Possibilidades de atuação profissional em grupos educativos de alimentação e nutrição **Este estudo teve o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp); projeto de pesquisa do processo número 2015/13716-0.

Professional performance possibilities in educational food and nutrition groups

Posibilidades de actuación profesional en grupos educativos de alimentación y nutrición

Kellem Regina Rosendo Vincha Cláudia Maria Bógus Ana Maria Cervato-Mancuso Sobre os autores

Resumos

Analisou-se a potencialidade do uso do grupo operativo (GO) em grupos de educação alimentar e nutricional a partir da atuação profissional. Trata-se de um estudo qualitativo realizado na Atenção Básica (AB) com grupos de usuários portadores de doenças crônicas relacionadas à alimentação e nutrição. Efetuou-se observação por meio de filmagem em 15 encontros, após seleção, validação e transcrição de trechos representativos de ações da nutricionista nos vetores de avaliação do GO. As ações nos vetores de pertença e de tele convergiram para a formação do vínculo e da confiança grupal. As ações no vetor de comunicação se destacaram e influenciaram na cooperação, aprendizagem e pertinência. A atuação é dependente das habilidades do profissional, que ocorrem de acordo com o referencial metodológico adotado. A potencialidade consistiu-se na avaliação direta e sistematizada dos grupos e da análise da atuação profissional.

Atenção primária à saúde; Educação alimentar e nutricional; Avaliação de processo; Processos grupais


The potential of using operative group in food and nutrition education was analyzed based on professional performance. This qualitative study was conducted in primary care with groups of users with chronic diseases related to food and nutrition. A total of 15 meetings were observed and recorded. Parts of them representing professional work in the operative group’s assessment vectors were selected, validated, and transcribed. The actions in the belonging and telé (empathy) vectors converged to build the group’s bond and trust. The actions in the communication vector were highlighted and influenced cooperation, learning, and pertinence. Performance depends on the professional’s skills, which occur according to the adopted methodological reference. The potential was constituted of direct and systematic assessment of groups and analysis of the professional performance.

Primary care; Food and nutrition education; Process assessment; Group processes


Se analizó la potencialidad del uso del grupo operativo en grupos de educación de alimentación y nutrición, a partir de la actuación profesional. Este estudio cualitativo se realizó en la Atención Básica con grupos de usuarios portadores de enfermedades crónicas relacionadas a la alimentación y a la nutrición. Se efectuó la observación por medio de filmación de 15 encuentros, después de la selección, validación y transcripción de trechos representativos de acciones de la profesional en los vectores de evaluación del grupo operativo. Las acciones en los vectores de pertenencia y de tele convergieron para la formación del vínculo y de la confianza grupal. Las acciones en el vector de comunicación se destacaron y mostraron la influencia en la cooperación en el aprendizaje y en la pertinencia. La actuación depende de las habilidades del profesional que ocurren de acuerdo con la referencia metodológica adoptada. La potencialidad consistió en la evaluación directa y sistematizada de los grupos y del análisis de la actuación profesional.

Atención primaria de la salud; Educación de alimentación y nutrición; Evaluación del proceso; Procesos grupales


Introdução

As doenças crônicas constituem um problema de saúde pública de grande magnitude, que colocam desafios aos serviços de saúde, pois seus portadores demandam cuidados frequentes e contínuos 11. World Health Organization. Global Status Report on noncommunicable diseases 2014. Genebra: WHO; 2014. , 22. Odgers-Jewell K, Isenring EA, Thomas R, Reidlinger DP. Group participants’ experiences of a patient-directed group-based education program for the management of type 2 diabetes mellitus. PLoS One. 2017; 12(5):e0177688. . No Brasil, essas doenças, em especial as relacionadas à alimentação e nutrição, estão presentes na AB, na qual o cuidado é realizado por equipes multiprofissionais 33. Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. , 44. Vincha KRR, Vieira VL, Guerra LDS, Botelho FC, Pava-Cárdenas A, Cervato-Mancuso AM. “Então não tenho como dimensionar”: um retrato de grupos educativos em saúde na cidade de São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2017; 33(9):e00037116. .

Para prevenir tais doenças e promover a saúde dos indivíduos, melhorando suas escolhas alimentares, essas equipes desenvolvem grupos de Educação Alimentar e Nutricional (EAN) com populações de territórios delimitados 44. Vincha KRR, Vieira VL, Guerra LDS, Botelho FC, Pava-Cárdenas A, Cervato-Mancuso AM. “Então não tenho como dimensionar”: um retrato de grupos educativos em saúde na cidade de São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2017; 33(9):e00037116. , 55. Vasconcelos ACCP, Magalhães R. Práticas educativas em Segurança Alimentar e Nutricional: reflexões a partir da experiência da Estratégia Saúde da Família em João Pessoa, PB, Brasil. Interface (Botucatu). 2016; 20(56):99-110. . A EAN é configurada como um campo de conhecimento e de prática transdisciplinar e multiprofissional na qual se recomenda o uso de referenciais metodológicos que prevejam processos de planejamento e de avaliação das intervenções 66. Brasil. Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Marco de referência de educação alimentar e nutricional para as políticas públicas. Brasília: Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome; 2012. .

Murimi et al. 77. Murimi MW, Kanyi M, Mupfudze T, Amin MR, Mbogori T, Aldubayan K. Factors Influencing efficacy of nutrition education interventions: a systematic review. J Nutr Educ Behav. 2017; 49(2):142-65. verificaram, em uma revisão sistemática, que os estudos que utilizam teorias na concepção das intervenções de EAN obtêm maior eficácia, o que reforça a recomendação supracitada. Porém, os autores também constataram que poucos estudiosos descrevem o processo de uso da teoria, limitando a reprodução da intervenção. Essa limitação pode ser atenuada pela realização de estudos qualitativos, já que, segundo Pava-Cárdenas et al. 88. Pava-Cárdenas A, Vieira VL, Alzate-Yepes T, Cervato-Mancuso AM. Concepções e avaliações da avaliação de processo educativo. In: Diez-Garcia RW, Cervato-Mancuso AM, organizadores. Mudanças alimentares e educação alimentar e nutricional. 2a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2017. p. 373-81. , buscam entender como o objeto de estudo acontece ou se manifesta.

Compreendendo que os resultados da intervenção de EAN são decorrentes da atuação profissional e da interação entre profissional e usuários, destacam-se, no processo de avaliação, as abordagens qualitativas e participativas 22. Odgers-Jewell K, Isenring EA, Thomas R, Reidlinger DP. Group participants’ experiences of a patient-directed group-based education program for the management of type 2 diabetes mellitus. PLoS One. 2017; 12(5):e0177688. , 44. Vincha KRR, Vieira VL, Guerra LDS, Botelho FC, Pava-Cárdenas A, Cervato-Mancuso AM. “Então não tenho como dimensionar”: um retrato de grupos educativos em saúde na cidade de São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2017; 33(9):e00037116. , 88. Pava-Cárdenas A, Vieira VL, Alzate-Yepes T, Cervato-Mancuso AM. Concepções e avaliações da avaliação de processo educativo. In: Diez-Garcia RW, Cervato-Mancuso AM, organizadores. Mudanças alimentares e educação alimentar e nutricional. 2a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2017. p. 373-81. . Contudo, Vincha et al. 44. Vincha KRR, Vieira VL, Guerra LDS, Botelho FC, Pava-Cárdenas A, Cervato-Mancuso AM. “Então não tenho como dimensionar”: um retrato de grupos educativos em saúde na cidade de São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2017; 33(9):e00037116. averiguaram que profissionais da AB que utilizam essas abordagens em grupos de EAN conduzem-nas de forma indireta e não sistematizada. Segundo as autoras, esse achado é efeito do baixo investimento no planejamento das intervenções e da insuficiência de referencial metodológico de EAN.

Um referencial de grupo que tem sido usado pelas equipes de AB por relacionar-se com a educação em saúde é a teoria do grupo operativo (GO) 99. Menezes KKP, Avelino PR. Grupos operativos na Atenção Primária à Saúde como prática de discussão e educação: uma revisão. Cad Saude Colet. 2016; 24(1):124-30.

10. Vincha KRR, Santos AF, Cervato-Mancuso AM. Planejamento de grupos operativos no cuidado de usuários de serviços de saúde: integrando experiências. Saude Debate. 2017; 41(114):949-62.
- 1111. Silva MAM. Grupo operativo com primigestas: uma estratégia de promoção à saúde. Rev Bras Promoç Saude. 2018; 31(1):1-11. , que foi criada por Pichon-Rivière em 1945. O GO constitui-se em um conjunto de indivíduos, ligados no tempo e no espaço, que se propõem a uma tarefa comum, que é o fazer dos participantes. É por meio da tarefa, e pela tarefa, que os participantes estabelecem redes de comunicação, que têm por finalidade a construção de aprendizados 1212. Pichon-Rivière E. O processo grupal. 8a ed. São Paulo: Fontes WM; 2009. .

Pichon-Rivière 1212. Pichon-Rivière E. O processo grupal. 8a ed. São Paulo: Fontes WM; 2009. , ao criar a teoria, elaborou uma escala de avaliação apoiada na classificação de modelos de comportamento grupal. A escala, composta por vetores de avaliação, é representada por um cone invertido que contém uma espiral dialética decorrente da compreensão de que há movimentos de avanços e recuos no grupo. Os vetores são pontos de referência para a atuação do coordenador; pois, por meio deles, o profissional identifica em qual(is) vetor(es) deve investir para que o grupo seja operativo e, assim, quais são as ações necessárias. O primeiro vetor é a pertença, já que, ao se incluir em um grupo, os indivíduos guardam uma distância, então, por meio da pertença cria-se uma integração, tornando possível o investimento nos outros vetores 1212. Pichon-Rivière E. O processo grupal. 8a ed. São Paulo: Fontes WM; 2009. . Nas palavras de Pichon-Rivière, os próximos são:

A cooperação consiste na contribuição, ainda que silenciosa, para a tarefa grupal [...]. Chamamos de pertinência a outra categoria, que consiste no centrar-se do grupo na tarefa [...]. A comunicação que se dá entre os membros pode ser verbal ou pré-verbal através de gestos. Neste vetor, levamos em conta não só o conteúdo da mensagem, mas também o como e o quem dessa mensagem [...]. O vetor de aprendizagem é obtido pelo somatório de informações dos integrantes do grupo, cumprindo-se em dado momento a lei da dialética de transformação de quantidade em qualidade. [...] A tele é a predisposição positiva ou negativa para trabalhar como um membro do grupo. Isso configura o clima, que pode ser traduzido como transferência positiva ou negativa do grupo com o coordenador e dos membros entre si. 1212. Pichon-Rivière E. O processo grupal. 8a ed. São Paulo: Fontes WM; 2009. (p. 175-6)

Dessa maneira, a avaliação do grupo, na teoria do GO, é realizada de forma qualitativa e participativa; e tem o sentido de nortear a atuação profissional. Isso pode avigorar a avaliação dos grupos de EAN, visto que a experiência do uso da teoria em grupos de alimentação e nutrição é restrita, mas, em outras experiências, a alimentação é uma temática que emerge do próprio grupo, sobretudo em relação à dificuldade de mudança 1010. Vincha KRR, Santos AF, Cervato-Mancuso AM. Planejamento de grupos operativos no cuidado de usuários de serviços de saúde: integrando experiências. Saude Debate. 2017; 41(114):949-62. . Além disso, essa avaliação pode responder à necessidade de instrumentos norteadores, indicadores e parâmetros para medir/julgar os resultados de grupos de promoção da saúde na AB, a qual foi revelada no estudo de Hermida et al. 1313. Hermida PMV, Heidemann ITSB, Costa MFBNA, Marçal CCB, Becker RM, Rumor PCF. Registro e avaliação das práticas de promoção da saúde nos grupos da Atenção Primária. Rev Enferm UFPE. 2016; 10(12):4581-90. .

Logo, este estudo teve por objetivo analisar a potencialidade do uso da teoria do GO em grupos de EAN, a partir da atuação profissional.

Métodos

Este estudo qualitativo, de natureza descritiva e exploratória, foi realizado com dois grupos de EAN em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) da cidade de São Paulo. Participaram dos grupos, ocorridos em 2015 e 2016, usuários de ambos os sexos e portadores de doenças crônicas relacionadas à alimentação e nutrição selecionados por meio de triagens nutricionais, conduzidas pela equipe de Nutrição. Os participantes, com as características apresentadas no quadro 1 , tinham idade média de 59 anos, grau de instrução entre ensino fundamental incompleto a superior completo e diferentes ocupações.

Quadro 1
Características dos participantes dos grupos de alimentação e nutrição. São Paulo, 2015-2016.

Os grupos, denominados de Gα e Gβ, possuíam o objetivo de fortalecer a autonomia nas escolhas alimentares dos participantes e seguiram um modelo de intervenção baseado nos referenciais de EAN 66. Brasil. Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Marco de referência de educação alimentar e nutricional para as políticas públicas. Brasília: Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome; 2012. ; promoção da saúde 1414. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde: PNaPS. Brasília: Ministério da Saúde; 2014. ; alimentação adequada e saudável 1515. Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. ; e GO 1212. Pichon-Rivière E. O processo grupal. 8a ed. São Paulo: Fontes WM; 2009. . Foram coordenados por uma nutricionista com o apoio de uma observadora e tinham como direcionadores um plano de trabalho composto por tarefa dos encontros; momentos de acolhimento, de integração/reflexão e de fechamento; e estratégias educativas ativas. Os encontros, semanais e quinzenais e de duração de uma hora e meia, contaram com a participação de dois a nove usuários a cada encontro, com média de sete por encontro.

A produção dos dados deu-se pela técnica da observação por meio de filmagem, que foi aplicada em 15 encontros, nove do Gα e seis do Gβ. Destaca-se que essa técnica permite o acesso de maneira ilimitada dos registros da intervenção e, assim, a apreensão de uma grande quantidade de aspectos e detalhes de uma ação humana considerada complexa e difícil de ser integralmente captada e descrita por um observador 1616. Pinheiro EM, Kakehashi TY, Angelo M. O uso de filmagem em pesquisas qualitativas. Rev Lat Am Enfermagem. 2005; 13(5):717-22. . Para tanto, utilizou-se uma câmera sobre um tripé, posicionada no enquadramento de corpo da nutricionista.

Para efeito de análise, realizou-se o delineamento do corpus por meio de uma seleção amostral dos vídeos com base nos vetores de avaliação do GO, seguindo os elementos de relevância e homogeneidade quanto ao foco temático específico. A seleção passou por um processo de validação, no qual a principal pesquisadora do estudo analisava os vídeos de um encontro e selecionava trechos que fossem representativos de ações da profissional nos vetores. Esses trechos eram apresentados aos pares, discutidos e, então, validados ou não 1717. Bauer MW, Aarts B. A construção do corpus: um princípio para a coleta de dados qualitativos. In: Bauer MW, Gaskell G, organizadores. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 13a ed. Petrópolis: Vozes; 2015. p. 39-63. . A discussão e a validação foram apoiadas em códigos-padrões, construídos a partir do referencial do GO 1212. Pichon-Rivière E. O processo grupal. 8a ed. São Paulo: Fontes WM; 2009. , 1818. Gayotto MLC, Alves DR, Campos EAL, Domingues I, Ribeiro JCM, Garzillo L, et al. Liderança II: aprenda a coordenar grupos. Petrópolis: Vozes; 2003. , e complementadas com a comunicação em saúde 1919. Silva MJP. Comunicação tem remédio. 9a ed. São Paulo: Loyola; 2013. .

Foram validados 34 trechos, de duração média de cinco minutos cada, que foram sistematizados no programa Microsoft Office Excel 2010. Desse modo, produziu-se um sistema de anotações de ações ou sequências de ações, que foram inicialmente agrupadas por encontro e depois por vetores, sendo elas: pertença; comunicação; cooperação; aprendizagem e pertinência; e tele. Os trechos validados foram transcritos, utilizando-se a referência de Rose 2020. Rose D. Análise de imagens em movimento. In: Bauer MW, Gaskell G, organizadores. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 13a ed. Petrópolis: Vozes; 2015. p. 343-64. , feita em duas colunas: na esquerda, descreve-se a dimensão visual da filmagem e na direita, a transcrição literal do material verbal.

Este estudo teve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, parecer número 1.035.608, e os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

Foram identificados todos os vetores de avaliação do GO nos 34 trechos, sendo que em 18 identificaram-se dois ou mais vetores. As ações da nutricionista nos vetores estão apresentadas na figura 1 , representadas pelo cone invertido de espiral dialética de Pichon-Rivière 1212. Pichon-Rivière E. O processo grupal. 8a ed. São Paulo: Fontes WM; 2009. e descritas na sequência.

Figura 1
Atuação profissional nos vetores de avaliação do GO em grupos de alimentação e nutrição. São Paulo, 2015-2016.

A ação no vetor de pertença ( figura 1 ) foi verificada principalmente nos encontros iniciais dos dois grupos, que ocorreu em favor da inclusão de todos os presentes e da identificação grupal, no sentido de estimular o trabalho conjunto por meio do vínculo. A eclosão do sentimento de pertencimento foi favorecida pelas atividades em duplas, pelo subgrupos e pelo uso de dinâmicas, nas quais os participantes tiveram a oportunidade de reconhecer semelhanças e diferenças entre eles. O sentimento de pertencimento foi visualizado mediante a expressão de gestos afetivos dentro dos grupos.

A comunicação foi o vetor mais investido pela nutricionista em ambos os grupos, sendo que a não verbal esteve presente nos 15 encontros. A ação – figura 1 – centrou-se na postura atenta, nas expressões de interesse e aceitação pelo o que estava sendo dito por meio do olhar, do sorriso, do meneio da cabeça, do uso do corpo – especialmente das mãos, para reforçar a fala –, e, em alguns momentos, do toque nos participantes.

Já a ação na comunicação verbal, nos primeiros encontros do G α , voltou-se à escuta; aos objetivos do grupo; à comparação entre situações que foram ditas e situações reais; à repetição das últimas palavras mencionadas pelos participantes; e à devolução de perguntas, com a intenção de estimular a participação de todos, visto que havia a projeção dos participantes para uma comunicação centralizada na nutricionista. Posteriormente, a ação centrou-se na facilitação do diálogo com o uso dos papéis e ao estímulo da manutenção da fala pelo grupo. No Gβ, a escuta, a validação das informações e a facilitação do diálogo foram as ações mais expressivas, uma vez que as características do grupo exigiram da profissional ação na organização e na manutenção do diálogo. Um exemplo dessa ação está apresentado no quadro 2 , que mostra, com a utilização pseudônimos para proteger o sigilo das participantes, um trecho da atividade de ressignificação do corpo e da alimentação no qual os participantes completavam frases iniciadas pela nutricionista. No trecho, pode-se perceber a aceitação, o interesse, a escuta e a validação da informação desta.

Quadro 2
Atuação profissional em grupos de alimentação e nutrição nos vetores de comunicação; e de aprendizagem e pertinência. São Paulo, 2015-2016.

A ação no vetor de cooperação foi vigente em metade dos 15 encontros, sendo que ele se relacionou com a comunicação. A ação foi empregada, predominantemente, para favorecer tanto o apoio mútuo entre os participantes quanto a produção de vínculo ou de conhecimento por meio da evocação do grupo ou de um participante em específico. A cooperação também foi visualizada no favorecimento da complementação das ações grupais por meio dos papéis emergidos, como visualizada no quadro 3 , na qual a profissional repetiu a fala de uma participante para favorecer a discussão sobre ansiedade e alimentação. Para preservar a confidencialidade, novamente, usaram-se pseudônimos.

Quadro 3
Atuação profissional em grupos de alimentação e nutrição, no vetor de cooperação. São Paulo, 2015-2016.

A ação no vetor de aprendizagem e pertinência foi identificada em 13 dos 15 encontros, sendo que em nove ela se relacionou com o vetor de comunicação. A ação ( figura 1 ) convergiu para a realização do fechamento do aprendizado coletivo, síntese das informações e conhecimentos sobre alimentação e fechamento da atividade. Pode-se observar no quadro 2 a realização da síntese do aprendizado e da atividade pela profissional como investimento nesse vetor. A ação também foi verificada no apoio ao grupo para a construção de um novo conhecimento, mediante inclusão de informações, comparação de situações discutidas, problematização do cotidiano e resgate de elementos ditos, além do esclarecimento de dúvidas pertinentes ao tema.

Por fim, a ação no vetor de tele, na maioria relacionada com a pertença, foi identificada em metade dos 15 encontros. Esta se centrou na construção do vínculo e, assim, no fortalecimento da confiança grupal, tal como na expressão ou no estímulo à expressão de sentimentos adequados à situação, por meio de uma atitude acolhedora.

Discussão

Evidenciou-se a atuação profissional por meio de ações nos vetores de avaliação do GO em dois grupos de EAN, o que permitiu a análise da potencialidade do uso da teoria do GO nesse cuidado.

As características dos grupos estão em consonância com as principais características de usuários da AB: mulheres portadoras de doenças crônicas relacionadas à alimentação e nutrição 2121. Guibu IA, Moraes JC, Guerra Júnior AA, Costa EA, Acurcio FA, Costa KS, et al. Características principais dos usuários dos serviços de atenção primária à saúde no Brasil. Rev Saude Publica. 2017; 51 Suppl 2:1-13. , 2222. Barbosa MAG, Souza NP, Arruda SGB, Melo SPSC. Participação de usuários da atenção primária em práticas de promoção da saúde. Rev Bras Promoç Saude. 2017; 30(4):1-11. . Barbosa et al. 2222. Barbosa MAG, Souza NP, Arruda SGB, Melo SPSC. Participação de usuários da atenção primária em práticas de promoção da saúde. Rev Bras Promoç Saude. 2017; 30(4):1-11. verificaram que a participação de usuários em grupos de UBS é diretamente proporcional ao aumento da idade e à presença de doenças, tornando o público estudado um grupo-alvo das práticas coletivas dos profissionais da AB. Pesquisadores 2121. Guibu IA, Moraes JC, Guerra Júnior AA, Costa EA, Acurcio FA, Costa KS, et al. Características principais dos usuários dos serviços de atenção primária à saúde no Brasil. Rev Saude Publica. 2017; 51 Suppl 2:1-13. , 2222. Barbosa MAG, Souza NP, Arruda SGB, Melo SPSC. Participação de usuários da atenção primária em práticas de promoção da saúde. Rev Bras Promoç Saude. 2017; 30(4):1-11. também indicam que a maioria desses usuários possui ensino fundamental e não dispõe de trabalho, distinguindo-se dos achados deste estudo. As características de nível superior e trabalhador podem ser atribuídas à localização da UBS e ao aumento da procura desse público pelos serviços públicos de saúde 2323. Stopa SR, Malta DC, Monteiro CN, Szwarcwald CL, Goldbaum M, Cesar CLG. Acesso e uso de serviços de saúde pela população brasileira, Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Rev Saude Publica. 2017; 51 Suppl 1:1-11. . Isso impõe a necessidade de qualificação dos grupos, dado que tal público tem acesso aos veículos de informação e demonstram preocupação com questões de saúde e de estética 2424. Guimarães NG, Dutra ES, Ito MK, Carvalho KMB. Adesão a um programa de aconselhamento nutricional para adultos com excesso de peso e comorbidades. Rev Nutr. 2010; 23(3):323-33. .

Quanto aos vetores de avaliação do GO, verificou-se relação entre os vetores de pertença e de tele, pois, por meio do investimento nesses vetores, pode-se dizer que os participantes foram se percebendo e percebendo os outros dentro de uma interação, criando, dessa maneira, uma representação afetiva do grupo, isto é, do vínculo grupal 1818. Gayotto MLC, Alves DR, Campos EAL, Domingues I, Ribeiro JCM, Garzillo L, et al. Liderança II: aprenda a coordenar grupos. Petrópolis: Vozes; 2003. . A pertença assinala que os participantes desejam permanecer nos grupos em virtude do reconhecimento de seus saberes e de suas necessidades, sejam elas afetivas, sociais ou de saúde. A tele, quando permeada pela sensação agradável e prazerosa de compartilhar e de apoiar o próximo, gera um ambiente proveitoso e interessante, o que contribui para o vínculo grupal 1111. Silva MAM. Grupo operativo com primigestas: uma estratégia de promoção à saúde. Rev Bras Promoç Saude. 2018; 31(1):1-11. .

Entretanto, para esse alcance há necessidade de uma elaboração anterior do vínculo entre profissional e usuário, na qual se manifestam ações atreladas ao passado, presente e futuro do usuário em relação ao seu cuidado nutricional. Nessa elaboração, ele transfere no presente um passado, projetando no profissional um futuro por meio da repetição 1212. Pichon-Rivière E. O processo grupal. 8a ed. São Paulo: Fontes WM; 2009. . Nos grupos, especialmente no Gα, aferiu-se que os participantes transferiram, nos primeiros encontros, para a profissional uma relação de dependência, com expectativas de que ela reforçasse normas sociais de alimentação, figuradas pelo controle. Na medida em que a profissional não assumiu a repetição, devolvendo aos grupos suas perguntas por meio do vetor de comunicação, não permitiu também o fechamento de um círculo vicioso de dependência. Assim, concorda-se com Ramos et al. 2525. Ramos TMB, Pedrão LJ, Ribeiro DF, Andrade AS. O vínculo entre profissional de saúde e pessoas com transtornos alimentares. Rev Bras Psicodrama. 2016; 24(1):34-43. a respeito da importância da divisão de responsabilidades entre todos, dentro de um espaço de convivência e de interação, da consideração da tele e da transferência no cuidado nutricional.

A elaboração do vínculo entre profissional e usuário e entre usuários tem sido enfatizada cada vez mais nos estudos e nas políticas públicas de saúde, que mostram a sua relação com a socialização e com a ligação de confiança entre os indivíduos 33. Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. , 2626. Nogueira ALG, Munari DB, Fortuna CM, Santos LF. Pistas para potencializar grupos na Atenção Primária à Saúde. Rev Bras Enferm. 2016; 69(5):964-71. , 2727. Friedrich TL, Petermann XB, Miolo SB, Pivetta HMF. Motivações para práticas coletivas na Atenção Básica: percepção de usuários e profissionais. Interface (Botucatu). 2017; 22(65):373-85. . Essas, por sua vez, têm encadeamento positivo com a adesão ao acompanhamento e, consequentemente, com a melhoria da saúde 2222. Barbosa MAG, Souza NP, Arruda SGB, Melo SPSC. Participação de usuários da atenção primária em práticas de promoção da saúde. Rev Bras Promoç Saude. 2017; 30(4):1-11. , 2626. Nogueira ALG, Munari DB, Fortuna CM, Santos LF. Pistas para potencializar grupos na Atenção Primária à Saúde. Rev Bras Enferm. 2016; 69(5):964-71. . Em grupos de usuários portadores de doenças crônicas relacionadas à alimentação e nutrição, a socialização pode contribuir na autoestima e na autopercepção destes e reduzir a ansiedade relacionada à doença; e provocar uma sensação de bem-estar aos usuários 2828. Odgers-Jewell K, Hughes R, Isenring E, Desbrow B, Leveritt M. Group facilitators’ perceptions of the attributes that contribute to the effectiveness of group-based chronic disease self-management education programs. Nutr Diet. 2015; 72(4):347-55. . Logo, investir nos vetores de pertença e tele em grupos de EAN é investir nas relações interpessoais e promover a produção do cuidado nutricional.

O resultado deste estudo referente ao vetor de comunicação foi semelhante ao achado por Marcolino e Reali 2929. Marcolino TQ, Reali AMMR. Crônicas do grupo: ferramenta para análise colaborativa e melhoria da reflexão na pesquisa-ação. Interface (Botucatu). 2 016; 20(56):65-76. , em grupos baseados no GO. Esses autores apontaram que a principal função do coordenador é facilitar a comunicação para que os participantes se envolvam na discussão e produzam aprendizados coletivamente. Nessa lógica, o profissional deve estimular a independência, a autonomia e a liderança dos participantes 2626. Nogueira ALG, Munari DB, Fortuna CM, Santos LF. Pistas para potencializar grupos na Atenção Primária à Saúde. Rev Bras Enferm. 2016; 69(5):964-71. , uma vez que, de acordo com Nogueira et al. 2626. Nogueira ALG, Munari DB, Fortuna CM, Santos LF. Pistas para potencializar grupos na Atenção Primária à Saúde. Rev Bras Enferm. 2016; 69(5):964-71. , um bom coordenador de grupo é aquele que, ao longo do tempo, torna-se dispensável ao grupo quando apoiado pela teoria em questão.

Verificou-se que a ação da profissional na comunicação foi associada com os vetores de cooperação e de aprendizagem e pertinência, condizendo com Almeida e Soares 3030. Almeida SP, Soares SM. Aprendizagem em grupo operativo de diabetes: uma abordagem etnográfica. Cien Saude Colet. 2010; 15 Suppl 1:1123-32. . Os autores referem que grupos incentivam o processo de aprendizagem por meio da comunicação e da cooperação entre os participantes, contexto no qual as informações são socializadas e articuladas à experiência, possibilitando reflexões e elaborações. Desse modo, compreende-se que a comunicação interfere na possibilidade de apoio mútuo e na expansão de novos aprendizados. Ademais, Friedrich et al. 2727. Friedrich TL, Petermann XB, Miolo SB, Pivetta HMF. Motivações para práticas coletivas na Atenção Básica: percepção de usuários e profissionais. Interface (Botucatu). 2017; 22(65):373-85. verificaram que, quando o aprendizado é construído de forma compartilhada, gera a apropriação de conhecimentos significativos pelos usuários, possibilitando seu empoderamento e a realização de mudanças positivas em suas vidas, além de produzir mudanças na prática dos profissionais, dado que todos aprendem no processo grupal.

Acentua-se na comunicação a ação da escuta por parte da profissional, que permitiu o investimento nos outros vetores do GO. Segundo Alvarenga et al. 3131. Alvarenga M, Antonaccio C, Macedo S, Vicente Júnior C. Habilidades interpessoais e de comunicação para o nutricionista. In: Alvarenga M, Figueiredo M, Timerman F, Antonaccio C, organizadores. Nutrição comportamental. 2a ed. Barueri: Manole; 2019. p. 173-200. , escutar demanda do profissional atenção, sensibilidade e percepção; diante disso, observou-se no estudo que a atenção foi modelada pela comunicação não verbal e a sensibilidade e a percepção foram expressivas pela comunicação verbal. Pesquisas 22. Odgers-Jewell K, Isenring EA, Thomas R, Reidlinger DP. Group participants’ experiences of a patient-directed group-based education program for the management of type 2 diabetes mellitus. PLoS One. 2017; 12(5):e0177688. , 2222. Barbosa MAG, Souza NP, Arruda SGB, Melo SPSC. Participação de usuários da atenção primária em práticas de promoção da saúde. Rev Bras Promoç Saude. 2017; 30(4):1-11. apontam que os usuários buscam espaços de cuidado que privilegiam a escuta e a abertura ao diálogo. Todavia, já que escutar implica em estar em silêncio, essa habilidade pode causar apreensão no profissional, quando este necessita expressar o seu saber, como foi visualizado no estudo de Frutuoso et al. 3232. Frutuoso MFP, Junqueira V, Capozzolo ÂA. A experiência de formação (em) comum de nutricionistas na Unifesp, campus Baixada Santista. Saude Debate. 2017; 41(112):298-310. com estudantes do curso de Nutrição que revelaram que escutar é uma ação adicional do escopo profissional. Esse desconforto é consequência de uma configuração enraizada de cuidado nutricional que tem na palavra um conforto, a qual tem sido criticada por apresentar ineficácia na mudança na alimentação 44. Vincha KRR, Vieira VL, Guerra LDS, Botelho FC, Pava-Cárdenas A, Cervato-Mancuso AM. “Então não tenho como dimensionar”: um retrato de grupos educativos em saúde na cidade de São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2017; 33(9):e00037116. , 3232. Frutuoso MFP, Junqueira V, Capozzolo ÂA. A experiência de formação (em) comum de nutricionistas na Unifesp, campus Baixada Santista. Saude Debate. 2017; 41(112):298-310. .

A habilidade de escuta, tal como as outras identificadas neste estudo – como as de acolher; de incentivar o compartilhamento de opiniões, saberes, dúvidas e experiências; de esclarecer dúvidas sobre saúde/doença e alimentação; de oferecer informações; e sistematizar informações e conhecimentos – faz parte de uma atuação profissional consciente, sistematizada e apreendida, que pode ser aperfeiçoada em um processo de formação 1818. Gayotto MLC, Alves DR, Campos EAL, Domingues I, Ribeiro JCM, Garzillo L, et al. Liderança II: aprenda a coordenar grupos. Petrópolis: Vozes; 2003. . Contudo, poucos profissionais que coordenam grupos possuem formação em educação grupal e poucos se fundamentam em teorias de grupos para a realização da prática 1111. Silva MAM. Grupo operativo com primigestas: uma estratégia de promoção à saúde. Rev Bras Promoç Saude. 2018; 31(1):1-11. , 2828. Odgers-Jewell K, Hughes R, Isenring E, Desbrow B, Leveritt M. Group facilitators’ perceptions of the attributes that contribute to the effectiveness of group-based chronic disease self-management education programs. Nutr Diet. 2015; 72(4):347-55. . Isso, associado à insuficiência de referencial metodológico de EAN, pode explicar a descontinuidade, a superficialidade e o caráter assistencial dos grupos de alimentação e nutrição, coordenados por profissionais da AB e evidenciados nos estudos de Vasconcelos e Magalhães 55. Vasconcelos ACCP, Magalhães R. Práticas educativas em Segurança Alimentar e Nutricional: reflexões a partir da experiência da Estratégia Saúde da Família em João Pessoa, PB, Brasil. Interface (Botucatu). 2016; 20(56):99-110. e Spina et al. 3333. Spina N, Martins PA, Vedovato GM, Laporte ASC, Zangirolani LTO, Medeiros MAT. Nutricionistas na atenção primária no município de Santos: atuação e gestão da atenção nutricional. Demetra. 2018; 13(1):117-34. .

Acrescenta-se que, em relação aos grupos aqui discutidos, essas habilidades ainda são transportadas para a EAN. Apesar da teoria do GO abarcar o processo educativo, sendo ele correspondente ao conceito da educação dialógica de Paulo Freire 3434. Quiroga A. Complementaridade dos modelos de E. Pichon-Rivière e Paulo Freire. In: Instituto Pichon-Rivière de São Paulo, organizadores. O processo educativo segundo Paulo Freire e Pichon-Rivière. 2a ed. Petrópolis: Vozes; 1989. p. 43-6. , como adotado no referencial teórico de EAN utilizado 66. Brasil. Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Marco de referência de educação alimentar e nutricional para as políticas públicas. Brasília: Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome; 2012. , os profissionais necessitam ter clareza de que a atuação nos grupos também é influenciada pelas habilidades para com a educação, sendo que os princípios de grupo e de educação devem ser sinérgicos. Nesse sentido, Silva et al. 1111. Silva MAM. Grupo operativo com primigestas: uma estratégia de promoção à saúde. Rev Bras Promoç Saude. 2018; 31(1):1-11. retratam a sinergia no dialógico, na criticidade, na reflexão e no uso de estratégias educativas ativas, corroborando o referencial teórico deste estudo.

Isso posto, torna-se considerável instigar a formação de habilidades dos coordenadores de grupos de EAN, já que, segundo Odgers-Jewell et al. 22. Odgers-Jewell K, Isenring EA, Thomas R, Reidlinger DP. Group participants’ experiences of a patient-directed group-based education program for the management of type 2 diabetes mellitus. PLoS One. 2017; 12(5):e0177688. , eles influenciam significativamente os resultados da intervenção, pois estabelecem o tom dos grupos e direcionam os processos educativos. Compreende-se que a formação dessas habilidades deve ser assegurada pelas instituições de ensino, sendo o desenvolvimento de trabalhos em grupos uma forma de promovê-las. Também pode haver o aperfeiçoamento das habilidades pela prática profissional, especialmente quando se atua em equipe multiprofissional, dado que, por intermédio de discussões sobre os grupos desenvolvidos pela equipe e/ou sobre o modo de trabalho da própria equipe, ocorre a reflexão-ação.

À vista disso, confirma-se que o resultado de um grupo de EAN é consequência da interação entre todos e da atuação profissional, que produz o grupo pelos diálogos, ditos e não ditos, a partir de uma relação de horizontalidade e proximidade com os participantes 2626. Nogueira ALG, Munari DB, Fortuna CM, Santos LF. Pistas para potencializar grupos na Atenção Primária à Saúde. Rev Bras Enferm. 2016; 69(5):964-71. . Então, é possível mencionar que o resultado é consequência do referencial metodológico de EAN adotado pelo profissional, tendo ele o requerimento do protagonismo dos participantes. Alega-se que o referencial pode ser construído pela teoria do GO, já que, neste estudo, além de oportunizar um referencial para a atuação, revelou, nas transcrições dos acontecimentos grupais, ser uma teoria promissora para a promoção da autopercepção dos participantes sobre o cuidado nutricional.

A autopercepção faz parte do empoderamento, que, por sua vez, faz parte da autonomia em saúde. Dessa forma, expõe-se que o uso do GO coaduna com os princípios da EAN, sustentados pelo Marco de Referência de EAN para as Políticas Públicas 66. Brasil. Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Marco de referência de educação alimentar e nutricional para as políticas públicas. Brasília: Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome; 2012. , como promoção do autocuidado e da autonomia; educação enquanto gerador de autonomia e participação ativa e informada dos sujeitos e planejamento; e avaliação e monitoramento das ações. Essa EAN é reconhecida pelas políticas públicas como uma estratégia para a garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA). Nesse ângulo, reconhecem-se os vastos desafios da EAN que passam pela cadeia produtiva de alimentos, medidas regulatórias e valorização da cultura alimentar 3535. Gentil PC, Bandeira LM, Coutinho JG. Marco de referência de educação alimentar e nutricional para as políticas públicas: conceito, princípios e agenda pública. In: Diez-Garcia RW, Cervato-Mancuso AM, organizadores. Mudanças alimentares e educação alimentar e nutricional. 2a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2017. p. 73-8. , os quais podem ser subsidiados por debates que procuram a compreensão e a interpretação de especificidades e singularidades locais, sendo os grupos baseados no GO uma alternativa.

A argumentação parte de dois julgamentos: esses grupos favorecem a autonomia dos indivíduos, que podem buscar a exigibilidade do DHAA; e a presença de uma teoria permite a geração e o compartilhamento de experiências e, portanto, a visibilidade da EAN, contribuindo para a sua concretização na agenda pública 3535. Gentil PC, Bandeira LM, Coutinho JG. Marco de referência de educação alimentar e nutricional para as políticas públicas: conceito, princípios e agenda pública. In: Diez-Garcia RW, Cervato-Mancuso AM, organizadores. Mudanças alimentares e educação alimentar e nutricional. 2a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2017. p. 73-8. .

Cabe reportar que o uso da teoria na AB tem suas limitações, porque participar de um grupo apoiado no GO implica para profissionais e usuários na disponibilidade de conviver com os outros a partir da subjetividade e na aceitação de si próprio 1111. Silva MAM. Grupo operativo com primigestas: uma estratégia de promoção à saúde. Rev Bras Promoç Saude. 2018; 31(1):1-11. , 1818. Gayotto MLC, Alves DR, Campos EAL, Domingues I, Ribeiro JCM, Garzillo L, et al. Liderança II: aprenda a coordenar grupos. Petrópolis: Vozes; 2003. , o que pode causar desconfortos e estranhamentos, da mesma maneira que, demandas e necessidades nutricionais individuais podem não ser contempladas, uma vez que se busca a articulação de uma tarefa comum entre todos. Nesse seguimento, a avaliação grupal deve ser integrada com uma avaliação nutricional individual 44. Vincha KRR, Vieira VL, Guerra LDS, Botelho FC, Pava-Cárdenas A, Cervato-Mancuso AM. “Então não tenho como dimensionar”: um retrato de grupos educativos em saúde na cidade de São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2017; 33(9):e00037116. .

Uma limitação da teoria e do estudo é que os vetores são indicadores processuais, o que impossibilita uma avaliação de resultado do cuidado nutricional e da implementação dos grupos na AB. Essa limitação implica em futuras investigações sobre a avaliação desses grupos e seus resultados na perspectiva dos participantes e dos serviços de saúde.

Conclusões

Evidenciou-se a potencialidade do uso da teoria do GO em grupos de EAN a partir da atuação profissional. A potencialidade consistiu na realização de avaliação direta e sistematizada dos grupos, o que produz fundamentos para o planejamento da intervenção; da integração de abordagens qualitativas e participativas na avaliação – já que as subjetividades dos usuários e do profissional estão envolvidas no processo, o que favorece uma análise ampliada da intervenção –; e da incorporação nas ações da análise contínua da atuação profissional, o que provoca a qualificação de suas habilidades e, por conseguinte, a qualificação do cuidado em grupo.

Em face da potencialidade, a teoria do GO revelou ser um referencial metodológico de EAN para os profissionais que atuam em grupos. Este estudo qualitativo, que demonstrou o processo de uso da teoria, oportuniza a reprodução das ações descritas, que parece ser vantajosa para os serviços de saúde da AB, pois a intervenção indicou uma possibilidade de promover a autonomia de usuários portadores de doenças crônicas relacionadas à alimentação e nutrição.

Agradecimento

As autoras agradecem aos participantes dos grupos, aos profissionais do Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

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    Este estudo teve o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp); projeto de pesquisa do processo número 2015/13716-0.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    06 Fev 2019
  • Aceito
    02 Dez 2019
UNESP Botucatu - SP - Brazil
E-mail: intface@fmb.unesp.br