Usuários adultos classificados como pouco urgentes em Unidade de Pronto Atendimento

Adult users classified as least urgent in Emergency Care Unit

Usuarios adultos clasificados como poco urgentes en Unidad de Urgencias

Gisele De Césaro Schafirowitz Aline Corrêa de Souza Sobre os autores

Resumos

O objetivo da presente pesquisa foi conhecer os usuários vinculados às 12 Unidades Básicas de Saúde (UBS) que se consultaram em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e receberam classificação de risco pouco urgente, em um munícípio brasileiro de grande porte, em 2017. Trata-se de uma pesquisa de abordagem quantitativa que utilizou dados secundários do serviço. Foram identificados 3.584 usuários que atenderam aos critérios do estudo. Estes representaram 7% do total de usuários dessa UPA que tiveram a mesma classificação. A maioria dos usuários possuía entre 41 e 65 anos (36,3%), principalmente mulheres (62.3%), e preferiram ser atendidos em dias e horários em que as UBSs estavam fechadas. Houve relação positiva entre o número de indivíduos cadastrados em cada UBS e a demanda de consultas pouco urgentes para adultos na UPA; além disso, a faixa etária relacionou-se com o horário de busca do atendimento. Os principais sintomas observados foram: cefaleia; dispneia; e dor abdominal, lombar e de garganta.

Gestão em saúde; Serviços médicos de emergência; Atenção Primária à Saúde; Acesso aos serviços de saúde; Sistema Único de Saúde


The objective of this study was to know the users of 12 Primary Care Units (UBSs) who went to an Emergency Care Unit (UPA) and were classified as least urgent in a Brazilian large city in 2017. The quantitative approach research used secondary data of the service. A total of 3,584 users met the study’s criteria. They represent 7% of the total users of this UPA who had the same classification. Most of the users were 41 to 65 years old (36.3%), mostly women (62.3%), and preferred days and times the UBSs were closed. There was a positive correlation between the number of individuals registered in each UBS and the demand for least urgent appointments for adults at UPA, and the age range was related to the time they sought the service. The main symptoms observed were: headache, dyspnea, abdominal and back pain, and sore throat.

Health management; Emergency medical services; Primary Healthcare; Access to healthcare; Brazilian National Health System


Conocer a los usuarios vinculados a 12 Unidades Básicas de Salud (UBS), que se consultaron en una Unidad de Urgencias (UPA, por sus siglas en portugués) y recibieron clasificación de riesgo poco urgente en un municipio brasileño de grande porte en 2017. Estudio de abordaje cuantitativo, utilizó datos secundarios del servicio. Se identificaron 3.584 usuarios que atendieron los criterios del estudio. Ellos representaron el 7% del total de usuarios de esta UPA que tuvieron la misma clasificación. La mayoría de los usuarios tenía entre 41 y 65 años (36,3%), principalmente mujeres (62,3%) y prefirieron días y horarios en que las UBS estaban cerradas. Hubo una relación positiva entre el número de individuos registrados en cada UBS y la demanda de consultas poco urgentes para adultos en la UPA y el rango de edad se relacionó con el horario de búsqueda de la atención. Los principales síntomas observados fueron: cefalea, disnea, dolor abdominal, lumbar y de garganta.

Gestión en salud; Servicios médicos de emergencia; Atención Primaria de Salud; Acceso a los servicios de salud; Sistema Brasileño de Salud


Introdução

O Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil busca constantemente a melhoria da qualidade dos serviços prestados, sendo o financiamento o grande desafio. A política de saúde vigente define que a Atenção Básica em Saúde (ABS) é a porta de entrada à rede de serviços para coordenar o cuidado e ordenar as ações e serviços de saúde disponibilizados11. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.436, de 21 de Setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 22 Set 2017; sec. 1, p. 68.. Neste artigo, utiliza-se o termo “ABS”, conforme as referências dos materiais do Ministério da Saúde11. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.436, de 21 de Setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 22 Set 2017; sec. 1, p. 68..

No contexto das urgências e emergências, o processo de trabalho das equipes de atenção básica deve contemplar um acolhimento com escuta qualificada, classificação de risco, avaliação de necessidades de saúde e a análise de vulnerabilidade, tendo em vista a responsabilidade da assistência resolutiva à demanda espontânea e o primeiro atendimento às urgências22. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política nacional de atenção básica. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2012. (Série E. Legislação em Saúde).. Apesar de muitos avanços, existe ainda a necessidade de se adequar serviços, ampliar o acesso, fortalecer os vínculos e estabelecer um sistema de referências eficaz, para que a maioria dos problemas possam ser resolvidos integralmente na sua Unidade Básica de Saúde (UBS)33. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria da Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada. Manual instrutivo da rede de atenção às urgências e emergências no Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2013. p. 24-37.,44. Oliveira DC. A universalização e o acesso à saúde: consensos e dissensos entre profissionais e usuário. Cad Saude Colet. 2017; 25(4):483-90. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/1414-462x201700040078.
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O atendimento aos usuários com quadros agudos, de acordo com as diretrizes do Ministério da Saúde, deve ser prestado por todas as portas de entrada dos serviços de saúde do SUS, mesmo que fora da área de abrangência33. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria da Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada. Manual instrutivo da rede de atenção às urgências e emergências no Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2013. p. 24-37.. A dificuldade de agendamento de consulta e o local de Atenção Primária à Saúde ficar menos tempo aberto por dia inibem o acesso a esta, o que resulta em uso excessivo dos serviços de emergência55. Carret MLV, Fassa ACG, Domingues MR. Características da demanda do serviço de saúde de emergência do Sul do Brasil. Cienc Saude Colet. 2011; 16 Supl 1:1060-79..

A Política Nacional de Atenção às Urgências incluiu a criação das UPAs, integrando-as aos serviços móveis de urgência, hospitalares, domiciliares e de Atenção Básica66. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 10, de 3 de Janeiro de 2017. Redefine as diretrizes de modelo assistencial e financiamento de UPA 24h de Pronto Atendimento como Componente da Rede de Atenção às Urgências, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2017.. As UPAs são estruturas de complexidade intermediária; atuam 24 horas por dia, todos os dias da semana; e têm pactos e fluxos previamente definidos, com o objetivo de garantir o acolhimento aos pacientes, intervir em sua condição clínica e contrarreferenciá-los para UBSs, atendimento domiciliar, Serviço de Atendimento Médico de Urgência (SAMU) e rede hospitalar, proporcionando a continuidade do tratamento com impacto positivo no quadro de saúde individual e coletivo da população77. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.600, de 7 de Julho de 2011. Reformula a Política Nacional de Atenção às Urgências e institui a Rede de Atenção às Urgências no Sistema Único de Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2011.,88. Stein AT. Acesso a atendimento médico continuado: uma estratégia para reduzir a utilização de consultas não urgentes em serviços de emergência [dissertação]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 1998..

A utilização excessiva das emergências está ligada a uma questão cultural, relacionando-se também, entre outros fatores, à qualidade da atenção oferecida; assim, conhecer a demanda é uma ação necessária para melhorar ainda mais a resolutividade desses serviços88. Stein AT. Acesso a atendimento médico continuado: uma estratégia para reduzir a utilização de consultas não urgentes em serviços de emergência [dissertação]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 1998.. Vários estudos demonstram que serviços de urgência e emergência ainda servem de porta de entrada ao sistema, mesmo em situações pouco urgentes ou não consideradas urgências médicas88. Stein AT. Acesso a atendimento médico continuado: uma estratégia para reduzir a utilização de consultas não urgentes em serviços de emergência [dissertação]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 1998.

9. Costa JSM. Serviços de urgência e emergência hospitalar: atendimento não urgente nas redes de atenção às urgências, num contexto de transformações demográficas [dissertação]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2011.

10. Feijó VBER, Cordoni JL, Souza RKT, Dias AO. Análise da demanda atendida em unidade de urgência com classificação de risco. Saude Debate. 2015; 39(106):627-36.
-1111. Botelho A, Dias IC, Fernandes T, Pinto LMC, Teixeira J, Valente M, et al. Overestimation of health urgency as a cause for emergency services inappropriate use: Insights from an exploratory economics experiment in Portugal. Health Soc Care Community. 2019; 27(4):1031-41. Doi: https://doi.org/10.1111/hsc.12720.
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. A dificuldade de acesso à assistência nos serviços de Atenção Básica, a não viabilidade das contrarreferências e a falta de leitos hospitalares são alguns dos indutores de superlotação nas emergências1212. Barbosa DVS, Barbosa NB, Najberg E. Regulação em saúde: desafios à governança do SUS. Cad Saude Colet. 2016; 24(1):49-54. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201600010106.
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A adequada organização dos serviços de saúde e o planejamento da educação permanente dos profissionais dependem do conhecimento da realidade local e das necessidades da população1313. Miccas FL, Batista SHSS. Educação permanente em saúde: metassíntese. Rev Saude Publica. 2014; 48(1):170-85.,1414. Lopes SRS, Melo LO, Pereira MF, Piovesan ETA. Potencialidades da educação permanente para a transformação das práticas de saúde. Comun Cienc Saude. 2007; 18(2):147-55.. A identificação dos usuários mais frequentes dos serviços otimiza a utilização dos cuidados de saúde e diminui o tempo de permanência de indivíduos com problemas pouco urgentes nas emergências1515. Knowlton A, Weir BW, Hughes BS, Southerland RJH, Schultz CW, Sarpatwari R, et al. Patient demographic and health factors associated with frequent use of emergency medical services in a midsized city. Acad Emerg Med. 2013; 20(11):1101-11.. Da mesma forma, a implementação de estratégias no nível de Atenção Básica, com uma assistência à saúde continuada, somada a uma abordagem integral e com ênfase na prevenção, garante um atendimento de melhor qualidade e com custo menor88. Stein AT. Acesso a atendimento médico continuado: uma estratégia para reduzir a utilização de consultas não urgentes em serviços de emergência [dissertação]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 1998..

Justifica-se a realização de investigações científicas sobre o assunto, pois, ao observarem-se os dados da Secretaria Municipal da Saúde do município estudado, em 2015 e 2016, nos serviços de emergência, mais de 60% dos usuários, entre adultos e crianças, haviam recebido classificação “pouco urgente”1616. Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Plano Municipal de Saúde 2018-2021. Secretaria Municipal da Saúde. Porto Alegre: Prefeitura Municipal; 2017 [citado 20 Jul 2019]. Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/sms/usu_doc/plano_municipal_de_saude_-_pms_2018-2021_-_revisado_em_16_01_18.pdf
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, que, segundo o protocolo de Manchester, indica que apresentam sinais e sintomas indicativos de problemas eletivos1717. Mackway-Jones K, Marsden J, Windle J. Sistema manchester de classificação de risco: classificação de risco na urgência e emergência. 2a ed. Belo Horizonte: Grupo Brasileiro de Classificação de Risco; 2010..

O objetivo do presente estudo foi conhecer e analisar a demanda e perfil dos usuários adultos vinculados a 12 UBSs, que buscaram atendimento clínico em uma UPA e foram classificados como pouco urgentes durante 2017. As variáveis pesquisadas foram: sexo; idade; principal sintoma; Unidade de Saúde de procedência; e dia e horário do atendimento.

O estudo dessas características possibilitará a implementação de ações nas duas esferas de atendimento que podem envolver desde a reorganização dos processos de trabalho das unidades até o planejamento de programas de educação permanente. Um serviço de emergência que acolhe muitos usuários, pessoas com situações pouco urgentes, pode ser considerado uma unidade sentinela do serviço de Atenção Básica.

Metodologia

Estudo retrospectivo, descritivo, de abordagem quantitativa, fundamentado na Política Nacional de Atenção Básica e de Atenção às Urgências e que considera a necessidade de planejamento e gestão em saúde para a melhoria da qualidade e do acesso à saúde. A pesquisa foi realizada em uma UPA de um município de grande porte do Rio Grande do Sul, utilizando dados secundários do banco de dados de acesso restrito do serviço. Foram incluídos no estudo 12 UBSs, cujos indivíduos adultos cadastrados estiveram em consulta na UPA em 2017 com atendimentos classificados como pouco urgentes.

Entre os atendimentos na UPA, foram excluídos os registros em duplicidade, indivíduos menores de 18 anos, vinculados ao consultório de rua e com classificação inadequada. Neste estudo, não são consideradas consultas clínicas os seguintes atendimentos: Pediatria, Odontologia e Cirurgia. Portanto, a amostra em estudo foi constituída por indivíduos adultos que receberam classificação de risco pouco urgente para a consulta com clínico na UPA, durante todo o ano de 2017, e que possuíam vínculo a essas 12 UBSs.

As variáveis analisadas foram: idade, sexo, sintoma principal, UBS de procedência (distância até a UPA e população cadastrada), estações do ano, dias e horários de chegada na UPA (diurno, noturno e horários de UBS abertas e fechadas). Por meio da identificação do sintoma discriminador utilizado no fluxograma da classificação de risco, o principal sintoma foi definido. Foram considerados dias não úteis, fins de semanas e feriados nacionais e municipais. Os horários de UBS aberta foram definidos como das 8h01 até às 18h de todos os dias úteis, pois este era o horário de funcionamento da maioria das unidades incluídas no estudo naquele ano. As distâncias de cada uma das UBSs até a UPA foram determinadas por meio da inserção dos endereços dos serviços no aplicativo Google Maps e obtendo a distância em quilômetros entre cada um deles e a UPA, em linha reta. A população adstrita e o horário de funcionamento de cada serviço foram identificados por meio de relatório fornecido pela gerência.

A UPA deste estudo é porte três, com 22 leitos e capacidade de atendimento de trezentos a 450 casos de baixa e média complexidade por dia33. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria da Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada. Manual instrutivo da rede de atenção às urgências e emergências no Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2013. p. 24-37.,66. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 10, de 3 de Janeiro de 2017. Redefine as diretrizes de modelo assistencial e financiamento de UPA 24h de Pronto Atendimento como Componente da Rede de Atenção às Urgências, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2017.. As UBSs estudadas são campo de atuação e de formação multiprofissional, além da produção do conhecimento e tecnologias em Atenção Básica à Saúde para o SUS. São responsáveis por 12 territórios-áreas de abrangência, totalizando uma população de aproximadamente cem mil pessoas1818. Brasil. Ministério da Saúde. Grupo Hospitalar Conceição. Hospital Nossa Senhora da Conceição S/A: dados fornecidos pela Gerência de Saúde Comunitária. Brasília: Ministério da Saúde; 2018..

A coleta foi realizada no “Banco de dados de acesso restrito do serviço”, que armazena as informações das classificações de risco. O período estudado foi de primeiro de janeiro à 31 de dezembro de 2017. Foi realizada análise descritiva a partir das frequências absolutas e percentuais, assim como cruzamentos bivariados e o Teste do Qui-Quadrado, além da inspeção dos resíduos ajustados1919. Zar JH. Biostatistical Analysis. 4a ed. Upper Saddle River: Prentice Hall; 1998..

O presente estudo obedeceu à resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde2020. Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de Dezembro de 2012. Diário Oficial da União. 13 Jun 2013; sec. 1, p. 59., que dispõe sobre as diretrizes e normas de pesquisas com seres humanos. Esta pesquisa foi realizada somente com dados secundários, sem a identificação das pessoas, bem como as UBSs estudadas foram codificadas com letras de A a L. Para a efetivação da pesquisa, o projeto foi aprovado pela Comissão de Pesquisa da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Nossa Senhora da Conceição – Grupo Hospitalar Conceição, que é responsável pelas pesquisas nos dois serviços estudados (Parecer n. 2.928.200). Para a realização deste estudo, não existiu nenhum tipo de conflito de interesses.

Resultados

No ano de 2017, a UPA em análise realizou 123.338 atendimentos, dos quais 73.390 foram consultas clínicas. Entre as consultas clínicas, 50,939 (69.4%) foram classificadas como pouco urgentes e 4,226 desses usuários, possuíam vínculo com as 12 UBSs em estudo. Após a exclusão de indivíduos menores de 18 anos, com atendimentos em duplicidade, com classificações inadequadas e vinculados ao consultório de rua, a população analisada foi de 3.584 usuários, o que representa 7% das pessoas que buscaram a UPA e tiveram a mesma classificação. Considerando que a população em estudo são todos os usuários classificados pouco urgentes, oriundos das 12 UBSs selecionadas e que buscaram atendimento na UPA em 2017, esses dados têm significado estatístico.

Na tabela 1, é apresentada a totalidade das classificações dos atendimentos. Observamos que as classificações verdes (pouco urgentes) são a maioria quando observamos a totalidade dos atendimentos (72,6%) e entre todos os atendimentos clínicos (69,4%). A maior procura das pessoas que se consultam na UPA é pelo atendimento clínico (59,5%).

Tabela 1
Classificações de risco dos usuários da UPA em 2017 (n = 123,338)

Na análise descritiva a que este estudo se propôs, a tabela 2 demonstra as características dos usuários estudados. Os pacientes eram na sua maioria do sexo feminino (62,6%) e a faixa etária predominante foi entre 41 e 65 anos (36,3%).

Tabela 2
Características dos usuários adultos do serviço de saúde comunitária classificados como pouco urgentes na UPA em 2017 e UBSs de procedência (n = 3584)

Com relação a horários de consultas, a maior busca de atendimento foi entre 8h e 18h (62,3%). Ao comparar os dias úteis com os demais dias do ano, a maioria dos pacientes buscou atendimento em dias úteis (63,4%). Ao combinarmos dias e horários, observa-se que 62,6% chegava à UPA em horários em que as Unidades de Saúde estavam fechadas.

Mais da metade dos pacientes estudados eram provenientes de quatro unidades (G, E, I e F). No entanto, as distâncias não interferiram na demanda de consultas, mas a população cadastrada, sim. Quando analisamos essas variáveis, o resultado sugere que pode existir uma relação linear entre a população adstrita, cujo vínculo com as unidades foi identificado, e o número de consultas na UPA, sendo a correlação igual a 0,69 (p = 0.014). Dessa forma, quanto maior a população cadastrada, maior o número de consultas. Em se tratando da distância, a relação não foi verificada.

Demonstra-se, na tabela 3, a associação entre o horário de atendimento na UPA e o horário de funcionamento das UBSs em uma das faixas etárias dos pacientes. O resultado sugere que pacientes de 66 a 80 anos estão positivamente relacionados com as consultas na UPA em horários em que as Unidades Básicas estão abertas (p < 0.001). O Teste do Qui-Quadrado de Pearson foi realizado em todas as faixas etárias e são mostrados de forma detalhada na tabela 3. O resultado apontou associação entre a faixa etária e situação de atendimento das UBS (aberta X fechada). Para identificar especificamente em quais faixas etárias a relação estava evidenciada, foi realizada inspeção dos resíduos ajustados.

Tabela 3
Relação entre faixa etária e admissão na UPA considerando o horário de funcionamento das UBSs (n = 3,584)

Os resultados sugerem que a faixa etária de 18 a 26 anos mostra-se positivamente relacionada com o horário de atendimento da UBS fechada, enquanto para as faixas etárias de 66 anos a oitenta anos e mais de oitenta anos, a relação foi positiva entre a faixa etária e o horário de atendimento da UBS aberta, sugerindo que os mais jovens buscam atendimento na UPA enquanto a UBS está fechada e, por outro lado, a procura pelos atendimentos para indivíduos com 66 anos ou mais, na UPA, é mais frequente nos horários em que a UBS está aberta. Para as faixas etárias de 27 a quarenta anos e 41 a 65 anos, os resíduos não foram significativos.

Podemos observar na tabela 4 os sintomas principais mais frequentes que os usuários classificados como pouco urgentes referiram na classificação de risco. Os mais frequentes são: dor abdominal, cefaleia, dor lombar, dispneia e dor de garganta.

Tabela 4
Sintomas principais na classificação de risco

Quando os cinco sintomas mais frequentes são distribuídos conforme os meses do ano, visualiza-se uma variação, pois, no verão, a diarreia tem maior percentual do que a dispneia, a dor lombar e a dor de garganta. No outono e no inverno, identifica-se maior percentual de dispneia se comparado aos meses de primavera e verão. A dor de garganta não aparece como os cinco mais frequentes no verão. A dor abdominal somente não é a mais frequente no inverno, pois houve mais queixas de cefaleia.

Tabela 5
Distribuição dos sintomas principais nas estações do ano

Discussão

A busca de atendimento com situações pouco urgentes é um achado comum, sendo verificado em vários estudos99. Costa JSM. Serviços de urgência e emergência hospitalar: atendimento não urgente nas redes de atenção às urgências, num contexto de transformações demográficas [dissertação]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2011.

10. Feijó VBER, Cordoni JL, Souza RKT, Dias AO. Análise da demanda atendida em unidade de urgência com classificação de risco. Saude Debate. 2015; 39(106):627-36.

11. Botelho A, Dias IC, Fernandes T, Pinto LMC, Teixeira J, Valente M, et al. Overestimation of health urgency as a cause for emergency services inappropriate use: Insights from an exploratory economics experiment in Portugal. Health Soc Care Community. 2019; 27(4):1031-41. Doi: https://doi.org/10.1111/hsc.12720.
https://doi.org/10.1111/hsc.12720...
-1212. Barbosa DVS, Barbosa NB, Najberg E. Regulação em saúde: desafios à governança do SUS. Cad Saude Colet. 2016; 24(1):49-54. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201600010106.
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,2222. Machado GVC, Oliveira FLP, Barbosa HAL, Giatti LBPF. Fatores associados à utilização de um serviço de urgência/emergência, Ouro Preto, 2012. Cad Saude Colet. 2015; 23(4):416-24. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201500040177.
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. Quando observamos a totalidade dos atendimentos do serviço em estudo, 72,59% dos usuários receberam a classificação de risco pouco urgente, um percentual maior do que a média geral de todos os prontos atendimentos de Porto Alegre, sendo de 63,06% em 2015 e 66,8% em 2016, que receberam esta mesma classificação, segundo o protocolo de Manchester66. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 10, de 3 de Janeiro de 2017. Redefine as diretrizes de modelo assistencial e financiamento de UPA 24h de Pronto Atendimento como Componente da Rede de Atenção às Urgências, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2017.. Quando avaliamos separadamente apenas os atendimentos clínicos (73.390 casos), 50.939 foram classificados como pouco urgentes (69.4%).

Ao compararmos esse resultado com três estudos nacionais envolvendo emergências hospitalares, observamos que este foi superior. Um estudo realizado em Ouro Preto considerou inadequadas 58,9% das consultas2222. Machado GVC, Oliveira FLP, Barbosa HAL, Giatti LBPF. Fatores associados à utilização de um serviço de urgência/emergência, Ouro Preto, 2012. Cad Saude Colet. 2015; 23(4):416-24. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201500040177.
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; já em outro, realizado em Londrina, foi evidenciado que 60,3% da amostra foi classificada na cor verde1010. Feijó VBER, Cordoni JL, Souza RKT, Dias AO. Análise da demanda atendida em unidade de urgência com classificação de risco. Saude Debate. 2015; 39(106):627-36.; e em outro, em Porto Alegre, observou-se que 39% dos casos não se enquadravam como casos de urgência ou de emergência88. Stein AT. Acesso a atendimento médico continuado: uma estratégia para reduzir a utilização de consultas não urgentes em serviços de emergência [dissertação]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 1998..

Estudos internacionais permitem-nos inferir que, apesar de realidades distintas, em vários países há políticas relacionadas a diminuir a busca por emergências2323. Cowling TE, Harris MJ, Watt HC, Gibbons DC, Majeed A. Access to general practice and visits to accident and emergency departments in England: cross-sectional analysis of a national patient survey. Br J Gen Pract. 2014; 64(624):e434-9. Doi: http://dx.doi.org/10.3399/bjgp14X680533.
http://dx.doi.org/10.3399/bjgp14X680533...

24. Harris MJ, Patel B, Bowen S. Primary care access and its relationship whith emergency department utilization: an observational, cross-seccional, ecological study. Br J Gen Pract. 2011; 61(593):e787-93. Doi: http://dx.doi.org/https:doi.org/10.3399/bjgp11X613124.
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-2525. Harris P, Whitty JA, Kendall E, Ratcliffe J, Wilson A, Littlejohns P, et al. The Australian public’s preferences for emergency care alternatives and the influence of the presenting context: a discrete choice experiment. BMJ Open. 2015; 5(4):e006820. Doi: http://dx.doi.org/10.1136/bmjopen-2014-006820.
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, pois apesar de controverso, gera custos desnecessários2626. Durand AC, Gentile S, Devictor B, Palazzolo S, Vignally P, Gerbeaux P, et al. ED patients: how nonurgent are they? Systematic review of the emergency medicine literature. Am J Emerg Med. 2011; 29(3):333-45.. Relaciona-se ao uso inadequado dos serviços de emergência a possibilidade da resolução do problema em serviços de Atenção Básica2222. Machado GVC, Oliveira FLP, Barbosa HAL, Giatti LBPF. Fatores associados à utilização de um serviço de urgência/emergência, Ouro Preto, 2012. Cad Saude Colet. 2015; 23(4):416-24. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201500040177.
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23. Cowling TE, Harris MJ, Watt HC, Gibbons DC, Majeed A. Access to general practice and visits to accident and emergency departments in England: cross-sectional analysis of a national patient survey. Br J Gen Pract. 2014; 64(624):e434-9. Doi: http://dx.doi.org/10.3399/bjgp14X680533.
http://dx.doi.org/10.3399/bjgp14X680533...
-2424. Harris MJ, Patel B, Bowen S. Primary care access and its relationship whith emergency department utilization: an observational, cross-seccional, ecological study. Br J Gen Pract. 2011; 61(593):e787-93. Doi: http://dx.doi.org/https:doi.org/10.3399/bjgp11X613124.
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e isso está diretamente ligado à Classificação de Risco de Manchester2727. Dixe MACR, Passadouro R, Peralta TFC, Lourenço GS, Pedro ML. Determinantes do acesso ao serviço de urgência por utentes não urgentes. Rev Enf Ref. 2018; 4(16):41-52., que caracteriza os casos como “não urgentes” ou “pouco urgentes”. Um desses estudos sugere que as alavancas para reduzir a frequência desnecessária do uso de departamento de emergência não estão no nível da Atenção Primária à Saúde, mas no nível dos determinantes sociais mais amplos da saúde, como renda, emprego, educação, moradia e níveis de criminalidade2424. Harris MJ, Patel B, Bowen S. Primary care access and its relationship whith emergency department utilization: an observational, cross-seccional, ecological study. Br J Gen Pract. 2011; 61(593):e787-93. Doi: http://dx.doi.org/https:doi.org/10.3399/bjgp11X613124.
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.

Pesquisando pacientes da emergência hospitalar, Stein88. Stein AT. Acesso a atendimento médico continuado: uma estratégia para reduzir a utilização de consultas não urgentes em serviços de emergência [dissertação]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 1998. evidenciou que usuários considerados não urgentes relataram que não buscaram a sua Unidade Básica de Saúde pelo fato, em primeiro lugar, de a unidade estar fechada quando precisou e, em segundo, porque na emergência consideravam que havia mais recursos. Em estudos realizados na Inglaterra, 26,5% dos indivíduos que se consultaram na emergência o fizeram por não conseguir atendimento com seu médico geral2323. Cowling TE, Harris MJ, Watt HC, Gibbons DC, Majeed A. Access to general practice and visits to accident and emergency departments in England: cross-sectional analysis of a national patient survey. Br J Gen Pract. 2014; 64(624):e434-9. Doi: http://dx.doi.org/10.3399/bjgp14X680533.
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e estima-se que, naquele país, aproximadamente 76% dos atendimentos de emergência poderiam ter sido evitados e potencialmente tratados no nível de Atenção Primária2424. Harris MJ, Patel B, Bowen S. Primary care access and its relationship whith emergency department utilization: an observational, cross-seccional, ecological study. Br J Gen Pract. 2011; 61(593):e787-93. Doi: http://dx.doi.org/https:doi.org/10.3399/bjgp11X613124.
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.

O presente estudo permitiu constatar que os pacientes vinculados às 12 UBSs estudadas apresentaram uma baixa procura ao atendimento na UPA, com situações pouco urgentes, pois os 3.584 usuários representaram apenas 2,9% dos 123.338 atendimentos. Além disso, apenas 1.342 usuários se consultaram em horário das unidades abertas, o que corresponde a 2,6% dos 50.939 atendimentos pouco urgentes.

A população vinculada às UBSs era na sua maioria do sexo feminino (62,6%). Vários estudos mostram que as mulheres se consultam mais em emergências ou na Atenção Primária88. Stein AT. Acesso a atendimento médico continuado: uma estratégia para reduzir a utilização de consultas não urgentes em serviços de emergência [dissertação]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 1998.,2222. Machado GVC, Oliveira FLP, Barbosa HAL, Giatti LBPF. Fatores associados à utilização de um serviço de urgência/emergência, Ouro Preto, 2012. Cad Saude Colet. 2015; 23(4):416-24. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201500040177.
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,2828. Gusso GDF. Diagnóstico de demanda em Florianópolis utilizando a Classificação Internacional de Atenção Primária: 2º edição (CIAP) [tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; 2009.

29. Abreu KP. Utilização Hospital de Clínicas de Porto Alegre por usuários com demandas não urgentes [dissertação]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2013.
-3030. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Cienc Saude Colet. 2010; 15(5):2297-4. Doi: http//dx doi.org/101590.
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.

No entanto, Feijó et al.1010. Feijó VBER, Cordoni JL, Souza RKT, Dias AO. Análise da demanda atendida em unidade de urgência com classificação de risco. Saude Debate. 2015; 39(106):627-36. relatam a predominância de usuários do sexo masculino (58,6%). Destaca-se que, neste local, há também atendimento a traumas e sabe-se que os homens são mais expostos à violência urbana.

A faixa etária predominante foi entre 27 a 65 anos, sendo que isso se repete na maioria dos estudos, pois mostram a predominância de pessoas com idade produtiva e que buscam atendimentos em emergências88. Stein AT. Acesso a atendimento médico continuado: uma estratégia para reduzir a utilização de consultas não urgentes em serviços de emergência [dissertação]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 1998.,1010. Feijó VBER, Cordoni JL, Souza RKT, Dias AO. Análise da demanda atendida em unidade de urgência com classificação de risco. Saude Debate. 2015; 39(106):627-36.,2727. Dixe MACR, Passadouro R, Peralta TFC, Lourenço GS, Pedro ML. Determinantes do acesso ao serviço de urgência por utentes não urgentes. Rev Enf Ref. 2018; 4(16):41-52.,3131. Unwin M, Crisp E, Rigby S, Kinsman L. Investigating the referral of patients with non-urgent conditions to a regional Australian emergency department: a study protocol. BMC Health Serv Res. 2018; 18(1):647..

Foi verificada a preferência dos usuários pelos dias úteis e pelos horários diurnos, o que também é demonstrado em serviços semelhantes, nas cidades de Ouro Preto e Florianópolis2424. Harris MJ, Patel B, Bowen S. Primary care access and its relationship whith emergency department utilization: an observational, cross-seccional, ecological study. Br J Gen Pract. 2011; 61(593):e787-93. Doi: http://dx.doi.org/https:doi.org/10.3399/bjgp11X613124.
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,2727. Dixe MACR, Passadouro R, Peralta TFC, Lourenço GS, Pedro ML. Determinantes do acesso ao serviço de urgência por utentes não urgentes. Rev Enf Ref. 2018; 4(16):41-52.. Machado2222. Machado GVC, Oliveira FLP, Barbosa HAL, Giatti LBPF. Fatores associados à utilização de um serviço de urgência/emergência, Ouro Preto, 2012. Cad Saude Colet. 2015; 23(4):416-24. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201500040177.
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refere que há duas vezes mais chance de consultas em dias úteis constituírem uso inadequado da UPA.

Chama atenção neste estudo o fato de que, ao combinarmos dias e horários, vê-se que 62,6% dos usuários chegavam à UPA em horários em que as Unidades de Saúde estavam fechadas, mas lembremos que, ao longo de uma semana, os serviços de Atenção Básica estão abertos por somente ٣٠٪ das horas de atendimento na UPA, o que pode estar influenciando esse dado. Quando relacionada à faixa etária com o horário de atendimento, avistou-se que os idosos se consultam mais na UPA, mesmo em horários em que as Unidades Básicas estão abertas, provavelmente porque os idosos saem menos à noite.

Cabe ressaltar que essa discrepância se explica porque os usuários preferem se consultar durante o dia mesmo em fins de semanas e pelo fato de as Unidades de Saúde ficarem abertas em uma semana por cinquenta horas e fechadas por 118 horas, gerando a impressão de distorção dos dados e com uma aparente incoerência.

Sobre a variável “procedência da demanda”, o resultado sugere que há uma relação linear entre a população adstrita e o número de consultas na UPA – quanto maior a população cadastrada, maior o número de consultas. Em se tratando da distância, a relação não foi verificada, apesar de as pesquisadoras observarem nos números absolutos uma menor utilização do serviço por moradores de bairros que possuem um acesso mais facilitado a outro pronto atendimento.

Em 2012, em um estudo da demanda de consultas não urgentes em um hospital de grande porte, identificou-se como motivo principal de consultas a dor abdominal, em 11% dos casos2929. Abreu KP. Utilização Hospital de Clínicas de Porto Alegre por usuários com demandas não urgentes [dissertação]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2013.. Torna-se relevante para os serviços incluídos neste estudo saber que os cinco principais sintomas relatados pelos pacientes no Pronto Atendimento estão entre os trinta problemas principais do diagnóstico de demanda em atenção primária, realizado em outro município do sul do país2828. Gusso GDF. Diagnóstico de demanda em Florianópolis utilizando a Classificação Internacional de Atenção Primária: 2º edição (CIAP) [tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; 2009.. As doenças respiratórias e osteomusculares, de acordo com estudo realizado em Minas Gerais, são as principais causas de consulta inadequadas e consideradas não urgentes2222. Machado GVC, Oliveira FLP, Barbosa HAL, Giatti LBPF. Fatores associados à utilização de um serviço de urgência/emergência, Ouro Preto, 2012. Cad Saude Colet. 2015; 23(4):416-24. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201500040177.
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Os sintomas principais relatados pelos usuários neste estudo são dor abdominal, cefaleia, dor lombar, dispneia e dor de garganta, enquanto os principais motivos de procura por emergências e pronto atendimentos se referem a doenças infecciosas e parasitárias e doenças do aparelho circulatório2222. Machado GVC, Oliveira FLP, Barbosa HAL, Giatti LBPF. Fatores associados à utilização de um serviço de urgência/emergência, Ouro Preto, 2012. Cad Saude Colet. 2015; 23(4):416-24. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201500040177.
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. Porém, esses estudos são sobre todos os tipos de classificações.

Conclusão

Os resultados desta pesquisa adicionam informações sobre um problema muito prevalente em todo o mundo: a questão da aglomeração de pessoas em serviços de urgências e emergências. A busca por serviços de emergência com situações pouco urgentes é um problema mundial3030. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Cienc Saude Colet. 2010; 15(5):2297-4. Doi: http//dx doi.org/101590.
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. Pesquisas anteriores demonstraram que uma proporção significativa de pacientes com condições não urgentes, que se consultou em serviços de emergências, tentou antes acessar serviços alternativos3131. Unwin M, Crisp E, Rigby S, Kinsman L. Investigating the referral of patients with non-urgent conditions to a regional Australian emergency department: a study protocol. BMC Health Serv Res. 2018; 18(1):647..

O número de consultas no serviço de emergência foi pequeno se considerarmos que os usuários são procedentes de 12 unidades básicas de saúde, com uma população adstrita de cem mil pessoas. Portanto, infere-se que os usuários cadastrados nessas UBSs têm um vínculo adequado e provavelmente uma boa qualidade de atendimento.

Essa demanda existe e, mesmo em países desenvolvidos, os pacientes encontram dificuldades em conseguir uma consulta na Atenção Básica, buscando os prontos atendimentos2323. Cowling TE, Harris MJ, Watt HC, Gibbons DC, Majeed A. Access to general practice and visits to accident and emergency departments in England: cross-sectional analysis of a national patient survey. Br J Gen Pract. 2014; 64(624):e434-9. Doi: http://dx.doi.org/10.3399/bjgp14X680533.
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,2424. Harris MJ, Patel B, Bowen S. Primary care access and its relationship whith emergency department utilization: an observational, cross-seccional, ecological study. Br J Gen Pract. 2011; 61(593):e787-93. Doi: http://dx.doi.org/https:doi.org/10.3399/bjgp11X613124.
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. A percepção equivocada da gravidade dos sintomas pode explicar, em parte, o uso inadequado dos departamentos de emergência dos hospitais por pacientes não urgentes1111. Botelho A, Dias IC, Fernandes T, Pinto LMC, Teixeira J, Valente M, et al. Overestimation of health urgency as a cause for emergency services inappropriate use: Insights from an exploratory economics experiment in Portugal. Health Soc Care Community. 2019; 27(4):1031-41. Doi: https://doi.org/10.1111/hsc.12720.
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Os modelos de atenção devem ser focados nas necessidades de saúde da população; portanto, a criação e consequente utilização de protocolos estão voltados às demandas mais prevalentes3232. Uchôa SAC, Camargo JKR. Os protocolos e a decisão médica: medicina baseada em vivências e ou evidências? Cienc Saude Colet. 2010; 15(4):2241-9. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232010000400038.
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. Considerando essas características identificadas e individualizadas, deve-se planejar mudanças que proporcionem acesso mais oportuno à Atenção Básica em todo o município, pois isso reduz o uso inadequado de serviços de emergências. Ações que qualifiquem os prontos atendimentos da mesma forma podem diminuir a aglomeração e o tempo de espera, por realizarem um atendimento mais organizado e resolutivo. Toda a rede de saúde deve estar integrada, desde que organizada e pactuada, pois isso possibilita a continuidade do cuidado. Um serviço deve complementar a ação do outro e todos devem agir na tentativa de o centro da atenção ser o paciente e sua família.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Set 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    03 Out 2019
  • Aceito
    06 Jul 2020
UNESP Botucatu - SP - Brazil
E-mail: intface@fmb.unesp.br