura de serviços de saúde em condições de ofertar campo de prática adequado à formação. A lei estabeleceu novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), condicionando a abertura e funcionamento de cursos à sua efetiva implantação.

O PMM propôs a universalização de vagas de residência médica, definindo a especialidade Medicina de Família e Comunidade (MFC) como caminho para formação de especialistas no Brasil. O programa também instituiu o Contrato Organizativo de Ação Pública de Ensino-Saúde (Coapes) enquanto instrumento de contratualização da integração ensino-serviço1818 Presidência da República (BR). Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasilia, DF: Senado Federal; 1988.,1919 Oliveira FP, Vanni T, Pinto HA, Santos JTR, Figueiredo AM, Araújo SQ, et al. Mais Médicos: um programa brasileiro em uma perspectiva internacional. Interface (Botucatu). 2015; 19(54):623-34..

O presente estudo descreve e reflete sobre como foi proposto e desenvolvido o eixo da formação, analisa dados de sua implantação e avalia os resultados obtidos no período de 2013 a 2015. Entende-se que o âmbito educacional é a principal estratégia do PMM para ampliar o número de médicos no Brasil de 1,8 médicos por mil habitantes, vigente no ano de criação do Programa, em 2013, para a meta de 2,7 médicos por mil habitantes em 202633 Ministério da Saúde (BR). Programa Mais Médicos - dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde; 2015..

Assim, objetiva-se descrever, sistematizar, analisar e avaliar resultados obtidos de 2013 a 2015 no Eixo Formação do PMM, visando identificar impactos e desdobramentos na Saúde e na Educação. Esse processo orientou-se pelas seguintes questões norteadoras: O PMM efetivou a ampliação do número de escolas médicas e de programas de residência em proporção superior aos períodos anteriores? Quais foram as características dessa expansão comparada a períodos anteriores? O programa modificou o marco legal e os instrumentos de políticas públicas relacionadas à orientação e qualidade da formação e regulação da expansão? Essas mudanças são sustentáveis ou possibilitam a retomada dessa estratégia no futuro?

Metodologia

Trata-se de estudo documental, com revisão não sistemática da literatura sobre o PMM, utilizando as bases eletrônicas SciELO e Pubmed, com os descritores “Programa Mais Médicos”, “Mais Médicos”, “Educação Superior”, “Faculdades de Medicina” e “Educação Médica”, com o ícone “pesquisa” incluindo todos os índices. Foram considerados os idiomas inglês, português e espanhol, a partir de 2002 até o momento atual.

Foi realizada análise documental retrospectiva com o objetivo de identificar normativas (leis, regulamentações, decretos, portarias, notas técnicas com poder determinativo) disponibilizadas pelo Governo Federal em sites sobre o programa, além de documentos e publicações que possibilitaram identificar, descrever e sistematizar seus objetivos, justificativas e resultados esperados; e relacionar esses resultados com mudanças nos instrumentos de políticas públicas normatizados, ou criação de novos, a fim de compor um quadro geral de ação que funcionou como estrutura de sentidos2020 Muller P, Surel Y. A análise das políticas públicas. 3a ed. Pelotas: Educat; 2002..

Constituída a modelagem, entendida enquanto formato no qual foi estruturada a política em análise (em detrimento de outros modelos possíveis), as políticas que a antecederam foram utilizadas em outros países para problemas e questões sociais semelhantes2121 Viana AL. Enfoque metodológicos em políticas públicas: novos referenciais para os estudos sobre políticas sociais. In: Canesqui AM, editor. Ciências sociais e saúde. São Paulo: Hucitec; 1997. p. 204.. Levando-se em conta as questões de pesquisa, foram buscadas evidências da implementação da política tanto em relatórios e literatura quanto em bancos de dados analisados. A busca estruturou-se com base em desenhos típicos de estudo de avaliação de implementação2121 Viana AL. Enfoque metodológicos em políticas públicas: novos referenciais para os estudos sobre políticas sociais. In: Canesqui AM, editor. Ciências sociais e saúde. São Paulo: Hucitec; 1997. p. 204.,2222 Arretche MTS. Tendências no estudo sobre a avaliação. In: Rico EM, editor. Avaliação de políticas sociais: uma questão em debate. São Paulo: Cortez; 2001. p. 256., considerando o grau de realização dos objetivos propostos e os impactos regulatórios no setor.

Para analisar o processo de expansão de vagas de graduação em Medicina, utilizaram-se dados secundários de bases públicas dos Departamentos de Desenvolvimento da Educação em Saúde (DDES), de Gestão da Educação na Saúde (Deges) e de Planejamento e Regulação da Provisão de Profissionais de Saúde (DEPREPS). Em virtude da não existência da variável “número de vagas no momento de criação do curso” nos bancos de dados disponibilizados, foi estabelecido que o número de vagas no momento da autorização seria equivalente ao número de vagas atuais no momento da coleta. Os dados populacionais foram extraídos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O estudo foi dividido em cinco períodos: entre 1808 e 1963 (criação da primeira faculdade de Medicina até o período anterior à ditadura militar); de 1964 a 1987 (ditadura militar até o período prévio à constituição vigente); de 1988 a 2002 (Constituição Federal e período dos governos Collor e FHC); 2003 a 2012 (expansão durante o governo Lula e período do governo Dilma antes do Mais Médicos); e de 2013 a 2015 (governo Dilma com o Programa Mais Médicos)2323 Scheffer MC, Dal Poz MR. The privatization of medical education in Brazil: Trends and challenges. Hum Resour Health. 2015; 13(1):1-10. doi: 10.1186/s12960-015-0095-2.
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. Esses períodos foram utilizados para a elaboração de gráficos nos resultados. As vagas de graduação dispostas nos gráficos são as autorizadas pelo MEC, bem como as de âmbito municipal e estadual autorizadas pelos conselhos estaduais de educação.

Resultados e discussão

Expansão da graduação

A criação de vagas de graduação em Medicina no país pode ser considerado um processo tardio quando comparado a outros países, com períodos de acanhada expansão que geraram déficit no número de médicos no país. Observa-se no gráfico 1 crescimento acentuado a partir de 2003, especialmente a partir de 2013, com o PMM. A expansão média anual após o programa é 3,5 vezes maior do que o período de 2003 a 2012.

Gráfico 1
Vagas em cursos de graduação em Medicina conforme ano de criação.

A expansão após 2013 foi regulada pela Lei do PMM e priorizou a abertura de cursos em regiões com menor relação médico por habitante, fortalecendo a interiorização e a redução das desigualdades regionais. As metas previstas foram baseadas em projeções, tendo como objetivo atingir 2,7 médicos para cada mil habitantes em 2026 e melhorar a distribuição no território nacional33 Ministério da Saúde (BR). Programa Mais Médicos - dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde; 2015..

A expansão teve notório componente de equidade, como se pode ver no gráfico 2. As regiões Norte e Nordeste, com maior necessidade social e com menor capacidade de atrair e fixar profissionais2424 Girardi SN, Stralen ACS, Cella JN, Wan DML, Carvalho CL, Faria EO. Impacto do Programa Mais Médicos na redução da escassez de médicos em Atenção Primária à Saúde. Cienc Saude Colet. 2016; 21(9):2675-84., apresentavam proporção de vagas por habitantes historicamente menor do que as regiões Sul e Sudeste. Até 2002, o número de vagas por habitantes do Nordeste (0,39 vaga/10.000 habitantes) era a metade da região Sudeste (0,8 vaga/10.000 habitantes). No período de 2013 a 2015 foram criadas 6.391 vagas em cursos de Medicina, ou seja, 55% da meta do PMM, que previa a criação de 11.500 vagas até 2017.

Gráfico 2
Evolução de vagas em cursos de Medicina a cada 10.000 habitantes conforme região do país e período, Brasil, de 1963 a 2015.

A Política Nacional de Expansão das Escolas Médicas das Ifes, instituída no âmbito do PMM, foi orientada para a diminuição das disparidades regionais, a interiorização e a adoção de estratégias de aperfeiçoamento da qualidade dos cursos. Assim, a seleção dos locais para a implantação de novos cursos e aumento de vagas em cursos existentes foi um processo realizado em acordo com as Ifes, baseado em critérios como a prioridade para implantação de novos cursos em campi interiorizados; regiões com menor relação entre número de médicos e habitantes, em especial nas regiões Norte e Nordeste.

A distribuição das vagas permitiu que todas as regiões do Brasil ultrapassassem o patamar de uma vaga por dez mil habitantes e as diferenças entre elas foram reduzidas significativamente, havendo maior crescimento proporcional justamente nas regiões que apresentavam as menores taxas.

As regiões Centro-Oeste e Nordeste apresentaram crescimento superior (58% e 48%, respectivamente) ao das regiões Sul (28%), Norte (24%) e Sudeste (17%), evidenciando uma redução parcial das desigualdades regionais, de forma a vislumbrar a diminuição das iniquidades na oferta de atenção em saúde. São evidentes os avanços na expansão, ainda que aquém da meta determinada; e na mudança legal e factual do modo de expandir escolas privadas, o que será desenvolvido a seguir.

Aumento de vagas em instituições públicas e privadas

O PMM planejou a expansão de vagas de Medicina em universidades públicas, principalmente em campi de Ifes no interior, criadas no processo de expansão do ensino superior a partir de 200399 Cyrino EG, Pinto HA, Oliveira FP, Figueiredo AM. The Project "Mais Médicos" and training in and for the Brazilian Health System (SUS): why change it? Esc Anna Nery. 2015; 19(1):5-6. doi: 10.5935/1414-8145.20150001.
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. Contudo, os números planejados para essa expansão, depois de negociações que envolveram o MEC; reitores e coordenadores de curso; e a área econômica do governo, foram inferiores à meta definida pelo PMM. Assim, a diferença entre a meta final e as novas vagas ofertadas pelas Ifes seria demandada para o setor privado33 Ministério da Saúde (BR). Programa Mais Médicos - dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde; 2015..

No período de 2013 a 2015, houve importante expansão pública com forte componente de interiorização, a partir do programa de expansão federal, com contratação de professores e investimento em infraestrutura2525 Costa AM, Girardi SN, Rocha VXM, Almeida ER, Santos LMP. Mais (e melhores) médicos. Tempus [Internet]. 2015 [citado 5 Fev 2018]; 9(4):175-81. Disponível em: http://www.tempusactas.unb.br/index.php/tempus/article/view/1810
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.

Gráfico 3
Evolução do número de vagas abertas em número absoluto em cursos de Medicina conforme natureza pública ou privada e período, Brasil, 1808 a 2015.

A maior parte das vagas criadas entre 2013 e 2015 foram em instituições privadas. A maior expansão absoluta e proporcional de vagas privadas ocorreu no período de 2003 a 2012, com o Programa Universidade para Todos (ProUni) e o Programa de Financiamento Estudantil (Fies)33 Ministério da Saúde (BR). Programa Mais Médicos - dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde; 2015..

O novo marco regulatório para a expansão do ensino privado em Medicina estabeleceu que a autorização da abertura de novos cursos se daria em municípios selecionados em editais públicos que consideravam como critérios de seleção a estrutura da rede de saúde, a relação médico por habitante e vagas por habitante, em cada estado. Ao se candidatarem, os municípios precisavam comprovar a existência da rede de serviços compatível em uma avaliação in loco realizada por comissão ligada ao MEC. Além disso, deviam assumir compromissos relacionados com a manutenção e qualificação da rede. Em 2013, foi publicado o primeiro chamamento público de abrangência nacional e, em 2015, uma chamada pública específica para municípios das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

A seleção das mantenedoras também passou a ser feita a partir de editais de chamamento público, a fim de avaliar aquelas que poderiam criar os cursos nos municípios selecionados. O primeiro edital foi publicado em 2014 e estabeleceu aspectos que buscavam assegurar a viabilidade e sustentabilidade da instituição para implantar um curso com qualidade e adequado às necessidades do SUS e exigências das novas DCN2626 Ministério da Educação (BR). Edital nº 6, de 22 de Dezembro de 2014. Primeiro edital de chamada pública de mantenedoras de instituições de educação superior. Diário Oficial da União. 23 Dez 2014. p. 3.. Os critérios estabelecidos para a escolha das mantenedoras foram: a qualidade do projeto pedagógico; a infraestrutura e corpo docente do curso; o plano de contrapartida para a estrutura de serviços; o plano de formação e desenvolvimento docente; o plano de implantação da residência médica; e o plano de oferta de bolsas para alunos. O processo previa monitoramento por meio de comissão formada por especialistas e representantes do MEC, do MS, do Conselho Nacional de Educação (CNE) e do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

É importante notar que nem todas as escolas que foram autorizadas após a criação do PMM seguiram esses critérios e procedimentos, precisamente porque a lei do programa estabeleceu esse regramento somente para novos processos de abertura de cursos33 Ministério da Saúde (BR). Programa Mais Médicos - dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde; 2015., e existiam pedidos anteriores pendentes no MEC.

Compreendem-se os desafios de um processo de expansão predominantemente privado, no qual são levantados questionamentos sobre uma formação médica efetivamente comprometida com as necessidades sociais e a democratização do acesso ao ensino superior. Entretanto, entende-se que é fundamental analisar todo o formato de regulação proposto pelo PMM - e não só, como têm feito alguns estudos2323 Scheffer MC, Dal Poz MR. The privatization of medical education in Brazil: Trends and challenges. Hum Resour Health. 2015; 13(1):1-10. doi: 10.1186/s12960-015-0095-2.
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, a natureza da vaga (se pública ou privada) - para estudar e compreender as diferenças no processo de expansão ao longo da história. Além disso, são necessários novos estudos para compreender como políticas de indução e regulação do ensino superior interferem no acesso ao ensino médico e na fixação de médicos em suas regiões. Essas são questões relevantes quando observamos que ainda poucos estudos estão disponíveis nessa perspectiva do PMM.

Interiorização da formação

Foi observado um processo de interiorização com volume suficiente para inverter o número absoluto de vagas nas capitais e no interior e aumento do número de municípios com escolas médicas, conforme aponta o gráfico 4.

Gráfico 4
Evolução de vagas em cursos de Medicina segundo capital, interior e período no Brasil de 1920 a 2015.

Dentre as evidências para atração e retenção de médicos em áreas remotas, destacam-se aquelas que relacionam a formação com ações em zonas rurais, seja de abertura de cursos de Medicina nessas localidades ou mesmo de estágios rurais. Além disso, ter estudantes provenientes de localidades rurais é outra importante iniciativa para a fixação de médicos nessas localidades2727 Clark TR, Freedman SB, Croft AJ, Dalton HE, Luscombe GM, Brown AM, et al. Medical graduates becoming rural doctors: rural background versus extended rural placement. Med J Aust. 2013; 199(11):779-82.. O enfoque adotado pelo PMM de abertura de escolas médicas segue proposta semelhante a outros países, destacando-se as experiências de Medicina Rural no Canadá, na Austrália e na África do Sul33 Ministério da Saúde (BR). Programa Mais Médicos - dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde; 2015.,1212 Martins MA, Silveira PSP, Silvestre D. Estudantes de medicina e médicos no Brasil: números atuais e projeções. Projeto avaliação das escolas médicas brasileiras: relatório I [Internet]. São Paulo; 2013 [citado 5 Fev 2018]. Disponível em: http://www.fm.usp.br/cedem/conteudo/publicacoes/cedem_92_relatoriopaemi.pdf
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,2828 Vanni T, Cyrino AP, Ribeiro ACRC. Provimento médico no sistema de saúde da Austrália: uma conversa com Megan Cahill. Interface (Botucatu). 2017; 21 Supl 1:1367-75.. Segundo Cahill2828 Vanni T, Cyrino AP, Ribeiro ACRC. Provimento médico no sistema de saúde da Austrália: uma conversa com Megan Cahill. Interface (Botucatu). 2017; 21 Supl 1:1367-75., na Austrália, é necessário que 25% dos alunos venham de zonas rurais. Para esses alunos, mais importante do que sua nota é seu local de residência. Portanto, mesmo que não consigam uma pontuação adequada, ingressarão no curso porque vêm de uma área rural. A autora acrescenta que para os aborígenes a probabilidade de entrar na escola de Medicina será ainda maior, dado que não há médicos aborígenes em número suficiente.

O programa assumiu como objetivo considerar as regiões de saúde2626 Ministério da Educação (BR). Edital nº 6, de 22 de Dezembro de 2014. Primeiro edital de chamada pública de mantenedoras de instituições de educação superior. Diário Oficial da União. 23 Dez 2014. p. 3.,2929 Ministério da Saúde (BR). Resolução nº 1, de 28 de Setembro de 2011: Estabelece diretrizes gerais para a instituição de Regiões de Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), nos termos do Decreto nº 7.508, de 28 de Junho de 2011. Diário Oficial da União. 29 Set 2011. p. 3. para planejar a distribuição das vagas, buscando, assim, reverter as iniquidades regionais. Os chamamentos foram dirigidos exclusivamente a cidades que não eram capitais, não tinham curso de Medicina e distavam pelo menos 70 km de um município com escola médica. O segundo chamamento buscou atender especificamente estados com oferta insuficiente de vagas, segundo a meta de 1,34 vagas por dez mil habitantes, nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Foram considerados aptos 61 municípios nos dois editais. A efetiva implantação das vagas autorizadas ampliaria em 4.347 a oferta de vagas no país, todas no interior, e provocaria o aumento expressivo de regiões de saúde com vagas de Medicina: de 143 para 204, o que não ocorreu no período estudado em virtude de decisão do Tribunal de Contas da União, que suspendeu o andamento do primeiro edital.

Expansão e regulação da residência médica

Houve expansão das residências médicas no último período, com crescente participação do MS no financiamento de bolsas, e uma tendência de maior planejamento e regulação estatal sobre a especialidade e localidade de abertura das vagas, de acordo com o exposto a seguir.

É possível notar um processo de indução da expansão da residência e a intenção de orientar as especialidades desde 2009, ano de criação do Pró-Residência pelo MS, programa caracterizado pelo incentivo à criação de vagas de residência médica no SUS, com financiamento de bolsas para os residentes e com prioridade para o Norte, Nordeste e Centro-Oeste33 Ministério da Saúde (BR). Programa Mais Médicos - dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde; 2015.,1313 Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico. Health at a glance 2013: OECD Indicators [Internet]. Paris: OECD Publishing; 2013 [citado 5 Fev 2018]. doi: 10.1787/health_glance-2013-en.
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. Outra medida relevante foi a publicação da Portaria 1.2483030 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 1.248, de 24 de Junho de 2013. Institui a estratégia de qualificação das Redes de Atenção à Saúde (RAS) por meio do incentivo à formação de especialistas na modalidade Residência Médica em áreas estratégicas do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília: Ministério da Saúde; 2013. de 2013, na véspera do lançamento do PMM, criando uma linha de financiamento de cem milhões de reais por ano para estrutura e custeio de serviços que expandissem as vagas de residência em especialidades e regiões prioritárias.

Estudo referente ao período anterior ao PMM, considerando a intervenção do Pró-Residência, demonstra redução de desigualdades na distribuição das vagas de residência no país1313 Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico. Health at a glance 2013: OECD Indicators [Internet]. Paris: OECD Publishing; 2013 [citado 5 Fev 2018]. doi: 10.1787/health_glance-2013-en.
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. Com a criação do PMM e as normativas legais para a expansão da residência médica, essa tendência se acentuou. Ampliou-se a proporção de vagas financiadas pelo MS (de 14,4% em 2012 para 32% em 2015) e foram criadas vagas em especialidades e regiões que antes careciam dessa oferta de formação.

O incremento significativo na quantidade de vagas de residência, saindo de 12.477 vagas em 2012 e chegando a 22.064 vagas ofertadas em 2015, revela o esforço de regular a residência médica, de modo a qualificar a formação médica com uma oferta de especialização e mais ainda o direcionamento dessa oferta segundo as necessidades do SUS.

Contudo, a universalização pretendida para o PMM define um itinerário de formação de especialistas, no qual a MFC seria pré-requisito para a maioria das demais especialidades, com exceção de nove (genética médica, medicina esportiva, medicina física e reabilitação, medicina legal, medicina do trabalho, medicina do tráfego, patologia e radioterapia), que somam número pequeno de vagas. Assim, aproximadamente 90% das vagas de acesso direto teriam que ser de MFC, concretizando o objetivo do PMM de fazer com que a maioria dos médicos tivesse uma formação de um ou dois anos nessa especialidade, ainda que viessem depois a se dedicar a outra. Com efeito, entre as vagas criadas nesse período, 58% foram na área de MFC.

A criação de vagas é absolutamente insuficiente ante a necessidade de aproximadamente 16.500 para alcançar a universalização, sendo a MFC o pré-requisito para tal criação. Talvez aqui resida uma das metas do PMM que exija maior esforço institucional - envolvendo ações que criem viabilidade para a implantação de programas e promovam a ocupação de vagas por parte dos egressos da graduação - e capacidade de enfrentar resistências de setores da corporação médica que se opõem tanto a qualquer regulação pública na residência médica quanto ao estabelecimento da MFC como uma especialidade central na formação das demais3131 Alessio MM, Sousa MF. Programa Mais Médicos: elementos de tensão entre governo e entidades médicas. Interface (Botucatu). 2017; 21 Supl 1:1143-56..

Como uma das ações nesse campo, MS e MEC lançaram no fim de 2015 o Plano Nacional de Formação de Preceptores, com o objetivo de incentivar e apoiar a implantação de programas em MFC, qualificar a formação dos preceptores e oferecer incentivos tanto à atuação como preceptor quanto à ocupação das vagas de residência. O plano viabilizou a identificação dos preceptores existentes na rede de atenção à saúde e garantiu um novo financiamento para a sua formação, bem como estimulou que os futuros especialistas tivessem a possibilidade de formação em preceptoria ao longo da residência para se inserir na preceptoria assim que concluírem suas formações.

Outra medida foi a criação, em outubro de 2015, do Cadastro Nacional de Especialistas, reunindo informações de todos os médicos especialistas do país; local de atuação; e onde e como se formaram. O objetivo foi realizar o planejamento e regulação da formação de especialistas adequando-a ao interesse público e às necessidades de saúde da população11 Presidência da República (BR). Lei no 12.871, de 22 de Outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera a Lei 8.745, de 9 de Dezembro de 1993, e no 6.932, de 7 de Julho de 1981, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 23 Out 2013.,33 Ministério da Saúde (BR). Programa Mais Médicos - dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde; 2015.,3232 Presidência da República (BR). Decreto nº 8.516,de 10 de Setembro de 2015. Regulamenta a formação do Cadastro Nacional de Especialistas de que tratam o § 4o e § 5o do art. 1o da Lei no 6.932, de 7 de Julho de 1981, e o art. 35 da Lei no 12.871, de 22 de Outubro de 2013. Diário Oficial da União. 11 Set 2013. p. 5..

Entre os objetivos e metas estudados nesse artigo, a definição do itinerário de formação dos especialistas, a valorização da MFC e expansão de suas vagas rumo à universalização e o uso do Cadastro Nacional de Especialistas para a regulação da formação de especialistas estão entre aqueles que sofrem as maiores resistências de parte significativa da corporação médica3131 Alessio MM, Sousa MF. Programa Mais Médicos: elementos de tensão entre governo e entidades médicas. Interface (Botucatu). 2017; 21 Supl 1:1143-56.. A análise do contexto e das tendências quanto à correlação de forças não autoriza uma postura otimista com relação ao alcance desses objetivos nem no curto, nem no médio prazo.

Qualificação da formação médica

Em 2014, foram publicadas as novas DCN pelo CNE. O processo de elaboração contou com audiências públicas e reuniões nas quais participaram o MEC; o MS; direções e corpos docentes e discentes das universidades; gestores do SUS; e diversos segmentos da sociedade, incluindo o CNS e as entidades médicas. Essa ação sofreu importante resistência de setores conservadores no campo de educação e da prática médica3333 Oliveira FP, Costa AM, Cardoso AJC, Trindade JS, Dias IMAV. Análise das emendas parlamentares ao Programa Mais Médicos: o modelo de formação médica em disputa. Saude Debate. 2017; 41 Spe 3:60-73.. Até 2015, foi possível identificar os avanços assinalados nos elementos normativos, não sendo possível identificar quais efeitos foram produzidos no âmbito das universidades e da relação da formação com os serviços de saúde.

As diretrizes mantiveram os elementos centrais e o perfil do egresso do documento anterior; estruturaram o desenvolvimento de competências nas áreas de atenção à saúde, educação e gestão; e fortaleceram o ensino de áreas estratégicas para o desenvolvimento do SUS, tais como a ABS, a urgência e emergência e a saúde mental, especialmente no período de internato. Adequando-se às mudanças na sociedade brasileira, agregaram-se novos e reforçaram-se elementos ao processo de formação, tais como respeito à autonomia do usuário; segurança do paciente; respeito à diversidade humana; cuidado às pessoas com deficiência, atenção às questões étnicas-raciais; interprofissionalidade e trabalho em equipe; questões socioambientais; e o papel dos determinantes sociais no processo saúde-doença.

A nova diretriz apontou para a diversificação de cenários de prática e inserção em serviços de saúde ao longo do curso, em consonância com as proposições atuais para o ensino médico que apontam para a formação baseada no desenvolvimento de competências e para a compreensão da interdependência e necessidade de integração dos sistemas de ensino com os sistemas de saúde3434 Frenk J, Chen L, Bhutta ZA, Cohen J, Crisp N, Evans T, et al. Health professionals for a new century: transforming education to strengthen health systems in an interdependent world. Rev Peru Med Exp Salud Publica. 2011; 28(2):337-41.. Definiu-se a obrigatoriedade de programa de educação permanente para professores e profissionais da rede e o fortalecimento do processo de contratualização dos serviços da rede.

Observa-se o fortalecimento do processo de avaliação na graduação apontando para instrumentos que contemplem aspectos cognitivos, psicomotores e atitudinais e para a adequação das avaliações aos objetivos das DCN. Outrossim, instituiu a avaliação específica do estudante de Medicina sob os mesmos preceitos e estabeleceu o seu caráter obrigatório, processual e formativo, bem como o uso dessa avaliação nos processos seletivos para a residência. Essa avaliação foi denominada Avaliação Nacional Seriada dos Estudantes de Medicina (Anasem), sendo instituída em 2016 com o objetivo de realizar uma avaliação longitudinal.

A publicação das DCN foi seguida de uma série de desdobramentos para efetivar sua implementação e fortalecer o processo de regulação pela sociedade. Criou-se o comitê gestor do Coapes com o objetivo de elaborar as diretrizes nacionais dos contratos, envolvendo gestores do SUS, representantes do MEC, CNS, Associação Brasileira de Educação Médica (Abem) e Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (Denem).

O PMM gerou a demanda pela adequação do instrumento de avaliação dos cursos de graduação do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes) às novas DCN. Ao fim de 2015, o processo estava bastante avançado e, de fato, foi concluído em abril de 2016, após consulta pública que analisou instrumento construído por comissão composta por representantes do MEC, Ministério da Saúde, Abem, Inep, Conselho Federal de Medicina (CFM), Denem e CNS. Esse instrumento acrescentou 15 novos indicadores para avaliar o cumprimento das novas regras estabelecidas pelas DCN; fortalecer a integração ensino-serviço; criar programas de educação permanente para docentes e profissionais da rede de saúde; ampliar a articulação da graduação com os programas de residência; fortalecer a responsabilidade social das escolas e sua adequação às necessidades sociais em saúde regionais; e ampliar a participação da sociedade no processo de formação médica. Ainda em 2016, essa normativa foi substituída por instrumento que não contempla aspectos importantes estabelecidos no programa e que em parte fragilizam a capacidade de regulação da sociedade.

O PMM ampliou as ações de qualificação de docentes e preceptores. Destaca-se a criação do ProfSaúde, mestrado profissional que prioriza profissionais que atuam na atenção básica, de forma a possibilitar a formação necessária de professores para os novos cursos de Medicina no interior.

Os desdobramentos seguintes, a exemplo da efetiva implementação por parte dos ministérios da Saúde e da Educação e efeitos nas escolas médicas, serviços de saúde, atuação dos docentes e formação dos educandos extrapolam os objetivos do presente estudo e devem ser objeto de novos estudos.

Conclusão

Ao longo das últimas décadas, houve intenso processo de discussão sobre o ensino médico, que apontou para a necessidade de mudança em função das necessidades sociais da população e do SUS. Apesar dos avanços obtidos, as mudanças advindas foram insuficientes para transformar efetivamente a formação médica.

O PMM foi assumido enquanto prioridade governamental e instituído por meio de uma lei elaborada em um contexto de amplo e acirrado debate nacional. A atuação intersetorial e a construção de uma política com estratégias que objetivam uma mudança da formação médica (graduação e pós-graduação) com planejamento a curto e longo prazo são diferenciais do PMM.

A própria criação de novas estruturas no Governo Federal, como o DDES no MEC e o DEPREPS no MS, atuando conjuntamente ligados ao PMM, demonstram a densidade do movimento provocado.

As evidências disponíveis permitem afirmar que o PMM, em menos de três anos de implementação, alcançou, no eixo “mudança da formação”, um conjunto de resultados relacionados aos objetivos do programa tanto a curto quanto a longo prazo. Várias das ações realizadas foram inspiradas em programas internacionais com resultados efetivos, como é o caso do Canadá e da Austrália.

O programa foi formulado com dispositivos que visam adequar o processo de expansão de vagas às necessidades da população, além de uma série de dispositivos regulatórios para garantir a qualidade dos cursos. Ressalta-se que o planejamento realizado foi baseado em um contexto de formulação de políticas públicas que fomentavam melhoria do acesso à educação e à saúde, expansão de serviços e manutenção das prerrogativas constitucionais de expansão de financiamento de forma proporcional ao crescimento econômico.

A atual suspensão da expansão de vagas públicas e maior “flexibilidade” na expansão privada em cursos já existentes tende a gerar um viés de mercado para a formação com dificuldade de acesso para os egressos do ensino médio público. Os investimentos na expansão e manutenção nas Ifes teriam que ser mantidos para que os objetivos do PMM fossem concretizados. Alguns processos, como a pactuação pelo Coapes, também foram descontinuados. Recentemente, a Lei no 13.350 de dezembro de 2017 retirou a obrigatoriedade da necessidade de avaliação a cada dois anos da gradação em Medicina e a avaliação específica anual da residência médica.

Um ponto de destaque é a necessidade de avançar em uma proposta que possibilite atrair e valorizar docentes dos cursos implantados no interior. A alteração nos processos de avaliação e progressão dos docentes das instituições federais está prevista na lei e possibilitam a formulação de uma proposta.

Outra questão central a destacar é a necessidade de expansão da formação em MFC com a importante função de formar médicos com um olhar mais integral e generalista. Caso essa expansão não aconteça a contento, é possível que o eixo provimento deixe de ser emergencial e passe a ser prorrogado permanentemente ante a necessidade de médicos estrangeiros na periferia de grandes cidades e em áreas remotas.

Vale lembrar que, para alcançar médicos na quantidade necessária e com a formação adequada às necessidades de nossa população, é fundamental cumprir efetivamente os objetivos do Eixo Formação, seguindo a tendência estudada e apontada aqui no período de 2013 a 2015. O Brasil precisa ampliar a quantidade de médicos e melhorar a qualidade da sua formação para responder às razões que exigiram a criação do PMM e para que o país possa avançar de modo consistente na garantia do direito à saúde por meio de um sistema público, gratuito, universal, integral, equânime e com participação popular.

Finaliza-se este texto marcando que vive-se tempos de luta pela sobrevivência do SUS como um projeto político e democrático em um cenário com a forte sensação de um colapso da área pública e profunda dificuldade na continuidade de políticas sociais. A construção do SUS pela Constituição Federal de 1988 aconteceu em uma conjuntura de disputa ideológica, reorganizando relações entre Estado e sociedade com bases marcadas pela presença do neoliberalismo, por um lado, e pela luta por uma reforma democrática do Estado, por outro lado, pressuposto dos formuladores do SUS. Descrever e refletir sobre o PMM na dimensão formação é um esforço de contribuição para o registro da história vivida recentemente, um esforço para não se perder esta rica construção coletiva. Assim, de qualquer forma, é prudente aguardar um pouco mais para avaliar o resultado concreto dessas políticas adotadas. Contudo, cabe ao governo, à sociedade e à academia fazer um acompanhamento cuidadoso desse processo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Fev 2019

Histórico

  • Recebido
    06 Fev 2018
  • Aceito
    17 Ago 2018
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